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2016

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Revista de Direito Civil Contemporâneo


2016
RDCC VOL. 9 (OUTUBRO - DEZEMBRO 2016)
DOUTRINA NACIONAL
3. A TEORIA DO CONTRATO RELACIONAL DE IAN MACNEIL E A NECESSIDADE DE SE REDISCUTIR A SUA COMPREENSÃO E
APLICAÇÃO NO CONTEXTO JURÍDICO BRASILEIRO

3. A teoria do contrato relacional de Ian Macneil e a


necessidade de se rediscutir a sua compreensão e aplicação
no contexto jurídico brasileiro

The IAN MACNEIL´s relational theory of contract:


rethinking its meaning and enforcement in the Brazilian
juridical context
(Autor)

VINÍCIUS MACHADO CALIXTO

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-graduando no Centro de
Direito Internacional (CEDIN). Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília. Advogado.
viniciusmcalixto@gmail.com

Sumário:

1 Introdução
2 A teoria do contrato relacional desenvolvida por ian macneil – aprofundamentos e evoluções
3 A noção de contrato relacional discutida na doutrina e aplicada em nossos tribunais
3.1 A interpretação da teoria do contrato relacional na doutrina brasileira
3.2 A aplicação da teoria do contrato relacional em nossos tribunais
4 Conclusões

Área do Direito: Comercial/Empresarial

Resumo:

O presente trabalho analisa a teoria do contrato relacional desenvolvida por Ian Macneil e apresenta
um panorama dos estudos brasileiros que abordam, em maior ou menor medida, a teoria do contrato
relacional, além de analisar em que sentido é consolidada a jurisprudência brasileira a respeito da
matéria. Ressalta-se, aqui, a diferença quanto ao enfoque conferido no Brasil à teoria do contrato
relacional. Enquanto para Ian Macneil se trata de uma nova abordagem geral de todos os contratos, a
noção de contrato relacional em nosso país ainda é vista, em geral, sob uma perspectiva
classificatória. Assim, o objetivo do artigo é propor uma nova visão da teoria do contrato relacional
no contexto brasileiro, a qual é, na realidade, um resgate das ideias de Ian Macneil.

Abstract:

This paper examines the main aspects of the relational theory of contract developed by Ian Macneil
and provides an overview of the Brazilian studies that address the relational theory of contract.
Furthermore, the paper analyzes the case law framework and highlight the difference of the
relational theory of contract approach in the Brazilian juridical context. While the theory developed
by Ian Macneil is a new approach to the general theory of contracts, in the Brazilian legal context, the
approach of the relational contracts is still seen under a perspective of a contract type. Therefore, the
main purpose of the paper is to propose a new approach of the relational theory of contract in the
Brazilian juridical context, in order to resume the original theory of Ian Macneil.

Palavra Chave: Teoria do Contrato Relacional - Teoria do Contrato Essencial - Teoria Geral dos
Contratos - Cooperação - Solidariedade
Keywords: Relational Theory of Contract - Essential Theory of Contract - Theory of Contracts -
Cooperation - Solidarity

1. Introdução

O presente trabalho possui como escopo central analisar a teoria do contrato relacional, a qual teve
como principal formulador o escocês Ian Macneil, bem como compreender em que medida a referida
teoria vem sendo desenvolvida nas discussões doutrinárias brasileiras e aplicada em nosso
ordenamento jurídico.

A temática é de grande relevância na medida em que a crescente complexidade das relações


contratuais demanda novas perspectivas que possam compreender as diferentes situações que
surgem em um contexto cada vez mais especializado. Sob essa nova conjuntura, princípios
contratuais clássicos como autonomia privada e pacta sunt servanda devem ser harmonizados com os
princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, da cooperação, da solidariedade e do
equilíbrio contratual.

Diante disso, constando o primeiro item desta introdução, o segundo item abordará a teoria do
contrato relacional formulada por Ian Macneil, tomando-se como ponto de partida três relevantes
textos escritos pelo referido autor em diferentes momentos de sua produção acadêmica.

As principais obras de Ian Macneil utilizadas no presente trabalho são: O Novo Contrato Social, o
qual, embora publicado em 1980, recebeu uma edição brasileira em 2009 com novo prefácio de Ian
Macneil, o estudo Relational Contract: What We Do and Do Not Know, publicado em 1985 e o estudo
Relational Contract Theory: Challenges and Queries, apresentado por Ian Macneil no ano 2000.

O que se pretende a partir da escolha das referidas obras como centrais – mas não exaustivas – é
compreender como a sua própria teoria passou por nítidas evoluções e aprofundamentos. Além disso,
serão recorrentes as menções a autores de literatura estrangeira que já se debruçaram sobre a tarefa
de esmiuçar a rica teoria de Ian Macneil.

Já no terceiro item, serão trazidas à luz algumas das principais obras já publicadas no Brasil que
abordaram, em maior ou menor medida, a teoria do contrato relacional. Assim, os posicionamentos
de Ronaldo Porto Macedo Junior, Ruy Rosado Aguiar, Claudia Lima Marques, dentre outros, serão
analisados com o intuito de compreender de que forma a teoria do contrato relacional foi
desenvolvida em nosso contexto jurídico.

Ainda no terceiro item, o presente estudo buscará aferir a possível existência dessa discussão nos
tribunais brasileiros e a forma com que a jurisprudência pátria vem se consolidando quanto à teoria
do contrato relacional.

Traçados os principais pontos da teoria do contrato relacional desenvolvida por Ian Macneil e
expostos os principais enfoques apresentados pela doutrina brasileira quanto ao tema, as notas
conclusivas tentarão estabelecer os pontos de aproximação e de afastamento entre a teoria
originalmente proposta por Ian Macneil e o que vem sendo apregoado pelos teóricos brasileiros
quanto aos contratos relacionais.

Nesse contexto, mais do que simplesmente entender de que modo a teoria do contrato relacional tem
sido apresentada por alguns dos principais teóricos do direito contratual no Brasil, este trabalho
procura investigar em que medida tais trabalhos guardam relação com a teoria desenvolvida por Ian
Macneil.

2. A teoria do contrato relacional desenvolvida por ian macneil – aprofundamentos e


evoluções

Inicialmente, é importante situar a teoria do contrato relacional de Ian Macneil em seu contexto
histórico, observando-se assim que a referida teoria começou a ser desenvolvida na década de 1960
como uma tentativa de retomar uma abordagem geral dos contratos.

Embora o referido autor não negasse a importância da visão clássica do direito contratual vigente à
época, ele sustentava que as crescentes complexidades e especializações das relações contratuais
fizeram com que os teóricos deixassem de lado a abordagem acerca de uma teoria geral dos
contratos. 1

A tentativa de retomada do estudo de uma teoria geral dos contratos nas concepções de Ian Macneil
passa pelo entendimento de que o contrato deve se referir às relações de troca em um sentido amplo.

Ian Macneil não poupa críticas à visão que deixa de compreender as relações contratuais inseridas no
contexto social. Ele aponta que existe uma lavagem cerebral que nos faz quase incapazes de conceber
as trocas, exceto em termos de mercado e descontínuas transações. 2

A compreensão dos contratos a partir de sua inserção social representa o que o autor chama de
primeira raiz primária do contrato e a esse respeito o autor tece as seguintes considerações:

“Se quisermos entender contratos, temos de sair do isolamento intelectual que nos impusemos e
absorver algumas verdades básicas. Contrato sem as necessidades e gostos comuns criados somente
pela sociedade é inconcebível; contrato entre indivíduos totalmente isolados, que buscam a
maximização de seus benefícios não é contrato, mas guerra, contrato sem linguagem é impossível; e
contrato sem estrutura social e estabilidade é – de modo bem literal – racionalmente impensável, do
mesmo modo como é racionalmente impensável o homem fora da sociedade. A raiz fundamental, a
base do contrato é a sociedade. O contrato nunca ocorreu sem sociedade; nem ocorrerá sem
sociedade; e nunca seu funcionamento poderá ser compreendido isolado de sua sociedade
particular.”

A segunda raiz primária do contrato diz respeito à relação entre a especialização do trabalho e a
troca. A troca vai ocorrer onde existir especialização do trabalho, de modo que sem troca o sistema de
especialização aos poucos deixará de existir. 3

Além de estarem intimamente ligadas com a especialidade do trabalho, as trocas exigem certa
liberdade para que se possa escolher dentre um rol de comportamentos, de modo que Ian Macneil
estabelece o senso de escolha como a terceira raiz primária do contrato. 4

A quarta raiz primária do contrato elencada por Ian Macneil é o que ele chama de consciência do
futuro 5 ou consciência acerca do passado, do presente e do futuro 6 e diz respeito à noção acerca do
desenrolar das relações firmadas no decurso temporal.

Explicitadas as quatro raízes do contrato, torna-se mais viável compreender como essas raízes se
relacionam de forma a comporem o conceito de contrato em sua concepção. Em suas palavras:

“Por contrato quero dizer nada mais e nada menos do que as relações entre as partes no processo de
projetar a troca no futuro. Essa projeção emana da combinação em uma sociedade das outras três
raízes do contrato. Um senso de escolha e uma consciência do futuro normalmente fazem com que as
pessoas façam coisas e esbocem planos para o futuro. Quando essas ações e planos se relacionam à
troca, esta é projetada para frente no tempo. Isto é, alguns dos elementos da troca, em vez de
ocorrerem imediatamente, ocorrerão no futuro. Isto, ou melhor, as relações entre as pessoas, quando
isto ocorre, é o que entendo por contrato”.

Sob essa concepção, o enfoque principal da conceituação do contrato recai sobre as relações entre as
partes no processo de troca alinhadas a uma consciência do tempo que enseja planos para o futuro,
em detrimento, portanto, das concepções que procuram caracterizar o contrato a partir da figura da
promessa.

Para Ian Macneil, as teorias que possuem a promessa como enfoque central da análise contratual
deixam de considerar as inúmeras relações que surgem a partir da celebração de acordos. O costume,
o status e o hábito são alguns exemplos de elementos que projetam trocas no futuro e que não dizem
respeito ao estabelecimento de determinada promessa.

Deve-se ficar claro também que projetores ditos promissórios são sempre acompanhados por
projetores não promissórios e que as promessas não conseguem englobar mais do que um fragmento
da situação total. Além disso, a própria realização da promessa carrega uma não reciprocidade
resultante de diferenças de interpretação que faz com que sejam trazidos à baila elementos não
promissórios. 7

Ian Macneil menciona que o simples exemplo da sentença “eu lhe prometo quatrocentos dólares por
semana” pode ser entendido de diversas formas. Assim, no caso de um gerente que diz a um novo
empregado contratado, a expressão tem sentido diverso daquele em que um gerente diz a um
empregado horista que deseja trabalhar mais. 8

A teoria do contrato relacional desenvolvida por ele se orienta a partir de quatro proposições
centrais. 9 A primeira proposição é que toda transação é incorporada por meio de relações
complexas. De fato, qualquer transação requer ao menos um meio de comunicação inteligível para
ambas as partes, um sistema ordenado para que as partes possam estabelecer as trocas ao invés de
matar ou roubar, um sistema monetário e um mecanismo de cumprimento, caso tenha havido
alguma promessa.

A segunda proposição central apregoa que para o entendimento de qualquer transação é necessário
que se compreenda todos os elementos essenciais das relações que envolvem essa transação. Embora
seja uma proposição de fácil aceitação, pode-se enfrentar certa dificuldade em entender quais
elementos afetam, de fato, determinada relação.

A terceira proposição está intimamente ligada a segunda e explicita que uma análise efetiva de
qualquer transação requer o reconhecimento e a consideração de todos os elementos essenciais das
relações envolvidas e que podem afetar significantemente a transação.

A quarta e última proposição central da teoria do contrato relacional estabelece que uma análise
contextual das relações de transação é mais eficiente e produz uma análise final mais completa e
segura do que uma análise não contextual.

Posto isso, é imprescindível notar uma evolução na teoria de Ian Macneil, representada pelo
fortalecimento de seu pensamento quanto aos contratos relacionais e o seu ceticismo quanto à
existência de contratos isolados, descontínuos.

O autor utiliza constantemente em seus trabalhos a dicotomia entre contratos relacionais e contratos
descontínuos, mas é importante que se compreenda que o referido autor, ao longo do
desenvolvimento de sua teoria, passou a fortalecer a ideia de que inexistem contratos completamente
descontínuos, considerando todos os contratos como relacionais.

Isso fica evidente em seu artigo publicado em 2000 “Relational Contract Theory: Challenges and
Queries”, no qual o autor altera a dicotomia outrora estabelecida como contratos
relacionais/contratos descontínuos para contratos relacionais/contratos aparentemente
descontínuos. 10

O que Ian Macneil propõe como descontínuo é o tratamento deliberado de eventos vistos como se
fossem transações descontínuas dentro de complexas relações. É muito importante para lembrar que
não há nada na vida real como uma transação descontínua.

É possível perceber esse enrijecimento em sua teoria também a partir da análise de seus trabalhos
um pouco mais antigos, nos quais ele parecia ainda admitir a existência de contratos não relacionais,
embora já sustentasse que os contratos descontínuos desempenham um papel bastante limitado e
especializado em nossa sociedade. 11

Ian Macneil, já em seus estudos posteriores, denomina sua teoria do contrato relacional como “teoria
contratual essencial”, sob os fundamentos de que a teoria apresenta os elementos essenciais dos
contratos de que uma análise desse tipo é essencial para o entendimento dos contratos. 12

Evidenciando o caráter prescritivo e normativo de sua teoria, o autor elenca quatro normas
relacionais presentes nos contratos, quais sejam, integridade de papéis, preservação da relação,
harmonização do conflito relacional e normas supracontratuais. 13

Ian Macneil sustenta que a manutenção e o incremento da integridade de papéis constitui uma
norma relacional vital. Diferentemente do que ocorre em uma aparente transação descontínua, na
qual poderia se encarar o papel do indivíduo apenas como a maximização de uma vantagem, a
abordagem relacional demonstra que os papeis variam em função de hábitos, costume, expectativas
em relação ao futuro outros fatores que devem ser levados em consideração.

A preservação da relação, por sua vez, deve ser encarada como uma intensificação e expansão da
solidariedade contratual. 14 Salvo algumas exceções em que os contratos são feitos com uma data fixa
de término, em geral espera-se que as relações contratuais perdurem e essa perspectiva é reforçada a
partir da teoria do contrato relacional.
Outra norma relacional discutida por Ian Macneil diz respeito à harmonização do conflito relacional,
seja um conflito dentro das próprias relações ou um conflito entre a relação e a matriz social, sendo
que a quarta norma relacional elencada – normas supracontratuais – demandam a extensão do olhar
para outras áreas como sociologia, antropologia, economia, para solucionar as questões advindas da
complexidade das relações.

Ian Macneil trabalha com um esquema normativo para fazer a análise contratual e desenvolver sua
teoria. Dessa forma, divide as normas em externas e internas, sendo que as normas impostas pelo
ordenamento jurídico constituem apenas um dos exemplos das normas externas, das quais fazem
parte também os hábitos, os costumes e a moralidade por exemplo.

Quanto às normas internas, elenca dez padrões comuns dos contratos que estarão presentes em
maior ou menor grau, a depender do caráter mais ou menos relacional da transação analisada, são
eles: (i) Integridade, (ii) reciprocidade, (iii) implementação do planejamento, (iv) efetuação do
consenso, (v) flexibilidade, (vi) solidariedade contratual (vii) regras de ligação, (viii) criação e
restrição de poder, (ix) propriedade de significados e (x) harmonização com a matriz social. 15

A formação desse espectro normativo demonstra o interesse de Ian Macneil pela sociologia e a sua
tentativa de expor como o direito contratual representa o que Durkheim chama de solidariedade
orgânica nas modernas sociedades. 16

A importância da compreensão dos contratos a partir de uma perspectiva relacional que aborde com
precisão as relações envolvidas e reconheça a relevância da solidariedade contratual, da
reciprocidade, da cooperação, da flexibilidade, da boa-fé, da confiança e da harmonização com a
matriz social são, sob essa perspectiva, fundamentais para o atual contexto contratual.

Ian Macneil, em seu prefácio à edição brasileira de O Novo Contrato Social de 2009 sustenta que
“pouca coisa poderia ilustrar melhor os perigos de se ignorar os princípios contratuais relacionais
fundamentais do que o colapso do Tecido Financeiro Global”. 17

De acordo com ele, a abordagem transacional deixou de conduzir ao entendimento correto da


questão. Ao deixar de realizar uma análise mais global das relações que envolviam aquele caso e ter
empreendido uma abordagem transacional, acabou sendo deixada de lado uma abordagem que
considerasse os perigos e as instabilidades crescentes do Tecido Financeiro Global. “Tomando o foco
relacional mais estreito antes, o seguinte teria se tornado aparente”. 18

3. A noção de contrato relacional discutida na doutrina e aplicada em nossos


tribunais

3.1. A interpretação da teoria do contrato relacional na doutrina brasileira

Após explicitar os principais traços da teoria do contrato relacional desenvolvida por Ian Macneil, é
importante que se estenda o olhar para a abordagem que os teóricos brasileiros conferem aos
contratos relacionais, de modo a se evidenciar a diferença de tratamento conferido à teoria, quando
comparada aos seus intentos originais.

O traço mais marcante dessa análise demonstra que a teoria do contrato relacional se desenvolveu
aqui no Brasil, em geral, não como uma forma de análise e concepção de uma teoria geral dos
contratos, mas sim como a apresentação de mais uma classificação dos contratos.

Nesse sentido, observa-se que Ruy Rosado, embora tenha feito a mesma crítica que Ian Macneil
quanto à necessidade de superação da visão do contrato como algo isolado e descontínuo, utiliza a
ideia de contratos relacionais em contraposição aos contratos isolados em uma análise classificatória.

Ruy Rosado classifica os contratos relacionais como o “negócio jurídico perfeito e incompleto, no qual
a determinação do seu conteúdo ou de alguns dos seus elementos essenciais se realiza mediante a
remissão a elementos estranhos ao mesmo”. 19

Seriam, portanto, contratos que necessariamente devem deixar indeterminadas muitas das suas
cláusulas, a serem definidas no curso da execução, com grande espaço para a atuação dos princípios
da boa-fé, equidade e fim social do contrato.

Ruy Rosado chega a mencionar que Macneil estabeleceu a diferença entre as categorias dos contratos
relacionais e dos contratos isolados, 20 o que, de fato, foi feito por ele, mas não a partir de uma
abordagem classificatória. Ian Macneil trabalha com essa distinção no desenvolvimento de sua teoria
como forma de demonstrar o caráter relacional das transações, ao menos em seus trabalhos mais
recentes.

Antônio de Azevedo é outro autor a discutir a ideia de contrato relacional, sustentando que são
contratos de duração e que exigem forte colaboração. Em suas palavras:

“Procurando adaptar essas ideias ao nosso mundo conceptual, o que se percebe é que há, no contrato
relacional, um contrato de duração e que exige fortemente colaboração. São relacionais todos os
contratos que, sendo de duração, têm por objeto colaboração (sociedade, parcerias etc.) e, ainda, os
que mesmo não tendo por objeto a colaboração, exigem-na intensa para poder atingir os seus fins,
como os de distribuição e da franquia, já referidos. O consórcio, sendo de colaboração e de duração,
não resta dúvida, é um contrato relacional. Essa afirmação exige, porém, para o caso concreto
examinado, dois desenvolvimentos, feitos a seguir, um sobre a boa-fé nos contratos relacionais e
outro, sobre o tempo na execução dos contratos”. 21

Percebe-se, portanto, que Antônio de Azevedo também apresenta uma abordagem classificatória para
o contrato relacional, listando os requisitos necessários para que determinado contrato possa ser
enquadrado na categoria de contrato relacional.

A análise de Junqueira é no sentido de aferir se o contrato de consórcio seria ou não um contrato


relacional, sendo para tanto necessário que houvesse longa duração e constante cooperação.

Claudia Marques em sua obra Contratos no Código de Defesa do Consumidor também aborda a teoria
do contrato relacional, fazendo menção a Ian Macneil. De acordo com ela, a teoria possui um
fascinante potencial, na medida em que ajuda a identificar um contrato relacional onde há vínculo,
mas não necessariamente contratual. 22

Por outro lado, Claudia Marques sustenta que esse modelo contratual foi criado em função das
dificuldades específicas da common law com as relações de longa duração, de modo que essas
dificuldades de englobar na relação contratual as promessas e informações não formais ou não
escritas e de preencher as lacunas contratuais são menores em um sistema contratual não solene
como o sistema brasileiro. Esses problemas, no direito brasileiro, podem ser solucionados pelos
princípios da confiança, da boa-fé, da acessoriedade das relações de consumo ou pela teoria da
aparência. 23

Claudia Lima Marques, entretanto, também não parte de uma abordagem que considera a teoria do
contrato relacional a partir de uma teoria geral dos contratos, admitindo que tal teoria possa
contribuir especialmente nos contratos de mútuo e em geral de fornecimento de longa duração. Nas
palavras da referida autora:
“Sendo assim, a mais importante contribuição destes estudos à nova teoria contratual brasileira é a
criação de um modelo teórico contínuo que engloba as constantes renegociações e as novas
promessas, bem destacando que a situação externa e interna de catividade e interdependência dos
contratantes faz com que as revisões, novações ou renegociações contratuais naturalmente
continuem ou perenizem a relação de consumo, não podendo estas, porém, autorizar abusos da
posição contratual dominante ou validar prejuízos sem causa ao contratante mais fraco ou superar
deveres de cooperação, solidariedade e lealdade que integram a relação em toda a sua duração.”

Percebe-se, entretanto, que Claudia Marques reconhece a capacidade da teoria de Ian Macneil em
conceber um modelo teórico contínuo. Porém, para a referida autora, a concepção dos contratos
relacionais sob a perspectiva de uma nova teoria contratual, não merece prosperar no contexto
brasileiro, devendo ser aplicada em situações específicas tais como nos contratos de mútuo e de
fornecimento de serviços.

Para abordar a teoria do contrato relacional no contexto brasileiro é imprescindível tratar a respeito
dos trabalhos desenvolvidos por Ronaldo Macedo, o qual se debruçou de maneira aprofundada sobre
a teoria desenvolvida por Ian Macneil.

Ronaldo Macedo foi inclusive o responsável por redigir a apresentação da edição brasileira da obra O
Novo Contrato Social, de Ian Macneil, lançada aqui em 2009. Nessa apresentação, Ronaldo Macedo
reconhece que, para Ian Macneil, todos os contratos são relacionais, na medida em que todos eles
estão inseridos em relações sociais constituídas por múltiplos fundamentos normativos. 24

Entretanto, observa-se que Ronaldo Macedo, ao desenvolver a teoria do contrato relacional, também
não parte dessa visão geral dos contratos, mas sim de uma concepção classificatória, sustentando
que:

“Os contratos relacionais (como, por exemplo, contratos de planos de saúde, previdenciários e alguns
tipos de contratos bancários), em contraste com os contratos descontínuos, são contratos de longa
duração baseados na própria dinâmica estabelecida no curso da relação contratual. As principais
diferenças entre os contratos relacionais e os contratos descontínuos podem ser resumidas da
seguinte maneira. Em primeiro lugar, é impossível especificar completamente o contrato relacional
em termos de preço, quantidade, qualidade e entrega, dada a sua mutabilidade constante. Neste
sentido ele é um contrato muito mais aberto e flexível. Isto porquanto ele envolve elementos não
facilmente mensuráveis e visa regular situações que demandam alto grau de flexibilidade. Em
segundo lugar, dadas as contínuas mudanças no produto ou características do serviço prestado, é
impossível prever todas as contingências do futuro e especificar os termos dos ajustes nos contratos
relacionais.”

Portanto, o referido autor também enxerga características necessárias para que determinado
contrato possa ser enquadrado como um contrato relacional. Ao traçar análise acerca dos contratos
previdenciários, Ronaldo Macedo admite que existam em nossa sociedade contratos relacionais e
contratos não relacionais, elencando como exemplos dos primeiros os contratos de cooperação, de
franquia, de trabalho e de fornecimento de produtos. 25

Por outro lado, Ronaldo Macedo, ao analisar a função, a natureza e a relevância da teoria contratual
relacional, sustenta que a referida teoria possui uma função descritiva e analítica, apresentando e
descrevendo elementos que são deixados de lado pela teoria tradicional, e também uma função
normativa e prescritiva, na medida em que valoriza o uso da boa-fé, da justiça e do equilíbrio
social. 26
Ainda quanto aos trabalhos publicados no Brasil que abordam, em alguma medida, a teoria dos
contratos relacionais, faz-se menção à obra de Clarissa Gross intitulada Contratos Relacionais e o
desenvolvimento do mercado de cafés diferenciados: Um estudo de caso do setor cafeeiro, dissertação
de mestrado apresentada na FGV-SP sob a orientação do professor Ronaldo Porto Macedo Junior.

Nessa obra, Clarissa Gross faz várias referências ao trabalho de Ian Macneil, utilizando-a para
analisar o contexto que permeava um caso concreto que envolvia as relações de uma empresa do
ramo cafeeiro com os seus fornecedores de café. 27

Para Clarissa Gross, a obra de Ian Macneil é importante por ressaltar padrões específicos de
cooperação, e de solidariedade. Uma compreensão relacional dos contratos, portanto, envolve
reconhecer a existência de esquemas de cooperação e solidariedade específicos em determinadas
relações contratuais.

De acordo com a autora, o caso concreto escolhido revelou uma engenharia contratual inovadora,
envolvendo mecanismos promissórios e não promissórios de projeção de trocas e aspectos
descontínuos e relacionais. Clarissa Gross argumenta que:

“Uma compreensão relacional dos contratos permitiu, assim, a identificação de vários níveis de
construção de valores pelos agentes que interagem no mercado de cafés diferenciados, por meio de
padrões de interação mais relacionais, ou seja, por meio de mecanismos não promissórios de
estabelecimento de critérios de conduta reputados devidos pelas partes. O estudo do caso das
interações contratuais entre a illy e seus fornecedores evidencia a importância do nível das
interações mais relacionais, o que leva à reflexão acerca da importância de aspectos relacionais para
o florescimento e sustentabilidade de fluxos virtuosos de troca em alguns contextos produtivos.”

3.2. A aplicação da teoria do contrato relacional em nossos tribunais

Após ter sido apresentada, de forma sintética, a abordagem no contexto teórico brasileiro, é
importante compreender de que forma a teoria do contrato relacional vem sendo abordada
recentemente pelos nossos tribunais, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Inicialmente, observa-se que a discussão jurisprudencial acerca da teoria do contrato relacional


ainda é bastante incipiente. Não se trata de tema de grande recorrência, tendo em vista a pouca
compreensão da abordagem da teoria contratual sob a ótica relacional, restando apenas, ainda que
de maneira insólita, alguns julgados sob a perspectiva classificatória.

Em 23.03.2011, a Segunda Seção do STJ julgou o Recurso Especial 1073595/MG de relatoria da Min.
Nancy Andrighi, tendo os ministros dado provimento ao recurso, por maioria, considerando que o
seguro de vida em questão poderia ser enquadrado como um contrato relacional. 28

Nesse caso, a Ministro Nancy Andrighi, utilizando as lições de Claudia Marques e Ronaldo Macedo,
sustentou em seu voto vencedor que o contrato de seguro de vida analisado integraria o rol dos
contratos chamados relacionais ou cativos.

Isso porque as sucessivas renovações contratuais pelo período de trinta anos indicaria uma situação
que não poderia ser rompida de maneira abrupta por meio de simples notificação com trinta dias de
antecedência. No caso, deveriam ser observados os postulados da cooperação, colaboração,
solidariedade, boa-fé objetiva e proteção da confiança.

Interessante notar que no voto vencedor restou assentada a necessidade de contrapartida, de modo
que não se poderia exigir que a seguradora amargasse os prejuízos da manutenção do vínculo
contratual, os quais devem ser suportados por ambas as partes, em consonância com o princípio da
colaboração.

Em voto divergente, o Ministro João Otávio Noronha não discordou da relatora quanto à descrição
dos contratos relacionais, partindo de uma concepção que desprestigia as relações que envolvem os
contratos ao sustentar que a seguradora agiu em conformidade com o que havia sido avençado entre
as partes e que a teoria dos contratos relacionais não se amoldaria ao caso.

Entretanto, embora neste caso tenha predominada a tese de que o contrato de seguro de vida poderia
ser classificado como um contrato relacional, tal premissa não se mostrou absoluta, tendo a própria
Ministra Nancy Andrighi votado em sentido contrário, sob o fundamento de que, diferentemente das
hipóteses paradigmáticas, o contrato nesse caso só havia sido renovado por cinco vezes, carecendo,
assim, do requisito de longa duração.

Além do contrato de seguro de vida, o STJ também utilizou o conceito de contrato relacional em
julgamento que versava acerca de contrato de conta corrente. Trata-se do Recurso Especial
1277762/SP, julgado em 4.6.2013, de relatoria do Ministro Sidnei Beneti. 29

No referido caso, o recorrente insurgia-se contra medida de rescisão contratual tomada por
instituição financeira após relação estabelecida há longo tempo, argumentando que o encerramento
unilateral da conta corrente representaria negativa de prestação de serviços, violando, assim, o art.
39, II e IX, do CDC.

A Terceira Turma do STJ decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, sob o fundamento de
que tal contrato consubstanciava hipótese de contrato relacional e que, portanto, deveria ser
preservada a boa-fé objetiva entre os contratantes. Em seu voto, o Ministro Sidnei Beneti, citando
Claudia Marques, listou os exemplos do que considera como “contratos relacionais cativos”, sendo
eles os contratos de seguro-saúde, de assistência médico-hospitalar, de previdência privada, de uso de
cartão de crédito, seguros em geral, fornecimento de água, luz e telefone, dentre outros.

No bojo desse julgamento, o Ministro Paulo Sanseverino asseverou que o contrato de abertura de
conta corrente seria uma “modalidade de contrato relacional” e que aceitar a ruptura abrupta do
banco seria uma postura aceitável no século XIX, mas não em pleno século XXI, devendo ser
observados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

Em outro julgado do STJ, também fica evidente a caracterização de contratos relacionais de forma
classificatória, em oposição aos contratos ditos descontínuos. Trata-se do Recurso Especial
1073595/MG, julgado em 23.03.2011, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. 30

Dessa forma, percebe-se – a partir dos acórdãos analisados de forma mais detida e do rol de acórdãos
mencionados 31 – que a abordagem da teoria do contrato relacional em nossos tribunais, em especial
no STJ, parte de uma visão classificatória. Ou seja, determinado contrato será ou não um contrato
relacional de acordo com suas características e, portanto, de acordo com esse possível
enquadramento, deverão ou não ser aplicadas as premissas dos contratos relacionais, tais quais,
valorização da boa-fé objetiva, cooperação, manutenção da relação contratual e outras.

4. Conclusões

Diante de tudo que foi discutido acerca da teoria do contrato relacional e de seus contornos no
contexto brasileiro, salta aos olhos a nítida distinção existente entre o desenvolvimento da teoria do
contrato relacional nos Estados Unidos, notadamente por Ian Macneil, e o modo com que a referida
teoria vem sido aplicada no Brasil.

Ian Macneil propôs o desenvolvimento de uma nova abordagem geral dos contratos que via todos os
contratos como sendo relacionais, ou seja, concebidos no bojo da sociedade e gerador de variadas
relações que devem ser devidamente analisadas.

Em detrimento das teorias clássicas que enxergavam os contratos sob a ótica da promessa, Ian
Macneil tentou se afastar dessa perspectiva, a partir da formulação de um modelo descritivo e
prescritivo da teoria geral dos contratos.

Para tanto, ele expõe o que seriam as quatro raízes do contrato: (1) uma matriz social, (2) a
especialização do trabalho e das trocas, (3) um senso de escolha, (4) uma consciência acerca do
passado, presente e futuro.

Nesse sentido, o que Ian Macneil defende é a utilização dessa teoria para que se possa entender de
maneira mais aprofundada as relações contratuais, não só apenas em alguns contratos específicos de
longa duração e que preencham determinadas características.

Entretanto, o que se percebe no tratamento conferido pelos teóricos brasileiros à teoria do contrato
relacional, é o entendimento de que esta seria mais uma classificação dos contratos. Dessa forma,
contrato relacional em contraposição aos contratos descontínuos seria mais uma classificação, assim
como contratos unilaterais/bilaterais/plurilaterais, contratos existenciais, contratos comutativos,
dentre várias outras classificações.

A partir da análise da jurisprudência brasileira referente à matéria, é possível perceber que o


tratamento dado pelos julgadores também segue exatamente o mesmo sentido, qual seja, saber se
determinado contrato pode ser enquadrado na categoria de contrato relacional. Foram apresentados,
como exemplos, os enquadramentos dos contratos de seguro de vida e de conta corrente nessa
categoria.

Todavia, há que se reconhecer que existem entre nossos teóricos, abordagens que se aproximam da
teoria concebida por Ian Macneil. Ronaldo Macedo não apresenta uma concepção tão dualista no
sentido de separar completamente contrato relacional de contrato não relacional. Ele reconhece que
“as novas formas de organização da produção e a especialização flexível vêm aumentando
sobremaneira a importância a importância da cooperação e da solidariedade entre empresas, através
de modelos de contratação de caráter mais relacional”. 32

Para Clarissa Gross, a obra de Ian Macneil é importante por ressaltar padrões específicos de
cooperação, e de solidariedade. Uma compreensão relacional dos contratos, portanto, envolve
reconhecer a existência de esquemas de cooperação e solidariedade específicos em determinadas
relações contratuais. 33

As consideráveis diferenças existentes na forma com que a doutrina brasileira enxerga a teoria do
contrato relacional podem ser decorrentes das evoluções e aprofundamentos da teoria de Ian
Macneil, sendo visível o arrefecimento em sua teoria, tendo reforçado cada vez mais o argumento de
inexistência de contratos não relacionais.

Nesse sentido, a abordagem quanto ao contrato relacional no Brasil pareceu não acompanhar tais
evoluções, sendo nítida, principalmente em nossas cortes, a menção aos contratos relacionais sob
uma perspectiva classificatória.

Robert Scott em The Case for Formalism in Relational sustenta que todos os contratos são relacionais,
complexos e subjetivos. Ele afirma que Macneil e Macaulay varreram as outras ideias. Scott admite
que embora os contratos sejam relacionais, complexos e subjetivos, o direito não é. Ele ainda é
formal, clássico e simples. 34

Jon Feinman, por sua vez, sustenta que, embora acredite ser difícil que as ideias acerca da teoria do
contrato relacional suplantem as tradicionais visões do contrato, a tendência é que a teoria do
contrato relacional deva ter cada vez mais influência nas análises contratuais. 35

Com o atual contexto cada vez mais dinâmico e complexo, é fundamental que possamos buscar um
enfoque teórico mais adequado para compreender as diferentes relações contratuais que surgiram e
as que ainda estão no porvir.

Pesquisas do Editorial

A TEORIA DAS REDES CONTRATUAIS E A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS:


REFLEXÕES A PARTIR DE UMA RECENTE DECISÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA, de Rodrigo Xavier Leonardo - RT 832/2005/100

A NOVA ORDEM CONTRATUAL: PÓS-MODERNIDADE, CONTRATOS DE ADESÃO,


CONDIÇÕES GERAIS DE CONTRATAÇÃO, CONTRATOS RELACIONAIS E REDES
CONTRATUAIS, de Rogério Zuel Gomes - RDC 58/2006/180

DIREITO À INFORMAÇÃO NOS CONTRATOS RELACIONAIS DE CONSUMO, de Ronaldo


Porto Macedo Júnior - RDC 35/2000/113

TEORIA GERAL DOS CONTRATOS RELACIONAIS: UMA ANÁLISE PROCEDIMENTAL, de


João Paulo Torres Dias - RDPriv 30/2007/171

© edição e distribuição da EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.

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