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Sobre o espiritual do Natal

- uma reflexão sob o ponto de vista do design e do marketing

Já lá vai o tempo em que o Natal começava em dezembro! Atualmente muitas


lojas já têm de decidir se fazem montras com as decorações de Halloween ou as
de Natal.

Este constante crescimento da época Natalícia é muitas vezes caracterizado por


ser um “evento Natalício”. Esta perspectiva de evento tem a sua origem à séculos
atrás, quando as igrejas utilizavam os serviços religiosos para atrair pessoas e
transmitir ideias religiosas, mantendo as pessoas na igreja. Neste âmbito, os
autores Erlnoff e Marshall referem que “hoje, o sucesso da religião, dos partidos
políticos, das iniciativas, das marcas e dos produtos depende fortemente dos
contextos em que as suas ideias são comunicadas, para gerar o desejo de
participar e comprar o que é oferecido.” Para isso existe sempre a necessidade de
inovar produtos e serviços, para que as informações e a publicidade seja o
suficiente para obter o sucesso do evento nas suas várias áreas.

A época define-se aqui como um intervalo ou período de tempo; evento como


algo que acontece num determinado período de tempo com um propósito e uma
estratégia determinada e, objecto, como produto ou serviço.
Será então que a época Natalícia se transformou num evento que passa a ser
mais comercial do que espiritual e religioso?

Segundo os autores Kotler e Keller “o marketing está por toda a parte. Formal ou
informalmente as pessoas e organizações envolvem-se num grande número de
atividades que poderiam ser chamadas de marketing”. Acrescentam que o bom
marketing tem de ser tornado um ingrediente para o sucesso dos negócios, que
ele afeta profundamente a vida quotidiana e está em tudo o que fazemos – “nas
roupas que vestimos, nos sites que clicamos, passando pelos anúncios que
vemos.”

O Natal passou então de uma quadra em que se comemora o nascimento de Jesus


Cristo para um negócio?

Sob este ponto de vista o marketing também evoluiu adaptando-se às tendências


da atualidade, porque esta disciplina “em vez de tratar as pessoas simplesmente
como consumidores aborda-o seres humanos integrais com mentes, corações e
espíritos”. Kotler sublinha que em tempos de crises económicas mundiais, o
marketing ganha tremenda importância para a vida dos consumidores que são
afetados pela turbulência social, económica e ambiental. No contexto de
epidemias, pobreza, destruição ambiental, só as empresas com a filosofia de
negócio assente num marketing e que oferecem respostas e esperança aos
consumidores são bem sucedidas, porque tocam nos consumidores “num outro
nível”.

O Natal já é uma festividade que por si só toca nas pessoas, porque comemora
uma data dotada de valor simbólico e espiritual; o que se pode tornar numa
vantagem para todos os objetos disponíveis e promovidos nesta quadra. Este
conceito está adequado às tendências dos consumidores, que procuram não só o
bom desempenho funcional e estético dos objetos como também o emocional e o
espiritual. Neste assunto, a palavra de ordem continua a ser só uma -
diferenciação. A diferenciação, utilizada enquanto estratégia de marketing ou
uma característica do design de um objeto, deve ser visto como algo tornado
único ou uma mais valia no seu género, numa determinada circunstância.

Refletindo sobre a crescente “antecipação” do Natal, que se começa a tornar


visível no início de novembro, esta pode ser analisada sob dois prismas: um
negócio que quer ser iniciado mais cedo ou numa necessidade emocional das
pessoas - no domínio da esperança - no valor espiritual.

A tendência deste marketing dotado de espiritualidade já não é uma questão


nova no design. Como exemplo o autor Papanek abordava este problema no seu
livro, na forma como o designer pode conceder valor espiritual aos objetos
concebidos. A resposta prende-se num design com “preocupações sustentáveis
do meio ambiente, no facilitar a vida de algum grupo marginalizado pela
sociedade, no alívio da dor, na ajuda aos pobres e dos seus direitos, na poupança
de energia ou criação de energias renováveis ou em salvar recursos
insubstituíveis”.

Mas afinal estará o Natal dotado desta “espiritualidade”? Será que pensamos nos
presentes que compramos para oferecer com este cariz ecológico, de ajuda aos
necessitados, de poupança de recursos? A necessidade do objecto adquirido será
realmente posta em causa? O valor emocional e simbólico dos objetos será
respeitado e enquadrado ao Natal?

Sob o meu ponto de vista o Natal será sempre uma festa de família, plena de
simbolismo pelo que representa – o aniversário do nascimento de Jesus Cristo. A
tradição da festa , figurada na família mais chegada, na lareira, nos pés descalços
e um sapato junto ao pinheiro, no presépio com luzes a piscar, na ceia do
bacalhau com couve portuguesa, batatas e vinho tinto, tem um significado muito
próprio.

O Natal é verdadeiramente espiritual: uma noite onde as palavras enchem a


alma, as gargalhadas se perdem no ar, a ansiedade das crianças é expressada
pela eficácia com que comem, onde se mergulha no afecto e no esquecimento das
tristezas do quotidiano. É uma época em que se pensa no outro, em que “fazemos
uma pausa” dos nossos problemas e se ajuda o próximo, em que se dá um sorriso
e um abraço, em que se telefona, envia um postal e mais atualmente se manda
um sms, um e-mail ou coloca um like nas redes sociais.

O presente de Natal, com o passar do tempo, ganhou um outro valor – é


substituível, perde relevância. Dou muito mais importância ao beijo, ao abraço,
ao sorriso, às palavras, às pessoas que me tocam e à minha família. Mas esta
constatação cresceu com o tempo, as crianças vibram com as prendas, eu, adulta,
vibro com a serenidade do momento.
Se ofereço prendas claro que sim; o consumismo está enraizado na sociedade,
quase que ficamos mal vistos se não dermos um presente e continua a haver o
estigma do objecto caro ou da lembrança. Mas, antes da aquisição, já realizei uma
reflexão do que o outro gosta, anseia ou imagino que necessita; a minha filosofia,
formação ou educação (como lhe queiram chamar) faz com que não compre só
por comprar, exige um esforço e tempo adicional da utilidade e pressupõe
preocupações sustentadas nalguns dos princípios abordados no design de
Papanek.

Se olho para reflexo do marketing e do design no evento Natalício, lógico que


sim. Quanto mais não seja para analisar a tendência ou o próprio produto ou
serviço.

Mas se me perguntarem qual é a minha melhor prenda? Ela seria mesmo uma
escapadinha em família para um destino mágico. O que entendo por destino
mágico? Um qualquer onde possa estar a viver esta tranquilidade em família, em
Peniche ou em Tóquio, tanto importa. Como alguém disse: “Natal é sempre que
um Homem quer”.

Desejo a todos um Feliz Natal carregado de espiritualidade!

Raquel J. F. Antunes, PhD docente da Escola Superior de Tecnologia e Gestão


(Instituto Politécnico de Leiria) e da Faculdade de Arquitetura e Artes
(Universidade Lusíada do Porto).

Fontes bibliográficas:
 Erlnoff M. & Marshall T. (2008) Design Dictionary, Boston: Birkhauser, pp.154-5;
 Kotler P. & Keller K. (2006), Administração de Marketing: A Bíblia do Marketing, 12º Edição,
São Paulo: Pearson, p. 2.
 Kotler, P., Kartajaya H. & Setiawan I. (2010) Marketing 3.0: From Products to Customers to
Human Spirit, New Jersey: Wiley John & Sons, Inc., pp 4-6.
 Papenek, V. (1995) Arquitectura e Design: Ecologia e Ética, Lisboa: Edições 70, pp 58 – 81.

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