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« Há tanto tempo que não me confesso que já nem sei… já nem sei como se faz! Até parece
que mudou de nome, oiço falar de reconciliação… mas a verdade é que até me confesso muitas
vezes a Deus e Ele lá sabe…. »
Quantas vezes ouvimos este desabafo ou não será um grito a pedir
ajuda? E também é certo que vemos muita gente que se vai confessar,
com frequência até, e nem por isso tem cara de reconciliada.
E – porque não – fazer este ano uma grande revisão geral de toda a
minha vida? Uma “confissão geral”, como se chamava antes, pode haver
razão para a fazer, mesmo que os meus pecados já tenham sido
perdoados. Mas não é por isso. É que nos faz bem rever o grande filme
da nossa vida, certamente cheio de graças e falhas; mas a proposta,
agora, seria revisitar o passado com Deus e não sozinho: ter o
atrevimento de convidar Jesus Cristo a ver este filme e vê-lo com Ele
e pelos olhos d’Ele. Rever tudo – graça e pecado – com olhos de
misericórdia, para de tudo tirar proveito, para descobrir que “o amor
é mais forte do que a morte”, que “onde abundou o pecado superabundou
a graça”. Então, sairemos mais fortes e perdoados pela mão d’Ele para
enfrentar o futuro com renovada Sabedoria e Fortaleza. São esses dois
dons necessaríssimos que recebemos numa sincera confissão.
Deus só quer que cada um de nós nasça de novo. E nós – quem não? –
queremos ter forças para começar de novo: mais ajustados a Deus, mais
capazes de justiça… isto é, reconciliados.
Pego em mim e vou ter com Deus e digo-lhe “Pai pequei contra o céu e
contra ti…” ou seja, digo-lhe o que sofro, digo-lhe o que faço sofrer,
falo-lhe do egoísmo e da vaidade que me cegam, da impaciência e da
mentira com que me justifico, dos desânimos e das consequentes
compensações em que caio… Etc., digo-lhe “a vida dura” – e Ele já sabe
e por isso me quer dar a mão e o abraço – e atrevo-me a gaguejar
“quero ser melhor e parece-me que não sou capaz… sem Ti!” E Ele que é
Pai e quer as coisas bem sentidas precisa de um “Padre”, de um
instrumento concreto, vivo, para me transmitir a sua força e o seu
perdão, através de um sinal eficaz que me ajuda a levantar e a
caminhar para que o mal não torne a acontecer. A Absolvição liberta-me
e dá-me liberdade.
Mas, Ele precisa de padre? Ele e nós, claro, e por três razões, por
ordem de importância: a primeira é de ordem psicológica, pois, me
ajuda, a mim, a ser concreto, objectivo e enfrentando-me diante de
outro posso aceitar-me sem falsas humildades; a segunda é de ordem
eclesial, comunitária, porque tudo o que fiz ou deixei de fazer – as
omissões – teve a ver com outros, foi a outros e por isso, a
comunidade ofendida deve estar representada e não só imaginada. Por
fim, a terceira razão é teológica: é que se trata de ir receber uma
força divina, uma graça de Deus que não posso dar a mim próprio. É
aqui que está o ponto: não se trata de despejar o saco e de ficar
aliviado; trata-se de encher a cabeça e o coração, esvaziados do amor
pelo pecado, com a força de Deus, com o seu amor e a sua fidelidade.
Confissão é um nome perigoso.
P. Vasco de Magalhães, S. J.