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A02v2574 PDF
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está sendo sufocado pelo mal), Naím deixa claro especialmente porque a diferença de preços é o fa-
que o sistema mundial não hegemônico só tende a tor determinante no comércio ilícito. Naím explora
crescer com o aumento da compressão do tempo- sua metáfora do claro/escuro:
espaço, das redes postas em ação pelo capitalismo
flexível e do enfraquecimento da capacidade de in- [...] quanto mais claro o ponto claro, mais altos os
tervenção e regulação dos Estados. O caráter sis- preços que esses bens ilícitos podem obter. Quanto
têmico do “comércio global ilícito” é explicitado mais escuro o buraco negro, mais desesperadas as
no livro quando o autor analisa a existência de um pessoas estarão para vender seus bens, suas mentes,
seu trabalho e até mesmo seus corpos aos trafican-
sistema formado por redes e nós. Em sintonia com
tes. Juntas, essas duas tendências criam diferenciais
sua visão negativa, Naím vê uma oposição global de preços cada vez maiores e, portanto, incentivos
entre dois polos que leva à colisão entre “pontos cada vez maiores para conectar buracos negros a
claros geopolíticos” e “buracos negros geopolíti- pontos claros (Idem, p. 265).
cos”. Os últimos são “os lugares onde as redes de
tráfico ‘vivem’ e desabrocham” (Idem, p. 261), po- A análise de Naím, por mais sofisticada e con-
dendo coincidir com (1) Estados-nação, onde não substanciada que possa parecer, incorre em proble-
existe o Estado de direito; (2) regiões fora da lei e mas típicos de interpretações destinadas a replicar a
anárquicas, internas a alguns países, como as áreas hegemonia existente. Em primeiro lugar, está mar-
montanhosas da Córsega e os estados mexicanos cada por um americanocentrismo imperial, como
da fronteira com os Estados Unidos; (3) áreas de se essa fosse a ordem natural das coisas. Não con-
fronteira, como o Triângulo de Ouro do Sudeste segue perceber, ou não se preocupa com isso, que
Asiático ou a Tríplice Fronteira na América do Sul; a dicotomia “ponto claro/buraco negro” tem sido
(4) sistemas de vizinhanças e localidades, como as historicamente construída em termos de relações
comunidades libanesas nas capitais da África Oci- desiguais de poder entre diferentes setores sociais,
dental; e (5) espaços na internet. A diferença entre econômicos, políticos e étnicos do sistema mundial
pontos claros e buracos negros geopolíticos não está que criam uma economia política global peculiar.
na presença ou na ausência de redes ilícitas, pois Além disso, as relações entre os pontos claros e os
estas “estão em todas as partes” (Idem, p. 263), mas buracos negros são por ele consideradas de maneira
na existência de capacidade cívica e estatal suficien- simplificada, ao subestimar o trânsito entre os dois.
te para se contrapor a elas. Para Naím, Por último, em um viés típico da análise dos pode-
rosos, o autor homogeneíza os atores, em especial
[...] um fator crucial – que dá aos buracos ne- os integrantes do que denomino sistema mundial
gros boa parte de sua potência – é sua capaci- não hegemônico. São todos, dos “sacoleiros” aos
dade de conexão especializada com os pontos membros de cartéis de droga, colocados no mesmo
claros. Uma região remota, primitiva e mal go- saco, imersos que estão em um universo cuja ca-
vernada – ou desgovernada – não é um buraco racterização como ilegal é tomada como natural e
negro geopolítico a não ser que possa irradiar moralmente óbvia.
ameaças a lugares distantes. As redes de comér- Na verdade, a questão dos limites entre o legal
cio que operam internacionalmente servem e o ilegal, questão à primeira vista pacífica, quando
como canais por meio dos quais tais ameaças se examinada mais de perto se revela mais complicada
movimentam de lugares remotos para o resto do que uma disputa entre honestos e desonestos,
do mundo (Idem, pp. 264-265). entre o bem e o mal, e acerca-se muito mais do pro-
blema histórico da distribuição desigual de poder
Em sua interpretação, pontos claros e buracos em um mundo econômica, política e culturalmente
negros mantêm relações e fazem parte de redes que diferenciado. Muitos dos agentes e corporações ca-
atravessam os Estados-nação. Quanto mais claro pitalistas que hoje supostamente são cumpridores
um ponto, mais atrativo será para as redes dos bu- da lei e se encontram pretensamente vulneráveis
racos negros oferecerem seus serviços e produtos, à voracidade de novos agentes econômicos ilegais,
estão ou estiveram em uma posição onde a linha sobre as quais a sociedade está estruturada, a dinâ-
legal/ilegal tampouco é ou era respeitada (Nords- mica do seu poder político e de suas políticas eco-
trom, 2007). Qualquer visão que absolutize a rigi- nômicas, tanto quanto conjunturas econômicas e
dez e a eficiência desta linha, absolutiza, para fins percepções culturais sobre corrupção (Tullis, 1995,
ideológicos, a eficácia quase panótica, a honestida- apud Heyman e Smart, 1999, p. 5). Para enten-
de, a independência e a neutralidade totais da atua- der o que efetivamente ocorre, é preciso ir além de
ção do Estado, fato que não resiste a um escrutínio uma perspectiva negativa, baseada em um pretenso
sociológico e histórico maior. Como afirma Telles, monopólio moral da honestidade por parte de um
“o fato é que as relações incertas entre o lícito, o ile- segmento social. É preciso, no dizer de Heyman e
gal e o ilícito constituem um fenômeno transversal Smart, ir além do formalismo legal e político para
na experiência contemporânea” (2009, p. 156). reconhecer que “ilegalidade não necessariamente
Mas, nesta discussão, assim como em outras significa que as atividades são ilegítimas quando há
correlatas como, por exemplo, a da economia infor- hegemonias incompletas e práticas estatais parciais
mal, a entidade central em jogo é o Estado. São as e frequentemente comprometidas” (Idem, p. 8). A
elites estatais que têm, ao longo dos séculos, manti- análise histórica também tem demonstrado, em
do o monopólio da definição e da regulação da le- especial quando se trata dos primórdios do Esta-
galidade/ilegalidade. É efetivamente o que apontam do moderno e interventor, a forte relação entre o
trabalhos como o de Josiah Heyman e Alan Smart. Estado e redes violentas, tanto quanto o papel da
Para eles: predação na acumulação de capital (Idem, ibidem).
Ao mesmo tempo, apesar da crescente capacidade
A lei dos Estados inevitavelmente cria suas de impor a lei que acompanhou a consolidação dos
contrapartidas, zonas de ambiguidade e ilegali- Estados a partir do século XIX, “não há nenhuma
dade aberta. Submundos criminosos, piratas e razão para se supor que a capacidade do Estado de
quadrilhas, mercados negros, migrantes ilegais, impor obediência aumente sempre, ou que desafiar
contrabandistas e redes de extorsão são tópicos a lei seja um resultado temporário da ineficiência e
que causam uma certa atração sensacionalista de táticas inapropriadas da aplicação da lei” (Idem,
ou talvez desafiadora. Mas não existem sepa- p. 9). Para eles, o Estado moderno “não é feito ape-
rados do Estado, nem o Estado deles. Tendo nas de lei e ordem, mas é uma teia complexa do
se desenvolvido necessariamente conectadas, a legal e ilegal” (Idem, ibidem).
lei estatal e a sua evasão devem ser estudadas Das reflexões de Heyman e Smart destaco as
juntas [...] é interessante pesquisar as condições que apontam para a imperfeição, a incompletude e
sob as quais governos e práticas ilegais gozam o caráter processual do Estado e de sua dominação;
de algum tipo de simbiose e aquelas que resul- a inevitável geração de mercados de bens e serviços
tam em maiores ou menores graus de conflito ilegais em resposta às regulações oficiais estatais; a
(1999, p. 1). persistência de práticas ilegais e informais (como a
oferta de propinas e presentes); a atuação diferen-
A tentativa de caracterizar atividades ilegais em ciada dos agentes estatais concretos; a manipulação
termos morais ou restritos aos lucros extras que elas da legalidade, por parte de diferentes atores interna
gerariam é criticada, em especial, por Alan Smart. e externamente ao Estado; a consideração das prá-
Para ele existem diversos mecanismos centrais na ticas ilegais não como um estigma, mas como um
produção e na distribuição de bens e serviços ile- recurso utilizado por diferentes grupos em vários
gais, que incluem “a confiança interna a redes, ame- momentos, tendo em vista que a ilegalidade é uma
aças de uso de força, unir transações ilícitas a outras instância ou posição de um campo social típico do
legais, a legitimidade da transação, a importância da Estado moderno. São igualmente importantes suas
reputação para os empreendedores ilegais e sua de- conclusões sobre o caráter relacional das práticas ile-
pendência de funcionários e instituições corruptos” gais que sempre existem em um campo de relações
(Idem, p. 5). Além disso, há que incluir as formas sociais atravessado por classes sociais, pela presença
do Estado e o acesso diferenciado a recursos sociais Entretanto, para o sistema de comércio ilícito há
e naturais. Ao mesmo tempo em que apontam para um terceiro fator crucial, marginal à dinâmica da
o entrelaçamento entre o legal e o ilegal e para a economia informal: o uso da violência. Em suma,
diversidade das práticas ilegais, afirmam que estas Souza distingue a economia informal da ilícita de
últimas não devem ser vistas como monopólio de acordo com as relações sociais diferenciadas caracte-
criminosos: “mercados ilegais, corrupção e fluxos rísticas de cada uma. Na informal, que se beneficia
não documentados de capitais são opções feitas por da omissão do Estado, prevalecem o “valor confian-
classes identificáveis, grupos regionais, grupos étni- ça” e certos princípios de reciprocidade; seus agentes
cos etc., em diferentes momentos” (Idem, p. 13). não ambicionam o domínio dos meios da violência.
Com efeito, as relações entre o legal e o ilegal Já na economia ilícita, confiança e reciprocidade
são multifacetadas e complexas, envolvendo inte- também estão presentes, mas prevalecem a violência
resses normativos, políticos e morais diversos. No ilegítima e a corrupção de agentes públicos. Aqui,
que diz respeito ao sistema mundial não hegemô- trata-se de uma violência instrumental racionaliza-
nico, sua compreensão pode ser enriquecida tam- da, “um meio que opera sob um relativo controle
bém por abordagens cujo foco se move nas frontei- nos negócios ilícitos e que coíbe certas condutas
ras entre a economia informal e a economia ilícita contraproducentes para o incremento da riqueza ilí-
(Sousa, 2004) e entre o ilícito e o ilegal (Abraham cita” (Sousa, 2004, p. 170). Para mim, então, uma
e Van Schendel, 2005). No processo de apresentar diferença fundamental entre o crime organizado
as distinções e as definições cruciais na construção global e a globalização popular refere-se à falta de
da noção de sistema mundial não hegemônico, centralidade, nesta última, da violência como fator
é preciso estabelecer uma distinção fina (a) entre regulador das atividades econômicas, em especial,
economia informal e ilícita e (b) entre o que é ile- no que diz respeito à validade dos contratos entre os
gal e ilícito. agentes econômicos.
Não é meu propósito entrar na vasta discus- Já Abraham e Van Schendel enfatizam a dife-
são sobre economia informal ou mercado informal. rença entre legal, “o que Estados consideram como
Nela encontra-se um debate com grande incidência legítimo”, e lícito, “o que as pessoas envolvidas em
sobre o que me ocupa aqui: o poder de regulação redes transnacionais consideram como legítimo”
do Estado; a consideração da legitimidade da práti- (2005, p. 4). Assim, muitos fluxos de pessoas, mer-
ca dos atores econômicos; a relação entre universos cadorias e informações são considerados ilícitos
formais e informais; o papel da confiança, das redes porque desafiam as normas das autoridades for-
sociais etc. Tampouco chamarei a globalização po- mais, mas são considerados lícitos pelas pessoas en-
pular de economia informal global, pois creio que a volvidas nas transações. Argumentam que há “uma
ênfase sobre hegemonia é mais esclarecedora das re- diferença qualitativa de escala e intenção entre as
lações em jogo. Para efeito dos meus objetivos neste atividades de quadrilhas internacionalmente orga-
artigo, é suficiente considerar a diferenciação entre nizadas e as múltiplas micropráticas que, apesar de
economia informal e economia ilícita que faz Ro- ilegais em um sentido formal, não são motivadas
sinaldo Silva de Sousa, pois permitirá deixar clara por uma lógica estrutural organizativa nem por um
a distinção central que faço entre crime organiza- propósito unificado” (Idem, ibidem).
do global e a globalização popular. Friso que o que Para analisar as linhas fluidas entre o lícito e
Souza chama de “economia informal” equivale para o ilícito no mundo de fluxos globais, Abraham e
mim, no plano global, à globalização popular. Para Van Schendel lançam mão das noções de “cadeias
Sousa o “sistema de comércio ilícito”, do qual faz de mercadorias” (trajetos percorridos pelos bens,
parte o narcotráfico, por exemplo, e a “economia da sua produção ao consumo) e de “espaços regu-
informal” compartilham duas características gerais latórios” (zonas nas quais conjuntos específicos de
para seu funcionamento: o uso da corrupção mais a normas ou regras, estatais ou sociais, são dominan-
importância do “valor confiança” e de certos prin- tes). Trata-se de uma opção interpretativa bastante
cípios de reciprocidade (Lomnitz, 1988, 1994). produtiva para pensar práticas transnacionais. Eles
Muito do que é ilegal é perigoso, e muito do referir à atividade de reprodução e venda de cópias
que é legal é razoável. Tanto a fraude financei- não-autorizadas de mercadorias valorizadas pelos
ra como a violência física devem ser proibidas, consumidores contemporâneos, especialmente as
processadas e punidas. O mero fato de que a superlogomarcas, isto é, cópias de grandes marcas
ilegalidade persista e frequentemente se entre- mundiais (Chang, 2004). A pirataria é uma ativi-
meie com o mundo legal e formal não justifica dade muito antiga e historicamente tem sido um
uma posição puramente relativista. Da mesma desafio e uma alternativa aos modos predominan-
forma, apesar de o Estado ser um instrumento tes de vida, trabalho e comércio:
de força organizada e de predação (impostos),
na medida em que incorpora elementos razoá- Apesar do grande risco da pessoa ser capturada
veis da lei, não se equipara inteiramente à força e executada pelos seus feitos, a pirataria foi uma
e à predação ilegais. Contudo, não podemos alternativa atraente a morrer de fome, tornar-
sustentar o inverso, isto é, que tudo que o Es- se um mendigo ou ladrão, ou servir, em condi-
tado formal faz é moralmente eficaz e que to- ções extenuantes, em um barco sem nenhuma
das as atividades ilegais são imorais e deveriam chance de recompensa financeira substancial
ser suprimidas. Isto não se sustenta nem no (Konstam, 2002, p. 9).
sentido empírico [...] nem no sentido moral.
Neste último caso, muitas atividades rotuladas A pirataria sempre foi um problema para os
como ilegais têm uma ampla vida legítima na poderes estabelecidos. Há registros da atividade de
sociedade (ou em grupos particulares) e, nestas piratas no Mar Mediterrâneo anteriormente à épo-
circunstâncias, a resposta estatal constitui má ca do Egito antigo (Idem, ibidem). Foi apenas quan-
legislação, incrementando a ilegalidade, in- do Roma conseguiu impor seu poder naval que as
cluindo aqui “guerras” de todos os tipos, que comunidades piratas do Mediterrâneo desaparece-
são moralmente piores do que a violação ori- ram. Mas claro que a pirataria não. Ela floresceu,
ginal. O trabalho acadêmico cuidadoso, que por exemplo, no século XVII e XVIII, a chamada
transcenda a suposição de que toda lei formal “era dourada da pirataria” (1690-1730), no Mar do
é boa e que toda ilegalidade é um “problema” Caribe, na costa atlântica da América, na costa da
a ser eliminado e, ao mesmo tempo, aponte o África Ocidental e no Oceano Índico (Idem, ibi-
balanço específico em cada caso, pode infor- dem). Há evidências de que comunidades piratas
mar as escolhas morais públicas que temos que em diferentes partes do mundo exerceram poder
fazer (1999, p. 21). econômico importante, inclusive transformando-se
em centros regionais. Thomas Gallant, por exem-
plo, considera que em vários lugares “empreende-
O sistema mundial não hegemônico dores militares, como bandidos e piratas, proveram
o tecido que articulou o interior rural a zonas eco-
Primeiramente, farei uma rápida consideração nômicas em desenvolvimento. Suas atividades faci-
histórica, quase uma digressão, para evitar um pro- litaram a penetração capitalista” (1999, p. 37). Até
blema comum quando o assunto é globalização: o presente, piratas modernos regularmente atacam
a tendência a crer de que se trata de fenômenos barcos que atravessam o mar do sul da China e as
novos que jamais aconteceram. Muitas das mer- costas da Somália.
cadorias que são vendidas no âmbito da globaliza- A existência de protossistemas mundiais não
ção popular são verdadeiros simulacros, para usar hegemônicos foi impulsionada pelo trabalho dos
a expressão de Jean Baudrillard, cópias com altos marinheiros que conectavam as terras do Novo
graus de perfeição. Na verdade, a produção de có- Mundo às da Europa, criando a circulação de ideo-
pias não autorizadas é uma atividade milenar. Alem panoramas diferentes daqueles das classes hegemô-
disso, não por acaso, a pirataria é, hoje, uma ex- nicas. Assim, ideias alternativas de sociedade, ba-
pressão comumente usada pelos poderosos para se seadas no comunismo primitivo do Novo Mundo,
informaram várias utopias europeias séculos atrás (que muito possivelmente, na verdade com
(Linebaugh e Rediker, 2000, p. 24). Estes dois frequência, não incluem todo o globo). Este é
historiadores afirmam que quando, entre 1680 e um conceito-chave a considerar. Significa que
1760, se consolidou e se estabilizou o capitalismo quando falamos de “sistemas-mundiais” esta-
no Atlântico “o barco a vela – a máquina típica des- mos lidando com uma zona espaço/temporal
te período de globalização – combinava caracterís- que atravessa muitas unidades políticas e cul-
ticas das fábricas e da prisão. Em contraste, piratas turais, representando uma zona integrada de
construíram uma ordem social autônoma, demo- atividade e instituições que obedecem a certas
crática e multirracial no mar” (Idem, p. 328). regras sistêmicas (2006, pp. 16-17).
Como se vê, os proletários da expansão capi-
talista marítima (os marinheiros) e os agentes so- É justamente o que o sistema-mundial não he-
ciais que representavam uma ameaça aos interesses gemônico é: uma composição de várias unidades
hegemônicos estatais e privados por trás desta ex- localizadas em diferentes glocais conectados por
pansão (os piratas) estiveram historicamente en- agentes operando na globalização popular. Esta é
volvidos, em maior ou menor grau, e com maior formada por redes que operam de maneira articu-
ou menor eficácia, na construção de sistemas mun- lada e que, em geral, se encontram em diferentes
diais não hegemônicos. A antiguidade dos “pa- mercados que formam os nós do sistema mundial
drões de movimento, comércio e trocas que carac- não hegemônico. Essa articulação cria intercone-
terizam o tráfico ilícito” também é indicada por xões que dão um caráter sistêmico a este tipo de
Abraham e Van Schendel (2005, p. 5), que exem- globalização e faz com que suas redes tenham al-
plificam com transações mantidas durante séculos cance de longa distância. O sistema-mundial não-
por redes étnicas e de parentesco entre as costas hegemônico conecta muitas unidades no mundo
do Golfo Pérsico e Gujarat, na Índia. Tais situa- por meio de fluxos de informação, pessoas, merca-
ções mostram a complexidade das interconexões dorias e capital.
mantidas por diferentes populações ao longo do Se chamo este sistema de não hegemônico é
tempo, interconexões fundamentais para a criação porque existe um sistema hegemônico. 2 Na ver-
do sistema mundial. dade, os dois sistemas podem ser definidos pelas
Na antropologia, o livro clássico Europe and relações que mantêm entre si e guardam analogias
the people without history, de Eric Wolf (1982), é o com o que Naím (2005) chamou de buracos ne-
relato mais denso sobre os processos históricos de gros e pontos claros. O sistema hegemônico reflete
interconexões que criaram o sistema mundial. Mas, a lógica institucional e operativa dos detentores de
a noção de sistema mundial está associada direta- poder tanto no que diz respeito ao Estado como
mente ao livro de Immanuel Wallerstein publicado ao capital privado. Nas últimas décadas, o sistema-
originalmente em 1974: O moderno sistema-mun- mundial hegemônico tem sido dominado pelos in-
dial: agricultura capitalista e as origens da economia- teresses da globalização capitalista neoliberal. No
mundo européia no século XVI. Aqui, o uso que faço sistema hegemônico, que guarda relações íntimas
da noção de sistema-mundial é seletivo. Não está com o poder estatal, os agentes econômicos conse-
tão próximo à discussão sobre centro, periferia e guem gerar e manter a aparência para a sociedade
semiperiferia, importantes elementos da concepção como um todo de que detêm o monopólio da le-
wallersteiniana tomados de empréstimo da discus- gitimidade e legalidade das transações econômicas,
são sobre dependência. Do conceito de sistema- mesmo quando envolvidos ou surpreendidos em
mundial interessam-me muito mais os seguintes atividades ilegais. Um bom exemplo é o que acon-
aspectos destacados por Wallerstein: tece nos portos. Nos mais organizados e operacio-
nalmente capazes, apenas 5% da carga de contê-
[...] não estamos falando de sistemas, econo- ineres é efetivamente inspecionada (Nordstrom,
mias, impérios do mundo (todo), mas de siste- 2007). A imensa maioria do contrabando é, assim,
mas, economias, impérios que são um mundo realizada pelas corporações:
A mídia e a cultura popular apontam obscu- midal. Para esses agentes sociais, o sistema mundial
ras organizações criminosas como os principais não hegemônico é um modo de vida e de conseguir
contrabandistas, mas, de fato, empresas legí- mobilidade social ascendente. Networking e inter-
timas e as corporações multinacionais são os mediações cimentam esta estrutura piramidal de
principais transgressores. Subfaturamento e fa- forma comparável ao que chamei de consorciação,
zer declarações falsas sobre as mercadorias em- um processo típico das articulações entre agentes
barcadas são ações básicas nesse negócio (Idem, transnacionais, nacionais, regionais e locais ao redor
pp. 119-120). de grandes projetos de infra-estrutura multibilioná-
rios (Ribeiro 1991; 2008). As atividades na base da
Já o sistema mundial não hegemônico nos leva pirâmide são o que chamo de verdadeira globaliza-
a outros raciocínios e pode ser definido de maneira ção de baixo para cima. Proveem acesso a fluxos de
análoga à minha interpretação sobre a globalização riquezas globais que de outra forma nunca chega-
econômica não-hegemônica (Ribeiro, 2006), uma riam aos segmentos mais vulneráveis de qualquer
categoria similar à de sistema mundial não hege- sociedade ou economia. Elas abrem um caminho
mônico, mas na qual a sistematicidade da globali- para a mobilidade ascendente ou a possibilidade de
zação popular não é o foco da questão. Denomino sobrevivência em economias nacionais e globais que
este sistema de não hegemônico e não de anti-he- não são capazes de prover pleno emprego a todos
gemônico, porque seus agentes não intencionam cidadãos. Estou interessado neste segmento do sis-
destruir o capitalismo global ou instalar algum tema não hegemônico e não nos seus escalões su-
tipo de alternativa radical à ordem prevalecente. É periores. De qualquer maneira, é necessário reiterar
não hegemônico porque suas atividades desafiam uma distinção crucial para a compreensão do siste-
o establishment econômico em todas as partes, nos ma mundial não hegemônico, aquela entre crime
níveis locais, regionais, nacionais, internacionais e organizado global e globalização popular.
transnacionais. Consequentemente, seus agentes O sistema mundial não hegemônico é formado
são retratados como uma ameaça ao establishment por dois tipos básicos de processos de globalização,
e sentem o poder das elites políticas e econômicas cujas fronteiras não são necessariamente nítidas
que querem controlá-los. São reveladoras as atitu- nem rígidas (ver discussão conceitual anterior, na
des que os Estados e as corporações têm com rela- segunda seção deste artigo). O primeiro é formado
ção a práticas do sistema não hegemônico. A maior pela economia ilegal global, aquela que envolve as
parte do tempo tais atividades são tratadas como atividades do crime organizado global. O segundo
assunto de polícia, sendo objeto de ação repressiva é formado pela economia (i)lícita global, aquela que
elaborada. O sistema mundial não hegemônico é envolve as atividades do que chamo de globaliza-
um universo enorme que envolve, sim, atividades ção popular e que são frequentemente considera-
ilegais, tais quais tráficos de pessoas e de órgãos, das ilegais pelo Estado e lícitas pela sociedade. Na
que precisam ser reprimidas. De toda forma, tra- verdade, são processos que podem se entrelaçar,
balhadores, como camelôs, cujo “crime” é trabalhar retroalimentar e manter relações hierárquicas. Por
fora dos parâmetros definidos pelo Estado, são uma exemplo, ainda que a atividade de globalização po-
parte expressiva da globalização não hegemônica. pular seja, do ponto de vista do Estado, caracteriza-
O sistema mundial não hegemônico está for- da como contrabando, é bastante diferente se con-
mado por diversos tipos de segmentos e redes que se sideramos o chamado “contrabando formiga” na
estruturam como uma pirâmide. No topo há esque- fronteira Argentina/Paraguai (Schiavoni, 1993) ou
mas de lavagem de dinheiro, atividades mafiosas, grandes esquemas de contrabando controlados por
todo tipo de corrupção. Não importa quão pode- quadrilhas organizadas. Assim, aquilo que em geral
rosos e elitistas sejam muitos dos agentes envolvidos é indistinto do ponto de vista do Estado, do meu
no sistema não-hegemônico, eles não podem atuar ponto de vista pode ser parte da economia (i)lícita
sozinhos. Há envolvimento maciço de pessoas po- global (da globalização popular) ou da economia
bres nos segmentos mais baixos dessa estrutura pira- ilegal global (do crime organizado).
A importância das redes sociais no funcio- Dessa forma, o sistema está formado por uma
namento desse universo é destacada na literatu- rede intricada de nós, que são pontos de interco-
ra. Heyman e Smart formularam uma definição nexão entre vendedores e compradores. Tais nós
de “rede ilegal” útil para pensar a economia ilegal variam em tamanho e importância para a repro-
global. Trata-se, para eles, de uma “teia ordenada de dução do sistema, podendo ser desde pequenos
pessoas centradas em uma atividade ilegal”, redes aglomerados de barracas de camelôs destinados
que implicam, mas não necessariamente reque- a atender as necessidades de consumidores finais,
rem, “um mundo social alternativo ao Estado for- até megacentros, em grande medida destinados a
mal e legal”. Tais redes são vitais para as práticas intermediários, cuja influência econômica tem al-
ilegais dadas suas características de relações base- cance internacional, como os localizados em Du-
adas em mutualidade, confiança e trocas (1999, bai, nos Emirados Árabes Unidos, abastecendo di-
p. 17). Na minha perspectiva, as redes sociais ile- versos países europeus (Tarrius, 2007, apud Telles,
gais realizam suas práticas ilegais internamente a 2009), ou no “espaço social transfronteiriço” de
uma estrutura hierárquica em que prevalecem a Foz do Iguaçu – Brasil/Ciudad del Este – Para-
conspiração e o planejamento centralizado, assim guai (Rabossi, 2004; Machado, 2005, 2009).3 Há
como o uso da violência ilegítima. Se trocarmos também megacentros de alcance nacional, como a
o adjetivo “ilegais” por (i)lícitos, poderemos bus- Rua 25 de Março, em São Paulo (Schaden, 2005;
car, analogicamente, uma definição para pensar a Nascimento, 2006), e Tepito, na Cidade do Mé-
economia (i)lícita global. Assim, na globalização xico, que servem agentes da globalização popular
popular, operam as redes sociais (i)lícitas de forma operando em um raio que pode alcançar alguns
descentralizada, horizontal e baseadas em valores milhares de quilômetros e cruzar países. Tepito,
de confiança. As redes sociais (i)lícitas realizam suas por exemplo, el tianguis global (tianguis significa
práticas (i)lícitas sobre ou a partir de sistemas in- camelódromo em nahuatl, língua indígena ain-
formais previamente construídos por diásporas, da largamente falada no México) liga, via redes
redes migratórias ou formas típicas da economia migratórias, a Cidade do México a Los Angeles,
popular (feiras e seus sistemas de mercados asso- nos Estados Unidos (Alarcón, 2008). Há ainda
ciados, por exemplo). importantes centros de atuação regional ou local
Por outro lado, Naím chama a atenção para o como, na Colômbia, os San Andresitos (em alu-
caráter simultaneamente global e local das redes en- são à ilha caribenha e porto livre de San Andrés);
volvidas no que chamo de sistema mundial não he- no Brasil, as Feiras do Paraguai em Caruaru (Lyra,
gemônico e para a habilidade que têm de explorar,
com rapidez, sua mobilidade internacional, o que
em muito potencializa sua capacidade de escapar
ao controle dos Estados nacionais (2005, p. 34).
Além disso, é preciso enfatizar a flexibilidade dessas
redes. Como todas as redes sociais, as ilegais/(i)líci-
tas podem se unir e desfazer de acordo com as cir-
cunstâncias e seus interesses. Podem se desfazer, por
exemplo, quando uma atividade ilegal não é mais
necessária ou proveitosa. Grandes redes ou articu-
lações extensas de redes não são estritamente ne-
cessárias para realizar conexões de longa distância,
ou até globais. De fato, as mercadorias que fluem
internamente ao sistema mundial não hegemônico
podem mudar de mãos várias vezes, atravessando
vários espaços regulatórios, até chegarem aos con- Superlogomarcas em Tepito (Cidade do
sumidores finais. México) Foto: Gustavo Lins Ribeiro
Algumas considerações sobre a esfera da produção zhen, Hong Kong e Guangzhou (Cantão) confor-
mam, provavelmente, a maior zona de produção de
Os trabalhos sobre aspectos específicos do mercadorias do sistema mundial não hegemônico,
sistema mundial não hegemônico concentram-se o começo de uma cadeia de mercadorias na qual os
fortemente na circulação de pessoas e mercadorias lucros se acumulam fantasticamente.
(ver, por exemplo, Machado, 2005, 2009; Nasci- Guangdong tem sido historicamente uma gran-
mento, 2006; Konstantinov, 1996; MacGaffey e de porta para o comércio com o mundo e para a
Bazenguissa-Ganga, 2000). O fato de, internamen- emigração formadora da diáspora chinesa. A im-
te a este universo, os mercados se destacarem expli- portância de Guangdong e de sua capital, Cantão,
ca-se por suas características de espaços públicos; como meio de contato com o Ocidente, levou os
neles é possível fazer pesquisa de campo. Falar desse portugueses a colonizarem Macau de 1557 a 1999.
sistema considerando também as unidades produti- Em 1841, também na foz do rio das Pérolas, os in-
vas que o compõem implica uma tarefa etnográfica gleses fundariam Hong Kong, um entreposto do
muito mais árdua. As fábricas não são exatamente império britânico. A soberania chinesa sobre Hong
espaços públicos. Ao contrário, como já indicava Kong seria devolvida em 1997. Hoje, Macau e
Marx (1977), os capitalistas fazem questão de dei- Hong Kong são Regiões Administrativas Especiais
xar fora do alcance dos olhos as transformações que da República Popular da China, de acordo com o
lá ocorrem. Isso é mais intenso quando se trata das modelo “um país, dois sistemas”. Mais importante
unidades de produção vinculadas à economia (i)lí- ainda para a compreensão desta área como centro
cita global. do sistema mundial não-hegemônico foi o fabuloso
Se fôssemos começar por onde as mercadorias desenvolvimento, na China Continental, de Shen-
são produzidas, centros fundamentais do sistema zhen que, em 1980, se tornou a primeira Zona Eco-
encontram-se na Ásia, em lugares como Taiwan, nômica Especial. Localizada há poucos quilômetros
Coréia do Sul, Singapura, Malásia e, em especial, de Hong Kong, na região econômica mais dinâmica
China. O fato de diferentes áreas da Ásia terem se da China, o delta do Rio das Pérolas, Shenzhen é
tornado o centro da produção das mercadorias do o coração do sistema produtivo das mercadorias da
sistema mundial não hegemônico relaciona-se, em globalização popular.
grande medida, com o poder da economia do Ja- Hong Kong e Shenzhen desenvolvem diferentes
pão, um dos maiores mercados de artigos de luxo. relações complementares. A ex-colônia britânica é
Taiwan, Coréia do Sul e Hong Kong, por exemplo, uma grande porta de entrada para os “sacoleiros” de
foram grandes centros produtores de mercadorias todo o mundo que, cada vez mais, adentram o ter-
falsas para o Japão. Entretanto, a China logo se ritório da China continental e vão a Shenzhen por-
tornou a principal fornecedora de produtos falsos tando vistos de um dia, adquiridos em Hong Kong,
para todo o mundo: “hoje, mesmo em Taiwan pro- para fazer suas compras em shopping centers como
dutos Louis Vuitton falsificados são ‘importados’ o de Luohu. Muitos destes “turistas-compradores”,
principalmente da China” (Chang, 2004, p. 230). uma designação simplificada dos praticantes do
Assim, este país não é apenas a menina dos olhos comércio de longa distância típico da globalização
da globalização hegemônica (ver, por exemplo, Gu- popular, podem fazer suas compras no que talvez
thrie, 2006), é também o centro da globalização seja o edifício mais globalizado do sistema mundial
não-hegemônica, da globalização popular. De fato, não hegemônico, Chungking Mansions, em Hong
qualquer pesquisa sobre a produção de bugigangas Kong (Mathews, 2008). Construído na década de
globais e de produtos “piratas” certamente teria 1960, são cinco blocos de 17 andares. Seus dois
que privilegiar a província de Guangdong, no sul primeiros andares são formados por lojinhas para
da China, onde o boom econômico das últimas dé- compradores de mais de cem nacionalidades, o
cadas tem se expressado também em uma enorme restante do edifício são restaurantes e pensões que
produção de produtos para os mercados da globa- abrigam “sacoleiros” provenientes especialmente da
lização popular.4 As cidades de Dongguan, Shen- Ásia, do Oriente Médio e da África.
capacidade de se comunicar e viajar para distintos competindo entre si, já que “Estados vizinhos fre-
lugares leva a crer que a globalização popular pros- quentemente têm pontos de vista diferentes sobre a
seguirá consolidando-se e estreitando, heterodo- lei e a licitude”. Eles exemplificam com as fronteiras
xamente, os elos entre os diversos nós do sistema entre Índia, Bangladesh, China e Miamar e mencio-
nam os cassinos e as compras através de fronteiras
mundial não hegemônico.
como ocorrências comuns.
4 Boa parte do que segue baseia-se em Machado
(2009).
Notas
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Existe uma globalização econômica não- There is an economic non-hegemonic Il existe une mondialisation économique
hegemônica formada por mercados po- globalization made up of street markets non hégémonique formée par les mar-
pulares e fluxos de comércio animados, and trading flows that are animated by chés populaires et les échanges commer-
em grande medida, por gente do povo e actors of the lower classes and not by the ciaux animés, en grande partie, par des
não por representantes das elites. Essas elites. These activities are considered as personnes ordinaires et non par des re-
atividades são consideradas ilegais, “con- illegal, as “smuggling.” The commodi- présentants des élites. Ces activités sont
trabando”, e as mercadorias, produtos pi- ties traded are often classified as piracy. considérées illégales, de la «contrebande»,
ratas. Tais redes comerciais são ilegítimas In consequence, the trading networks et les marchandises, des contrefaçons. De
do ponto de vista dos poderosos, que as are seen by the powerful as illegitimate tels réseaux commerciaux sont illégitimes
combatem em nome da legalidade. Este and are confronted with repression in du point de vue des de ceux qui détien-
artigo discute o que é legal/ilegal, lícito/ the name of legality. I thus debate what nent le pouvoir, qui les combatent au
ilícito, lançando mão da noção de (i)lí- is legal/illegal, licit/illicit and make use of nom de la légalité. Cet article aborde la
cito para dar conta das ambivalências e the notion of the (il)licit to tackle with question de ce qui est légal/illégal, licite/
das contradições neste domínio. Cunho a the ambivalences and contradictions of illicite, sans considérer la notion de (il)
noção de sistema mundial não-hegemô- this domain. I offer the notion of some licite pour comprendre les ambivalences
nico, analiticamente dividido em duas non-hegemonic world system, analyti- et les contradictions dans ce domaine. Je
esferas interconectadas: o “crime organiza- cally divided into two interconnected propose la notion de système mondial
do global” e a “globalização popular”. Por spheres: the “global organized crime” and non hégémonique, analytiquement divisé
fim, faço considerações sobre as razões da the economic globalization from below. en deux sphères interconnectés: le “crime
existência da globalização popular e a for- Lastly, I make some considerations on mondial organisé” et la “mondialisation
mação do preço de suas mercadorias. why economic globalization from below populaire”. En conclusion, je présente
exists and how the price of its commodi- mes considérations sur les raisons de
ties is made up. l’existence de la mondialisation populaire
et le prix de ses marchandises.