Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Trabalho Final
Disciplina: “Urbanização e Reprodução do Espaço no Brasil”
Professor: César Ricardo Simoni Santos
1.Objetivos
“...deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu seu dia de oito
horas e cinco dólares como recompensa para os trabalhadores da linha
automática de montagem de carros que ele estabelecera no ano anterior em
Dearbon, Michigan. Mas o modo de implantação geral do fordismo foi muito
mais complicado do que isso” (Harvey, 1992, p.122).
Se tomarmos 1914 como a data inaugural do modelo fordista de produção nos Estados
Unidos devemos considerar que o pleno estabelecimento desta nova engenharia de produção
deu-se algumas décadas mais tarde, especificamente após a II Guerra Mundial, quando a
produção de bens de consumo duráveis e não duráveis tomou a dianteira nos investimentos que
buscavam maior rentabilidade. O modelo fordista atendia com relativo grau de segurança e
eficiência as novas demandas de uma sociedade de massas que estava em franco processo de
urbanização no Ocidente capitalista e também e não menos importante no chamado bloco do
Leste que emulava formas de produção racionalizadas dentro do chamado “socialismo real”.
A base empírica do sistema fordista estava assentada no trabalho F.W. Taylor, Os Princípios
da Administração Científica, publicado alguns anos antes. Era um tratado que propunha m
maior rendimento do serviço do operariado da época, o qual era desqualificado e tratado com
desleixo pelas empresas. O estudo de "tempos e movimentos" mostrou que um "exército"
industrial desqualificado significava baixa produtividade e lucros decrescentes, forçando as
empresas a contratarem mais operários. O trabalho de Taylor baseava-se em alguns princípios
básicos, especificamente cinco (Taylor, 1911, p. 36):
1
Os termos ‘socialismo real’ foram aqui emprestados dos escritos do pensador Robert Kurz e dos postulantes da
corrente marxista chamada ‘Crítica do Valor’ reunidos na revista eletrônica EXIT. Para estes autores, o ‘socialismo
real’ equivale a uma etapa da modernização capitalista nos países periféricos do capitalismo denominada por este
grupo de ‘esforço retardatário de modernização’ ou mais singularmente pelo epíteto de ‘socialismo de caserna’
dado seu caráter autoritário. Os escritos sobre a interpretação dada pelo grupo a respeito do ‘socialismo real’ podem
ser encontrados em http://obeco.planetaclix.pt/
velocidades sem precedentes, e com uma consciência de propósito sem igual na história, um
novo tipo de trabalhador e um novo tipo de homem” (Gramsci, 2010, p.121).
Mas, ainda que o modelo fordista despertasse simpatia no Ocidente, no campo socialista
e nos países de industrialização recente, foi só a partir do término da II Guerra que ele pode ser
generalizado onde quer que houvesse um surto considerável de industrialização ou nos países
pioneiros da modernidade capitalista. Isto porque até meados do século XX sobreviviam formas
que se assemelhavam à ‘produção de ofícios’ ou estruturas arcaicas de produção. Foi necessário
que ocorresse uma destruição em massa das antigas formas de produção, proporcionadas pela
insanidade da guerra total somada a ascensão de governos autoritários –nazifascistas ou
congêneres- para que as antigas formas de produção fossem subsumidas pela grande indústria
num primeiro momento atendendo ao esforço de guerra. O nazifascismo caracterizou-se, entre
outras coisas, pela sua capacidade de generalizar a forma mercadoria e as novas técnicas de
produção oriundas do fordismo. A esse respeito Harvey aponta que no período entre guerras os
governos democráticos fracassaram, pelo menos aos olhos das massas desesperadas, em
retomar o crescimento pré-1929, dessa forma tornou-se:
O sistema capitalista carrega premissas fundamentais para sua compreensão, uma delas
é sem dúvida seu movimento a partir de processos contraditórios. Inúmeros autores e
pesquisadores do pensamento marxista se detiveram na análise das contradições e do
movimento dialético de superação destas contradições. O período fordista conheceu suas
contradições e colocou-se em marcha rumo à superação destas contradições, mesmo que o
movimento não necessariamente tenha sido detectado in actu. Segundo Harvey:
Outros fatores viriam a somar dentro do rol de contradições postas pelo fordismo.
Importante destacar dois movimentos que levam à aceleração do movimento que resultará na
prevalência do capital portador de juros – ou capital fictício – direcionando a acumulação para
a esfera da financeirização. Um deles refere-se ao fato dos lucros auferidos pelo complexo
petroleiro impulsionado pela demanda produtiva dos centros do capitalismo. Esta margem de
lucro apelidada de ‘petrodólares’ não contava com expectativas otimistas de reinvestimentos e
ampliação na indústria do petróleo, nem com a repatriação desse montante aos seus países de
origem, notadamente os Estados Unidos que entre os anos 60 e 70 apresentava taxas de juros
muito baixas para que houvesse estímulo da parte do capital privado nas aplicações correntes.
A solução encontrada foi manter esse volume de capitais em praça que, a partir daquele
momento, especializaram-se no tratamento dos petrodólares. Quanto a isso os petrodólares
foram expatriados para o mercado europeu especificamente para o Reino Unido:
A bolha do mercado imobiliário estadunidense ocorreu sem que houvesse de fato uma
necessidade comprovada no déficit habitacional ou no crescimento demográfico. Outro dado
contraditório é que a maioria das transações de compra e venda de imóveis tinham o objetivo
de investimento e não de uso e ocupação do proprietário. Esta dinâmica de consumo incentiva
os investidores a comprar casas que supostamente obterão lucro em curto prazo, através de
aluguel, venda ou renegociação hipotecária. A recente bolha do mercado imobiliário americano,
que se assemelha ao modo de absorção da superacumulação através do deslocamento espacial
e temporal (HARVEY, 1992, p.171), parece dar continuidade à tendência histórica aqui
demonstrada: a ruptura entre a economia real e a produção de “capital fictício”. Fruto da busca
por lucros cada vez mais escassos como consequência do desenvolvimento das forças
produtivas, para alguns autores – Kurz, Harvey, Postone, Grespan, etc - talvez seja um forte
indicativo dos limites históricos de expansão do capitalismo. Desse modo, o capital fictício
materializado na produção e consumo do espaço e de outras mercadorias, nada tem a ver com
necessidades reais ou com uma demanda efetiva.
5.A dinâmica especulativa na produção do espaço urbano brasileiro e a patologia dos
condomínios
2
“Esse conceito está atrelado ao consumo e a um padrão de família, de beleza, de gênero e de regras do que você
tem que ter e ser para ser bem-sucedido” (Cunha, 2017, pp.15)
promotores imobiliários e revendidas por valores maiores. Ou simplesmente os indivíduos
construíram e venderam a suas casas mirando outros locais mais prestigiados.
Junto com o boom dos condomínios emergiu uma forma de viver condizente com este
espaço e com as expectativas que os moradores esperam encontrar neste lugares, uma lógica
conformada sob novos padrões que a diferem do espaço público, da rua, da praça, do bairro,
etc. Os espaços públicos levam, quase inevitavelmente, ao encontro do outro, do diferente,
realmente e como potencialidade. Essa outra nova lógica pauta-se pelo encontro dos iguais, ou
supostamente, pelo menos dentro do campo das expectativas de quem se muda para os espaços
fechados e segregados. Há uma tendência desejante que os muros dos condomínios cerquem
aqueles que sejam ‘duplos’, ‘triplos’ de si, informados dentro dos mesmos padrões
comportamentais, assim:
A lógica ‘condomiante’, identificada por Dunker, espraia-se por outros espaços que
prometem o encontro dos iguais, mas não podem garantir comportamentos iguais, vai-se
configurando uma violência surda que explode aqui e acolá de tempos em tempos porque a vida
torna-se intolerável quando a expectativa é viver entre iguais.
6.Referências Bibliográficas:
CUNHA, P. R. F. DA, American Way of Life - consumo e estilo de vida no cinema dos anos 1950, São
Paulo: Intermeios, 2015.
DUNKER, Christian, Mal-estar, sofrimento e sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros.
Buenos Aires: PsicoMundo, 2016.
GRAMSCI, Antonio, Cadernos do cárcere, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
HARVEY, David, Condição pós-moderna, São Paulo: Edições Loyola, 1992.
KURZ, R. A Segunda Bolha. Neues Deutschland, Berlin, Jun. de 2003. Disponível em: <
http://obeco.planetaclix.pt/rkurz137.htm >. Acesso em: 21 fev. 2007.
LEFÈBVRE, H. A Vida Cotidiana no Mundo Moderno. São Paulo: Ática, 1991.
SEABRA, Odette, Território do uso: cotidiano e modo de vida, São Paulo: CIDADES. v. 1, n. 2,
2004.
TAYLOR, F.W, Princípios da administração científica, São Paulo: Atlas, 2009.