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RECONCILIAÇÃO: DESEJAR MUDAR E MUDAR MESMO, por Vasco Pinto de Magalhães

« Há tanto tempo que não me confesso que já nem sei… já nem sei como se faz! Até parece
que mudou de nome, oiço falar de reconciliação… mas a verdade é que até me confesso muitas
vezes a Deus e Ele lá sabe…. »
Quantas vezes ouvimos este desabafo ou não será um grito a pedir
ajuda? E também é certo que vemos muita gente que se vai confessar,
com frequência até, e nem por isso tem cara de reconciliada.

Na verdade, de um modo ou de outro, andamos todos longe como “filhos


pródigos” a esbanjar e a estragar talentos, bens e relações num novo
riquismo próprio da nossa época consumista mas recheada de bolsas de
miséria. Fazemos de conta ou fazemos o que queremos, como pensam
alguns, achando-se evoluídos sem precisar de perdão nem remissão….
Outros, porém, temem. E, nem uns nem outros, se mostram muito felizes,
nem são cartaz de que a coisa vai bem. No fundo, todos desejamos um
mundo melhor, mais reencontrado consigo mesmo, com os outros, com a
natureza, com Deus.

Façamos um bom Exame de Consciência.

E – porque não – fazer este ano uma grande revisão geral de toda a
minha vida? Uma “confissão geral”, como se chamava antes, pode haver
razão para a fazer, mesmo que os meus pecados já tenham sido
perdoados. Mas não é por isso. É que nos faz bem rever o grande filme
da nossa vida, certamente cheio de graças e falhas; mas a proposta,
agora, seria revisitar o passado com Deus e não sozinho: ter o
atrevimento de convidar Jesus Cristo a ver este filme e vê-lo com Ele
e pelos olhos d’Ele. Rever tudo – graça e pecado – com olhos de
misericórdia, para de tudo tirar proveito, para descobrir que “o amor
é mais forte do que a morte”, que “onde abundou o pecado superabundou
a graça”. Então, sairemos mais fortes e perdoados pela mão d’Ele para
enfrentar o futuro com renovada Sabedoria e Fortaleza. São esses dois
dons necessaríssimos que recebemos numa sincera confissão.

Deus só quer que cada um de nós nasça de novo. E nós – quem não? –
queremos ter forças para começar de novo: mais ajustados a Deus, mais
capazes de justiça… isto é, reconciliados.

Pego em mim e vou ter com Deus e digo-lhe “Pai pequei contra o céu e
contra ti…” ou seja, digo-lhe o que sofro, digo-lhe o que faço sofrer,
falo-lhe do egoísmo e da vaidade que me cegam, da impaciência e da
mentira com que me justifico, dos desânimos e das consequentes
compensações em que caio… Etc., digo-lhe “a vida dura” – e Ele já sabe
e por isso me quer dar a mão e o abraço – e atrevo-me a gaguejar
“quero ser melhor e parece-me que não sou capaz… sem Ti!” E Ele que é
Pai e quer as coisas bem sentidas precisa de um “Padre”, de um
instrumento concreto, vivo, para me transmitir a sua força e o seu
perdão, através de um sinal eficaz que me ajuda a levantar e a
caminhar para que o mal não torne a acontecer. A Absolvição liberta-me
e dá-me liberdade.
Mas, Ele precisa de padre? Ele e nós, claro, e por três razões, por
ordem de importância: a primeira é de ordem psicológica, pois, me
ajuda, a mim, a ser concreto, objectivo e enfrentando-me diante de
outro posso aceitar-me sem falsas humildades; a segunda é de ordem
eclesial, comunitária, porque tudo o que fiz ou deixei de fazer – as
omissões – teve a ver com outros, foi a outros e por isso, a
comunidade ofendida deve estar representada e não só imaginada. Por
fim, a terceira razão é teológica: é que se trata de ir receber uma
força divina, uma graça de Deus que não posso dar a mim próprio. É
aqui que está o ponto: não se trata de despejar o saco e de ficar
aliviado; trata-se de encher a cabeça e o coração, esvaziados do amor
pelo pecado, com a força de Deus, com o seu amor e a sua fidelidade.
Confissão é um nome perigoso.

Confessar-me, deitar para fora, posso fazer sozinho, ou como uns


dizem, directamente a Deus. Fazê-mo-lo muitas vezes na oração mas,
receber a graça, encher o vazio que o pecado deixou, isso tem de me
ser dado. Então, reconciliação, sacramento do perdão, são nomes
melhores. Na parábola do Pai do filho perdido, não é o filho que
abraça o pai, é o Pai que vem abraçar o filho e levá-lo para casa. O
filho só cai de joelhos e confessa a sua desgraça e o seu desejo de
mudar. É o abraço do Pai que o muda.

Há quem pense assim: eu, primeiro, converto-me e depois faço o favor


de me ir confessar e buscar a medalha de bom comportamento. Mas não.
Primeiro desejo mudar – arrependo-me – e compreendo que sozinho não
sou capaz, declaro-o, confesso-me e peço que me seja dada a graça.
Então Deus dá-me o perdão: o dom que me cura e fortalece e orienta. Só
então mudo; só então posso mudar de vida.

Nesta peregrinação, a ordem não é pecado confessado – conversão –


perdão. É antes pecador arrependido – perdão – conversão. Quem o fizer
fica reconciliado, re-encontrado com o seu verdadeiro “eu”, com os
irmãos, com Deus e com a criação …

Fico sempre a pensar naquela frase de S. Paulo (Ef. 3, 20) mais ou


menos assim: não somos capazes de imaginar o que Deus faria de nós se
nós deixássemos.

P. Vasco de Magalhães, S. J.

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