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FUNDAMENTOS
BIOLÓGICOS
BÁSICOS EM
ORTODONTIA
FLÁVIO VELLINI-FERREIRA
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 3
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Aotes M1 M2 M3 I1 I2 PPP C
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Archaeclemur Lemur M1 M2 I1 I2 M3 PPP C
➞
Saimiri M1 M2 I1 I2 PPP M3 C
➞
➞
Homo sapiens M1 I1 I2 P C P M2 M3
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 5
Fig. 1.1 — A. Representação esquemática de corte sagital da região cefálica de um embrião de cinco semanas (6 mm aproximadamente). As bolsas
branquiais, situadas na parede lateral direita do intestino faríngico, estão numeradas de B1 a B4. A zona de inserção da membrana bucofaríngica
corresponde à linha pontilhada. B. Esquema destinado a mostrar o desenvolvimento dos sulcos (S1, S2, S3 e S4), das bolsas (B1, B2, B3 e B4) e dos
arcos (I, II, III e IV) branquiais. Notar que, devido ao grande desenvolvimento do segundo arco (II), as bolsas B2, B3 e B4 ficam ocultas sob ele. Observar
a diferenciação do epitélio endodérmico das bolsas em: tonsila palatina (A); glândula paratireóide inferior (B); timo (C); glândula paratireóide superior
(D) e corpo último branquial (E). Do primeiro sulco (S1) e da primeira bolsa (B1), formam-se, respectivamente, o meato auditivo externo e o recesso
tubotimpânico. Notar a diferenciação do órgão do esmalte no processo maxilar (MX) e no processo mandibular (I). (modificado de Starck — in Della
Serra e Vellini - Ferreira)
6 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
O primeiro arco branquial mandibular bi- membrana bucofaríngica (Fig. 1.2). A região
furca-se, dando origem aos processos maxilar do palato se origina, em sua maior extensão,
e mandibular que, juntamente com o proces- por proliferação dos processos maxilares, ex-
so frontonasal, contribuem para a formação ceto na região anterior formada às expensas
da boca propriamente dita, lábios, bochechas do processo nasal medial e que se constitui na
e fossas nasais. Assim, em um embrião de qua- pré-maxila. Esta alojará futuramente os quatro
tro semanas, o estomódeo ou boca primitiva, incisivos superiores. O septo nasal surge como
de origem ectodérmica, está limitado superior- expansão caudal da eminência frontal a qual
mente pelo processo frontonasal, lateralmen- se funde posteriormente aos processos palati-
te, pelos processos maxilares, inferiormente, nos. Separa-se, deste modo, a cavidade nasal
pelo processo mandibular, e, ao fundo, pela da cavidade bucal definitiva.
Fig. 1.2 — Etapas da formação da face evidenciando os processos frontal (1), nasal medial (2), nasal lateral (3), maxilar (4) e mandibular (5), segundo
Langman.
Os esquemas das Figs. 1.3, 1.4, 1.5 e 1.6 A falta de coalescência ou fusão entre estes
elucidam a formação do palato primário, o me- vários processos (Fig. 1.7) dará origem às más-
canismo de acomodação da língua caudalmen- formações congênitas (lábio leporino, fenda
te devido ao rápido crescimento do processo palatina, fissura facial oblíqua) com profundas
mandibular, permitindo a fusão dos processos influências no posicionamento dos dentes, na
palatinos e a conseqüente separação da cavida- estética facial e no psíquico do paciente (Figs.
de bucal da cavidade nasal. 1.8 e 1.9)
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 7
Fig. 1.3 — Corte sagital da região da fossa nasal mostrando desde os primórdios de sua evolução até a formação da premaxila (1) e do palato (2),
sua fusão (3), separando a cavidade nasal (4) da cavidade bucal (5) — segundo Clara, in Langman.
Fig. 1.4 — Representação esquemática, em A, de um corte frontal da cabeça embrionária mostrando a língua 1 em sua posição vertical. Em B, vista
ventral da premaxila 2, do septo nasal 3 e dos processos palatinos 4 (segundo Langman).
Fig. 1.5 — Esquemas mostrando em A o deslocamento caudal da língua 1 e em B a aproximação dos processos palatinos em direção medial 2 (segundo
Langman).
8 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
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Fig. 1.6 — Esquemas A e B evidenciando a fusão dos processos palatinos (1) com a premaxila (2), marcando definitivamente a separação da cavidade
nasal da cavidade bucal. A papila incisiva 3 demarca o ponto onde ocorreu a fusão entre aqueles processos (segundo Langman).
Fig. 1.7 — Contribuição dos diferentes processos embriológicos na edificação da face adulta. 1. Processo nasal médio 2. Processo nasal lateral 3.
Processo maxilar 4. Processo mandibular
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 9
Fig. 1.8 — Falta de coalescência entre processos embrionários que formam a face, originando em 1 a fenda facial oblíqua, em 2 a macrostomia
unilateral e em 3 o lábio leporino mediano com nariz parcialmente fendido (modificado de Langman).
Fig. 1.9 — Representação esquemática de diferentes más formações congênitas ocasionadas pela falta de coalescência da premaxila e processos
palatinos. Em 1 aspecto normal; em 2 lábio fendido unilateral com comprometimento nasal; em 3 lábio fendido unilateral interessando lábio, maxila
e estendendo-se até a região da papila incisiva; em 4 lábio fendido bilateral abrangendo a premaxila; em 5 fenda palatina simples e em 6 fenda palatina
combinada com lábio fendido unilateral (inspirado em Langman).
Os lábios formam-se por volta da sétima se- branquial, ao passo que seus revestimentos epi-
mana, pelo fendilhamento da região gengival, teliais interno e externo darão origem a outros
que assim prossegue até a região das boche- tecidos. Embora os músculos dos diferentes ar-
chas. cos migrem em várias direções, a sua prove-
Durante a sexta semana de desenvolvimen- niência pode ser sempre identificada, visto que
to, o segundo arco sobrepõe-se aos outros três, a inervação provém do arco de origem.
tornando-os pouco evidentes, determinando Na formação dos elementos constituintes do
que o quarto e o quinto arcos mergulhem aparelho mastigador contribuem o primeiro e o
numa depressão triangular denominada seio segundo arcos branquiais, também denominados,
cervical - S3 na Fig. 1.1. No curto prazo de duas respectivamente, arco mandibular e arco hioídeo.
semanas, os arcos branquiais desaparecem e a Durante o desenvolvimento, cada arco adquire um
semelhança com a “condição branquial” termi- esqueleto cartilagíneo que eventualmente desapa-
na. Estruturas como ossos, músculos e vasos rece ou persiste durante toda a vida, como estrutu-
sanguíneos, diferenciam-se do mesênquima ra óssea, cartilagínea ou ligamento.
10 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
Fig. 1.10 — Esquema para indicar as várias fases de desenvolvimento do incisivo central inferior.
A. Formação da lâmina dental (6ª semana v.i.u.).
B. Estágio de casquete, notando-se a diferenciação do órgão do esmalte do dente decíduo (7ª semana v.i.u.).
C. Fase de campânula. À direita a extremidade livre da lâmina dental que dará o órgão do esmalte do dente permanente. O osso alveolar está iniciando
sua diferenciação (10ª semana v.i.u.).
D. Primeiras deposições de dentina (16ª semana v.i.u.) e oclusão do saco dental.
E. Diferenciação do incisivo central inferior permanente (nascimento). A coroa do dente decíduo está completa.
F. Início de erupção do dente decíduo (6 meses). A coroa do dente permanente já está praticamente formada com esmalte e dentina.
G. Rizólise do dente decíduo e dente permanente em vias de erupção (6 a 7 anos).
H. Erupção do dente permanente (7 a 8 anos).
I. Dente permanente em uso, na boca, apresentando uma borda incisal transformada em faceta oclusal. Observar, na cavidade pulpar, a dentina
secundária (adulto). v.i.u. — vida intra-uterina (baseado em diagramas de J.G. Dale e K.J. Paynter, segundo Leeson e Leeson).
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 11
cia ao osso. Enunciaram, outrossim, que a par- que a intensidade da força aplicada ao osso
te central do osso, apresentando-se como um modificava-lhe a arquitetura interna (Fig.
tubo oco, resistia melhor aos esforços que se 1.12). Todavia só mais tarde Weinmann e Si-
manifestavam sobre a peça. Embora os princí- cher, em sua obra “Bone and Bones”, contesta-
pios de Mayer e Culmann abrissem as portas ram um fato até então aceito como verdadeiro
para novas investigações a respeito, eles se — o concernente à disposição ou entrecruza-
constituíram tão somente nos alicerces onde se mento das trabéculas ósseas em ângulo reto.
edificariam novos conceitos e novas teorias. Estes autores enfatizaram ser a disposição da
Sob este aspecto, Wof e Roux, fundamentados esponjosa óssea uma resposta aos estímulos
nas pesquisas anteriormente citadas, introduzi- funcionais, podendo as trajetórias ter até senti-
ram um novo conceito, aliás fundamental às do não retilíneo. Um fato contudo parece ter
investigações e explicações de fatos futuros, de ficado bem aclarado — e esta citação encontramo-
Fig. 1.12 — Esquema da arquitetura óssea, segundo original de Koch, evidenciando os cálculos da máxima tensão e acentuada compressão exercidas
na cabeça do fêmur quando aplicada uma carga de 100 libras.
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 13
la no trabalho de Picosse sobre linhas de força como sóe ser na vida embrionária, e em locais
na mandíbula humana — há um padrão here- não solicitados funcionalmente, apresenta-se
ditário para o trabeculado ósseo primário, o conformado com um trabeculado não ordena-
qual é herdado dos ancestrais, mas modificável do. É pois mecanicamente ineficaz e apresenta-
por fatores exógenos secundariamente. Justifi- se como forma de transição para o osso lame-
cativa para esta assertiva encontramos nas in- lar. Já este último, o lamelar, organiza-se em
vestigações sobre crescimento ósseo “in vitro”. camadas onde as fibras colágenas se dispõem
Portanto, a evolução de nossos conhecimen- em lamelas, no intuito de suportar melhor aos
tos sobre a arquitetura geral e funcional do es- esforços nele incidente. Acentue-se que o teci-
queleto cefálico repousa no complexo estudo da do ósseo lamelar ora se apresenta como nas
biologia óssea, pois que em nenhuma outra parte diáfises dos ossos longos — cortical —, ora se
de nosso organismo se manifesta de modo tão apresenta esponjoso como na parte central da
evidente a inter-relação entre forma e função. epífise.
Acenemos aqui a maneira particular de cresci- Do exposto parece evidente, e a maioria dos
mento do osso, diverso da maioria dos nossos te- autores aceita, que as forças funcionais que se
cidos e por si só suficiente para o entendimento manifestam sobre o tecido ósseo condicionam-
da arquitetônica do crânio e da face. Enquanto a lhe a arquitetura traduzindo-se isto por engros-
maioria dos tecidos orgânicos cresce por multipli- samento da cortical e arranjo das trabéculas
cação celular, ocupando as novas células os espa- constituintes da esponjosa. Contudo, e Pasmo-
ços entre as demais, no tecido ósseo, pela sua re chama a atenção para este fato, pesquisado-
própria natureza, este tipo de crescimento é im- res há que procuram buscar em fatores bioquí-
praticável. Destarte, o osso cresce por aposição de micos ou hematogênicos explicação para a ar-
novas camadas sobre as já existentes e de um bem quitetura óssea.
equilibrado sistema de aposição e reabsorção re- Sob este aspecto uma série de investigações
sulta o modelo final. Há uma constante aposição científicas poderiam ser relatadas, mormente
e reabsorção óssea no ciclo vital biológico, predo- no campo ortodôntico, que de certo modo faz-
minando a primeira no jovem e a segunda (reab- nos aceitar a inter-relação entre esforço funcio-
sorção) no velho. À custa do processo remodelan- nal e arquitetura óssea. Extensos trabalhos rea-
te as peças ósseas se edificam e alteram sua arqui- lizados por Machado de Sousa, Benninghoff,
tetura constantemente. Picosse, utilizando diferentes técnicas (puncio-
Por paradoxal que pareça o osso, duro namento da cortical, RX, laminografias, cortes
como se nos afigura, é um dos mais plásticos e seriados), falam a favor dessa assertiva.
maleáveis tecidos orgânicos graças, exatamen- Nós mesmos, em mandíbulas humanas, utili-
te, a este duplo e harmônico sistema de aposi- zando o método radiográfico, pudemos consta-
ção e reabsorção óssea. tar fatos já asseverados por diferentes autores,
É necessário, contudo, frisar que a arquite- confirmando que o estímulo funcional promove
tura óssea em geral e a craniofacial em particu- um rearranjo do trabeculado ósseo. A falta deste
lar está condicionada a múltiplos fatores. Sua promove uma osteoporose. Muito provavelmen-
origem do tecido conjuntivo, sua maneira de te estas modificações arquiteturais, devidas a
crescer, seu próprio tipo de ossificação, se perturbações da osteogênese da mandíbula, se-
membranoso ou endocondral, assim como a jam resultantes de uma diminuição da afinidade
sua topografia, tudo está perfeitamente adapta- cálcica pela matriz protéica. Esta descalcificação
do à missão imposta a esta estrutura orgânica seria secundária às modificações histoquímicas
— a missão mecânica destinada ao osso. A exte- ocorridas na elaboração da matriz e não primiti-
riorização macroscópica evidenciável em cortes vas como sóem ser em certas perturbações do
e traduzida por diferentes caminhos trajetoriais metabolismo fósforo-cálcico. O corolário destas
da esponjosa não são senão o termo último de modificações é a fragilidade óssea.
uma especialização encetada na própria organi- Se aplicarmos estas considerações gerais ao
zação das fibras colágenas das unidades osteô- crânio e à face, veremos que, nestes segmentos,
nicas. A adaptação do osso às forças de pressão o osso se comporta diferentemente porque di-
e tração que sobre ele se manifestam se faz pau- ferentes são as suas solicitações mecânicas, dife-
latinamente e de maneira admirável, numa co- rentes são as suas ações, diferentes são as suas
ordenação e concatenação de fatos realmente áreas de inserções musculares.
notáveis. Esta é a razão por que o osso fibroso, De qualquer modo, sempre a natureza age
que aparece em locais de rápido crescimento, economicamente apondo tecido ósseo apenas
14 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
2. DENTES
Fig. 1.14 — Esquema indicativo da maior concentração de forças na
Os dentes são definidos como órgãos ou mas- área molar -M-, em vista das diferentes direções dos feixes musculares
sas duras de tecidos calcificados, de coloração es- mastigadores.
16 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
Fig. 1.16 — Esquema do ligamento alveolodental mostrando: 1. gengiva (periodonto de proteção); 2. cemento; 3. osso alveolar; 4. diferentes feixes
de fibras do ligamento, inclusive as circulares (modificado de Arnin e Hagerman).
Fig. 1.17 — Diferentes feixes de fibras do ligamento periodontal. Em G está representado o grupo gengival; em T os feixes transeptais; em C os da
crista alveolar; em H os horizontais; em O os oblíquos; em A os apicais; e em B o espaço apical de Black.
20 ORTODONTIA • DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO CLÍNICO
ção na remodelação do tecido ósseo e cemento. O temas, retrações gengivais, limitação dos movi-
tecido ósseo adapta-se, mediante contínuas aposi- mentos linguais, etc.
ções e reabsorções, às necessidades funcionais do Na região vestibular a gengiva é limitada, no
periodonto, ao passo que o cemento responde a maxilar e mandíbula, pela junção mucogengi-
estímulos diversos, reabsorvendo-se ou apondo val que a separa da mucosa alveolar. É caracte-
novas camadas às já existentes. rística da mucosa alveolar ser de coloração ver-
Restos epiteliais (Mallassez) — são formações melha e apresentar numerosos pequenos vasos
epiteliais derivadas ou vestigiais do órgão ada- junto à superfície. Na região do palato a distin-
mantino, que formam grupos ou ninhos espar- ção entre gengiva e mucosa é pouco demarca-
sos no seio do ligamento alveolodental. Para da, enquanto na mandíbula encontramos uma
muitos autores, os cistos paradentais e os tumo- linha nítida separando gengiva da mucosa que
res epiteliais (adamantinomas) têm origem nos reveste o soalho bucal.
restos epiteliais mencionados. Sob o ponto de vista anatômico e clínico,
podemos dividir a gengiva em (Fig. 1.18):
C - GENGIVA OU PERIODONTO
DE PROTEÇÃO a) gengiva inserida
papilar
b) gengiva livre
A mucosa vestibular de um lado e a palatina marginal
ou lingual de outro continuam-se ao nível da
borda livre de cada maxilar, contornam a base
da coroa dental, inserindo-se firmemente no
periósteo do osso alveolar, constituindo-se na
gengiva ou periodonto de proteção. Pode-se defini-
la, pois, como a parte da mucosa bucal que
cobre os arcos alveolares, nos quais estão im-
plantados os dentes.
Sulco gengivolabial é a designação dada à
área de reflexão da mucosa nas partes superior
e inferior do vestíbulo bucal.
Interrompendo a continuidade destes Fig. 1.18 — Esquema dos constituintes da gengiva: 1. gengiva papilar;
sulcos (superior e inferior), encontramos, 2. sulco marginal; 3. pregas interdentais; 4. junção mucogengival; 5.
na linha média, os freios labiais superior e mucosa alveolar; 6. gengiva livre; 7. gengiva inserida.
inferior e à altura dos caninos e premolares
as bridas. Embora, sob o ponto de vista ana-
tômico tenham a mesma constituição, funci-
onalmente bridas e freios apresentam dife- a) Gengiva inserida: é caracterizada por altas
renciação. papilas de tecido conjuntivo, elevando o epité-
As bridas têm ação mais restrita que os freios, lio, cuja superfície aparece granulada. O granu-
uma vez que subservem como área de reforço e lado, cujo grau varia com os indivíduos, é mais
apoio, na mucosa vestibular, durante a ação de provavelmente uma expressão de adaptação fun-
contração do músculo bucinador. cional a impactos mecânicos. O desaparecimen-
Esta atividade é bem entendida no ato masti- to desse granulado é sinal de edema, evidencian-
gatório quando o músculo bucinador, ao se con- do que a gengiva inserida foi envolvida num
trair, repõe o alimento retido no vestíbulo bucal processo patológico (gengivite) em evolução. A
sobre as superfícies mastigatórias dos dentes. gengiva inserida aparece ligeiramente afundada
Os freios têm ação mais ampla uma vez que, entre dentes adjacentes, devido à sua relação
além das já citadas para as bridas durante a com a gengiva alveolar (pregas interdentais).
ação dos músculos orbicular dos lábios, do soa- b) Gengiva livre
lho bucal e língua, limitam a extensão dos mo- b1) Gengiva marginal: seguindo a forma
vimentos destes órgãos (extroversão labial, mo- sinuosa dos colos dentais e separada da
vimentos de projeção e retrusão da língua). gengiva inserida por um entalhe pouco
Sob o ponto de vista clínico as inserções profundo em forma de V que corre para-
anormais de freios e bridas são de suma impor- lelo à margem da gengiva (sulco margi-
tância, como se verá no capítulo de Etiologia nal) a uma distância de 0,5 e 1,5 mm,
das Más Oclusões Dentais, podendo causar dias- temos a gengiva marginal (Fig. 1.19).
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 21
Fig. 1.20 — 1. epitélio bucal; 2. epitélio reduzido do esmalte; 3. esmalte; 4. dentina; 5. cavidade pulpar; e 6. sulco gengival.
Fig. 1.21 — Modificações fisiológicas do epitélio juncional. 1. esmalte; 2. dentina; 3. cemento; 4. sulco gengival; 5. epitélio juncional; 6. epitélio gengival;
7. osso. Em A o epitélio juncional se prende no esmalte e em D no cemento. Em B e C tipos intermediários deste epitélio.
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 23
fícies ósseas estão unidas através da cápsula Por outro lado, os receptores nervosos situa-
articular que, na parte posterior da juntura, dos nos ligamentos teriam importante papel
se espessa para constituir o ligamento tempo- de guia na função muscular. Basicamente, du-
romandibular. Ligamentos à distância ou rante a mastigação, há uma combinação de
acessórios, estão representados pelo esfeno, dois movimentos na ATM — rotação ou do-
estilo e pterigomandibular. As superfícies ar- bradiça e translação ou deslizamento. Da com-
ticulares ósseas são recobertas por um tecido binação destes movimentos temos a diducção
conjuntivo fibroso, denso, avascular, que con- (lateralidade), a abertura e fechamento da
tém variáveis quantidades de células cartilagí- boca e a protrusão e retrusão da mandíbula.
neas, dependendo da idade do indivíduo e Delicados mecanismos neuromusculares de
do esforço funcional a que é submetida a controle e coordenação dos esforços funcio-
juntura. A membrana sinovial atapeta inter- nais protegem a ATM de traumas. Todavia,
namente os espaços não coincidentes com as movimentos não fisiológicos dos maxilares
superfícies articulares e produz pequena ocasionados por más oclusões, hipertonicida-
quantidade de líquido sinovial. O músculo des musculares, contatos prematuros oclusais,
pterigóideo externo ao se inserir fortemente etc., têm efeito lesivo sobre a juntura.
no colo da cabeça mandibular, envia tendões Resultados de pesquisa concernente à adap-
que se conectam com a cápsula articular e o tabilidade da articulação temporomandibular,
menisco (Fig. 1.24). têm demonstrado a necessidade de adaptar a
Pesquisas recentes sugerem que receptores oclusão à ATM, pelo menos em indivíduos
sensoriais existentes na cápsula articular po- adultos. Devido às múltiplas necessidades fun-
dem influenciar o núcleo motor do trigêmeo, cionais e magnitude das forças que exercem na
sendo este fato de grande importância no con- ATM, as funções normais e as más oclusões
trole da atividade dos músculos mastigadores. podem e devem ter repercussão na juntura.
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Fig. 1.25 — Esquema elucidando a participação de vários grupos Fig. 1.26 — Esquema mostrando os músculos masseter 1 e pterigoídeo
musculares no movimento de abertura da boca: 1 músculo temporal, medial 2.
2 músculo pterigoídeo lateral e 3 músculo pterigoídeo medial.
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3
Fig. 1.28 — Esquema destinado a mostrar a ação da musculatura Fig. 1.29 — A ação e direção das forças musculares labial (1), lingual
peribucal no equilíbrio dos dentes. Os músculos orbicular dos lábios (1), (2) e supra-hioídea (3), estão representadas neste esquema calcado
bucinador (2) e constritor superior do faringe (3), formam o assim sobre um traçado cefalométrico.
chamado mecanismo do bucinador.
fórnice para as superfícies oclusais, atua no ato bios, bochechas, língua, mucosa bucal, glân-
de soprar e no equilíbrio vestibular dos dentes dulas salivares, vasos e nervos dos Iº e IIº ar-
jugais. cos branquiais.
A língua é um órgão concernente com a As diferentes partes deste aparelho funcio-
mastigação, deglutição, vocalização e gustação. nam continuadamente na mastigação, degluti-
Órgão essencialmente muscular, está revestida ção, vocalização, respiração, equilíbrio da cabe-
por um estojo mucoso onde encontramos glân- ça, mandíbula, língua e osso hióide. A fisiolo-
dulas mucosas, tecido linfóide (amígdala lin- gia e mecânica do aparelho mastigador é por
gual) e papilas gustativas. Através do arranjo de demais complexa, não sendo possível estabele-
seus músculos, a língua pode adotar uma infi- cer-se uma hierarquia completa dos vários me-
nidade de posições, alterando a capacidade do canismos neuromusculares que sobre ele inter-
cavo bucal, modificando-lhe a forma e variando vêm. Contudo, alguns aspectos de seu funcio-
a quantidade de ar emitido durante a produção namento podem ser relacionados especifica-
do som laríngico. Age também na mastigação, mente com componentes neuromusculares de
impulsionando o alimento para as superfícies estruturas bucais e estruturas anexas.
oclusais dos dentes e mantendo o equilíbrio Para se avaliar as anormalidades de forma
lingual destas peças. e função do aparelho todo, é preciso estudar
Muitos aspectos práticos e funcionais na e bem compreender a morfologia, o cresci-
construção de aparelhos ortodônticos baseiam- mento, a fisiologia desse aparelho e sua evo-
se nas inserções, morfologia, direção e ação das lução filo e ontogenética. Ademais, com os
fibras musculares (Fig. 1.29). modernos métodos de análise dinâmica do
crânio, desenvolveu-se o conceito de matriz
7. MECANISMOS funcional aplicado ao conhecimento do cres-
NEUROMUSCULARES E cimento craniofacial. Assim, aos processos
NUTRITIVOS neurotróficos de regulação e controle do
crescimento devem ser acrescidos os conheci-
O aparelho mastigador ou estomatognáti- mentos de vascularização dos diversos setores
co compreende os dentes com seus tecidos do aparelho mastigador.
suportes, as maxilas, a articulação temporo- Qualquer terapêutica que vise corrigir os
mandibular, os músculos mastigadores, os lá- distúrbios morfofuncionais desse aparelho or-
FUNDAMENTOS BIOLÓGICOS BÁSICOS EM ORTODONTIA 29
gânico deve ser conduzida segundo os funda- Ignorar o mecanismo, a estática e a dinâmi-
mentos anatomofisiológicos de todas as partes ca do aparelho mastigador é ignorar as causas
isoladas, mas que funcionam coletiva e interde- fundamentais da saúde ou doença do homem.
pendentemente como uma unidade biológica. Nenhum ortodontista poderá se desinteres-
Se os processos técnicos de tratamento viola- sar dos efeitos resultantes das deficiências do
rem quaisquer dos princípios anatomofuncionais, aparelho mastigador, porque esses efeitos
se não for respeitada a unidade biológica do apa- têm, desde o nascimento, repercussões sobre
relho, o objetivo de restaurar a forma e a função o desenvolvimento morfofuncional de todo o
da parte implicada certamente não será atingido. organismo.
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