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19/05/2019 Criminologia Cultural e Mídia: apontamentos introdutórios

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19 de Maio de 2019

Criminologia Cultural e Mídia: apontamentos introdutórios

Uma relação que há tempos é motivo de debates e estudos é a que envolve


mídia e crime, e como um influencia o outro no dia a dia. Várias
abordagens foram realizadas no intuito de explicar essa complexa relação.
A criminologia cultural atua neste sentido, já que um de seus aspectos é o
de buscar entender como a ação da mídia se entrelaça com a criminalidade.

A criminologia cultural surgiu ao final da década de 90, nos Estados Unidos


da América, com Ferrell, e, posteriormente, foi desenvolvida pelo
Departamento de Criminologia da Universidade de Kent, na Inglaterra. A
ela, interessa um estado emocional que é denominado de "carregado", onde
a real experiência no cometimento de um crime tem pouca relação com as
teorias da escolha racional, mas adota a adrenalina, o prazer e o pânico
envolvidos em verdadeiras equações para a conduta delitiva. Raramente o
crime é desinteressante, e sempre possui um grande significado.
(FERRELL; HAYWARD; YOUNG, 2008).

Katz (1988), por exemplo, quando ensina sobre o crime, aponta que ele não
se trata somente de aquisição, materialismo ou necessidades financeiras,
mas se reveste de presença, status e emoções (como paixão, ódio,
adrenalina, etc.), envolvendo a assunção de riscos e perigos, que podem
representar uma tentativa de superar circunstâncias sociais degradantes, a
fim de exercer controle e assumir a responsabilidade do próprio destino.

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A criminologia cultural, portanto, é uma matéria interdisciplinar, que não
se utiliza apenas das ferramentas da Criminologia, do Direito Penal e da
Sociologia, masa também de aspectos relativos a estudos culturais,
midiáticos, urbanos, filosóficos, de movimentos sociais, da teoria crítica
pós-moderna, da geografia e da antropologia humana, além de abordagens
de pesquisa ativa (ROCHA, 2012). A sua responsabilidade é "manter
'girando o caleidoscópio' sobre as maneiras pela qual pensamos o crime, e,
mais importante, sobre as respostas jurídicas e sociais à quebra de regras"
(HAYWARD, 2011). Logo, a fim de se estudar a questão do crime e da
criminalização, é muito importante considerar a dinâmica dos meios de
comunicação de massa (FERRELL, 1995).

Conforme Jewkes (2011) demonstra, os estudos acerca da relação entre


mídia e crime são antigos, e datam da década de 60. Procurava-se entender
como a mídia poderia conduzir a um comportamento antissocial, desviante
ou criminoso. Acreditava-se que a sociedade teria se tornado mais violenta
com o advento da indústria midiática, já que tais meios teriam intensificado
a ansiedade do público. A maioria das abordagens era de conotação
negativa, pois apontava os malefícios causados pelos meios de
comunicação, ao passo que existiam outras, positivas, que apontavam para
a variedade de programas disponíveis e a disseminação de cultura em
consequência disso, possibilitando, assim, ao telespectador mudar de canal
sempre que assim desejasse. Entretanto, tais abordagens ainda eram
insuficientes, e é nesse ponto que se desenvolve a relação entre
criminologia cultural e mídia, de forma a superar as correntes linhas de
investigação existentes e a procurar identificar os diversos caminhos em
que os processos de produções visuais e trocas culturais constituem,
atualmente, a própria experiência do crime (HAYWARD, 2011).

Uma das preocupações da criminologia cultural, no que diz respeito à


relação entre crime e mídia, reside nas peculiaridades das interações entre
os indivíduos e o consumismo, que se utiliza da ideia que o indivíduo deve
viver de acordo com certos padrões para ser considerado exitoso em sua
vida (MASI; MOREIRA, 2014). Conforme Masi e Moreira (2014), busca-se
entender de que forma atua a influência desse tipo de mensagem midiática
sobre o jovem que, inserido em uma classe de baixa renda, induz à ideia da
prática delitiva como único meio para inserir-se no status desejado. A

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experiência ilícita torna-seCriminologia Cultural e Mídia: apontamentos introdutórios
gratificante, pois propicia o auferimento do
objeto de desejo e a consequente inserção do indivíduo no campo social que
almeja.

Além disso, há também a situação do crime como produto de consumo. Já


ensinava Nietzsche (2009) que, desde a antiguidade, em vários festivais e
cerimônias nobres, se realizavam atos de crueldade, execuções, suplícios e
sacrifícios. Atualmente, a violência é vendida, assistida, reproduzida e
gravada, sendo consumida como entretenimento (STREHLAU, 2012).
Assim, "nos processos de construção do crime e do controle da
criminalidade enquanto preocupações sociais e controvérsias políticas, a
mídia também os constrói como forma de entretenimento" (FERRELL,
1999, p. 407). Válida e importante a citação de Ferrell, Hayward e Young
(2008, pp. 123-4), quando dizem que "nesse mundo, as ruas moldam as
telas e as telas moldam as ruas; não há, claramente, uma sequência linear,
mas, ao invés, uma constante interação entre real e virtual, entre factual e
ficcional". É uma verdadeira sociedade do espetáculo, no conceito utilizado
por Guy Debord (1997).

[...] hoje, enquanto criminosos gravam seus crimes e os publicam no


YouTube, enquanto agentes de segurança pública examinam a
formação de imagens dos criminosos em milhões de monitores de
vigilância em todo o mundo, enquanto grupos rebeldes publicam
compilações de vídeos (filmados de vários ângulos) de bem-sucedidos
atentados suicidas e detonações de Artefatos Explosivos Improvisados
(bombas caseiras) à beira de estrada, enquanto imagens de brutalidade
e vitimização surgem em telas de computadores nos ambientes de
trabalho e em aparelhos celulares de crianças, enquanto Reality Shows
levam seus observadores de forma cada vez mais profunda no mundo
das “batidas policiais” e dos ambientes prisionais, não pode haver outra
opção senão desenvolver uma exaustiva criminologia visual.
(HAYWARD, 2010, p. 2).

As imagens e os diversos programas das mídias estão muito presentes na


sociedade atual. Portanto, deve-se atentar para outro ponto importante
nesta temática: as notícias e a forma pela qual elas são transmitidas ao
grande público.

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Todos os dias, manchetes de jornais clamam pela atenção, ao contar
histórias sobre a criminalidade e que mais parecem designadas a chocar e
assustar os telespectadores, ao mesmo tempo em que passam uma sensação
de alívio, por não serem eles as vítimas daquela violência. Entre 1986 e
1990, os meios de comunicação na cidade de Nova York construíram uma
imagem convincente da realidade em que a violência relacionada à droga
estava se espalhando e tornando-se aleatória na seleção das vítimas. Ao
fazê-lo, encorajou a crença na crescente vulnerabilidade das pessoas
brancas e de classe média diante dessa violência (BROWNSTEIN, 1995).
Tal caso se mostrou um exemplo de como a mídia, operando em um
contexto político particular, efetivamente apoiou a ideologia das políticas
governamentais para que estas, de certa forma, se legitimassem.

A mídia de notícias, buscando uma história sensacionalista que


vendesse as notícias e não contradissesse as polícias, de quem dependia
para obter informações, mobilizou a classe média branca com ênfase no
tema da violência aleatória das drogas. Diante de um público de
votação, alarmado, que pedia lei e ordem, funcionários do governo
promoveram um susto quanto às drogas, que permitiria gastos em
programas de aplicação da lei durante um período de crise fiscal e
prisões superlotadas (BROWNSTEIN, 1995, p. 60).

Assim, a mídia transforma-se em uma espécie de aparelho do próprio


processo de controle, uma espécie de aparelho ideológico do Estado (HALL
et al, 1978). Crime e violência são transformados em produtos baratos,
vendidos como entretenimento e definindo estereótipos. Como diria
Bauman, “o combate ao crime, como o próprio crime e particularmente o
crime contra os corpos e a propriedade privada, dá um excelente e excitante
espetáculo, eminentemente assistível” (BAUMAN, 1999, p. 126).

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de


Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

BROWNSTEIN, Henry H. The Media and the Construction of Random


Drug Violence. In: FERRELL, Jeff; SANDERS, Clinton R (editors).
Cultural Criminology. Boston, Massachusetts: Northeastern University
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Press, 1995.

DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro:


Contraponto, 1997.

FERRELL, Jeff. Cultural Criminology. Annu. Rev. Social., v. 5, p. 395-


418, 1999.

FERRELL, Jeff. Culture, Crime and Cultural Criminology. In.: Journal of


Criminal Justice and Popular Culture, 3 (2) (1995), pp. 25-42.
Disponível em: http://www.albany.edu/scj/jcjpc/vol3is2/culture.html.
Acesso em: 11 de setembro de 2017.

FERRELL, Jeff; HAYWARD, Keith; YOUNG, Jock. Cultural


Criminology: an invitation. Los Angeles; London: SAGE, 2008.

HALL, Stuart; CRITCHER, Chas; JEFFERSON, Tony; CLARKE, John;


ROBERTS, Brian. Policing the Crisis: Mugging, the state, and law and
order. London and Basingstooke: The Macmillan Press Ltd., 1978.

HAYWARD, Keith. Definition of Cultural Criminology. In.: The


dictionary of Youth Justice. Disponível em:
https://blogs.kent.ac.uk/culturalcriminology/files/2011/03/youth-justice-
dictionary.pdf. Acesso em: 11 de setembro de 2017.

HAYWARD, Keith. Opening the lens: cultural criminology and the image.
In: HAYWARD, Keith; PRESDEE, Mike (Eds.). Framing Crime: cultural
criminology and the image. New York: Routledge, 2010.

JEWKES, Yvonne. Media & Crime. London/California/New


Delhi/Singapore: SAGE Publications, 2011.

KATZ, Jack. The Seductions of Crime: Moral and Sensual Attractions in


Doing Evil, New York: Basic Book, 1988.

MASI, Carlos Velho; MOREIRA, Renan da Silva. Criminologia cultural e


mídia: um estudo da influência dos meios de comunicação na questão
criminal em tempos de crise. In: Revista Brasileira de Ciências
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Criminais, v. 22, n. 108, p. 437-460, mai/jun. 2014.

NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia


das Letras, 2009.

ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Crime, Violência e Segurança Pública como
produtos culturais: inovando o debate. In. Revista dos Tribunais, ano
101, vol. 917, março 2012, pp. 271-289.

STREHLAU, Juliana. Criminologia Cultural. Disponível em:


http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/tra
balhos2012_2/juliana_strehlau.... Acesso em: 12 de outubro de 2017

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