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1 Idem.
2.1 Projeto de Código Penitenciário de 1933 (Cândido Mendes, Lemos Brito
e Heitor Carrilho)
5 Frise-se que a injunção do uniforme listrado é tida aqui como efetiva sanção disciplinar, o que atesta
seu caráter degradante.
(art. 618).
Em suma, as diversas proposituras de Cândido Mendes, Lemos de Britto e
Heitor Carrilho evidenciam que todo o plano de regulamentação da execução
penal no Brasil já partiu de premissas inteiramente positivistas e antropológicas
no enfrentamento da questão penitenciária, alijando o saber jurídico em prol de
um despotismo clínico de difícil refutação e dissociação, cujos efeitos parecem
intermináveis.
7 No que tange à imposição de vestes listradas, assevera o projeto, no item 26 da Exposição de Motivos:
"Estas desmoralizam a quem se vê compelido a usá-las, mas, acima de tudo, os foros de cultura da nação
que as conserva". 116
8 Vislumbra-se, aqui, uma permanência do ideário positivista clínico.
Para tanto, previu-se a criação de dois organismos técnicos próprios. O primeiro
deles chamar-se-ia "Serviço de Observação Preparatória", composto por um
psiquiatra, um clínico e um assistente social, possuindo a função de examinar a
personalidade dos presos provisórios, de modo a identificar as condições
mentais, a motivação do fato imputado e a existência ou não de periculosidade.
O laudo conclusivo deste órgão deveria ser remetido à autoridade judiciária
competente, para a instrução do processo criminal (art. 226)9.
Por sua vez, o segundo organismo técnico, denominado "Serviço de
Recuperação", seria responsável pelo estudo da personalidade dos condena-
dos, distribuindo-os em classes, para a determinação do tratamento conveniente
(art. 47). A apreciação anamnéstica da personalidade deveria atender ao estudo
do indivíduo pelos aspectos clínico, morfológico, fisiológico e neuropsiquiátrico
(art. 53, §19), passando pela análise de sua inteligência, sentimentos, instintos,
tendências e aptidões (art. 53, §29), bem como de sua vida pregressa, formação
religiosa e nível cultural (art. 53, §39)10.
Como se não bastasse, o escopo do referido tratamento seria, nos dizeres
do projeto, o de "transformar o ser anti-social em um homem capaz de conviver,
em liberdade, com os homens livres" (item 18 da Exposição de Motivos). Assim
como o serviço de recuperação, os demais setores técnicos dos
estabelecimentos penitenciários também deveriam dirigir suas atividades no
sentido da recuperação social (art. 39), mediante uma "ação educativa e
sanadora sobre os recolhidos, para curar-lhes os males do corpo e da alma,
incutir-lhes hábitos morais [...]" (item 18 da Exposição de Motivos).
Apesar de Stevenson apregoar a autonomia entre um Direito Penal, pri-
mariamente retributivo, e um Direito Penitenciário, que adota como principal d
escopo secundário do Direito Penal - recuperação do condenado a pro- p<«ta
reformadora do novo projeto é acompanhada por um arcabouço punitivo
bastante rigoroso, não apenas em relação ao elenco de faltas disciplinares, mas
I ">aí a opção de Lyra por inserir no Código das Execuções Penais apenas
as iHirmas gerais (art. I2) em matéria executiva, de modo a traçar os parâmetros
norteadores para a regulamentação implementada nos diversos Estados, se-
cundo as suas particularidades. Assim, assevera que "normas gerais facilitarão
e estimularão os avanços para a ação, e não a reação, não contra, mas a favor
dos homens mais necessitados - causa, objeto e fim da execução"15. Tal
característica i oi na o novo projeto ontologicamente diverso de seus
antecessores, já que a 11 igência, o detalhismo e o complexo de ritos, antes
verificados, cedem lugar à estruturação organizacional, à edificação de diversos
conceitos (arts. 2S ao 89) r .1 declaração principiológica, atinentes à execução da
pena.
Dentre os axiomas ventilados pelo novo anteprojeto, destacam-se os iue
12 Cf. Projeto e Anteprojetos de Código Penitenciário. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1978, p. 200.
13Idem, p. 205.
14 Idem, p. 209. 120
15 Idem, p. 203.
preceituam que a lei penal executiva terá aplicação imediata e retroagirá para
beneficiar o sentenciado (art. 11), podendo inclusive ser aplicada por • inalogia
(art. 12), e que a interpretação da lei penal executiva admitirá a extensão, bem
como o suplemento da ciência e da técnica especializadas (art. 13). De todo
modo, segundo o novo projeto, a execução da pena deve- ii.i ser encarada de
modo eminentemente finalístico, dando-se mais valor ao utilitarismo político16
doque ao conteúdo jurídico do ordenamento. Em linhas gerais, Lyra entendia
que a pena privativa de liberdade deveria ser ministrada com o propósito de
exercer sobre o sentenciado uma ação propedêutica, com vistas à sua
reinserção social.
A preocupação com a judicialização da execução também é recorrente no
projeto em tela. Irresignado com as arbitrariedades praticadas pelas autoridades
custodiantes, Lyra apôs em seu anteprojeto o dispositivo segundo o qual as
margens do critério administrativo serão preenchidas sempre com o senso da
dignidade e solidariedade humanas (art. 14). Ainda nesse contexto, constata o
autor:
124
2.4 Anteprojeto de Código Penitenciário de 1970 (Benjamin Moraes Filho)
23 Idem, p. 272.
ordem e o sentimento de respeito ao seu semelhante, o que demonstra a
inflexibilidade deste axioma em sede penitenciária.
A exemplo da proposta de 1963, o anteprojeto de 1970 se absteve de
detalhar as faltas disciplinares em espécie, deixando esta tarefa a cargo dos
regulamentos estaduais. Arrolou, no entanto, os diversos tipos de sanção
disciplinar, bem como a forma de sua aplicação, no intuito de federalizar o
poder de regulamentação punitiva, evitando, assim, as cominações excessivas,
os ritos discricionários e a condução tendenciosa do procedimento de apuração
das faltas e injunção das sanções disciplinares carcerárias. Poderiam ser
aplicadas, desse modo, as sanções de repreensão, de isolamento na própria
cela, em alojamento coletivo ou em cela de segurança, pelo máximo de noventa
dias (art. 113), e de transferência de estabelecimento (art. 108), além das
sanções secundárias de perda de regalias, rebaixamento de índice disciplinar e
apreensão de valores ou objetos (art. 109).
Dentre as sanções disciplinares, possui especial destaque o isolamento em
cela de segurança, consistente na segregação do faltoso e uma cela com as
mesmas dimensões, higiene, aeração e iluminação da cela comum, porém
dotada "com a mínima estrutura necessária para a subsistência do apenado -
cama e instalação sanitária" (art. 110). Tal punição reeditaria a sanção de
confinamento em célula disciplinar, constante do anteprojeto de 1957, sendo
porém triplicada em sua duração, eis que infligida não mais pelo máximo de
trinta, mas de noventa dias ininterruptos.
O anteprojeto inova ao contemplar circunstâncias atenuantes e agravantes
das sanções disciplinares (arts. 116 e 117), bem como a possibilidade de
suspensão condicional da sanção disciplinar por um a seis meses (art. 118) e a
vinculação do isolamento preventivo ao critério da necessidade da medida, por
razões de segurança individual ou coletiva (art. 123). Já no tocante aos direitos,
deveres, prerrogativas e regalias dos apenados, o anteprojeto passa a arrolar
textualmente os direitos conferidos (art. 126), diferenciando-os taxativamente
128
das regalias (art. 132), atribuindo-lhes a qualificação de "direitos subjetivos"24 e
contrapondo-os aos deveres da Administração Penitenciária.
Em contrapartida, quando da enumeração dos deveres (art. 125), o
anteprojeto acaba por impor gravosas obrigações ao sentenciado, tais como a
de se abster de reivindicar ou exigir tudo aquilo que esteja fora das prerro-
gativas inerentes à sua pessoa e à sua condição de preso (inciso II), de não
incitar ou participar de movimentos coletivos de subversão à ordem ou ã
disciplina (inciso VI), de executar as tarefas e ordens recebidas sem formular
exigências ou reclamações tidas como improcedentes ou reprováveis (inciso IX)
ou de se submeter ao tratamento penal que lhe for prescrito, sem relutância ou
recusa injustificada (inciso X). Cumpre salientar que muitos dos deveres então
concebidos foram concretamente incorporados pela hodierna legislação penal
executiva, sendo rigorosamente exigidos até o presente, sob pena de
admoestação por falta grave, não obstante seu cunho excessivamente
repressivo.
(Capítulo 3
24 Ibidem.
o defensivismo social e o combate à periculosidade individual.
O arrefecimento ditatorial não surtiu grandes efeitos na realidade peni-
tenciária brasileira, preterida pela tendência liberalizante da sociedade brasi-
leira. Do mesmo modo, a Lei de Execução Penal e o Regulamento do Sistema
Penal do Rio de Janeiro, não obstante terem preenchido o hiato de legalidade
penitenciária até então verificado, não lograram afastar, em definitivo, os
paradigmas político-criminais arraigados em nosso ordenamento, repetindo, em
certos momentos, o mesmo discurso legal anterior e contribuindo, assim, para a
perpetuação de uma estrutura correcional autoritária e inquisitiva.
Nem mesmo a Carta de 1988 foi capaz de desatar esse verdadeiro nó à
justiça penal, visto que os regulamentos penitenciários não sofreram a ne-
cessária adequação à nova ordem constitucional. Como se vê, o hiato de
legalidade está preenchido, mas por uma legalidade efêmera e extremamente
afrontada pelo obscurantismo penitenciário.
29 Trata-se inequivocamente de um refluxo dos preceitos lavrados pelo Decreto ns 678, de 1850,
134
mas há muito proscritos de nosso ordenamento.
30 COTRIM NETO, op. cit., p. 12.
É igualmente cediço que a vocação positivista de um regramento peni-
tenciário está intimamente atrelada ao grau de arbítrio concedido à autoridade
encarregada de fazer valer as disposições da sentença penal: a autoridade
administrativa custodiante. Com isso, o novo Regulamento tratou de resgatar o
prestígio do "arbítrio administrativo" - arrefecido nas propostas de Oscar
Stevenson e Roberto Lyra -, atribuindo a este o papel de catalisador do princípio
da individualização da pena. Para legitimar o reforço do alvedrio administrativo,
Cotrim Neto, então secretário de Justiça, valeu-se das "científicas" explicações
de Saleilles:
¥
A individualização judiciária não constitui ainda senão um diagnóstico:
é uma classificação individual, classificação feita sobre a realidade,
quer dizer, sobre o sujeito real, em lugar de o ser sobre a
individualização abstrata, como é o caso da individualização legal.
Mas em matéria de tratamento moral como quando se trata da
terapêutica médica, o diagnóstico não basta, sendo necessária a
aplicação do remédio, o que varia para cada um daqueles a quem o
mesmo é aplicado. Ora, isso, em matéria de penologia, não mais
depende de quem pronuncia a pena, porém daquele que a aplica. E
aquele que a aplica é a administração penitenciária; é mister,
destarte, que a lei deixe suficiente iniciativa e elasticidade na
adaptação do regime, para que a administração, por seu turno,
individualize a aplicação da pena às exigências educacionais e
morais de cada um. É a individualização administrativa31.
31 SALEILLES. L'lndwidualization de la Peme. Paris: Ed. Alcan, 1898, pp. 262-263, apud COTRIM NETO, op.
cit., PP. 13-14.
ação restrita apenas às hipóteses de violação das normas legais e prescrições
regulamentares. O próprio juiz à época titular da Vara de Execuções Criminais
do Estado, Dr. Claudino de Oliveira e Cruz, abarcava tal medida, ao salientar
que o limite de atuação do Juízo Executivo deveria se assentar exclusivamente
no conceito de incidente de execução. Quando não caracterizado o incidente,
deveria ser vasto o rol de atribuições dos diretores das unidades prisionais32.
Embora coadunada à inércia judicial, a mitigação da intervenção judicial na
esfera penitenciária se mostrou bastante temerária, se considerarmos que a
autoridade custodiante, para lograr o estabelecimento da ordem e da disciplina,
tende a desrespeitar os direitos públicos subjetivos dos apenados, sem que tais
violações cheguem sequer ao conhecimento do Juízo. Controverte-se com mai-
i M intensidade, desde então, se a ação judicial deve ter cunho suplementar e i
opressivo, ou eminentemente preventivo, no sentido de nortear a atuação ad-
ministrativa e tolher seu impulso abusivo.
Os efeitos mais incisivos do amplo arbítrio administrativo, propiciado |h-Io
novo regramento, recaem naturalmente sobre o regime disciplinar im- IMisto. A
amplitude de subsunção, nesse contexto, se estende desde o isolamento
preventivo do faltoso, até a definitiva aplicação das reprimendas.
Uma vez praticada a suposta falta disciplinar, deveria o interno ser con-
>luzido à inspetoria da unidade, onde caberia ao inspetor decidir por sua
segregação preventiva ou não, tendo em conta a gravidade do fato (art. I Í9). No
entanto, o juízo quanto à gravidade do fato era absolutamente livre, a míngua
de dados objetivos fornecidos pelo Decreto. Ademais, excetuada a transferência
de estabelecimento, de atribuição do Superintenden- te do Sistema
Penitenciário, todas as demais sanções deveriam ser aplicadas exclusivamente
pelo diretor do estabelecimento (art. 128), após parecer - não-vinculativo - da
Comissão de Classificação e Tratamento da unidade (art. 16, inciso II). Também
ficaria a critério exclusivo do diretor suspender i ondicionalmente a execução
das sanções disciplinares aplicadas (art. 132).
136
32 Apud COTRIM NETO, op. cit., p. 16.
Além da mencionada pena de transferência, prevê também o Decreto n u
1.162, de 1968, as sanções de repreensão e de isolamento, na própria cela, em
alojamento especial, em cela de segurança, ou ainda em cela de segurança
especial (art. 119). Completam o elenco de medidas repressivas as sanções
secundárias de perda de favores, suspensão de visitas, rebaixamento de
classificação disciplinar e apreensão de valores ou objetos (art. 120).
Mais uma vez, merece destaque o isolamento do faltoso. Seguindo a linha
do anteprojeto de Roberto Lyra, o Regulamento da Guanabara impõe a
reclusão, pelo máximo de noventa dias (art. 127), em cela de segurança - com
as mesmas dimensões, higiene, aeração e iluminação da cela comum, porém
guarnecida apenas com instalações sanitárias, cama e colchão (art. 121). Até
então, não haveria inovação alguma, não fosse o requinte do legislador no
sentido de agravar, ainda mais, um confinamento já qualificado. Assim, quando
o gravame segregacionista parecia já ter alcançado o seu ápice com a cela de
segurança, surge a terceira espécie de isolamento - a cela de segurança
especial -, de evidente cunho retributivo. Este cubículo deveria ter guarnição
compatível com a periculosidade revelada pelo interno33, não podendo, porém,
prescindir de ventilação e luz suficientes (art. 122). Note-se que o Regula-
mento é totalmente silente quanto às dimensões e condições de higiene da
cela, bem como quanto à necessidade de cama, colchão e instalação sanitária,
dando margem a um enclausuramento assaz mortificante. De qualquer modo,
aparentemente cônscio dos efeitos deletérios da cela de segurança especial, o
legislador teve a "benevolência" de determinar o limite máximo de trinta dias de
sua duração (art. 127, parte final), ao contrário dos noventa dias dos demais
afastamentos, bem como consentiu a visitação médica diária e o banho de sol
semanal, por uma hora (art. 136).
Extremamente relevante, ademais, é a subversão do princípio da legalidade
cometida pelo regulamento. Ao deixar de identificar quais condutas seriam
37Cf. COSTA JÚNIOR, Antônio Vicente. Exposição cie Motivos do Projeto de Código Penitenciário do Estado
do Rio de Janeiro. Departamento do Sistema Penitenciário (DESIPE), Secretaria de Estado de Justiça, Rio de
Janeiro, 1980, p. 6.
38Idem, p. 7.
39 A defesa da autonomia penitenciária elucida a escolha, pelo autor do projeto, da designação
"Código Penitenciário".
40 140op. cit, p. 19.
COSTA JÚNIOR, Antônio Vicente,
41Idem, p. 23.
penitenciário, por sua vez, é tido como a adequação, dos critérios e métodos
estabelecidos pelo regime, à individualidade do homem preso (art. 81). Suas
finalidades seriam as de incutir no preso a consciência dos seus deveres de
homem e de cidadão, o sentimento inspirador de conduta compatível com os
padrões de licitude e as exigências éticas da sociedade e a vontade para o
respeito aos princípios familiais, cívicos e morais que ordenam o convívio social
(art. 82). Enfim, o tratamento penitenciário destinar-se-ia a "suprir as eventuais
ausências ou insuficiências de estrutura pessoal"42.
Segundo o projeto,
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"ausência de risco para a execução penal" (art. 67, inciso V). Em caso dc risco
para a execução, de cometimento de falta disciplinar, ou ainda, se o apenado
revelasse "indício de inadaptação ào regime" (art. 75), os regimes aberto e
semi-aberto poderiam ser revogados. Cumpre destacar, na esteira da opção
administrativista, que a suspensão dos regimes aberto e semi-aberto, mais
benéficos ao apenado, seria, em regra261, atribuição do dirigente do ói gão
central do sistema, e pelo tempo que o mesmo fixasse (art. 75).
Já no que tange à disciplina carcerária, o projeto de 1980 estabelece como
sanções a repreensão, o isolamento - na própria cela ou em alojamento
especial, por até noventa dias, ou ainda, em cela de segurança, ou cela de
segurança especial, por até trinta dias - e a transferência de estabelecimento
(art. 175), assim como a modificação ou a revogação do regime, a interdição
permanente ou temporária de direitos específicos, a suspensão ou a revogação
de favores ou concessões e a apreensão de valores ou objetos (art. 176).
Mantém o projeto a pormenorização das circunstâncias atenuantes (art. 183) e
agravantes (art. 184) das sanções, em que a personalidade do interno ainda
figura como determinante. A ausência de graduação quanto à gravidade das
condutas praticadas também persiste, diante de um elenco único de faltas
disciplinares (art. 174).
São igualmente preservados os institutos da suspensão da execução (art.
185), da revisão da punição (art. 204) e do perdão disciplinar (art. 205), assim
como é preconizada a adoção do indulto disciplinar ao preso que praticasse ato
exemplar de conduta ou que revelasse comportamento indicativo de total
reabilitação (art. 208).
O rol de faltas disciplinares também reedita basicamente aquele encontrado
no Regulamento da Guanabara, com destaque, ante a manifesta iniqüidade,
para a punição da prática de atos contrários à moral e aos bons costumes (art.
174, inciso XI), da ocultação de fatos relacionados com a falta de outrem (inciso
XXIII), da recusa a submeter-se a tratamento médico prescrito pelo médico
(inciso XXXIII), do cometimento de irreverência diante do diretor ou de
autoridades (inciso XLVI), da ostentação de divisa (placa colorida) que não
corresponda à respectiva classificação (inciso LI) e da manutenção, com
visitantes ou internos, de conversas ou discussões em que sejam criticados os
poderes públicos, as leis do país ou as autoridades (inciso XLVI).
Dc acordo com o "grau de conduta" e o "índice de reintegração social" (ai
ts. 215 e 235) revelados pelo preso, o mesmo poderia ser agraciado com
ftwores, concedidos pelo diretor do estabelecimento (art. 217), ou mediante i
miivisões, deferidas pelo dirigente do órgão central do sistema ou pelo juízo <l.i
execução (art. 224). O projeto arrola, como "favores", as próprias visitas de IMI
entes e pessoas amigas (art. 216, inciso I), assim como o uso de objetos vi
iluptuários nas celas (inciso V) e a apresentação do preso a instituições públicas
ou privadas para a solução ou atendimento de questões pessoais que exijam a
sua presença (inciso XI). Já dentre as "concessões", figurariam o i umprimento
de pena em regime semi-aberto ou aberto (art. 221, inciso III), o i umprimento
da pena em prisão na comarca da condenação ou da residência i lo sentenciado
(inciso IV), o trabalho externo (inciso VII) e a visita periódica família (inciso IX).
De qualquer forma, a fruição das concessões estaria atrelada, cumula-
tivamente, à sua compatibilidade com o regime e o tratamento penitenciário
aplicado, à comprovação da conveniência ou oportunidade da medida e à
ausência de risco para a execução penal (art. 230), requisitos estes concebidos
no sentido de se subjetivar demasiadamente a outorga dos benefícios,
ampliando a intromissão estatal sobre o status jurídico dos apenados.
Por derradeiro, ilustrando o resquício antidemocrático ainda predominante
à época, cumpre ressaltar que o projeto de 1980 estabelece como normas de
conduta para as concessões externas, dentre outras, não participar de
aglomerações na via pública (art. 248, inciso VII), sinônimo de subversão para o
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regime militar, e de não participar de divulgação jornalística ou publicitária sem
prévia autorização da administração penitenciária (inciso X), evitando, assim, a
exposição indesejável de determinados "fatos" e "métodos" carcerários.
Não será a lei que [...] tem favorecido esse descalabro nas prisões
brasileiras — em grande parte delas? A Lei de Execução Penal,
fazendo caso omisso do Direito Penitenciário, não observa as Regras
Mínimas para o Tratamento dos Presos, não só porque descumpre
disposições delas, mas também senão principalmente porque não
tem o "espírito" delas; e, além disso, viola ou facilita a violação dos
direitos humanos dos presos (provisórios e condenados) ; não
observa outros textos normativos sobre direitos humanos [...]. Ora,
uma lei, seja esta ou aquela, qualquer lei, não é produto de geração
espontânea [...]45.
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