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Vladimir de Paula Brito

SISTEMAS DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação


Lato Sensu de Especialização em Inteligência de
Estado e Inteligência de Segurança Pública com
Inteligência Competitiva, oferecido pela Escola
Superior do Ministério Público de Minas Gerais em
parceria com o Centro Universitário Newton Paiva,
como requisito parcial à obtenção do título de
especialista em Inteligência de Estado e Inteligência
de Segurança Pública com Inteligência Competitiva.

Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco

Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2009
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública com Inteligência Competitiva

Monografia intitulada “Sistemas de inteligência no Brasil e nos Estados


Unidos”, de autoria de Vladimir de Paula Brito, considerado aprovado, com a
nota 9,0 (nove), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________
Presidente – Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco

____________________________________________________________
Professora Doutora Priscila Carlos Brandão Antunes

____________________________________________________________
Professor Mestre Roger Antônio Souza Matta

____________________________________________________________
Professor Especialista José Eduardo da Silva

Belo Horizonte/MG, 22 de maio/2009.

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais


Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto
30140-062 - Belo Horizonte - MG
Tel: 31-3295-1023
www.fesmpmg.org.br
Talvez sapiência e ignorância, a serviço de
uma mesma causa, formassem uma liga muito
mais forte que a união de dois letrados ou de
dois grosseirões, tal como o bronze era mais
forte que o cobre e o estanho, de cuja fusão se
compunha.

Ismail Kadaré.

Quem é o inimigo? Quem é você?


Nos defendemos tanto, tanto sem saber.

Renato Russo.
RESUMO

A pesquisa utiliza a premissa de que o governo estadunidense influenciou


decisivamente na criação das agências de inteligência brasileiras, moldando as mesmas
com o foco na atuação dentro das fronteiras nacionais, em detrimento da atuação
externa e do desenvolvimento de capacidades de contra-inteligência. Como instrumento
de análise foi comparado o sistema de inteligência estadunidense e brasileiro, buscando
identificar diferenças e similaridades entre ambos. Utilizou-se como referencial teórico
a legislação da área em ambos os países, documentos de Estado desclassificados, bem
como revisão de literatura sobre o tema. Como resultado chegou-se a conclusão de que
de fato os sistemas de inteligência do Brasil e dos Estados Unidos, apesar de terem sido
criados em um mesmo período histórico, possuem estruturas bastante distintas. O Brasil
apresenta debilidades quanto à capacidade de produzir conhecimento estratégico sobre
eventos fora do país, além de não dispor de instrumentos e instituições adequadas para
detectas às eventuais ações de espionagem sobre o país. O mesmo não ocorre com as
agências estadunidenses.

Palavras chave: Inteligência de Estado; Inteligência policial; Inteligência de segurança;


Serviço de inteligência; Contra-inteligência; Segurança interna; Inteligência externa.
ABSTRACT

The research uses the premise that the U.S. government strongly influenced the creation
of the Brazilian intelligence agencies, shaping them with the focus on action within
national borders, rather than external action and the development of counter-intelligence
capabilities. As a tool of analysis, the U.S. and brazilian intelligence systems were
compared, trying to identify differences and similarities between them. Legislations in
both countries, declassified State documents and review of literature on the subject were
used as theoretical reference.
The conclusion is that in fact the Brazilian and U. S. intelligence systems, despite
having been created in the same historical period, have quite different structures. Brazil
has weaknesses on the ability to produce strategic knowledge about external events, and
not have the appropriate institutions and instruments to detect the possible actions of
spying inside the country. This does not occurs with the U.S. agencies.

Keywords: Intelligence of State; police intelligence, security intelligence, intelligence


service, counter-intelligence, internal security, foreign intelligence.
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Sistema de alerta antecipado ..................................................................... 52

FIGURA 2 – Rede de informações do CIEx .................................................................. 65


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABIN - Agência Brasileira de Inteligência

BnD – Bundesnachrichtendienst

C.I. – Ciência da Informação

CIA – Central Intelligence Agency

CIEx – Centro de Informações do Exterior

DASP – Departamento de Administração do Serviço Público

DEA - Drug Enforcement Administration

DESPS – Delegacia Especial de Segurança Política e Social

DFSP – Departamento Federal de Segurança Pública

DGSE – Direction Générale de la Sécurité Extérieure

DHS – Department of Homeland Security

DI – Departamento de Inteligência

DIA – Defense Intelligence Agency

DOI-Codi - Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de

Defesa Interna

DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social

DPS – Divisão de Polícia Política e Social

DSI – Divisão de Segurança e Informações

ESG – Escola Superior de Guerra

ESNI – Escola Nacional de Informações

EUA – Estados Unidos da América

FBI - Federal Bureau of Investigation


INPOLSE - International Police Services

IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

KGB – Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti

MI-6 – Military Intelligence, section 6

MRE – Ministério das Relações Exteriores

NSA – National Security Agency

OBAN – Operação Bandeirante

OPS - Office of Public Safety

OSS – Office of Strategic Services

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PC-DF – Polícia Civil do Distrito Federal

SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos

SCIFI – Serviço Federal de Informações e Contra-Informação

SEDASP – Atual Secretaria de Administração Pública

SISBIN – Sistema Brasileiro de Inteligência

SIVAM – Sistema de vigilância da Amazônia

SNI - Serviço Nacional de Informação

VLS – Veículo Lançador de Satélites


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 11
2 INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA ..................................................... 15
2.1 Conceituando inteligência .............................................................................................. 15
2.2 Conceituando contra-inteligência .................................................................................. 18
2.3 Inteligência externa e interna ........................................................................................ 21
2.4 Ações encobertas ............................................................................................................. 22
2.5 Disciplinas de coleta ........................................................................................................ 24
3 O MODELO DOS EUA .............................................................................................. 27
3.1 Inteligência positiva e ações encobertas ........................................................................ 27
3.1.1 A CIA e a coleta externa .......................................................................................................... 27
3.1.2 O Diretório de operações clandestinas da CIA ........................................................................ 29
3.1.3 A NSA e a inteligência de sinais .............................................................................................. 32
3.1.4 O DIA e a Inteligência militar americana ................................................................................ 33
3.2 Contra-inteligência e segurança interna ....................................................................... 34
3.2.1 A CIA e a contra-inteligência externa ...................................................................................... 36
3.2.2 O FBI e a centralização da contra-inteligência ........................................................................ 36
3.2.3 Abusos e perseguição interna ................................................................................................... 38
3.2.4 Profissionalização da contra-inteligência americana ............................................................... 40
3.3 Espionagem sobre os Estados Unidos ........................................................................... 42
3.3.1 Mapeamento e estudos de ocorrências ..................................................................................... 43
3.3.2 Casos mais significativos ......................................................................................................... 46
3.4 Reorganização do sistema de inteligência americano .................................................. 48
3.4.1 Reestruturação das agências de inteligência ............................................................................ 49
3.4.2 Criação do DHS ....................................................................................................................... 51
3.4.3 A volta da restrição da privacidade e dos direitos civis ........................................................... 52
4. O MODELO BRASILEIRO ...................................................................................... 56
4.1 Surgimento e evolução .................................................................................................... 56
4.2 Inteligência positiva e ações encobertas ........................................................................ 61
4.2.1 Inteligência externa e o SNI ..................................................................................................... 61
4.2.2 O Itamaraty e o CIEx ............................................................................................................... 63
4.3 Contra-inteligência e segurança interna ....................................................................... 66
4.3.1 Evolução da inteligência de segurança..................................................................................... 66
4.3.2 Segurança interna e o DOI-CODI ............................................................................................ 68
4.3.3 Primórdios da contra-inteligência brasileira ............................................................................ 70
4.3.4 Contra-inteligência à moda dos EUA ...................................................................................... 72
4.4 Espionagem sobre o Brasil ............................................................................................. 77
4.4.1 Mapeamento e estudo de ocorrências ...................................................................................... 77
4.4.2 Casos mais significativos ......................................................................................................... 78
4.5 Reorganização do sistema de inteligência brasileiro ................................................... 84
4.5.1 Reestruturação da ABIN .......................................................................................................... 85
4.5.2 Polícia Federal e o crime organizado ....................................................................................... 87
4.5.3 A inteligência das Forças Armadas .......................................................................................... 89
5 ANÁLISE COMPARATIVA ...................................................................................... 91
5.1 Inteligência positiva ........................................................................................................ 92
5.2 Ações encobertas ............................................................................................................. 94
5.3 Contra-inteligência ......................................................................................................... 95
5.4 Inteligência de segurança ............................................................................................... 97
5.5 Conseqüências para o Brasil ........................................................................................ 100
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 105
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 106
11

1 INTRODUÇÃO

As atividades de inteligência e contra-inteligência são utilizadas há milhares de


anos, como indicam passagens da Bíblia e a famosa obra de estratégia, a “Arte da
Guerra”, do general chinês Sun Tzu. Contudo, foi somente a partir do século XX, mais
precisamente a partir da segunda guerra mundial, que as agências de inteligência de
Estado adquiriram o delineamento atual.
Mais do que simples órgãos dedicados à obtenção de informações, as
instituições de inteligência são instrumentos de poder do Estado, mediante a projeção de
poder externo, ou a partir da defesa de seu território e instituições ante as ações de
Estados rivais. Os confrontos militares e políticos das últimas décadas são notórios em
exemplos de tais ações, bem como de suas conseqüências sobre as sociedades atingidas.
Por seu papel em relação ao Estado moderno, praticamente todos os governos
estruturaram serviços de inteligência, sejam as principais potências militares do planeta,
tais como os Estados Unidos, Rússia ou China, passando por pequenos países, como o
Uruguai, Paraguai ou a Suíça. O Brasil não poderia ser uma exceção.
Os Estados Unidos da América – EUA, como um dos países vitoriosos da
segunda guerra mundial, lançaram as bases de seu moderno serviço de inteligência com
o Office of Strategic Services – OSS1, fundado em 1941. Posteriormente, em 1947, os
norte-americanos criaram a Central Intelligence Agency – CIA2. Tal agência auxiliou
na promoção dos interesses dos EUA pelo globo, em particular na América Latina,
promovendo golpes militares ou coletando informações.
A CIA constituiu-se como o principal expoente no combate à União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, em uma disputa de poder e influência
mundial. Tal combate foi materializado a partir do enfrentamento com os partidos de
esquerda, principalmente os Partidos Comunistas. Dentro da visão dos estrategistas
americanos, ao se considerar a possibilidade de uma confrontação nuclear entre ambas
as potências em caso de guerra total, a alternativa consistiria na promoção de confrontos
de baixa intensidade nos diversos países do globo. Tais enfrentamentos permitiram às

1
Escritório de Serviços Estratégicos (tradução nossa).
2
Agência Central de Inteligência (tradução nossa). Criada pelo presidente Truman a partir do National Security Act
of 1947.
12

potências em contenda disputar influência em diversos países, sem, no entanto, entrarem


em guerra diretamente. Guerrilhas, revoluções, quarteladas, assassinatos, dentre outros
instrumentos, foram utilizados nessa disputa.
Dentro de tal lógica, a utilização dos serviços de inteligência, como exércitos
avançados dessa disputa por corações e mentes, foi mais que natural. Para tanto, os
estadunidenses estimularam a criação de serviços de inteligência em toda a América
Latina, focados na identificação e eliminação do suposto inimigo interno, leiam-se os
setores de esquerda do espectro político, sejam comunistas, socialistas ou simples
democratas. No caso brasileiro, a política americana deu origem ao Serviço Federal de
Informações e Contra-Informações – SFICI, em 1958, que, posteriormente, veio a ser
transformado no Serviço Nacional de Informações – SNI, mediante a Lei nº 4.341/1964,
com o golpe militar.
Paradoxalmente, apesar da criação do SFICI sob a égide da doutrina norte-
americana, a partir da Escola das Américas3, percebe-se que o modelo institucional
brasileiro das atividades de inteligência e contra-inteligência diverge profundamente do
modelo adotado pelos próprios Estados Unidos. O modelo americano utiliza-se de uma
agência para a inteligência humana externa ou “positiva”, que fica a cargo da CIA, e
outra para a inteligência de segurança interna, o Federal Bureau of Investigation – FBI,
dentre outras agências.
Além de coletar ativamente informações diversas sobre o que ocorre no mundo,
tendo em vista o processo de decisões estratégicas de seu governo, também atua
tentando influenciar ações externas, a partir das ações encobertas. Mais um aspecto
relevante no sistema de inteligência norte-americano é o da atividade de contra-
inteligência, que busca defender esse sistema da espionagem de outros países, bem
como penetrar os serviços de espionagem estrangeiros, manipulando a percepção de
realidade deles.
Também se destaca no ambiente de inteligência americano a participação do
Congresso Nacional, sobretudo a partir da década de setenta, na tentativa de

3
School of the Americas (SOA), atualmente denominada Western Hemisphere Institute for Security Cooperation
(WHISC). Foi fundada em 1946 no Panamá, com o objetivo de formar militares da América Latina.
13

desenvolver certo controle legislativo sobre a área, com vista a evitar a erosão das
liberdades individuais e dos direitos civis.
No caso brasileiro, apesar da criação concomitante, a organização do sistema de
inteligência, curiosamente, é bastante distinta do modelo estadunidense. Ao invés de
haver divisão de inteligência externa e de segurança interna, somente um órgão executa
tais atividades, de forma centralizada, no caso a Agência Brasileira de Inteligência –
ABIN. Também se observa uma hipertrofia nas atividades de inteligência de segurança,
muitas vezes confundindo-se tais atividades com o conceito de contra-inteligência.
Outro aspecto que se destaca é a vinculação da atividade de inteligência brasileira à
repressão política interna e à prática de tortura durante a ditadura militar.
Como a estrutura de inteligência brasileira deriva do modelo americano, apesar
das diferenças apontadas, presume-se que possa ter existido uma intencionalidade por
parte dos EUA ao formatar as organizações nacionais da área. Infere-se que a
fragilidade quanto à inteligência externa, bem como em relação à contra-espionagem,
poderia ser um fator de debilitação da segurança nacional, bem como um elo de
dependência para com a estrutura americana. Nada mais valioso para um Estado do que
a capacidade de projetar seus interesses nacionais e pontos de vista a outros Estados,
como se comuns fossem.
Nesse sentido, a comparação do modelo de inteligência americano com o
brasileiro, por meio da identificação das diferenças e similaridades, pode contribuir para
a avaliação do atual sistema de inteligência nacional, principalmente no tocante à
atividade de contra-inteligência como instrumento de proteção ao Estado brasileiro.
Teria sido a estrutura de inteligência do Brasil influenciada pelos Estados Unidos, de
forma limitar no nascedouro as capacidades de coleta externa e contra-inteligência das
agências nacionais?
Assim, este trabalho pretende demonstrar que a estrutura brasileira de
inteligência, se comparada à estadunidense, não promove mecanismos para a defesa
nacional contra as ações de outros países, principalmente contra os EUA, bem como é
débil na obtenção de informações externas. Com tal objetivo, esse trabalho está adiante
exposto:
14

Na Parte I, serão estabelecidos os pressupostos e o marco teórico-conceituais,


fundamentando os conceitos da área de inteligência e contra-inteligência. Percebe-se
uma diversidade de conceitos, que em suas diferenças representam distintas formas de
organização e estruturação das instituições da área.
Na Parte II, será analisado o sistema de inteligência estadunidense,
caracterizando sua evolução, estrutura e funcionalidade. Mediante tais análises poderão
se caracterizar posteriormente as peculiaridades do sistema dos EUA.
Na Parte III, se caracterizará o modelo do sistema de inteligência brasileiro,
identificando sua evolução, estrutura e processos.
Na parte IV, se efetuará uma análise comparativa entre os dois modelos,
apontando vantagens e desvantagens e construindo conclusões.
15

2 INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA

A atividade de inteligência remonta à origem da espécie humana e à


necessidade de se obter informações sobre o antagonista, sobre as forças adversas. Na
sangrenta história das civilizações, saber os movimentos do adversário antes que o
mesmo concretizasse seus propósitos, fez diferença entre a vitória e a derrota, entre a
sobrevivência e o extermínio.
Ao longo dos séculos, diversos foram os papéis desempenhados pelos
espiões, bem como diversos conceitos e significados foram dados a tais atividades.

2.1 Conceituando inteligência

Por sua relevância para a sobrevivência dos povos, encontram-se passagens


sobre o tema em registros históricos muito antigos. Na bíblia, por exemplo, têm-se o
relato em que Moisés é orientado pelo próprio Deus a mandar espiões para a terra
prometida, antes de enviar seus exércitos (BIBLIA, Números 12, 13). Outra citação
histórica se dá na famosa obra de SUN TZU, “A arte da Guerra”, em que o general
chinês, que viveu há cerca de 500 A.C., afirma que a obtenção do “conhecimento
acurado” (2002, p. 134) consiste no principal instrumento para a realização dos
objetivos de manutenção e expansão do poder dos grandes governantes. Dentro da visão
de SUN TZU, tal conhecimento deve ser obtido pelos homens e ser pautado pelo
interesse sobre a situação do inimigo.
Todavia, apesar das diversas ocorrências ao longo da história relativa ao
emprego de espiões e à compreensão por parte dos governantes da necessidade de
conhecer o adverso, foi somente a partir do século XIX que surgiram as bases das atuais
instituições de inteligência. Segundo Herman (1996, p. 16-32) e Cepik (2003, p. 91-
102) a origens de todas as atuais instituições de inteligência remontam necessariamente
a diplomacia, guerra e policiamento.
No caso da diplomacia, com o surgimento das embaixadas juntamente com
o nascimento do conceito de estado nacional, estas se apresentaram como coletoras
naturais de informações do exterior. A partir da representação no território estrangeiro,
torna-se mais fácil aos governos recrutar e estruturar redes de informantes, de forma a
16

obter dados sobre os planos do estado em que se dava a representação diplomática ou


mesmo estados vizinhos. Mescladas à atividade diplomática, surgem, portanto as
primeiras agências voltadas para a coleta externa de informações.
Com a guerra, os governantes e seus exércitos adquirem a premência de
conhecer as ações e planos do inimigo, suas intenções e a localização física de suas
tropas. Quando de um conflito bélico, a necessidade de saber as ações do inimigo
adquire uma urgência muito maior do que em tempos de paz, pois erros comumente
significam a perda imediata de muitas vidas. Com o surgimento do conceito de estado-
maior do exército a partir de Napoleão, surgem os primórdios das instituições voltadas
para a obtenção sistemática de informações sobre o inimigo.
Por fim, têm-se o policiamento político, que se origina “na Europa na
primeira metade do século XIX, decorrente da percepção de ameaça representada por
movimentos inspirados na Revolução Francesa e pelo nascente movimento operário
anarquista e socialista” (CEPIK, 2003, p. 99). Setores dentro das polícias se
especializaram na obtenção de informações sobre os inimigos do regime, passando
inclusive, com o tempo, a enviar agentes a outros países para acompanhar a atuação de
dissidentes exilados.
Em decorrência dos entes formadores (leia-se: diplomacia, guerra e
policiamento), diversas organizações foram criadas pelos Estados modernos objetivando
a aquisição de informações sobre o inimigo ou adversário. Apesar da diversidade de
características das instituições originadas, oriundas dessas distintas matizes, todas
apresentam como característica principal, em que se diferenciam de outros aparatos
estatais que lidam com a coleta de informações, a especialização na busca de
informações que um adversário tenta esconder. Como decorrências de tais
especificidades foram desenvolvidos um conjunto de técnicas e métodos especializados,
com características exclusivas, por parte das instituições do campo da inteligência
(CLARK, 2004, p. 13), a partir de um conjunto de órgãos especializados.
Portanto, uma definição atual de inteligência relaciona-se à sua origem,
conforme Godson (1995, p. 01), para quem a pedra angular que caracteriza o conceito
seria a da “[...] informação que é adquirida, explorada e protegida pelas atividades de
organizações especificamente estabelecidas para este propósito”. Ou seja, por essa
17

definição o crivo central para determinar inteligência e informação de inteligência


fundamenta-se no propósito específico da instituição. Contudo, a visão de Godson peca
pelo determinismo da infalibilidade das agências da área, que não se sobreporiam na
coleta e análise de informações a outros setores do Estado.
Ampliando a definição de Godson, temos o significado empregado pelo
dicionário Oxford (2000, p. 676), que define inteligência pelo seu objeto, ou seja, a
temática envolvida, afirmando que esta caracteriza-se como a “[...] informação secreta
que é coletada sobre um País estrangeiro, especialmente um País inimigo”. Tal conceito
desloca da origem para o tema, agregando a particularidade do “inimigo”, do adverso.
A partir do enfrentamento com um adversário, vem delineando-se uma visão
de inteligência que concilia a origem com o objeto analisado; definindo-a como
atividade desenvolvida pelo governo, por organizações específicas, para obter
conhecimento em áreas fundamentais à existência do Estado, tais como guerras,
insurreições ou ataques terroristas. Tais conhecimentos a serem obtidos situar-se-iam no
terreno da refrega, do conflito entre as partes (CLARK, 2004, p. 13). Vê-se que tal visão
avalia como características determinantes o propósito específico da instituição, o
enfrentamento com um adversário, e a restrição temática em que as organizações da
área atuariam. Ou seja, o campo da segurança interna e externa ao Estado, definindo-se
tal segurança como o enfrentamento belicoso a partir de um adversário que ameaça o
próprio Estado.
Reforçando essa visão, para Sherman Kent (1967, p. 7), fundador do
Diretório de Análise da CIA, inteligência “[...] é o conhecimento necessário aos civis e
militares que ocupam as mais altas posições, para salvaguarda do bem-estar nacional”,
acrescentando em seguida que tais conhecimentos, mais que úteis, são “vitais a
sobrevivência nacional”. Outro aspecto observado por Kent são as dificuldades para a
obtenção desse tipo de informação:
Tratando outra vez da procura de conhecimentos sutis, defrontamos
freqüentemente com grandes obstáculos em nosso caminho. Essas barreiras
são propositalmente colocadas por outras nações e, para ultrapassá-las, torna-
se necessário o emprego de métodos em geral não familiares a qualquer
pessoa. Nesses métodos está compreendida uma terceira espécie de extensão,
a que conduz ao campo das investigações clandestinas [1967, p. 8].

Pode-se concluir então que inteligência busca reduzir a incerteza em um


18

conflito entre estados, ou entre governos e organizações adversárias, objetivando


conseguir informações que o oponente trabalha para negar o acesso (BRITO, 2006, p.
23). Para tal fim, o governo elege instituições específicas, com um conjunto de técnicas
voltadas para a busca do segredo.
Cabe ressaltar que tão importante quanto definir o que é inteligência de
Estado é definir o que não o é, à medida que existem outras definições oriundas de
diversos campos. Para a Ciência da Informação – C.I., por exemplo, “inteligência é uma
camada específica de agregação e tratamento analítico em uma pirâmide informacional,
formada, na base, por dados brutos e, no vértice, por conhecimentos reflexivos”
(CEPIK, 2003, p. 28). Sob o prisma da C.I., portanto, o conceito de inteligência
funcionaria mais como valor agregado a um processo informacional.
Existem, ainda, as definições oriundas da inteligência competitiva, que
assemelham-se à visão da C.I., em que o termo é compreendido “como um processo
sistemático de coleta, tratamento, análise e disseminação da informação sobre a
atividade dos concorrentes, fornecedores, clientes, tecnologias e tendências gerais de
negócios (ROEDEL, 2005, p. 77). A partir de tal olhar, inteligência seria delimitada
pelo processo que a informação sofre, sendo acrescida à análise ambiental do nicho em
que uma dada organização situa-se.
Todavia, para efeito desse trabalho será adotado o conceito restrito de
inteligência de Estado em que “[…] intelligence is about ‘them’, nor ‘us’; it is not self-
knowledge”4 (HERMAN, 1996, p. 34). Mesmo na esfera da contra-inteligência ou da
segurança interna, que em vários momentos tem como alvos cidadãos de mesma
nacionalidade, tais personagens são vistos como outsiders, sendo, portanto, inimigos,
pois se crê que possam significar ameaça ao Estado ou à sociedade (HERMAN, 1996, p.
34).

2.2 Conceituando contra-inteligência

Além da obtenção do dado negado pelo adversário, os serviços de


inteligência também se encarregaram de tentar proteger suas próprias informações, bem

4
Inteligência é sobre ‘eles’, não ‘nós’; não é autoconhecimento (tradução nossa).
19

como os demais segredos de Estado, que podem ser obtidas pela inteligência de outros
países. Tais processos são intitulados de contra-inteligência. Para cumprir o seu papel,
“deve evitar a obtenção de dados pelas agências hostis, impedir que consigam passar as
informações que tiverem obtido e, naturalmente, rastrear, neutralizar e capturar os
agentes do inimigo” (FREGAPANI, 2001, p. 72). Apesar de reunir informações, tal qual
a inteligência, o seguimento de contra-inteligência assemelha-se com a inteligência
policial (CEPIK, 2003; FREGAPANI, 2001; HERMAN, 1996), tendo em vista que atua
investigando indivíduos ou organizações que praticariam crimes contra o Estado e a
sociedade. Ressalte-se que espionagem ou terrorismo, mais do que ameaças informais,
não deixam de ser tipificados como crimes.
Todavia, mais do que investigação, a contra-inteligência, com o intuito de
proteger as informações sigilosas do Estado, desenvolve uma série de atividades de
caráter defensivo e ofensivo. De acordo com Shulsky (2002), têm-se os seguintes
processos:
A) Medidas defensivas:
1) Classificação da informação. Consiste na determinação de níveis de acesso a
informação, de acordo com a sensitividade desta, bem como da necessidade de
tomar conhecimento de dada informação. Pretende-se com isso evitar o acesso
desnecessário ao dado, de forma a restringir as possibilidades de vazamento,
mediante a simples redução do acesso e disponibilidade. Por outro lado, uma
informação classificada, ao contrário de um jornal, traz em seu bojo um
delimitado número de usuários que possam acessá-la, facilitando também a
identificação da fonte de vazamento;
2) Segurança. Segurança pessoal, com a investigação de antecedentes e vínculos
de indivíduos que venham a ter acesso à informação classificada pelo Estado,
de forma a identificar eventuais associações com serviços de espionagem
estrangeiros, evitando antecipadamente que tal acesso torne-se vazamento de
informações confidenciais; segurança física. Estabelecendo medidas para
evitar que agentes estrangeiros tenham acesso à informação classificada, pois
a informação que é de fácil acesso pode ser roubada tal qual se rouba um
banco;
20

B) Medidas ofensivas:
Enquanto as medidas defensivas ou passivas buscam tão somente impedir o
acesso a informações relevantes às agências de espionagem estrangeiras, sem muitas
vezes sequer identificar quem seriam os adversários buscando tais informações, as
medidas ativas, ou ofensivas, buscam agir sobre o adversário. Com as medidas ativas
tenta-se identificar o modo de operar do inimigo, atuando para romper a ação do
adverso, podendo evoluir tais ações para obter vantagens sobre o serviço de inteligência
rival. Tal conjunto de ações é categorizado por Shulsky (2002, p. 108) como Contra-
inteligência. Têm-se, segundo o autor, como medidas ofensivas, as operações de
vigilância, a coleção de inteligência e a desinformação:
B.1) Operações de vigilância. Consiste em estabelecer vigilância sobre os
oficiais de inteligência de outros países, comumente atuando sobre cobertura
diplomática, de forma a identificar as relações dos mesmos, com isso podendo localizar
eventuais espiões locais. Teoricamente, é mais fácil identificar uma rede de espionagem
a partir de seu controlador do que tentando filtrar nacionalmente os indivíduos
suspeitos;
B.2) Coleção de inteligência. Tido como o meio mais eficiente para
detectar as ações da inteligência estrangeira, consiste em coletar informações
diretamente sobre o serviço rival, mediante o emprego de fontes humanas ou de meios
técnicos. Com a penetração do serviço de inteligência adversário, pode-se não somente
localizar o seu conjunto de agentes operando, eliminando a sua atuação, como também
passar a fornecer informações distorcidas ao adversário, turvando sua visão.
Como se vê, outro campo da contra-inteligência é a desinformação. Tal
atividade prevê o uso do logro, da mentira, de forma a que o serviço de inteligência
adversário recolha informações falsas, que tome por verdadeiras, levando ao engano dos
dirigentes do governo em questão, “manipulando a percepção dos mesmos” (GODSON,
2004, p. 235). A desinformação é potencializada se é feita a partir da penetração da
inteligência adversária, que contaria com agentes duplos desinformando a inteligência
inimiga. Porém, também se pode operar desinformando de forma ampla, até mesmo
com a utilização de veículos da grande imprensa. Todavia o período com que a mentira
21

será sustentada ao longo do tempo se relaciona à sua plausibilidade e à capacidade de ao


menos negar em parte o acesso à inteligência estrangeira aos meios para verificar
amiúde o fato em questão.

2.3 Inteligência externa e interna


Embora se considere inteligência como as ações do serviço de inteligência
nacional tentando obter informações sobre o adversário, e contra-inteligência como a
proteção das informações importantes do Estado ante a inteligência adversária, tais
definições não são delimitadas pelo âmbito interno ou externo.
A atividade de inteligência pode envolver a coleta de informações sobre
adversários no exterior, como os países adversários, por exemplo, mas também pode
coletar informações internamente sobre a própria população, se porventura identificar
nessa população um inimigo do Estado a ser combatido. O mesmo se dá com a contra-
inteligência, que tenta localizar redes de agentes de outros serviços de inteligência
dentro e fora do país, considerando-se que diversos órgãos, tais como as embaixadas,
funcionam fora do território nacional. Além disso, caso se consiga infiltrar a inteligência
adversária, necessariamente o setor de contra-inteligência terá que atuar externamente,
dando suporte aos espiões localizados dentro do serviço adversário.
Comumente, tendo origem na guerra, diplomacia ou polícia política,
diversos países estruturam então serviços de inteligência a partir da cobertura geográfica
em que estes atuariam, dentre outros fatores. Com vistas a obter inteligência externa, as
instituições especializadas normalmente se utilizam das representações diplomáticas, ou
adidâncias militares e policiais, como plataforma de atuação no exterior. Além de
inteligência externa, também recebem a denominação de inteligência estratégica ou
positiva (KENT, 1967, p.18), tendo em vista que seu objeto versa sobre os países
adversários e as relações internacionais entre estes. Conforme delimitou Platt, um dos
precursores da inteligência externa americana, esta seria definida como “o
conhecimento referente às possibilidades, vulnerabilidades e linhas de ação prováveis
das nações estrangeiras” (1967, p. 31). Para inteligência interna, ou de segurança, sob a
suposta subordinação às leis nacionais, o serviço busca identificar, investigar e eliminar
as ameaças ao Estado que podem se manifestar pela espionagem estrangeira, pelo
22

terrorismo, pela ação do crime organizado ou pela corrupção endêmica dentro dos
governos.
Observe-se que, por vezes, confunde-se inteligência interna ou de segurança
com contra-inteligência. Como a faceta mais visível da contra-inteligência envolve a
captura de espiões atuando em território nacional, ressalte-se que as embaixadas
também se constituem como parte do território nacional, confunde-se e sobrepõe-se uma
disciplina com a outra. Vale destacar que enquanto contra-inteligência diz respeito a
espião versus espião, ou seja, um serviço secreto enfrentando outro, inteligência de
segurança tenta proteger a sociedade de diversos outros atores como o terrorismo e o
crime organizado. Evidentemente, a segurança interna também desempenha a atividade
de contra-inteligência, enfrentando a agência de inteligência externa adversária, mas
possui vários outros adversários, que não somente os serviços de espionagem
estrangeiros, como seria o delimitador da contra-inteligência. O terrorismo e o crime
organizado são dois exemplos. Por outro lado, uma agência que opere tão somente com
contra-inteligência se preocupará somente com as agências de inteligência inimigas,
seja tomando medidas defensivas ou ofensivas.

2.4 Ações encobertas


As ações encobertas implicam na tentativa de influenciar eventos em outras
partes do mundo, sem que as populações ou indivíduos afetados conheçam a autoria de
tais ações, ou mesmo permitindo a negação plausível da autoria (GODSON, 2004, p.
19). Medidas de ação encoberta tiveram diversos usos ao longo da história, que vai de
Luiz XV incentivando rebeliões nas colônias inglesas na América do Norte (GODSON,
2004, p. 19), até a invasão da Baía dos Porcos em Cuba ou o golpe militar no Irã e na
Guatemala.
Como um instrumento de projeção de poder no ambiente externo, existe um
amplo espectro de atividades que se abrigam sobre esse conceito, tais quais: 1) ações
políticas; 2) agentes de influência; 3) ajuda a organizações; 4) transferência de dinheiro
e suporte; 5) propaganda dissimulada; 6) operações paramilitares; 7) assassinatos; 8)
terrorismo; 9) guerrilhas e movimentos de resistência; 10) abrigo e segurança; 11)
suporte material para operações paramilitares; 12) uso de forças especiais; 13) golpes de
23

estado; 14) suporte de inteligência e informações (GODSON, 2004).


Cabe observar que, a princípio, as ações encobertas não se relacionam com a
atividade de inteligência propriamente dita. A espionagem compreende um conjunto de
processos para obtenção e análise da informação, envolvendo a máxima descrição de
seus métodos, de forma a obter informações secretas sem, contudo, permitir ao
adversário sabê-lo. Para as agências de inteligência clássicas, sua atuação envolve, por
exemplo, a paciência para recrutar um estudante de outro país em início de carreira,
posicioná-lo em uma instituição relevante dentro do aparato Estado adversário,
acompanhar sua carreira, e ajudá-lo a progredir nela se possível, para, finalmente,
quando tal indivíduo ocupar uma função relevante, obter informações importantes.
Evidentemente, dada a complexidade da tarefa, a preservação de tal fonte de
informações tem especial relevância. Por outro lado, as ações encobertas envolvem a
intervenção direta na realidade, a partir da estrutura do serviço secreto em questão a
operar no país alvo. Conforme a magnitude da ação, torna-se impossível ocultar a
participação da agência de inteligência envolvida, por mais que se permita negá-lo
oficialmente. Como decorrência, primeiramente a agência tende a mover todas as suas
fontes para apoiar a operação encoberta, expondo essas. Além disso, para toda ação
existe uma reação, ou seja, o governo ou país vítima tende a tomar políticas de
segurança mais sérias, dificultando novos recrutamentos, bem como identificando
espiões que, de outra forma, jamais seriam identificados.
Considerando-se que tais atividades são bastante diferentes, senão
antagônicas, caberia indagar o porquê da utilização das agências de espionagem como
meio para as ações encobertas. Duas inferências são possíveis. Um primeiro aspecto
envolveria a predominância do modelo anglo-saxão de inteligência, por diversos fatores
como a vitória nas guerras com as potências rivais. As agências anglo-saxônicas,
provavelmente por economia de meios, durante a segunda guerra mundial, enviavam
agentes para a Europa ocupada, com o duplo papel de fomentar guerras de baixa
intensidade contra a ocupação alemã, ao mesmo tempo em que montavam redes de
espionagem a serviço dos aliados. Vez que se estava em guerra, a economia de meios
era considerada fundamental. Tal modelo, como é característica das instituições
humanas, adquiriu força, gerou uma burocracia e entronizou-se. O outro fator
24

determinante é o da similaridade de meios. Os serviços de inteligência externos


possuem escala mundial, tem pessoal acostumado a trabalhar com discrição e sob tensão
e possuem espiões bem posicionados em diversas instâncias. Logo, para os governantes
que desejam agilidade nas mudanças, nada mais prático do que usar a estrutura
clandestina já montada. Como o horizonte de poder de diversos políticos é o de seu
mandato, o futuro é algo abstrato a se pesar, ainda mais quando se tem certeza da
vitória. Contudo, na história como na vida, a presença do imponderável é uma
constante, e diversas vidas já foram perdidas ao acaso.

2.5 Disciplinas de coleta


Um recorte dado a organização e conceituação da atividade de inteligência
envolve a especialização na coleta de dados. À medida que os Estados nacionais foram
evoluindo e adquirindo maior complexidade, as necessidades postas ao setor foram
gerando especializações, que por sua vez geraram instituições moldadas para um tipo de
função específica na cadeia de processos que permeia a área de inteligência.
Atualmente apresentam-se as seguintes especializações quanto à coleta de
informações (CEPIK, 2003, p. 35; CLARK, 2004, p. 99; HERMAN, 1996, p. 61):
A) Humint (human intelligence5): Inteligência derivada a partir de fontes
humanas, entendendo-se: entrevistas, contatos com outras agências, obtenção
clandestina de informações, aquisição de segredos técnicos. Ainda, segundo Michael
Herman (1996, p. 63), existiria uma escala de relevância quanto às informações obtidas
por elementos humanos que, do meio menos sensível e relevante, ao mais sensível e
relevante teria a seguinte seqüência: 1) observadores casuais, especialistas e peritos; 2)
refugiados; 3) contatos comerciais; 4) Interrogatório de prisioneiros de guerra; 5)
Informantes clandestinos ocasionais; 6) oponentes políticos, exilados e governos
alternativos; 7) traidores ou espiões; 8) agentes de inteligência produzindo informes
locais;
B) Sigint (signals intelligence6): Informações coletadas pela interceptação de
comunicações humanas e sinais digitais, bem como pela eventual decodificação ou
descriptação deles. Abrange as interceptações de comunicações telefônicas, rede de

5
Inteligência humana (tradução nossa).
25

computadores (internet) e comunicações por rádio. Tal qual a inteligência humana,


apresenta escala de relevância (HERMAN, 1996, p. 71) que vai do instrumento de
coleta menos relevante ao mais relevante a partir da seqüência: 1) localização do local
da transmissão, mensuração dos parâmetros de sinal7; 2) análise de tráfico,
possibilitando a reconstrução do layout de comunicações e a identificação das estações
que lhe deram origem; 3) deciframento ou criptoanálise, consistindo em quebrar os
códigos de criptografia do adversário acessando o conteúdo de suas comunicações sem
que o mesmo saiba. Constituem-se como subáreas da inteligência de sinais: 1) a comint
(communications intelligence8), baseada na interceptação de comunicações e
inteligência eletrônica; 2) a elint (electronic intelligence9), envolvendo as emissões de
sinais oriundas de equipamentos de comunicações, sem a interação humana;
C) Imint (Imagery intelligence10): Inteligência proveniente da obtenção e
interpretação de imagens fotográficas e multiespectrais. Tais imagens podem ser
oriundas de uma câmera fotográfica, ou mesmo de um satélite espacial. Analisando-se o
custo que permeia o desenvolvimento, lançamento e uso de satélites, poucos são os
países que possuem agências com esta finalidade. Além disso, o seu emprego vem
sendo rediscutido na medida em que diversas organizações privadas passaram a
fornecer farto volume de imagens coletadas a partir de satélites;
D) Masint (measurement and signature intelligence11): Inteligência
originada a partir de instrumentos de medição técnica e científica de sinais térmicos,
sísmicos, magnéticos, dentre diversos outros. Busca obter informações sobre a origem
geográfica de tal sinal, bem como possibilitar a identificação do equipamento que lhe
deu origem. Uma das grandes aplicações desse tipo de coleta de inteligência se dá no
monitoramento de teste nucleares feitos por países rivais. Embora feito em outro país, o
teste atômico pode provocar abalos sísmicos ou lançar partículas radioativas na
atmosfera que, com o emprego de instrumentos especializados, podem permitir a

6
Inteligência de sinais (tradução nossa).
7
A mensuração dos parâmetros de sinal é um dos instrumentos fundamentais ao conceito de guerra eletrônica, em
que mediante tais detecções, se obteria informações a cerca do tipo de equipamento que emitiria o sinal em questão,
permitindo a distinção entre emissões hostis, e amigáveis.
8
Inteligência de comunicações (tradução nossa).
9
Inteligência eletrônica (tradução nossa).
10
Inteligência de imagens (tradução nossa).
11
Inteligência de mensuração de assinaturas (tradução nossa).
26

identificação da ocorrência quase em tempo real;


E) Osint (open sources intelligence12): Inteligência proveniente de fontes
informacionais disponíveis a toda a sociedade de um dado país, tal como jornais,
periódicos, banco de dados, filmes, registros, entrevistas, dissertações e teses, grupos de
discussão na internet, sites especializados, blogs etc. Ressalte-se que tais fontes podem
ser impressas ou eletrônicas. Conforme afirma Costa (2002, p. 26), acredita-se que
atualmente se possa encontrar até noventa e cinco por cento das informações necessárias
à atividade de inteligência, mediante o emprego de fontes abertas. Comumente, as
fontes abertas não são o lugar onde se buscam os segredos, porém são por excelência
um grande repositório de contextos, que permitem dar ligadura a informações
fragmentadas obtidas pelas outras disciplinas de coleta. Além disso, em sociedades
democráticas, sobretudo, é comum o vazamento de segredos de Estado à imprensa, bem
como é farta a publicação do que deveriam ser segredos científicos em revistas de cunho
científico.
Com o entendimento dos conceitos-chave da atividade de inteligência, cabe
observar a aplicação de tais conceitos nos modelos norte-americanos e brasileiro.

12
Inteligência de fontes abertas (tradução nossa).
27

3 O MODELO DOS EUA

Sob a influência direta da Inglaterra, a moderna estrutura de inteligência


estadunidense remonta à Segunda Guerra Mundial, em que os americanos criaram o
Office of Strategic Services – OSS13 e, posteriormente, a Central Intelligence Agency –
CIA14, com vistas a centralizar suas ações de inteligência. A partir da influência dos
EUA nos países da América Latina, como será analisado no caso brasileiro, tal modelo
será determinante na construção de diversos sistemas regionais de inteligência.

3.1 Inteligência positiva e ações encobertas

Mediante a publicação do “National Security Act” de 1947, foi formalizado


o papel da CIA, devendo esta se incumbir da coleta e análise de inteligência externa. Tal
documento também define o escopo do termo inteligência, compreendendo-o como
inteligência externa e contra-inteligência. Em seguida o ato relaciona inteligência
externa como a informação que busca identificar intenções, capacidades, atividades de
países, organizações ou indivíduos estrangeiros, bem como o acompanhamento das
atividades terroristas internacionais.

3.1.1 A CIA e a coleta externa


Pela doutrina de inteligência da CIA (KENT, 1967, p. 20), um Estado
deveria desenvolver dois tipos de política externa para sobreviver em um mundo hostil.
A política construtiva ou positiva, entendida como as ações de um país para moldar o
mundo aos seus interesses, e a política de segurança nacional, significando a defesa ante
ações de outros países. Ambas possuem necessidades informacionais distintas para
subsidiar seu processo decisório. Para assessorar a política positiva do Estado, a
inteligência externa deve fornecer informações do tipo: como o outro país receberá a
política e o que fará contra ela; quais as suas vulnerabilidades específicas e sua
capacidade de contenção em relação ao tema; o que faz no momento para potencializar
sua capacidade de ações defensivas e o que pode fazer para sanar tais vulnerabilidades.
Para apoiar a política de segurança nacional, deve-se tentar identificar a estatura

13
Escritório de Serviços Estratégicos (tradução nossa).
14
Agência central de inteligência (tradução nossa).
28

estratégica do adversário, ou seja, os seus meios para nos atacar assim como suas reais
pretensões políticas.
Logo, com a finalidade de coletar inteligência positiva, a CIA passou a
trabalhar com grupos de representantes, as chamadas estações, lotados nas diversas
embaixadas norte-americanas pelo mundo. Para realizar tais coletas de informações, a
CIA buscou fontes abertas publicadas no local ao mesmo tempo em que tentou
estruturar redes de informantes em posições estratégicas. Ampla era a gama de
conhecimentos considerados necessários. Conforme apregoou Sherman Kent sobre o
tipo de informação indispensável à inteligência externa, “alguns desses conhecimentos
podem ser adquiridos através de meios clandestinos, mas o grosso deles deve ser obtido
pela pesquisa e obtenção de dados ostensivos e amplamente divulgados, sem lances
românticos” (1967, p. 18).
Infere-se que o conjunto de informações necessárias às demandas elencadas
por Kent (1967) seja enorme. Além disso, os EUA, como uma das potências vitoriosas
da segunda guerra mundial, possuíam amplos interesses políticos e comerciais pelo
mundo. Com o objetivo de facilitar a coleta e análise, a CIA criou grupos especializados
em regiões do globo, bem como por temas importantes, como terrorismo.
Um dos principais meios para coleta humana externa em que se investiu
foram as ações de cooptação de funcionários públicos e políticos bem posicionados.
Com ênfase no recrutamento de militares e policiais, sobretudo dos países de terceiro
mundo, os americanos criaram diversos programas formativos. Neles se repassava a
lógica dos EUA de enfrentamento com o inimigo comunista, ao mesmo tempo em que
se estabeleciam vínculos pessoais com os alunos estrangeiros, garantindo-se um
inesgotável manancial informativo a ser coletado nos países de origem pela equipe da
CIA local.
Para influir sobre o pensamento militar, foi criada, em 1946, a Escola das
Américas, no Panamá (FIGUEIREDO, 2005), que formou milhares de oficiais das
forças armadas latino-americanas, provavelmente impulsionando a carreira de vários.
Tal ação significou um investimento estratégico para obtenção de inteligência humana,
vez que tais oficiais ascenderam a postos-chave em suas armas, possibilitando o
vazamento de uma ampla gama de segredos de Estado.
29

Em relação às polícias, a CIA adotou a doutrina do presidente Eisenhower,


que preconizava a utilização dessas como primeiro instrumento de contenção
comunista. Uma das táticas utilizadas consistiu em criar programas de assistência e
“incorporar consultores norte-americanos aos sistemas policiais dos países beneficiados
e utilizá-los para orientar a polícia beneficiária para um trabalho de inteligência e de
operações em bases prospectivas” (HUGGINS, 1998, p. 95). Como decorrência prática,
tais polícias passaram a compor as operações de inteligência norte-americanas. Em 1952
a CIA chegou a criar uma empresa de fachada com vistas ao treinamento de policiais
estrangeiros. A firma, denominada International Police Services15, Inc – INPOLSE,
apresentava-se como uma empresa privada, composta por especialistas oriundos das
polìcias civis americanas. Com tal cobertura a CIA treinou milhares de policiais, o que
permitiu “avaliar estagiários estrangeiros quanto à orientação pró-Estados Unidos, o que
poderia permitir a CIA recrutá-los posteriormente aos seus serviços” (HUGGINS, 1998,
p. 95).
Com efeito, a cooptação de personagens importantes junto a uma das
estruturas basilares do Estado, as forças de segurança internas, permitiu que a CIA, além
de coletar informações sensíveis, passasse a desenvolver ações efetivas dentro desses
estados nacionais, manipulando o destino de povos inteiros de acordo com os supostos
interesses estadunidenses. Tais atividades recebem o nome de ações encobertas e
tornaram-se com o tempo o principal propósito da agência de inteligência externa
americana.

3.1.2 O Diretório de operações clandestinas da CIA


Além de definir a tarefa de coleta de informações externas como de
responsabilidade da nova agência, o ato de 1947 também colocou a cargo dela a
centralização do sistema de inteligência americano, embora de forma pouco efetiva
(ZEGART, 1999, p. 18), e o planejamento e execução de ações encobertas no
estrangeiro. Por ações encobertas, a lei entendia como “means an activity or activities of
the United States Government to influence political, economic, or military conditions
abroad, where it is intended that the role of the United States Government will not be

15
Serviço de Polícia Internacional (tradução nossa).
30

apparent or acknowledged publicly”16 (ESTADOS UNIDOS, 1947).


Segundo Zegart (1999, p. 185), em termos práticos a CIA tornou-se duas
organizações distintas dentro de uma mesma instituição. Uma estrutura voltada para a
obtenção e análise de inteligência e outra focada nas ações encobertas. Como
conseqüência, duas culturas muito distintas foram criadas dentro da agência, com
rígidas barreiras, missões diferentes, características profissionais e habilidades
necessárias aos seus membros. Apesar de não existir uma definição formal na lei de
segurança nacional de 1947 a cerca das competências da CIA, para a realização de
ações encobertas, a agência se aproveitou de uma brecha na lei (WEINER, 2008, p. 44)
e passou a praticar tais atividades. Segundo Weiner, um ano depois da fundação da CIA
“as operações secretas se tornaram a força dominante da agência, com a maioria das
pessoas, a maior parte do dinheiro e o maior poder. E assim permaneceu por mais de
vinte anos” (2008, p. 51). Apesar da tarefa formal da CIA envolver o fornecimento de
informações de alto nível ao presidente, vinculadas à segurança nacional do país, seus
dirigentes não tinham “nenhuma paciência para espionagem e nenhum tempo para
peneirar e pesar segredos. Era muito mais fácil planejar um golpe ou subornar um
político do que penetrar no politiburo” (WEINER, 2008, p. 51).
Como decorrência dessa deformação burocrática na finalidade da agência,
esta se dedicou muito mais amplamente a operar depondo governos na América Latina,
África e Oriente Médio, do que propriamente obtendo informações secretas para a
tomada de decisão. Para que esperar décadas para somente posicionar um agente
infiltrado quando se pode simplesmente depor os governos adversários?
Paradoxalmente, a cada insucesso político nas ações da CIA, maior o peso às ações
encobertas. É ilustrativo o caso da revolução islâmica no Irã, ocorrida em 1979, que
transformou o Irã, então comandado pelo Xá Mohammad Reza Pahlevi, em uma
república islâmica. Reza Pahlevi, com um governo violento e corrupto, motivou uma
verdadeira insurreição popular. Contudo, curiosamente, o seu governo foi posto no
poder no lugar do presidente democraticamente eleito, Mohammad Mossadeq, a partir
da operação Ajax, da própria CIA. Posteriormente, “o episódio do Irã servira para

16
Uma atividade ou atividades do Governo dos Estados Unidos para influenciar condições políticas, econômicas e
militares em países estrangeiros, onde se pretende que o papel do Governo dos Estados Unidos não seja
31

comprovar uma das opiniões de Casey [então diretor da CIA]: a obtenção de


informações não podia ser uma atividade passiva, todos os esforços deviam ser feitos
para forçar influenciar aqueles que tomavam as decisões” (WOODWARD, 1987, p.
128).
Para se ter a dimensão do espectro de atuação do setor de operações
encobertas da CIA, a agência, além das maquinações político-militares, atuou
profundamente junto aos intelectuais e setores culturais. Ajudou a criar o Congresso
pela Liberdade Cultural, que funcionou de 1950 a 1967, estimulando publicações
liberais de esquerda, com a pretensão de constituir-se como uma barragem ideológica ao
comunismo (SAUNDERS, 2008). Ao construir e aglutinar intelectuais de esquerda, a
CIA buscou dar legitimidade ao capitalismo demonstrando que o mesmo permitia o
debate de idéias, embora marginal. Revistas teóricas como a Partisan Review, Kenyon
Review, New Leader e Enconter foram financiadas pela agência e tinham agentes entre
os seus editores. Sob os auspícios do dinheiro da CIA, vários intelectuais tiveram suas
carreiras projetadas, entre os quais Irving Kristol, Dwight Macdonald, Robert Lowell e
Hannah Arendt. Além de escritores, a CIA utilizou o cinema, influindo em filmes como
“A revolução dos bichos” e “1984”, e a arte, promovendo a arte abstrata em detrimento
do realismo socialista. A iniciativa cultural da inteligência americana só deteve-se
diante da publicação pela revista Rampart de detalhes sobre o financiamento da agência,
o que tornou inviável a continuidade da iniciativa. Conforme argumenta Saunders
(2008, p. 442), “a idéia de que o envolvimento da CIA na vida cultural do Ocidente
podia ser racionalizada como um mal necessário da democracia encontrou um número
cada vez menor de defensores”.
Uma decorrência da forma de atuar da CIA, priorizando as ações
encobertas, foi justamente a fragilização de sua rede de informações e de sua capacidade
de penetrar os serviços de inteligência adversários. Considerando-se que as ações
encobertas, apesar do nome relacionado à ocultação da origem, tendem ao estardalhaço,
dificultam, portanto, o recrutamento de informantes e, principalmente, a manutenção
desses em caso de fracasso das referidas ações. Além disso, no caso do apoio da CIA a
regimes ditatoriais ou corruptos, tal apoio conspurcou a boa imagem dos Estados

visível/ostensivo ou reconhecido publicamente (tradução nossa).


32

Unidos no cenário internacional, dificultando o recrutamento de pessoas de cunho


ideológico ou idealista, restando a cooptação dos indivíduos movidos por dinheiro.

3.1.3 A NSA e a inteligência de sinais


Além da CIA como instrumento de coleta e produção de inteligência
externa, o governo dos EUA fundou, em 04 de novembro de 1952, a National Security
Agency17 – NSA, como instrumento especializado para a coleta externa de inteligência
de sinais.
A partir da experiência com a inteligência de sinais britânica durante a
segunda guerra mundial, bem como com a quebra da cifra alemã, denominada enigma, e
a cifra japonesa, denominada púrpura, os norte-americanos aprenderam importantes
lições sobre a relevância da interceptação das comunicações. Parcela significativa da
vantagem dos aliados durante a guerra deveu-se à superioridade de seu sistema de
inteligência, principalmente com o acesso às comunicações do eixo. A batalha do
Atlântico, por exemplo, em que a marinha aliada derrotou os submarinos alemães, que
vinham afundando implacavelmente os navios mercantes que abasteciam a Inglaterra,
foi fruto da quebra das cifras alemãs.
Com o andamento da guerra fria, o governo americano concluiu que
necessitava de uma organização especializada em inteligência de sinais, com o duplo
papel de coletar informações em âmbito global, a partir dos diversos meios de
comunicação por sinais, bem como proteger as comunicações do governo. A NSA não
se fez de rogada e iniciou ambiciosos programas em escala global, montando uma
estrutura inigualável. De acordo com Singh, “a NSA emprega mais matemáticos,
compra mais equipamentos de computação e intercepta mais mensagens do que
qualquer outra organização no mundo. É a líder mundial no que se refere à escuta”
(2001, p. 273).
Diversos programas de coleta de informações foram desenvolvidos pela
NSA ao redor do mundo, sendo que parcela significativa deles invadia as comunicações
até mesmo de países aliados. Uma das ações operacionalizadas entre a década de
cinqüenta e sessenta do século XX foi o estabelecimento de bases em glaciares no pólo

17
Agência de Segurança Nacional (tradução nossa).
33

norte, utilizando-se de avançados equipamentos acústicos, com vistas a detectar


submarinos inimigos (Bamford, 2001, p. 140). Diversos cientistas e pessoal de campo
permaneciam meses flutuando sobre placas de gelo.
A expansão da NSA foi rápida. Em 1961, a agência já havia quebrado o
sistema de cifras de mais de quarenta nações, penetrando nas cifras soviéticas de alto
nível e nos códigos de diversos países satélites, tais como a Iugoslávia. Todavia,
também foram quebradas as comunicações de países neutros como o Uruguai e a
Indonésia e até mesmo de países aliados como a Itália, França e Turquia (Bamford,
2001, p. 140).

3.1.4 O DIA e a Inteligência militar americana


Outro setor de inteligência externa foi criado pelo governo americano em 29
de setembro de 1961, a Defense Intelligence Agency18 – DIA. Com o papel de
centralizar a coleta e análise de inteligência militar externa, seja mediante fontes
humanas, abertas e, mais tarde, com imagens, de forma a tentar identificar o sistema de
armas utilizado pelos demais países do globo, em particular os do bloco soviético. Outra
tarefa importante a cargo da inteligência das forças armadas foi obtenção dos planos de
batalha inimigos, identificando como planeja suas ofensivas e como reage a ataques
militares (DIA, 2002).
A agência desenvolveu diversas ações de coleta de informações sobre
armamentos, que foram do programa nuclear chinês ao desenvolvimento do sistema de
mísseis estratégicos russos. Também centrou esforços no acompanhamento de conflitos
mundiais, sejam estes com a participação direta dos EUA, como a guerra do Vietnam,
ou envolvendo os demais países como a invasão soviética no Afeganistão, ou a guerra
do Yom Kippur entre israelenses e árabes. Na América Latina, o DIA deu ênfase na
revolução sandinista da Nicarágua e no regime cubano.
Outra aplicação da principal agência de inteligência militar americana foi o
acompanhamento de tratados militares para redução de armas, de forma a auferir se
eles, de fato, estavam sendo implementados pelos países partícipes.
Todavia, ao mesmo tempo em que os EUA montavam o seu aparato de

18
Agência de inteligência de defesa (tradução nossa).
34

espionagem e influência externa, também definiam as estruturas de seus organismos de


defesa interna ante os demais serviços de inteligência do mundo, em particular os
soviéticos.

3.2 Contra-inteligência e segurança interna

Interessante observar que o mesmo ato de 1947 que criou a CIA, também
delimitou a atividade de contra-inteligência e segurança interna, limitando o escopo de
atuação da agência ao campo externo do país e restringindo sua atuação interna. A
inteligência interna continuou a cargo do FBI. Ao analisar a lógica do legislador no
capítulo que define as competências da instituição, fica claramente estabelecido que a
agência possui a função de “collect intelligence through human sources and by other
appropriate means, except that the Agency shall have no police, subpoena, or law
enforcement powers or internal security functions”19(1947).
Um dos fatores que motivaram o congressista americano, juntamente com o
lobby do Federal Bureau of Investigation20 – FBI, foi o grande receio de construir uma
nova Gestapo21 (EUA, 2004, p. 89), com amplos poderes externos e internos, violando
metodicamente os direitos civis e as garantias individuais do cidadão norte-americano.
Sob o prisma de vários setores da sociedade americana, seria inconcebível, em uma área
que concentra tanto poder (o controle informacional), a existência de uma única
instituição acumulando os dois papéis. Era inevitável a comparação com o modelo
soviético do ainda todo poderoso Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti – KGB, ou
Comitê de Segurança do Estado, que centralizava com mãos de ferro toda a estrutura de
inteligência russa, agindo livremente dentro e fora da União Soviética, com notório
desrespeito pela vida humana.
Outra passagem interessante para se compreender a natureza da contra-
inteligência e segurança interna norte-americana, tem-se quando Sherman Kent (1967),
fundador e responsável pelo Diretório de Análise da CIA, ao definir informação
positiva, ou seja, externa, também define a antítese dessa área de inteligência. Kent

19
Coletar inteligência através de fontes humanas e por outros meios adequados, com exceção de que a Agência não
tem nenhum poder de polícia, de intimação, de aplicação da lei ou funções de segurança interna (tradução nossa).
20
Escritório federal de investigação (tradução nossa).
21
Polícia política criada pelo regime nazista de Adolf Hitler para reprimir opositores do regime, bem como minorias
étnicas. Tornou-se notória pela truculência com que tratou suas vítimas.
35

argumenta que tais informações não se relacionam “ao que acontece nos Estados
Unidos”, acrescentando que “todos os conhecimentos de natureza policial são
excluídos” (1967, p. 17). Na visão do autor, a atividade de inteligência externa não é
composta da “contra-informação, contra-espionagem, nem de qualquer outra espécie de
informações destinadas a descobrir traidores nativos ou agentes estrangeiros
importados” (1967, p. 17).
Quando Kent fez seus comentários, publicados nos EUA em 1948, estava
incumbido de auxiliar a construção do modelo funcional e conceitual da CIA, que vivia
seu período fundacional. Nesse sentido, buscava delimitar o que era incumbência da
agência americana e o que não o era. Quando Kent define inteligência interna,
percebem-se as peculiaridades das instituições de inteligência americana.
Informações de Segurança – Para colocá-la em seus termos mais simples,
devemos pensar em informações de segurança, basicamente, como aquela
que está por trás das atividades policiais. Sua função é proteger a nação e
seus membros de malfeitores que agem no sentido de nosso prejuízo nacional
ou individual. E uma de suas formas mais espetaculares, é o tipo de
informações que procura continuamente colocar o dedo sobre os agentes
clandestinos enviados por potências estrangeiras. [1967, p. 204]

Sob o ponto de vista do autor, e da legislação de 1947 até os dias atuais, as


duas atividades são distintas, devendo possuir estruturas organizacionais distintas, vez
que, embora similares, sejam duas disciplinas com um conjunto de competências e
características bastante díspares.
Cabe observar que uma série de estudos feitos pelas comissões
parlamentares do congresso americano, que acompanham a atividade de inteligência
estadunidense, que vão do “Eberstadt study” em 1948 chegando até a comissão “Aspin-
Brown” em 1994, vem reafirmando as diferentes características dos dois ramos da
atividade de inteligência. Segundo o relatório de 1994, “the commission found that the
two disciplines had different motivations and goals that complicated their dealings”22
(MCDONALD; WARNER, 2005, p. 34), identificando as profundas diferenças entre as
duas atividades, com seu conjunto de particularidades.

22
A Comissão concluiu que as duas disciplinas possuem diferentes motivações e objetivos o que dificulta o diálogo
entre as partes (tradução nossa).
36

3.2.1 A CIA e a contra-inteligência externa


Com a clara delimitação a cerca da prática de espionagem em território
americano, a CIA tornou-se responsável pela contra-inteligência externa ao território
americano, principalmente no tocante a penetração de suas próprias fileiras. De acordo
com o relato de Roy Godson (2004, p. 86), a atividade de contra-inteligência
desenvolvida pela organização basicamente resumia-se a ajudar a prevenir a infiltração
da agência por agentes duplos de outros serviços secretos, bem como assegurar que os
membros da agência não estariam trabalhando para outros países.
Todavia, a estrutura de contra-inteligência da CIA era frágil, sendo que as
divisões geográficas da agência eram, na prática, responsáveis pela proteção de suas
próprias operações, pois as equipes ligadas à área se resumiam a pequenas
representações. Além disso, o setor responsável pelas operações clandestinas, ou
encobertas, segregou amplamente o setor. Como resultado, quase todas as operações,
especialmente as paramilitares contra o bloco soviético, foram penetradas pela
inteligência dos países adversários (GODSON, 2004, p. 86).
Por outro lado, a título de contra-espionagem, a contra-inteligência da CIA,
além de tentar cooptar indivíduos dentro dos serviços secretos dos países adversários,
passou a tentar infiltrar os partidos componentes da internacional comunista. Tal
operação foi particularmente bem sucedida na América Latina. Todavia, dentro da
lógica de combate ao inimigo comunista, o setor de contra-inteligência deliberadamente
violou a proibição da atuação da agência em território americano e, de 1954 a 1973,
interceptou mais de 215.820 correspondências de cidadãos do próprio país (GODSON,
2004, p. 88). Tais violações trouxeram profundas conseqüências para o sistema de
inteligência dos EUA.

3.2.2 O FBI e a centralização da contra-inteligência


Justamente pelo receio de desrespeito à constituição americana, ao longo
dos anos, a centralização da atividade de contra-inteligência e inteligência de segurança
dentro dos Estados Unidos sempre se manteve a cargo da polícia federal norte-
americana, o FBI. Tal agência é uma das organizações de inteligência mais antigas dos
EUA. Foi fundado em 1908, com o papel de promoção da lei, assumindo, ainda
37

incipientemente, durante os anos vinte, o combate à espionagem dentro do território


estadunidense. A partir da década de trinta, com o recrudescimento das relações
políticas na Europa e a expansão de organizações de cunho nazista dentro dos Estados
Unidos, o então presidente Roosevelt ordenou que o FBI investigasse os setores nazistas
americanos (HUGGINS, 1998, p. 58). Roosevelt já delineava o posicionamento contra a
Alemanha nazista na futura guerra e a inevitável presença de espiões do Reich alemão.
Com o pós-guerra e o redesenho das relações de poder mundiais, em que os
novos inimigos eram a União Soviética e seus países satélites, a estrutura de contra-
inteligência do FBI foi redesenhada. Estruturou-se uma divisão de contra-inteligência e
iniciou-se uma política de formação de quadros (GODSON, 2004, p. 74). Contudo o
FBI começou a se deparar com o dilema de desenvolver duas atividades com
características bastante distintas, a investigação criminal e a contra-inteligência.
Conforme descreve Godson (2004, p.75), enquanto as operações de inteligência policial
tendem a facilitar a distinção do papel dos indivíduos, o suposto bem contra o mal, se
encerrando no momento em que a coleta de provas é suficiente para levar os culpados à
justiça, o processo de contra-inteligência tende a ser acentuadamente diferente. Apesar
da similaridade com o aspecto criminal, pois quem espiona ou sabota está cometendo
crime, muitas vezes o papel dos personagens não é tão claro, existindo uma zona
cinzenta. Além disso, muitas vezes se podem colecionar dados durante anos ou décadas
sem que se chegue necessariamente a algum resultado tangível. Nos primeiros anos, foi
desafiador para o FBI conjugar duas culturas tão distintas.
A estrutura da divisão de inteligência do FBI foi dividida nos setores de
segurança interna, contra-espionagem e central de pesquisas. Na área de segurança
interna buscava-se acompanhar eventuais ameaças ao modelo de democracia americana,
o que significava o acompanhamento de grupos terroristas e também dos partidos
comunistas e trotskistas. A seção de contra-espionagem acompanhava investigações e
operações contra eventuais ações de espionagem do bloco soviético, em particular da
KGB. Existia um comitê de ligação entre o FBI, a CIA e a inteligência militar
americana. A central de pesquisas cumpria o papel analítico, elaborando relatórios sobre
as matérias de segurança interna e também contra-espionagem (GODSON, 2004, p. 77).
Como método de atuação para a contra-espionagem, o FBI utilizou-se de
38

fontes institucionais, tais como o controle de vistos de entrada no país ou o


levantamento de informações sobre estudantes estrangeiros e ativistas. Também foram
identificadas informações sobre grupos étnicos residentes que tivessem ligações com o
Partido Comunista. Outro mecanismo de coleta de informações, já envolvendo fontes
humanas clandestinas, foi à constante vigilância das embaixadas dos países comunistas
e de seu pessoal, além da interceptação de toda a correspondência e comunicações
telefônicas. Contudo, além dos métodos defensivos, o FBI trabalhou ativamente para
recrutar e utilizar agentes duplos, ou seja, membros da inteligência soviética que
passassem a fornecer informações ao governo americano, trabalhando infiltrados. Tais
tentativas deram rápido resultado internamente, com a infiltração dos partidos de
esquerda. Em relação à inteligência do bloco soviético, tais resultados vieram um pouco
mais tarde, em meados da década de sessenta.
Além do enfrentamento com a espionagem soviética, sob a égide da
segurança interna, o FBI, ao longo de sua existência, ampliou exponencialmente sua
coleta de inteligência sobre os cidadãos americanos. Do critério inicial, em que a
abertura de investigações relacionava-se apenas aos suspeitos de espionagem ou
ameaças à segurança nacional, chegou-se ao ponto em que o FBI compôs dossiês sobre
virtualmente todos os filiados do Partido Comunista Americano e demais agremiações
de esquerda. Ainda, segundo Godson (2004, p. 78), em 1960 o FBI já havia aberto cerca
de 432.000 arquivos sobre indivíduos ou grupos tidos como implicados.
A partir da ampliação sem controle da coleta de informações sobre a
sociedade americana, iniciou-se, na década de sessenta, intensos debates sobre a
segurança nacional como contraponto às liberdades civis.

3.2.3 Abusos e perseguição interna


Se, sob o prisma das leis e do congresso dos EUA, o papel da inteligência de
segurança e inteligência externa sempre foi relativamente claro, isso nem sempre se deu
na realidade. Diversas ações dos serviços de inteligência passaram a desrespeitar
sistematicamente a legislação americana. Tais ações chegaram ao ápice sob o governo
do presidente Nixon, que determinou diversas operações internas ilegais, vez que “a
CIA, a NSA e o FBI estavam espionando cidadãos americanos” (WEINER, 2008, p.
39

353). As ações de Nixon culminaram no escândalo de Watergate, em que o presidente


mandou ex-agentes da CIA instalarem escutas no comitê do Partido Democrata, sendo
como decorrência criado um comitê de investigação no Senado Federal, denominado
comissão Church, por ser presidida por tal senador, para investigar esse e outros abusos.
Com os relatórios oriundos do comitê Church, foi iniciado um movimento
de distintos setores da sociedade americana para regular de fato a atuação de suas
agências de inteligência, uma vez que elas se avocaram o direito de espionar seus
próprios cidadãos sem autorização legal, no caso do FBI, ou mesmo sem competência
legal, no caso da CIA e da NSA. Tanto o FBI quanto a CIA e a NSA buscaram se
legitimar a partir de brechas na lei de inteligência, transformando adversários políticos
da segregação racial ou da guerra em inimigos de Estado.
Além da aprovação de nova legislação restringindo ainda mais a atuação dos
organismos de inteligência dentro dos EUA, o Senado Federal americano tornou estável
o grupo de investigação dos crimes cometidos pelas agências, transformando-o em uma
comissão permanente do Senado. Pela primeira vez na história da inteligência
americana, o parlamento de fato passou a tentar fiscalizar e acompanhar mais
seriamente a referida atividade. Dentre as diversas operações ilegais identificadas pelo
Senado americano destacam-se:
a) OPERAÇÃO CHAOS. Realizada entre 1967 a 1974, tal operação, em
que a CIA atuava com o apoio do FBI, envolvia a coleta de informações sobre eventuais
vínculos externos, mantidos por cidadãos americanos ligados a movimentos de protesto
racial e contra a guerra do Vietnã, dentre outros grupos organizados (EUA, 1976, p.
681), em flagrante desrespeito a constituição americana. A operação CHAOS coletava
informações a partir de um conjunto de ações, tais como: acompanhamento de cidadãos
americanos em viagem para o exterior; mediante infiltração de agentes nos movimentos
de protesto americanos; mediante a interceptação de correspondências pela CIA; bem
como a partir de interceptações feitas pela NSA;
b) OPERAÇÃO MARRIMAC. Realizada pela CIA, envolvia a infiltração
por membros da agência em grupos de paz e organizações de ativistas do movimento
negro baseados em Washington (EUA, 1976, p. 682). Considerando-se a proibição
expressa da atuação da CIA em território americano, foi um atentado direto contra o
40

próprio ato de 1947 que fundou a agência;


c) OPERAÇÃO RESISTENCE. Consistia na compilação, novamente por
parte da CIA, de grupos organizados rotulados como radicais, principalmente as
organizações atuantes dentro de universidades. Mais uma vez a agência violou
explicitamente a lei;
d) OPERAÇÃO MINARET. Criado em 1969, o projeto foi desenvolvido
pela NSA, consistindo na interceptação telefônica de membros de organizações
defensoras do fim da guerra bem como organizações do movimento negro (EUA, 1975).
Cabe observar que a NSA somente podia atuar dentro do país sob os auspícios do FBI e
com autorização judicial, tendo em vista que o papel da organização era eminentemente
externo, interceptando as comunicações globais;
e) OPERAÇÃO COINTELPRO. Projeto desenvolvido pelo FBI, envolveu
um conjunto de ações encobertas que atentaram contra cidadãos norte-americanos. Tais
ações objetivaram “neutralizar” indivíduos e organizações assinalados como alvos.
Dentre os setores atingidos destaca-se a tentativa de destruir o Partido Pantera Negra,
vinculado ao movimento negro, o Partido Comunista, o movimento racista Ku Klux
Klan, o ativista Martin Luther King e até mesmo a Conferência Cristã e o Comitê Inter-
universitário para debate sobre a política estrangeira (EUA, 1976, p. 27). Embora
tivesse permissão para investigar suspeitos de espionagem ou práticas de crimes dentro
dos EUA, o FBI passou a atuar à margem da lei, violando um dos princípios básicos de
qualquer democracia que é o direito a organização política em torno de idéias.

3.2.4 Profissionalização da contra-inteligência americana


Após essa série de incidentes, dentre outros, o sistema de inteligência
americano foi reestruturado, ampliando-se o acompanhamento do congresso, apesar de
ainda deficiente, além de mudanças na lei, tornando-a ainda mais dura no tocante à
invasão da privacidade do povo norte-americano. Conforme argumenta Roy Godson
(2004, p. 103), um novo paradigma foi construído a cerca da lógica de atuação da
contra-inteligência americana. Deslocando-se da lógica comportamental, em que a
ideologia de um indivíduo era o critério para o seu monitoramento, em direção à
concretude, suas práticas.
Unless some concrete evidence linking an American and a foreign
41

intelligence service could be produced, a person’s behavior should not be


monitored. That became the general position of congress, the executive
branch, and the counterintelligence agencies23. [GODSON, 2004, p. 103].

Além da limitação quanto à utilização de técnicas de investigação invasivas


contra seus próprios cidadãos, diversos manuais foram publicados internamente,
estabelecendo critérios claros para a eleição de alvos. Tais critérios foram pautados a
partir das opiniões políticas dos sujeitos, não se diferenciando a prática criminosa do
direito democrático ao posicionamento político divergente. Em síntese, o simples fato
de se pertencer ao Partido Comunista Americano ou aos Panteras Negras não permite ao
governo invadir a privacidade do indivíduo.
No caso do FBI, tais mudanças se iniciaram a partir da nomeação de um juiz
como seu diretor. No caso em tela, o juiz foi Willian Webster, notório legalista, que
permaneceu no cargo por aproximadamente dez anos. O foco da divisão de contra-
inteligência foi então reorientado do combate ao inimigo comunista para a identificação
de vulnerabilidades de pessoas e instalações ante a ação dos serviços de inteligência
hostis (GODSON, 2004, p. 110). Ou seja, mais uma vez nota-se que o critério para
eleição de alvos a serem investigados deixou de ser político passando a ser funcional,
objetivado, portanto, pelo acesso dos indivíduos a segredos de Estado.
O FBI também aumentou o profissionalismo da atividade de contra-
inteligência, formando mais analistas, estruturando e ampliando a divisão responsável.
Passou a desenvolver mais operações conjuntas com a inteligência das forças armadas e
a CIA, sobretudo buscando a cooptação de agentes duplos dentro dos serviços
adversários. Outro aspecto digno de nota foram às medidas pró-ativas. Baseado nos
próprios levantamentos de inteligência e no cruzamento de informações com outros
serviços de inteligência aliados, o FBI sugeriu diversas vezes a recusa de vistos de
permanência ou viagem aos EUA por parte de estudantes, diplomatas ou jornalistas
suspeitos. Também apresentou propostas para expulsão de pessoal de corpo
diplomático, elegendo de preferência o pessoal de inteligência estrangeira mais
envolvido com grandes operações dentro do país (GODSON, 2004, p. 111), de forma

23
Salvo pudessem ser produzidas algumas evidências concretas ligando um americano a um serviço de inteligência
estrangeira, uma pessoa não deveria ser monitorada pelo seu comportamento. Isso se tornou a posição geral do
congresso, do poder executivo e das agências de contra-inteligência (tradução nossa).
42

que, em não se identificando a rede de espionagem, ao menos pudesse debilitá-la.


Cabe observar que não deixa de ser um claro indicador das pretensões do
governo americano, então pressionado pela sociedade, a indicação, para a chefia do FBI,
de um juiz com um histórico de notório cumprimento da lei como Webster. Além de
tentar relegitimar o órgão, evidencia-se a ação para subordinar a divisão de contra-
inteligência aos preceitos legais da época.
Ao sair do FBI, Webster foi nomeado diretor da CIA, cujo setor de contra-
inteligência também sofreu impactos da mudança de conceitos da época. O escritório da
área passou a poder interferir diretamente nas atividades do diretório de operações.
Além disso, em meados da década de setenta tornou-se obrigatória a produção por parte
da CIA de um relatório anual apontando as ameaças e vulnerabilidades nacionais, o que
exigiu maior trabalho analítico, aumentando o setor responsável pela produção analítica
de contra-inteligência.
Provavelmente a partir da mudança de lógica, deslocando-se do aspecto
ideológico, inteiramente subjetivo, para os elementos concretos, como o acesso a
informações relevantes, a CIA e o FBI identificaram diversos espiões atuando há
décadas, o que culminou no tristemente famoso ano do espião. Tais resultados
ampliaram o respaldo do escritório de contra-inteligência dentro dos setores operativos
da CIA, tendo em vista as evidências de que diversas operações tinham fracassado como
conseqüência da penetração da inteligência adversária, em particular os soviéticos.
Com o aumento das identificações de espiões, a sociedade americana pôde
discutir medidas para a sua proteção. Apesar do desrespeito à constituição e às
liberdades civis, de fato, conforme será observado em seguida, os EUA sofreram
diversas ocorrências de espionagem em sua história. Paradoxalmente, durante o período
em que o governo americano deslocou a atividade de contra-inteligência do terreno
ideológico para o funcional, conseguiu-se maior sucesso no desmascaramento de
espiões dentro dos Estados Unidos.

3.3 Espionagem sobre os Estados Unidos

Apesar de todo o aparato de segurança e inteligência construído pelos EUA,


eles são, provavelmente, uma das maiores vítimas de espionagem no mundo. Como
43

principal potência econômica, tecnológica, política e militar do planeta, descobrir


segredos do governo americano é algo extremamente valioso para os países rivais.
Como os EUA são um ator global, a identificação da intencionalidade do governo
americano é fator crítico para que os países com políticas divergentes possam construir
alternativas às posições americanas. Além disso, a obtenção de segredos econômicos e
tecnológicos significa redução de custos de pesquisa, que outros países, não tendo a
dimensão econômica dos EUA, em geral não podem pagar.
Tais ações de espionagem redundaram em prejuízos significativos, tais
como o roubo de segredos atômicos dos EUA pelos soviéticos (KNIGHT, 2008),
acelerando o programa nuclear russo e permitindo que estes obtivessem armamento
nuclear em pouco tempo, reequilibrando a correlação de forças entre eles e os
americanos.
Os Estados Unidos, como potência vitoriosa na Segunda Guerra Mundial e
na guerra fria, apresentam diversos exemplos da ocorrência de espionagem em seu
território. De certa forma, conforme anteriormente abordado, pode-se considerar tais
incidências como naturais, uma vez que os EUA exercem grande destaque e
centralidade em quesitos como poderio militar, desenvolvimento econômico e
tecnológico, além da decorrente influência política, atraindo, portanto, o olhar das
outras nações.

3.3.1 Mapeamento e estudos de ocorrências


Por outro lado, se os norte-americanos são um grande alvo da espionagem
internacional, a prática norte-americana também é ilustrativa quanto ao acesso da
sociedade civil na identificação de tais ocorrências e no debate sobre a questão,
objetivando diminuir ou mesmo eliminar vulnerabilidades.
Conforme analisado, a sociedade americana, durante as décadas de setenta e
oitenta, tomou diversas medidas mediante o congresso e o próprio governo federal para
regular e institucionalizar a atividade de Contra-inteligência. Buscou-se identificar as
diferenças entre os setores comprometidos com as potências adversárias e os cidadãos
que divergiam lealmente da política americana. Dentre tais medidas se iniciaram
diversos estudos tanto por acadêmicos como por agências de assessoria do Senado.
44

Constituem-se exemplos dessa afirmação os trabalhos executados por


estudiosos, tais como os de HERBIG (2008; 2001), em que são analisados casos de
nacionais americanos atuando a serviço de agências de inteligência estrangeiras. Tais
levantamentos foram, inclusive, efetuados pelo Defense Personnel Security Research
Center – PERSEREC24, que, se utilizando de fontes abertas, confeccionou um banco de
dados sobre o tema. Conste-se que o citado acervo mapeou cento e setenta e três (173)
ocorrências de espionagem nos EUA entre janeiro de 1947 e julho de 2007.
Do registro das ocorrências pode-se tirar uma série de informações
analíticas, de cunho estatístico. Um dos elementos observados seria a mudança de
comportamento dos indivíduos recrutados como espiões. Ao contrário dos idos da
guerra fria em que a motivação para a espionagem era de fundo financeiro, da década de
noventa em diante aumentaram os casos que envolveram o engajamento ideológico,
mais que o recebimento de valores como principal motivação (HERBIG, 2008).
Também se detectaram mudanças no aumento da participação de cidadãos que se
naturalizaram americanos, bem como a mudança dos serviços estrangeiros recebendo
receptores das informações roubadas. Enquanto nos idos da guerra-fria entre 87% e
75% dos dados coletados pelos americanos recrutados eram fornecidos aos soviéticos,
atualmente o índice reduziu-se a 15%, aumentando a participação dos países asiáticos,
que receberam 26%. O estudo destaca o aumento de informações desviadas para as
Américas Central e do Sul, destacando a participação de Cuba (2008, p. viii).
Também é apresentada uma relação de pessoas envolvidas por organização
vítima de espionagem. Entre 1975 e 2004 foram 25 ocorrências de espiões identificados
no Exército, 36 na Marinha, 5 nos Fuzileiros Navais, 9 na Força Aérea, 4 no FBI, 5 no
Ministério da Defesa, 4 na NSA, 16 na indústria de defesa, 4 no Departamento de
Estado e 11 na CIA (PERSEREC, 2004, p. xii).
Curiosamente o PERSEREC foi criado por recomendação do próprio Governo
dos EUA como instrumento de pesquisas sobre o tema, estabelecendo uma base de
pesquisas para a construção de políticas públicas para a área de contra-inteligência. Ao
contrário do que se possa pensar, a identificação das ocorrências de espionagem reflete

24
O PERSEREC foi criado e mantido pelo Departamento de Defesa dos EUA com o objetivo de realizar estudos
sobre temas vinculados à segurança nacional, tais como inteligência e defesa.
45

tanto o grau de exposição da sociedade americana quanto a capacidade dos serviços de


inteligência estadunidenses em contra-atacar e neutralizar tais ações hostis. Uma vez
que as informações tornam-se amplamente disponíveis, aumentam os instrumentos de
avaliação da efetividade de ações de prevenção, bem como se permite a implementação
de políticas públicas sobre o tema. Como um exemplo, apresenta-se a lista de
indicadores de espionagem, em que são listados dezenove (19) comportamentos que
podem indicar espionagem. Tem-se a seguinte relação (EUA. EXÉRCITO, 1993, p. 4):
a) Indivíduos que buscam ter acesso à informação classificada não necessária ao
desempenho de suas atividades; b) Remoção de material classificado para fora do
ambiente de trabalho, ou posse destes em residência ou veículos; c) Utilização excessiva
de fax, fotocópias ou correio eletrônico para transmitir material classificado além do
condizente com as exigências do trabalho; d) Permanência constante no trabalho depois
do horário, sem justificativa, sobretudo desacompanhado; e) Obtenção da assinatura de
testemunhas de destruição de documentos classificados, quando as testemunhas não
presenciaram tal destruição; f) Trazer câmeras, filmadoras, gravadores, computadores,
etc., em áreas em que informações sigilosas são armazenadas, discutidas ou
processadas; g) Afluência súbita de recursos financeiros, carros, casas, viagens, em que
a explicação para tais riquezas envolva herança, sorte no jogo ou algum projeto bem
sucedido; h) Abertura de contas bancárias com grandes valores sem justificativa
plausível para eles; i) Despesas suntuosas ou exibição de riqueza além do normal da
faixa de renda; j) Súbito pagamento de empréstimos ou dívidas; k) Correspondência
com pessoas em países suspeitos; l) Contato não relatado com agentes de países
suspeitos; m) Viagens freqüentes ou inexplicadas, de curta duração, a países
estrangeiros; n) Tentativa de aliciamento de pessoal lotado em área sensível, seja
oferecendo dinheiro, ou tentando influir para a ocorrência de práticas criminosas, que
permitam posterior chantagem; o) Repetidas ofertas para compor missões,
especialmente quando a ela possibilita o acesso a informações sensíveis ou não é
desejável; p) Repetidas violações de segurança; q) Brincadeiras sobre trabalhar para um
serviço de inteligência estrangeiro; r) Visitas a embaixadas e consulados estrangeiros,
escritórios comerciais ou gabinetes de imprensa; s) Relações comerciais com pessoas ou
empresas de países suspeitos. Constam na relação de países suspeitos: Afeganistão,
46

Albânia, Bulgária, China, Colômbia, Cuba, Estônia, Irã, Iraque, Laos, Letônia, Líbano,
Líbia, Lituânia, Nicarágua, Coréia do Norte, Peru, Romênia, África do Sul, Síria,
Vietnam, estados da antiga União Soviética, estados da antiga Iugoslávia e Yanmar. Do
mapeamento de documentos das forças armadas americanas, foi apresentado um modelo
(Crawford; Wood, 2005) em que se dividem os comportamentos suspeitos a partir das
categorias gerais de recrutamento, coleta de informações, transmissão de informações.
O mapeamento de situações envolvendo espionagem, apesar de demonstrar a
fragilidade do sistema de inteligência americano, potencializa as contribuições que a
sociedade pode dar no combate à questão. Além disso, conta como um instrumento de
acompanhamento da efetividade de políticas públicas no setor.

3.3.2 Casos mais significativos


Além da ação de espionagem (em geral), os principais serviços de inteligência
estadunidenses, a CIA e o FBI, foram vítimas da penetração do serviço de inteligência
soviético. O resultado de tais penetrações significou um grande volume de danos às
ações desenvolvidas por tais agências, comprometendo vários segredos de Estado, bem
como dezenas de fontes em território dos países da cortina de ferro. São destaques na
extensa lista de cidadãos americanos que espionaram para serviços de inteligência de
outros países, em particular os soviéticos/russos:
a) Kim Philby. Apesar de não ser americano, nem ter trabalhado em qualquer
agência de inteligência dos EUA, os danos causados por Philby à inteligência americana
foram enormes. Recrutado pelos soviéticos durante a guerra civil espanhola, Philby
entrou para o MI-625, o atual Secret Intelligence Service – SIS, inglês. Após o seu
ingresso chegou a tornar-se o responsável pela atividade de contra-inteligência dentro
do MI-6, ou seja, era ele quem deveria combater os espiões soviéticos, bem como tentar
recrutar espiões dentre os agentes russos. Posteriormente, Philby foi designado como
oficial de ligação entre o serviço inglês e a CIA e o FBI americanos26, intercambiando
informações com eles (Enciclopedia Britannica, 2008). Seu contato na CIA era James
Jesus Anglenton, o chefe da contra-inteligência da CIA. Com sua nova posição, o espião

25
Assim denominado durante alguns anos, em tempo de guerra, por estar subordinado à área militar, sendo que a
espionagem externa recebia a denominação de 6, ou seja, Military Intelligence 6. Mais informações:
http://www.mi6.gov.uk/output/sis-or-mi6-what-s-in-a-name.html.
47

inglês passou a acumular não somente informações da Inglaterra, como também dos
Estados Unidos. Uma das maiores conseqüências de sua traição foi o comprometimento
dos planos da CIA em fomentar uma guerrilha anticomunista albanesa. Conforme
descreve Weiner:

Durante mais de um ano, antes e depois de um almoço regado a bebidas,


Angleton dava a Philby as coordenadas para as áreas onde cada agente da
CIA pularia de pára-quedas na Albânia. Apesar de fracasso após fracasso,
morte após morte, os vôos continuaram por quatro anos. Cerca de duzentos
agentes estrangeiros da CIA morreram. [2008, p. 66].

Outra conseqüência da atuação de Philby foi o surgimento de uma verdadeira


paranóia em Angleton, que, como chefe da contra-inteligência, inviabilizou diversas
carreiras profissionais dentro da CIA enxergando espiões;
b) Aldrich Hazen Ames – oficial de contra-inteligência da CIA, foi convencido
a espionar para os soviéticos e depois russos a partir de 1985, sendo preso em 1994.
Atuava dentro da CIA no setor responsável por cobrir os soviéticos e o bloco da Europa
oriental. Segundo o FBI27, este repassou centenas de informações classificadas do
governo americano, fornecendo o nome de vários informantes americanos em território
soviético. Como conseqüência dos vazamentos de Aldrich Ames, vários dos citados
informantes foram mortos, bem como a obtenção de informações sobre os serviços
soviéticos ficou comprometida. Pela entrega de uma lista de indivíduos trabalhando para
os americanos, Ames recebeu 2,7 milhões de dólares. Diversos elementos na lista foram
mortos ou presos. (SALE, 2004, p. 306);
c) Robert Philip Hanssen – agente do FBI, espionou para os soviéticos por mais
de 20 anos, sendo preso em 2001. Atuou no setor de contra-inteligência do FBI, tendo
acesso a diversas informações sobre indivíduos recrutados pelo FBI ou pela CIA,
espionando os soviéticos para o governo americano. As informações fornecidas para os
soviéticos por Hansen provocaram a morte de diversos desertores russos trabalhando
para os EUA. Além disso, também entregou os planos para continuidade de governo em
caso de guerra nuclear, o túnel construído na parte inferior da embaixada soviética em
Washington e que a NSA havia aprendido a interceptar as comunicações criptografadas

26
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/455901/Kim-Philby
27
http://www.fbi.gov/libref/historic/famcases/ames/ames.htm
48

dos satélites militares soviéticos (SALE, 2004, p. 300). Em síntese, “Hansen


desperdiçou centenas de bilhões de dólares em dinheiro americano, arruinou carreiras,
matou agentes e reduziu a frangalhos muitos dos segredos altamente confidenciais de
programas do governo norte-americano” (SALE, 2004, p. 300).
Apesar das diversas ocorrências de espionagem descobertas ao longo dos anos,
tais identificações não redesenharam o modelo reconstruído durante a década de setenta
e oitenta, em que se tentou garantir minimamente os direitos individuais. Seria
necessária uma catástrofe para permitir que as instituições de inteligência dos Estados
Unidos voltassem a ter ampliado o seu papel interno com parcela da lógica anterior,
quando do início da Guerra Fria. Tal catástrofe foi o ataque terrorista de 11 de setembro.

3.4 Reorganização do sistema de inteligência americano

O atentado terrorista em 11 de setembro de 2001, em que aviões comerciais


foram atirados contra um centro comercial em Nova York, o World Trade Center, e no
prédio do Ministério da Defesa, o pentágono, matando milhares de pessoas, teve
profundo impacto sobre a sociedade americana. Essa ousada ação possivelmente foi
promovida por um grupo fundamentalista islâmico internacional, Al-Qaeda28, cujo líder
Osama Bin Laden teria trabalhado em conjunto com a própria CIA no Afeganistão,
desenvolvendo ações de guerrilha contra a ocupação soviética durante a década de
oitenta.
O atentado de 11 de setembro foi o primeiro ataque em grande escala em
solo americano desde a segunda guerra mundial. Com todo o orçamento gasto com as
agências de inteligência em defesa, uma ação desta magnitude, mais do que uma
ameaça militar, significou um profundo abalo na percepção de segurança dos cidadãos.
Como a única superpotência restante do planeta, com agências de inteligência coletando
as comunicações que circulam pelo mundo, com postos de inteligência da CIA e do
DIA pelo planeta, com a estrutura do FBI, poderiam ser surpreendidos de tal forma?
Como não poderia deixar de ser, uma das imediatas decorrências do atentado de 11 de
setembro foi à criação de uma comissão pelo governo americano, intitulada “9/11

28
A base ou a fundação (tradução nossa).
49

Commission Report29” (EUA, 2004) cuja finalidade era identificar as fragilidades no


sistema de inteligência americano, propondo mudanças. Tal comissão, depois de alguns
meses efetuou diversas análises, apresentando propostas que tiveram diversos impactos
sobre as organizações da área, mudando, também, como decorrência, o pêndulo
liberdade individual versus segurança coletiva.

3.4.1 Reestruturação das agências de inteligência


Dentre as diversas conclusões apontadas estava a falha da inteligência de
segurança, a cargo do FBI, em que as diversas informações disponíveis, indicando o ato
terrorista, não foram integradas com as informações oriundas do ambiente externo, a
cargo da CIA. Um dos dilemas postos imediatamente pelas milhares de mortes do maior
evento terrorista da história dos EUA, sob a paranóia de novos ataques, foi a
necessidade do intercâmbio de informações entre as áreas de inteligência positiva com a
inteligência de segurança. Faz-se importante comentar que uma solução possível seria a
integração das “inteligências” externa e interna em uma mesma instituição, porém,
mesmo sobre os escombros do “World Trade Center”, essa alternativa sequer foi
cogitada. Infere-se que, maior que o receio envolvendo a ameaça terrorista, seria o
temor da criação de uma instituição com amplos poderes, internos e externos.
No ápice dos debates que marcaram aqueles dias de pós-atentado, cogitou-
se inclusive a criação de uma agência específica, com a finalidade de encampar as
atividades de inteligência de segurança e contra-inteligência (EUA, 2004, p.423).
Pensou-se em adotar o modelo inglês, em que existe uma agência de segurança interna,
conhecida como MI-5, e as agências de polícia, como é o caso da Scotland Yard.
Contudo, conclui-se por manter tais tarefas, a cargo do FBI, desde que este realizasse
profundas mudanças.
São ilustrativos os motivos apontados pela Comissão do 11/9 para a
manutenção da atividade de inteligência de segurança como responsabilidade do FBI.
São apontadas as seguintes questões (EUA, 2004, p. 423):
a) O FBI estaria acostumado a desenvolver operações sensíveis sob a
égide da lei. Uma nova agência, fora dos marcos do Departamento

29
Tal comissão, determinada pelo Governo Federal e o Congresso dos EUA, publicou um relatório apontando uma
50

de Justiça, poderia tornar ainda mais difícil a observância dos


preceitos legais, atentando contra as liberdades civis;
b) A criação de uma nova agência voltada para a segurança interna irá
exarcebar ainda mais os problemas existentes de compartilhamento
da informação;
c) Uma nova agência de segurança precisará adquirir ativos
materiais/informacionais e pessoal, sendo que o FBI já os possui;
d) As investigações envolvendo contraterrorismo nos Estados Unidos,
muito rapidamente se tornam matéria que envolve a violação de leis
criminais, sendo objeto de atuação das agências promotoras da lei.
Uma agência que tenha o poder de trabalhar com inteligência de
segurança e ao mesmo tempo aplicar a lei poderia maximizar os
resultados no combate ao terrorismo;
e) Comumente as operações de contraterrorismo se justapõem às
investigações criminais, tais como de lavagem de dinheiro ou
contrabando.
Ao se analisarem as justificativas da permanência do FBI enquanto agência
de segurança interna, vê-se, logo na primeira motivação, a preocupação com as
liberdades individuais, ou seja, teme-se que uma nova agência, trabalhando somente
com a lógica de inteligência, possa dificultar ainda mais a observância da constituição.
Nota-se também a preocupação com o compartilhamento da informação e, sobretudo,
com a sobreposição entre as operações de segurança e as investigações criminais.
Presume-se ainda que, à medida que as operações de inteligência tendam a identificar
rapidamente a ocorrência de crimes, constitui-se uma redundância desnecessária o
estabelecimento de uma organização para efetuar pré-investigações.
Entretanto, cabe destacar que, sendo adotado pelos americanos um modelo
com uma agência exclusivamente voltada para inteligência interna e contra-inteligência,
certamente ter-se-ia também que modificar a legislação judicial, de forma a acatar as
informações de inteligência obtidas pela agência de segurança na esfera judicial. Uma
vez que, para que tais informações possam ser utilizadas como meios de prova, a

serie de recomendações formais a cerca da defesa do Estado ante outros eventuais ataques terroristas.
51

agência de inteligência interna deve seguir os ritos legais, de forma a permitir a


utilização posterior dos dados coletados pela polícia judiciária, o ministério público e o
próprio judiciário.

3.4.2 Criação do DHS


Retornando ao processo de modificações do sistema de inteligência
americano, percebe-se o volume e a dimensão das transformações sobre a estrutura do
FBI, com a seguinte passagem do relatório de gestão de mudanças da organização:
The FBI’s historic expertise has been in crime-fighting and in building cases
for prosecution of criminals. Refocusing the FBI to preventing terrorist acts
and developing the sets of skills required to collect, analyze, and disseminate
intelligence strategically as well as tactically has required a change in the
FBI’s culture that has not been easy or quick.30 [Office of the Inspector
General, 2003]

Apesar das enormes dificuldades enfrentadas envolvendo a mudança de


cultura organizacional, em que uma organização com grande “expertise” em
investigações criminais deve migrar seu centro de atuação para o desenvolvimento de
acervos informacionais de inteligência, a opção do governo americano continuou sendo
pela manutenção da atividade de segurança interna e contra-inteligência sob
responsabilidade do FBI.
Outra decorrência da reorganização do sistema de inteligência dos EUA foi
a criação do Department of Homeland Security – DHS (2003), com a finalidade de
proteger as fronteiras estadunidenses, fazer o controle de estrangeiros em território
norte-americano, o controle alfandegário, a inspeção da entrada de animais e plantas no
país, a proteção da infra-estrutura interna e o preparo para o enfrentamento de desastres
naturais. Outra função sob a responsabilidade do DHS é a confecção de um sistema de
alerta contra eventuais ataques terroristas, em que se utiliza uma hierarquia de cores
para disseminar ao amplo público o nível de risco quanto à eminência de um suposto
ataque.

30
O FBI tem histórica perícia no combate ao crime e na investigação de casos envolvendo a perseguição de
criminosos. Redirecionar o FBI para prevenir atos terroristas e desenvolver os conjuntos de habilidades necessárias
para coletar, analisar e difundir informações estrategicamente bem como taticamente, tem exigido uma mudança na
cultura do FBI que não tem sido fácil nem rápido (tradução nossa).
52

FIGURA 1. Sistema de alerta antecipado


Fonte: DHS, 2008.

O DHS atualmente aglutina 22 agências estatais americanas, relacionadas


aos propósitos da organização (EUA, 2003), coordenando e integrando suas atividades
com vistas à proteção do território americano.

3.4.3 A volta da restrição da privacidade e dos direitos civis


Com o conjunto de modificações provocadas pelo ataque de 11 de setembro,
dentre as quais a criação do DHS, também surgiram críticas quanto a violação dos
direitos civis, uma vez que o governo começou a aprovar leis facilitando a atuação das
instituições de inteligência, diminuindo as restrições legais à atuação desses serviços.
As principais diretrizes apontando as modificações na organização do
sistema de inteligência americano estão no “USA PATRIOT Act” publicado pelo
53

governo federal ainda em 2001. O citado ato apresenta uma série de medidas que
atentam contra a privacidade do cidadão. Dentre as dez medidas contidas no ato,
destacam-se, para efeitos da atividade de inteligência, a seguinte relação de mudanças:
a) 2ª medida. Uma das mais polêmicas aumenta a capacidade de vigilância
das agências de inteligência, incrementando as possibilidades de vigilância exercida por
elas, à medida que “Authority to intercept wire, oral, and electronic communications
relating to terrorism31”. Tem como implicações a permissão para que instituições
policiais forneçam informações de investigações criminais às organizações de
inteligência, e cria o conceito de vigilância móvel, ou seja, se um dado indivíduo passa a
ser monitorado pelo Estado, sob uma ordem judicial, tal ordem permite que se utilize de
todos os meios de vigilância possíveis para efetuar o acompanhamento em questão. Pela
legislação, se o pretenso suspeito viajar e passar a utilizar o telefone de sua cunhada,
que não é suspeita, automaticamente o Estado passa a poder monitorar o novo telefone,
sem necessidade de novas autorizações legais. O governo pode a qualquer tempo exigir
informações de provedores de internet, ou mesmo efetuar a instalação de equipamentos
de escuta ambiental. A citada medida também permite a notificação atrasada de
mandados de busca, permitindo o ingresso na residência do suspeito a fim de buscar
evidências contra o mesmo, não necessitando que este esteja presente. A notificação de
entrada na residência pode ser entregue para o suspeito ou seus familiares
posteriormente a ocorrência da busca;
b) 3ª medida. Permite que as polícias obtenham informações de
movimentações financeiras suspeitas;
c) 5ª medida. Versa sobre o conceito de Cartas de Segurança Nacional –
CSN. Tal carta torna obrigatório a quem recebê-la o fornecimento de informações e
documentos sobre um indivíduo suspeito. Também amplia sua abrangência, permitindo
que se utilizem as CSN contra cidadãos americanos. O conceito da carta proíbe que o
destinatário da mesma saiba sobre detalhes desta, ou mesmo que possa comentar com
terceiros sobre o recebimento dela. Tais restrições visam impedir que o cidadão
americano ou estrangeiro investigado não tenha acesso às informações sobre a

31
Autoriza a interceptação de comunicação telefônica, oral e eletrônica relacionadas ao terrorismo (tradução
Nossa).
54

investigação em questão;
d) 9ª medida. Determina um modelo para o compartilhamento de
informações por parte das agências de inteligência estadunidenses, de forma que a CIA,
o FBI, o DIA, a NSA, dentre outras, intercambiem com agilidade as informações
coletadas e os produtos analíticos.
O ato em seu conjunto reduz as garantias individuais dos cidadãos
americanos, porém, cabe destacar que todas as medidas, por mais invasivas que sejam,
exigem a obtenção de autorização legal, bem como a posterior prestação de contas ao
sistema judiciário. Ao mesmo tempo em que tais medidas diminuem as liberdades
individuais e o direito a privacidade, dão suporte no combate ao terrorismo, vez que
desde a publicação de tais leis, ampliando os meios de coleta de inteligência do
governo, não ocorreram mais ataques terroristas em território dos EUA.
Um exemplo do paradoxo vivido pela sociedade americana entre a
necessidade de segurança e a defesa da privacidade foi o projeto de banco de dados
ADVISE, Analysis, Dissemination, Visualization, Insight and Semantic Enhancement32,
promovido pelo DHS. O projeto, que pretendia armazenar até um quadrilhão de
registros de dados, buscando estabelecer padrões de comportamento a partir da
execução de algoritmos matemáticos que tentariam identificar atividades ligadas ao
terrorismo ou a espionagem, atenderia as organizações de inteligência e agências da lei.
Entretanto o programa foi cancelado por não levar em conta “os impactos a
privacidade” (DHS, 2007, p. 3), sendo descontinuados três projetos pilotos, que
estariam utilizando informações sobre cidadãos americanos.
Todavia, cabe observar que a lei PATRIOT, se ainda possui limitações de
cunho legal quanto às ações internas, no tocante à inteligência externa versa
principalmente sobre a utilização das informações obtidas pela mesma internamente. Ou
seja, preocupa-se tão somente com a integração e utilização dos conhecimentos obtidos
externamente com as investigações internas de combate ao terrorismo. Sabe-se que os
limites legais para a atuação das agências são ampliados internamente, a partir da
modificação da legislação americana. Já externamente, não existiria nenhuma limitação
para a maior potência do planeta coletar informações.
55

Sobre essa nova óptica de restrições às garantias individuais, o governo


americano a partir da CIA passou a potencializar o emprego de métodos de tortura física
e psicológica. Além disso, criou prisões secretas, em que estariam sendo mantidos
incomunicáveis centenas de cidadãos estrangeiros “suspeitos” de terrorismo (ANISTIA
INTERNACIONAL, 2008). Também foi denunciado que a CIA fez vôos secretos a
partir da Europa (ANISTIA INTERNACIONAL, 2005). Suspeita-se, inclusive, que tais
vôos foram utilizados para o transporte de pessoas detidas clandestinamente, sendo que
as mesmas estariam sendo remanejadas de uma prisão para outra.
Mais uma vez se apresenta a dicotomia do sistema de inteligência dos EUA
em que a inteligência interna, mesmo por vezes burlando a lei, atua sob os parâmetros
desta, ao mesmo tempo em que externamente quase não existem limites legais
observados pelas agências de coleta externa estadunidenses.

32
Análise, Divulgação, Visualização, Idealização e Acessórios semânticos (tradução nossa).
56

4. O MODELO BRASILEIRO

Criado concomitantemente com o modelo dos Estados Unidos, ao mesmo tempo


em que sofreu influência decisiva deste, a estrutura de inteligência brasileira resultou
em algo bastante distinto do sistema de inteligência norte-americano.

4.1 Surgimento e evolução

Os primórdios da atividade de inteligência brasileira remontam ao governo


Washington Luís, com a criação do Conselho de Defesa Nacional, em novembro de
1927, tendo como missão reunir informações de caráter financeiro, econômico, militar e
moral em função da defesa do país (FIGUEIREDO, 2005, p. 37). Tal estrutura
objetivava propiciar conhecimento estratégico aos governantes do Estado brasileiro, em
tempos de coluna Prestes e revoltas tenentistas. Entretanto, se as necessidades eram
muitas, em concreto o Conselho carecia de meios para cumprir seu objetivo, uma vez
que se resumia ao presidente e ministros, não possuindo analistas ou agentes de campo.
Posteriormente, com a chegada ao poder de Getúlio Vargas, este agregou uma
equipe técnica ao Conselho de Defesa Nacional, bem como estruturou escritórios dele
em ministérios civis. Mesmo com o enxerto de quadros, a estrutura ainda era débil para
atender às demandas do governo, principalmente quando da ditadura instaurada pelo
Estado novo e o conseqüente enfrentamento com a sociedade civil. Pragmático, Vargas
apoiou-se sobre as instituições vigentes para conformar sua estrutura de inteligência e
repressão, ou seja, sobre o Ministério da Guerra e a Polícia do Distrito Federal, atual
Polícia Federal. A partir do Exército e Polícia deu-se o alicerce repressivo
informacional da ditadura Vargas.
Com o final da segunda guerra mundial e a polarização do mundo entre norte-
americanos e soviéticos, têm-se nova mudança na inteligência brasileira com a
conformação da primeira agência de inteligência. A partir da doutrinação da Escola das
Américas, os norte-americanos ajudaram a construir o Serviço Federal de Informações e
Contra-informação – SFICI (FIGUEIREDO, 2005). Embora se tenha criado
formalmente no governo Gaspar Dutra, começou a funcionar no governo Juscelino
Kubitschek. De fato, os EUA viam como absolutamente necessária à defesa do
57

hemisfério a instalação de serviços de inteligência, com fortes vínculos com as agências


americanas, nos países sob sua influência.
No caso brasileiro, a estruturação organizacional do SFICI, proposta por
Washington, aparentemente era idêntica a de outros organismos congêneres pelo
mundo, possuindo quatro setores: exterior, interior, segurança interna e operações
(ANTUNES, 2002, p. 50). Contudo, apesar da referência no organograma à atividade de
inteligência externa, a atuação do órgão era marcadamente interna. Se a organização do
SFICI assemelhava-se aos modelos adotados pelos países europeus ou norte-
americanos, sua prática estava associada a dos demais serviços de inteligência latino-
americanos criados pelos EUA. Nesses, o principal inimigo era aquele determinado
pelos próprios norte-americanos, ou seja, o movimento comunista em particular e a
esquerda e movimentos sociais em geral.
Com o golpe militar de 1964 e os novos enfrentamentos do período, os militares
criam o Serviço Nacional de Informações – SNI com a Lei nº 4.341, de 13 de junho de
1964. Pela lei, o SNI incorporou o conjunto informacional do SFICI, aumentando sua
estrutura. A lei também determinou que o diretor do serviço de inteligência passasse a
posição de Ministro de Estado. Interessante observar o cunho pouco democrático com
que nasceu o órgão, à medida que, segundo a lei, “o Serviço Nacional de Informações
está isento de quaisquer prescrições que determinem a publicação ou divulgação de sua
organização, funcionamentos e efetivos” (BRASIL, 1964). Ou seja, o SNI já foi criado
nos moldes de uma organização típica de um Estado totalitário, de outra forma, em um
estado democrático de fato, o seu acompanhamento pelos diversos poderes da
República, como o legislativo, seria quesito obrigatório.
Posteriormente, mediante a publicação de novos decretos (1970, 1975), a nova
estrutura de inteligência espraiou sua capilaridade, passando a ter escritórios em
diversos ministérios, repartições públicas e empresas estatais. O preenchimento de
quadros funcionais para servirem ao SNI passou a ser obrigatório dentro das instituições
estatais, ficando criadas as Divisões de Segurança e Informações – DSI, que
teoricamente alimentariam com informações o presidente do órgão em questão, bem
como a comunidade de inteligência.
A partir do Decreto nº 68.448 de 31 de março de 1971, também foi criada a
58

Escola Nacional de Informações – Esni, com vistas a formar analistas e agentes de


inteligência para a nova burocracia estatal em gestação. Como não poderia deixar de
ser, sua formação recebeu forte influência norte-americana “no que diz respeito à
elaboração teórica e estrutural da escola” (ANTUNES, 2002, p. 61). Tendo o seu
conceito partido dos EUA, mediante a Escola Superior de Guerra – ESG, o currículo
dos profissionais de inteligência era marcadamente preocupado com o combate ao
suposto inimigo interno.
Como se percebe, apesar da reestruturação e ampliação da atividade de
inteligência brasileira, com a criação do SNI, a lógica de combate ao inimigo interno em
obediência aos paradigmas propostos por Washington continuava a mesma. Conforme
descreve Martchenco:
Cumpre ressaltar que o alinhamento quase automático desses governos
[latino-americanos] com a doutrina norte-americana – uma vez que a cúpula
militar em grande parte havia realizado cursos nos EUA – aliado ao interesse
estratégico do então governo de Washington, acarretou a criação de diversas
doutrinas de segurança nacional, as quais exigiam a criação de uma
organização de informações para dar-lhes sustentação. Em conseqüência,
assistiu-se ao surgimento de diversos Serviços de Informações em países
latino-americanos, com atuação preponderante no campo interno, com a
finalidade precípua de combate à subversão.
O Brasil não ficou à parte desse processo, incorrendo no mesmo caso com o
extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que, apesar de ter atribuições
na produção de informações externas de contra-espionagem, pautou sua
atuação, desde o surgimento em 1964, principalmente, na produção de
informações do campo interno [2004, p. 76].

Mesmo com a grande dimensão que o SNI passou a ocupar no país, sua lógica
funcional estava comprometida com o inimigo interno definido pelos EUA. Com o
decorrer da ditadura militar, o peso do SNI dentro do aparato de Estado repressivo só se
fez aumentar com vistas a obter informações sobre ameaças e conspirações contra o
regime. Paradoxalmente, nos estertores do regime militar brasileiro, em que a esquerda
armada estava derrotada e o inimigo comunista internacional completamente abalroado,
foi o mesmo período em que o SNI teve uma grande expansão, ampliando ainda mais
sua estrutura.
Após a abertura política, a estrutura de inteligência mantém-se incólume até
1990, quando toma posse Fernando Collor e inicia-se o desmonte da estrutura de
inteligência até então vigente. Com a Medida Provisória nº 150, de 15 de março de
59

1990, é reestruturado o executivo, deixando de constar em sua estrutura o SNI. Em seu


lugar foi criado o Departamento de Inteligência – DI, que passou a ser subordinado à
Secretaria de Assuntos Estratégicos – SAE. Mais que nominativa, a mudança significou
um colapso no sistema, além da perda de prestígio formal, pois, do equivalente a um
ministério, o serviço se tornou um departamento. Também foram demitidos diversos
servidores não estáveis, bem como devolvidos para os seus órgãos de origem os
servidores das Forças Armadas e demais instituições. A presença dentro de outros
ministérios foi encerrada e as atividades da Escola de inteligência suspensas.
Posteriormente, já no governo Itamar Franco, o DI tornou-se a Subsecretaria de
Inteligência – SSI, permanecendo subordinada à SAE. A Escola de formação voltou a
funcionar, redirecionando seus cursos para a formação de pessoal de inteligência em
outros órgãos federais como a Receita Federal.
Finalmente, em 07 de dezembro de 1999, o governo Fernando Henrique Cardoso
publica a Lei 9883/1999 criando a Agência Brasileira de Inteligência – ABIN e o
Sistema Brasileiro de Inteligência – Sisbin. Além de centralizar a atividade de
inteligência em âmbito nacional, a ABIN mantêm a responsabilidade herdada do SNI de
“avaliar as ameaças, internas e externas, à ordem constitucional” (BRASIL, 1999), ou
seja, continua com a dupla responsabilidade de enfrentar o inimigo externo e interno. As
mudanças também instituem o ingresso na instituição mediante concurso público, uma
singularidade da inteligência brasileira em todo mundo, e determinam o controle
externo a partir do legislativo. Note-se que o corpo funcional da nova ABIN é
praticamente o mesmo herdado do SNI, com as normas e doutrinas de combate ao
inimigo interno. Com a manutenção da amplitude de atuação do órgão, acrescido do
material humano impregnado de valores do período anterior, poucas mudanças de fato
ocorreram.
Depois das poucas alterações de monta, é publicado o Decreto nº 6.408, de 24 de
março de 2008, acrescendo o Departamento de Contraterrorismo e o Departamento de
Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência como parte da estrutura da agência.
Nenhuma mudança é acrescida quanto à inteligência externa. Além da legislação,
iniciou-se uma campanha junto ao Congresso Nacional com o objetivo de permitir que a
ABIN possa efetuar interceptações telefônicas dentro do país, sob a alegação do
60

combate ao terrorismo. O depoimento do então diretor da ABIN, PAULO LACERDA,


junto a Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional sobre as Escutas
Telefônicas Clandestinas em 17/04/2008, é bastante ilustrativa sobre qual o foco
estratégico da agência em questão.

De outra parte, apesar de reconhecer os eventuais problemas decorrentes da


quebra do sigilo das comunicações, ainda assim, sem querer ser
inconveniente, gostaria de sugerir a esta Comissão, que já se encontra
envolvida no estudo desse tema, que, inclusive, examine a viabilidade de
dispor em lei sobre possíveis instrumentos para otimizar a atuação do órgão
oficial de inteligência do nosso País na hipótese de surgirem infundados
indícios de práticas criminosas voltadas contra o Estado brasileiro, como o
terrorismo e a sabotagem, em áreas de interesse estratégico. Nestes casos,
entendo oportuno que V.Exas. analisem, à luz da insegurança global dos dias
atuais e da perspectiva de que o crescimento econômico do Brasil poderá
futuramente torná-lo um potencial alvo da cobiça e/ou do fanatismo
ideológico de qualquer natureza, se a Agência Brasileira de Inteligência não
haveria também de estar munida dos dispositivos legais e das condições
materiais necessárias para poder investigar e confirmar, com agilidade e
consistência, possíveis fatos gravíssimos no intuito de prevenir o terrorismo
nacional contra... ou mesmo contra a sabotagem. Alguns exemplos nesse
sentido estão previstos na legislação de vários países democráticos do mundo
que dotam seus órgãos de inteligência oficial dos poderes legais e de
equipamentos adequados para agir em situações de grave risco à segurança
coletiva e ao Estado [LACERDA, 2008, p. 05].

Todas as ações de reestruturação do sistema de inteligência brasileiro iniciadas a


partir de 2008 ainda são focadas no ambiente interno. Se porventura a ABIN teria que
vencer resistências para posicionar representantes junto às embaixadas e ao menos ter
presença física no ambiente externo, o mesmo se dá com as ações objetivando a
interceptação telefônica. Todavia não se percebe nenhuma ofensiva da instituição no
sentido de tornar-se mais apta a acompanhar o que acontece no mundo.
Logo, ao se pensar a atividade de inteligência brasileira e sua abrangência, cabe
analisar o desenvolvimento ou atrofia da referida atividade nos campos externo e
interno. Tal análise nos permite identificar características que possam ser comparadas
com o modelo dos EUA, não tanto pela similaridade com o modelo nacional, mas,
sobretudo pelo fato de que estes influíram decisoriamente no processo de criação das
instituições da área no Brasil. Curiosamente, parece que não existe inteligência externa
e contra-inteligência no vocabulário das agências brasileiras.
61

4.2 Inteligência positiva e ações encobertas

A atividade de produção de informações externas ou de inteligência positiva


(KENT, 1967) teve uma dimensão insignificante nos primeiros anos das atividades das
agências brasileiras de espionagem. Durante o período do governo Washington Luís
sequer existia uma estrutura voltada para a coleta e análise de inteligência e, com a
chegada do Estado Novo, conforme anteriormente abordado, são conformados os
primeiros órgãos de inteligência via Polícia Federal e Forças Armadas, sendo que tais
órgãos pouca presença tinham nas representações brasileiras no exterior.
Voltados centralmente para a repressão dos inimigos do regime de Vargas,
os órgãos de inteligência de então, sobretudo a polícia do Distrito Federal, chefiada por
Filinto Müller, estavam voltados para a identificação de comunistas e integralistas que
se digladiavam na luta pelo poder. Além do inimigo interno, como veremos no próximo
tópico, a atividade de inteligência do Estado buscava identificar os espiões estrangeiros
atuando em território nacional, sobretudo os alemães.
Todavia, no terreno da coleta de informações externas, que deveria
identificar as pretensões dos demais governos estrangeiros, a dependência era completa
em relação ao Ministério das Relações Exteriores – MRE, que até o início da década de
sessenta ainda não atuava com espionagem, bem como a inteligência dos supostos
países aliados. Interessante observar que o Brasil, como um dos participantes da
segunda guerra mundial, tendo diversos navios mercantes supostamente afundados por
submarinos alemães, necessitava de informações isentas que servissem aos interesses
nacionais. Porém a principal fonte de informações externas era o governo americano.

4.2.1 Inteligência externa e o SNI


Desde a estruturação do SFICI, chegando até o SNI, os EUA tornam-se o
principal fornecedor de informações externas para o Brasil. Com tal posição estratégica,
os serviços de inteligência dos EUA trabalhavam para manterem tal situação,
incentivando a inação brasileira. Conforme relata Braga:

Em princípios de 1964, o general George Robinson Mather, comandante da


delegação americana na Comissão Mista Militar Brasil/Estados Unidos e
chefe do Programa de Assistência Mútua (PAM), disse, em palestra na ESG,
que a principal ameaça que o Brasil estava exposto era a subversão interna,
não havendo ameaças de fora do hemisfério [2002, p. 60].
62

Nota-se que, nada melhor para um governo estrangeiro expandir sua


influência sobre outro, do que ter o poder de moldar sua percepção dos acontecimentos
globais de acordo com seus próprios interesses. Se soberania associa-se ao livre arbítrio
para buscar os interesses nacionais, nada mais limitado que o significado do que é
ameaça ou oportunidade ser determinado por outro Estado. Ainda mais quando esse
outro possui diversos interesses sobre os recursos naturais e econômicos do país em
questão. Em certo sentido, o serviço de inteligência brasileiro foi originalmente
construído como uma seção subsidiária dos serviços americanos.
Todavia, com o decorrer dos anos de ditadura militar e o esmagamento dos
setores que se opunham ao regime castrense brasileiro, iniciou-se no SNI um
movimento objetivando o posicionamento externo da agência para a coleta de
informações em países estrangeiros. Com a posse de Geisel, o governo passa a tentar
desempenhar um papel um pouco mais independente no cenário internacional, passando
a intervir na África de colonização portuguesa, particularmente Angola e Moçambique,
que viviam então um processo de luta pela independência. Ao governo, leiam-se
empresários, interessava fornecer serviços para a construção do país. Dentro desta
perspectiva, o SNI passou a acompanhar a evolução dos acontecimentos locais
(MARTCHENKO, 2004, p. 79).
Posteriormente o SNI instalou um posto de inteligência no Iraque,
utilizando-o como ponta de lança para a negociação e venda de armamentos brasileiros
para os iraquianos, bem como para a Líbia e negociações com o Egito
(MARTCHENKO, 2004, p. 80). Mediante a conexão com o SNI, o Brasil se tornou um
dos grandes fornecedores de armamentos ao governo iraquiano, que culminaram com o
calote de Sadam Hussein e a conseqüente falência da empresa credora, a Engesa.
Segundo Martchenko (2004, p. 80), no governo do General João Batista
Figueiredo, o SNI criou um posto em Genebra, Suíça, e utilizou-o como centralizador
da tentativa, não se sabe se bem sucedida, em participar das atividades de inteligência
sobre os países da então denominada cortina de ferro, bem como do restante da Europa.
Ainda, de acordo com o referido autor, o SNI buscou estreitar relações com os serviços
de inteligência de países similares em nível de desenvolvimento, tais como a África do
Sul, o México, a Coréia do Sul e outros países asiáticos.
63

Também foram abertos postos do SNI em países da América do Sul, como é


o caso do Peru, objetivando acompanhar as vendas de equipamento militar soviético
para o país e no Suriname, como ponto de apoio para propiciar a cobertura da evolução
da situação na América Central. Ressalte-se que os EUA já tinham invadido Granada e
o próprio Panamá e, sob a influência da esquerda, El Salvador e Nicarágua
encontravam-se em situação de guerra civil.
Entretanto, o principal instrumento de coleta de informações externas do
regime militar mais do que o SNI, foi o Ministério das Relações Exteriores e o seu
braço de inteligência, o CIEx. Ao contrário da aparente agenda positiva do SNI,
buscando informações sobre acontecimentos de outros países, o CIEx notabilizou-se
pela efetividade na caçada aos dissidentes brasileiros exilados no exterior, atuando
como um braço da repressão política.

4.2.2 O Itamaraty e o CIEx


Criado a partir do modelo proposto pelo embaixador Manoel Pio Corrêa, o
denominado Centro de Informações do Exterior – CIEx surgiu com a finalidade de
localizar e se possível neutralizar a atuação de dissidentes e exilados políticos
brasileiros em outras países.
Após o golpe de 1964, não por acaso, Pio Correia, funcionário de confiança
do regime, foi lotado na embaixada de Montevidéu no Uruguai. O Uruguai, ainda nos
marcos de um regime então democrático, foi um dos países que mais acolheu brasileiros
perseguidos pelo regime militar. Lá estava exilado Darcy Ribeiro, o ex-presidente João
Goulart e seu cunhado, o outrora governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.
Com o apoio dos militares, Pio passou a tentar neutralizar as ações de Jango e Brizola,
bem como a monitorar a atuação destes e de centenas de outros exilados políticos
(SEQUEIRA, 2007). Como instrumento de coerção, além da vigilância sobre os
exilados, Pio Correia utilizou o peso econômico do Brasil para pressionar o governo
uruguaio a limitar a atuação política dos brasileiros dentro do país. O “embaixador teria
condicionado a compra de trigo uruguaio à limitação da mobilidade do ex-governador
gaúcho Leonel Brizola, o que acabou ocorrendo, em 1965, com o seu confinamento no
balneário de Atlântida” (FERNANDES, 2008, p. 6).
64

Sob os auspícios das experiências positivas de combate e caça aos exilados


no Uruguai, ao ser nomeado secretário geral do Itamaraty, em 1966, Pio Correia não
somente promoveu a cassação dos diplomatas descontentes com o regime de exceção,
como também “redigiu e assinou então a portaria ultra-secreta que instituiria o Centro
de Informação do Exterior (CIEx)” (SEQUEIRA, 2007). Pio formalizava então uma
estrutura que seria capaz de potencializar a experiência uruguaia, ou seja, a identificação
dos dissidentes políticos brasileiros atuando fora do país que questionavam o golpe
militar sejam estes comunistas ou democratas.
Após a fundação da agência de espionagem do Itamaraty, depois da bem
sucedida experiência de Pio Correia no Uruguai, um campo importante para a atuação
do órgão se descortinava: o Chile. Com a eleição de Allende pelo bloco socialista
chileno e a presença de centenas de brasileiros exilados, “o CIEx passou a atuar no
Chile de forma mais intensa, acompanhando o cotidiano dos brasileiros e relatando as
iniciativas [...] de manifestar o descontentamento com a falta de liberdade política,
como também denunciar os freqüentes casos de tortura” (SILVA, 2006, p. 3). Com
grande tradição democrática até então, o Chile era um porto seguro para as centenas de
brasileiros que por lá chegaram perseguidos pelo regime. O CIEx não somente
monitorou a ação dos brasileiros dentro do território chileno, como também serviu de
elo de ligação com a direita militar chilena. Com o golpe de Pinochet em 1973, as
preocupações dos militares brasileiros se abrandaram bastante, bem como a necessidade
de atuação do CIEx, uma vez que o próprio governo chileno passou a reprimir
duramente todos os setores de esquerda ou democráticos dentro do país, se
encarregando de fazer os levantamentos demandados pelos militares brasileiros. No
decorrer do regime ditatorial chileno, esses avançaram o conceito de intercâmbio de
informações sobre os inimigos das ditaduras sul-americanas, originalmente executado
pelo CIEx. Desenvolveram a Operação Condor, cujo objetivo era a institucionalização
da atuação conjunta dos serviços de inteligência, de forma a identificar e eliminar seus
adversários.
Mediante o avanço na cooperação com outros órgãos de inteligência sul-
americanos, o CIEx também atuou na eliminação de brasileiros exilados que pusessem
em risco as operações externas de inteligência da época. Um exemplo foi o
65

desaparecimento de Edmur Péricles Camargo, vulgo Gauchão. A partir de informes


fornecidos pelo CIEx, indicando que o mesmo estaria ajudando a instalar uma base de
guerrilhas na Bolívia, Edmur foi detido enquanto estava em trânsito do Chile para a
Argentina, ao desembarcar no aeroporto de Ezeiza. Depois de então ele nunca mais foi
visto (SEQUEIRA, 2007).
As informações fornecidas pelo CIEx a outros órgãos de informações das
ditaduras repressivas na América Latina ajudaram na localização de diversos membros
de organizações de esquerda. Segundo levantamento feito pelo Correio Brasiliense
(2007), a organização de inteligência do Itamaraty possuía acordos de troca de
informações com diversos regimes repressivos pelo mundo, e, claro, como não poderia
faltar, com os norte-americanos.

FIGURA 2 – Rede de informações do CIEx


Fonte: SEQUEIRA, 2007
Além dos contatos formais com órgãos de inteligência de países aliados,
quando necessário o CIEx efetuava o acompanhamento dos alvos mesmo sem o
conhecimento do país em questão, em autênticas ações de espionagem. No caso do ex-
deputado José Gomes Talarico, um ativo articulador da resistência ao golpe, ele foi
seguido por um agente do CIEx em seu périplo pelo mundo. Seja no Uruguai, reunindo-
se com Jango e Brizola, em Portugal com o Comitê Central do Partido Comunista
Brasileiro – PCB no exílio, na Argélia, com Miguel Arraes, em Paris com Juscelino e
até na Líbia, ao buscar apoio de Muamar Kadafi (FIGUEIREDO, 2005, p. 277) a
66

Inteligência externa brasileira monitorava José Gomes Talarico.


Como saldo de suas atividades em seu período de funcionamento, de 1966 a
1985:
Dos 380 brasileiros mortos ou desaparecidos durante o regime, descobriu-se
64 deles no arquivo secreto do CIEx. O serviço, além de localizar e
identificar essas pessoas fora do país, facilitava detalhes de seu regresso ao
Brasil. O amplo registro das atividades políticas desses asilados municiou as
demais agências da repressão com dados para as sessões de interrogatórios,
reconhecidamente marcadas por torturas [SEQUEIRA, 2007].

Oportuno notar que as ações identificadas de coleta externa do CIEx pouco


preocuparam-se com quaisquer outros interesses nacionais que não o de derrotar os
inimigos do regime.

4.3 Contra-inteligência e segurança interna

A atividade de inteligência para segurança interna e contra-inteligência


brasileira, ao contrário do que se possa imaginar, é mais antiga do que os órgãos formais
de inteligência brasileira, o SFICI e o SNI. Importante lembrar que a inteligência de
segurança busca identificar ameaças internas ao país, que possam colocar em cheque o
Estado, o Governo, a constituição e a sociedade como um todo. Enquanto a contra-
inteligência tenta identificar e neutralizar os espiões de outros países atuando sobre as
instituições de Estado, sobretudo sobre o próprio serviço de inteligência.
Apesar de ambas as atividades se assemelharem, a atividade de inteligência
de segurança surge e se desenvolve primeiro dentro do país.

4.3.1 Evolução da inteligência de segurança


A inteligência de segurança surgiu no Brasil na década de vinte, mas
estruturou-se principalmente nos anos trinta, com a era Vargas. No período, o Estado
optou por se apoiar sobre os órgãos existentes, no caso as polícias, para identificar e
confrontar os inimigos de então, principalmente, os movimentos sociais e partidos
políticos de esquerda.
Ao longo da década de vinte têm-se o surgimento do embrião das polícias
políticas e sociais, voltadas para a segurança interna do Estado brasileiro. Em 1922, o
Governo Federal cria a Quarta Delegacia Auxiliar da Polícia Civil do Distrito Federal,
67

voltada para o acompanhamento dos inimigos do regime, no que é prontamente


acompanhado pelos governos estaduais. Em 1924, é criada em São Paulo a Delegacia de
Ordem Política e Social – DOPS, e, em 1927, em Minas Gerais, a Delegacia de
Segurança Pessoal e Ordem Política e Social (MOTTA, 2006, p. 56).
Ressalve-se que, tal qual a precária estrutura da república brasileira, os
órgãos federais ainda eram muito frágeis em seus primórdios, sendo a Polícia Política
Federal nada mais do que a polícia do Distrito Federal com atribuições estendidas.
Logo, o apoio dos estados era primordial. Assim sendo, diversas polícias estaduais,
principalmente a paulista, adquiriram, com o decorrer dos anos, peso tão grande quanto
a estrutura federal. Diversas denominações foram dadas às polícias políticas e sociais
nos estados ao longo dos anos, mas com o tempo firmou-se a sigla DOPS como
designação informal (MOTTA, 2006, p. 56).
Em substituição à Quarta Delegacia, sob a batuta do getulismo e do Estado
novo, é criada, na esfera federal, em 1933, a Delegacia Especial de Segurança Política e
Social – DESPS. Com a finalidade de continuar a identificação dos inimigos da ordem
política e social vigente, centralizando informações e propondo normas para conjugar a
atuação dos DOPS nos estados. No período da ditadura getulista, além da tarefa de
identificar e reprimir os comunistas, anarquistas e, posteriormente, integralistas, o
DESPS se depara com o contexto da Segunda Guerra Mundial e o inimigo alemão, com
a conseqüente necessidade de localizar e eliminar as redes de espionagem nazistas no
Brasil.
Faz-se importante salientar que, em 1943, o Departamento de
Administração do Serviço Público – DASP, atual Secretaria de Administração Pública –
SEDASP, ligada diretamente ao Presidente da República, propôs a transformação da
Polícia Civil do Distrito Federal – PC-DF, em Departamento Federal de Segurança
Pública – DFSP. Tal iniciativa retomaria a proposta feita pelo Ministério da Guerra em
1941, que “sugeriu a criação de um serviço secreto de informações (Departamento
Nacional de Segurança Pública) que realizasse os serviços de polícia em todo território
nacional, principalmente as funções de busca de informação e contra-espionagem”
(REZNIK, 2004, p. 104).
No contexto do início da década de 1940, os militares brasileiros se
68

preocupavam então com o conflito mundial e a eventual participação brasileira. Naquele


período, além dos inimigos comunistas, existiam as colônias alemãs, italianas e
japonesas no Brasil, com um enorme contingente populacional. Assim sendo, um
serviço de inteligência de segurança interna seria essencial para garantir a estabilidade
no país. Com essa lógica, a DASP chegou à conclusão de que a estrutura da Polícia
Civil do DF seria o melhor catalisador para a rápida efetivação do projeto.
A partir de 1944, no final do período Vargas, o DESPS é transformado em
Divisão de Polícia Política e Social – DPS, como parte do Departamento Federal de
Segurança Pública – DFSP. Posteriormente, com a mudança da capital para Brasília,
parte da estrutura do DPS muda-se, mas parcela significativa do efetivo permanece no
estado da Guanabara. Se “antes do SNI, as Divisões de Ordem Política e Social (DOPS)
da Polícia Federal eram as agências operacionais responsáveis por questões relativas à
segurança interna” (ANTUNES, 2002, p. 56), quando o SNI é fundado pelos militares
no pós-golpe de 1964, com o objetivo de centralizar a inteligência interna, este assume
as vezes de polícia política do regime. Já o DPS transforma-se em mais um braço do
novo sistema. Conforme bem ilustra Reznik:
Note-se, porém, que a despeito das diferenças o SNI foi herdeiro do DPS.
Durante os anos que funcionou como agência federal de polícia política, a
DPS não apenas rotinizou procedimentos de investigação, como estabeleceu
vínculos formais com as DOPS e as secretarias de segurança estaduais, com
as seções de segurança nacional existentes em todos os ministérios civis da
República, com os serviços de informações, e polícia política de vários países
europeus, norte-americano e latino-americanos. Dessa maneira estruturou
para viabilizar as suas funções, uma rede nacional e internacional [2004, p.
26].

Como se percebe, o Estado, com a estruturação do SNI, nada mais fez do


que duplicar a estrutura de inteligência de segurança existente, aprofundando a sua
lógica de combate ao inimigo interno. Com o novo patamar de integração a partir do
SNI, juntou-se a antiga estrutura de inteligência interna baseada nos DOPS, com a
inteligência oriunda das Forças Armadas. O coroamento do sistema com o
recrudescimento da ditadura militar foi à criação do DOI-CODI.

4.3.2 Segurança interna e o DOI-CODI


A rede de inteligência construída pelo DPS e herdada e ampliada pelo SNI,
apesar de sua capilaridade, tinha uma grande deficiência sob o prisma de alguns setores
69

das Forças Armadas: não era responsável diretamente pela repressão às organizações de
esquerda, associações liberais ou simples descontes. Tal repressão ficaria a cargo das
polícias nos Estados e da Polícia Federal. A ordem legal de então deixava os órgãos de
inteligência das Forças Armadas e o próprio SNI à margem da repressão direta.
Entretanto, para o regime castrense, a velocidade de atuação dos organismos policiais
era demasiado lenta.
Já havia, no final dos anos 1960, um sistema de informações operante,
coordenado pelo SNI. Para os militares radicais, porém, era preciso não
apenas conhecer as ameaças do regime, mas atuar repressivamente. Também
era avaliação corrente que as secretarias de segurança pública estaduais não
atuavam com eficiência, mostrando-se lentos e desaparelhados os seus
departamentos de ordem política e social para combater as novas ações da
guerrilha urbana. O mesmo se dizia da Polícia Federal [FICO, 2001, p. 111].

Mesmo com o conceito de inteligência envolvendo a obtenção e análise de


informações com vistas ao assessoramento dos governos, os militares resolveram criar
uma estrutura híbrida que estivesse envolvida com a atividade de inteligência, mas que
também pudesse operar diretamente a atividade de repressão com mais rapidez que as
ineficientes polícias. Nascia o Destacamento de Operações de Informações – Centro de
Operações de Defesa Interna – DOI-CODI.
O modelo do DOI-CODI foi derivado em boa parcela da Operação
Bandeirante – Oban33, uma ação repressiva informal coordenada pelo Exército em São
Paulo, objetivando a cassa e supressão dos inimigos do regime militar. O setor mais
radical das Forças Armadas avaliava a necessidade de um aparato dentro do Estado
mais ágil na eliminação dos inimigos políticos da ditadura militar. Com o sucesso da
referida operação, sua estrutura foi institucionalizada dentro do Estado. Tornou-se o
DOI-CODI.
Como parte do sistema de inteligência, o DOI-CODI foi o principal órgão
de inteligência e repressão durante o regime militar. Sua estrutura integrava as polícias
civis estaduais, a Polícia Federal e as três Forças Armadas. O SNI participava nos níveis
de coordenação. Nos estados operavam os DOI, executando as operações de repressão,
que eram centralizados nacionalmente pelo CODI, coordenando e planejando.
Com o DOI-CODI, a estrutura de inteligência centralizada pelo SNI passou
70

a ter um novo aparelho para a ação direta. Era a volta à estrutura de segurança interna
do período getulista, com a substituição da Polícia Federal e polícias dos estados pelo
Exército.
Os DOI possuíam uma estrutura funcional bastante característica dos
serviços de inteligência, com setores de: operações externas, informações, contra-
informações, interrogatórios e análises, assessoria jurídica e policial, serviços
administrativos (FICO, 2001, p. 124). A partir da condução, da captura e interrogatórios
dos adversários é que as práticas de tortura para obtenção de informações se
evidenciavam e se tornaram amplamente utilizadas (ANTUNES, 2002, p. 94). Os fins
justificavam os meios e os meios eram a tortura e eliminação física.
Como trágica decorrência, a atividade de inteligência tornou-se
estigmatizada (ANTUNES, 2002), ficando associada diretamente a práticas de tortura e
desrespeito aos direitos humanos. Interessante observar que essa facilidade em tornar o
concidadão no inimigo a ser eliminado, se vincula à como foi estruturada a atividade de
inteligência de segurança no Brasil, bem como o segmento contra-inteligência em
particular. Como evitar a manipulação por outras potências sem ter a capacidade de
percebê-las agindo? Para isso cabe identificar como se desenvolveu a contra-
inteligência brasileira.

4.3.3 Primórdios da contra-inteligência brasileira


As origens da contra-inteligência brasileira, ou seja, a instituição de setores
especializados dentro dos serviços de inteligência em combater a espionagem
estrangeira sobre o país, bem como eventualmente penetrar os serviços de inteligência
estrangeiros mediante agentes duplos, remonta ao período da ditadura getulista.
Com o posicionamento brasileiro ao lado dos EUA durante a segunda guerra
mundial e o conseqüente enfrentamento com a Alemanha, os espiões alemães atuando
em território nacional passaram a constituir-se paulatinamente como um dos principais
adversários da pouco estruturada inteligência nacional. Mediante pressão norte-
americana e inglesa, prejudicados pelas redes de espionagem alemãs na América do Sul,
o governo brasileiro tomou como um tópico central em sua participação no conflito

33
Existem fortes indícios de que a Oban teria sido criada a partir de orientações do governo norte-americano (FICO,
71

bélico o combate às ações germânicas no país (PERAZZO, 1999, p. 167). Na época o


Brasil fornecia matérias primas aos aliados, além de ter posição estratégica para pouso e
decolagem de bombardeiros atuando no norte da África.
Entretanto, pretender combater a espionagem alemã no país é bem diferente
da conformação de um efetivo serviço de contra-espionagem, capaz de detectar as redes
de informantes alemães. Em função disso, a partir de 1938, o Ministério da Guerra
brasileiro cogitou inclusive criar seu próprio serviço, com caráter militar. Contudo,
infere-se que pragmaticamente o Estado acabou operando a partir das já constituídas
polícias políticas, que operavam com atividades semelhantes, na detecção das redes de
opositores ao regime. Daí, “damo-nos conta de um serviço de contra-espionagem
policial organizado pelo Serviço Secreto das Delegacias de Ordem Política e Social”
(PERAZZO, 1999, p. 168).
Sobre o prisma repressivo, compreendendo busca, identificação e prisão de
agentes alemães, a então estrutura de inteligência de segurança brasileira estava apta a
operar. Todavia, o domínio da arte de interceptar comunicações codificadas ou penetrar
o serviço de inteligência adversário, no caso em questão a Abwher, a agência de
inteligência militar alemã, ainda estava distante do alcance técnico dos serviços
policiais. Como conseqüência, a participação das agências norte-americanas sobre o
combate à espionagem alemã no Brasil foi grande desde o seu início. O Federal Bureau
of Investigation – FBI, juntamente com o Departamento de Estado, passaram a fornecer
informações e orientações aos policiais brasileiros.
Considera-se inclusive que “grande parte das atividades de contra-
espionagem acionadas pela polícia brasileira se faziam sobre a orientação americana”
(PERAZZO, 1999, p.168). Pondera-se que provavelmente a contra-inteligência em boa
parcela era desenvolvida pelo FBI, ficando os DOPS responsáveis pela mera localização
e prisão. É ilustrativa a afirmação de Braga:
Em 1942, o embaixador norte-americano no Brasil, Jefferson Caffrey, insistiu
com Alcides Etchegoyen, chefe do Departamento de Ordem Política e Social
(DOPS) do Distrito Federal, para que demitisse imediatamente de seu
departamento dez policiais pró-nazismo. Etchgoyen, não só acatou o
conselho do embaixador como também deu à embaixada dos Estados Unidos
o poder de coordenar o trabalho de contra-espionagem no Brasil, até que ele
pudesse organizar uma estrutura voltada para essa área [2002, p. 53].

2001, p. 115). Todavia ela estruturou-se sem o amparo de nenhuma lei.


72

Ou seja, os EUA chegaram a coordenar a contra-inteligência brasileira não


somente de fato como formalmente, mediante o acerto com a embaixada americana.
Tendo em vista a sofisticação de processos relativos às atividades de contra-inteligência,
é plausível supor que a independência da inteligência brasileira perante o FBI tenha sido
muito pequena, se é que existiu.
Ainda durante a segunda guerra mundial, o Serviço Secreto do DPS
conformou um serviço de interceptação de sinais, voltado para a identificação de locais
clandestinos de transmissão de rádio a serviço dos espiões alemães no Brasil. A partir
dessa mesma estrutura, o DPS também passou a acompanhar fontes abertas,
monitorando várias das principais rádios do mundo, principalmente as de Moscou
(FLORINDO, 2006, p. 104).
Com o pós-guerra e a confrontação entre americanos e soviéticos, ganhou
ímpeto os vínculos dos serviços secretos brasileiros com o governo norte-americano.
Para os EUA, o Brasil, como sua esfera de influência, tinha que estar apto a enfrentar os
inimigos da sociedade americana, fossem estes espiões financiados pelo ouro de
Moscou ou simples cidadãos brasileiros descontentes com o governo.

4.3.4 Contra-inteligência à moda dos EUA


Conforme observado anteriormente, os primórdios das instituições de
inteligência criados a partir do SFICI e do SNI foram cunhados a partir da demanda
norte-americana, materializada nas doutrinas da Escola Superior de Guerra – ESG
(FIGUEIREDO, 2005). Além da estruturação inicial do SFICI, com a formação dos
personagens envolvidos, o governo nos EUA investiu pesado na capacitação técnica e
teórica do SNI.
Quando os militares, no auge da repressão política, resolveram criar a
Escola Nacional de Informações – Esni (BRASIL, 1971), objetivando profissionalizar a
mão de obra dos serviços de inteligência, uma vez que esses se encontravam em
expansão, o governo americano propôs-se a ajudar novamente. Dentro da óptica dos
EUA, uma escola de inteligência no Brasil poderia impactar toda a América do Sul,
auxiliando na propagação de uma doutrina de inteligência.
Como os norte-americanos evidentemente desejavam que tal doutrina de
73

inteligência espelhasse seus paradigmas e sua ideologia de enfrentamento com os


soviéticos por campos de influência, o governo Nixon não se fez de rogado e convidou
os dirigentes do SNI para se formarem nos Estados Unidos. Foram enviados aos EUA o
general Enio dos Santos Pinheiro, que depois se tornou o primeiro diretor-geral da
escola, e o almirante Sérgio Doherty. Ambos fizeram “um estágio de seis meses na CIA
e no FBI, em Washington, um roteiro idêntico ao que colegas de farda haviam realizado
em 1956 e em 1964 na busca de subsídios para a criação do SFICI e do SNI”
(FIGUEIREDO, 2005, p. 222).
Além da SFICI e do SNI, as polícias também receberam formação de
instituições de inteligência norte-americanas. Sob o manto da fachada de proteção do
Office of Public Safety – OPS34, a CIA treinou policiais brasileiros em diversas técnicas
de inteligência. Dentro do currículo, questões como investigação perderam enfoque para
o grande volume de matérias ligadas ao combate ao terrorismo, leia-se comunismo.
Interessante observar que um dos responsáveis em gerir e acompanhar os cursos, como
o realizado de 30 de abril a 25 de maio de 1973, foi o próprio Jesus James Angleton, o
notório chefe da contra-inteligência da CIA (EUA, 2007, p. 600).
Uma vez conformado o vínculo a partir da formação, os EUA adotaram
políticas para o estabelecimento de parcerias estreitas com os policiais brasileiros. Uma
ilustração do método de cooptação adotado pela agência americana é apresentada por
Braga:
Um dos métodos utilizados pela CIA para recrutar policiais a seu serviço,
baseava-se em atacar a debilidade orçamentária das repartições policiais.
Assumindo atitudes de negociador, o oficial da CIA colocava as dificuldades
para se montar uma nova repartição, processo ou operação, mas deixava em
aberto nas entrelinhas que, como parte das informações recolhidas seriam
úteis para Washington, era justo que o Governo dos Estados Unidos pagasse
parte da conta. Mordida a isca, a CIA entregava uma quantia em dinheiro
superior às estimativas, e o policial era estimulado a não prestar conta do
excedente dos custos. Conforme a reação do policial que estava sendo
subornado, o oficial da CIA ia aumentando os pagamentos mensais, até o
momento em que ele, não tendo como voltar atrás, compreendia que estava
trabalhando para o Governo dos Estados Unidos. Naturalmente, com a fartura
de recursos financeiros proporcionados pela CIA, o policial tendia a mostrar
eficiência em seu trabalho e, conseqüentemente, ia galgando postos na
hierarquia governamental, o que aumentava o raio de ação e a qualidade da
infiltração da CIA [2002, p. 53].

34
Escritório de segurança pública (tradução nossa).
74

Como conseqüência à influência americana, os serviços de inteligência


brasileiros não somente foram criados umbilicalmente dependentes da CIA e do FBI,
para o fornecimento de informações estratégicas, como também não adquiriram a
capacidade de identificar a própria espionagem americana dentro do país. Como
decorrência as agências de espionagem dos Estados Unidos puderam operar livremente
no país, seja ajudando a derrubar governos, como também obtendo informações
estratégicas e segredos governamentais brasileiros.
Observe-se que a formação de profissionais de inteligência brasileiros nada
mais foi do que um instrumento privilegiado para moldar a percepção do mundo que
tais profissionais teriam. Como as instituições de inteligência cumprem um papel
importante no processo de subsídio à tomada de decisões governamentais, em
decorrência tem-se a possibilidade de moldar a percepção das relações políticas,
econômicas, sociais e científicas do próprio governo. Uma vez que a agenda dos órgãos
de inteligência, internos e externos será pautada pelos objetivos nacionais
(FREGAPANI, 2001, p. 166), surge à indagação se os objetivos nacionais brasileiros
são idênticos aos norte-americanos. Presume-se que não.
Diversas ações já foram implementadas formalmente pelo governo
americano visando reduzir a autonomia brasileira, o seu desenvolvimento bem como a
capacidade de defesa. Um exemplo são as constantes proibições de venda por parte das
empresas norte-americanas de componentes para o submarino nuclear brasileiro, como
explicita uma carta do Departamento de Estado americano, proibindo a venda de
tecnologia anti-radar, sob a alegação de que “this tecnology exceeds the level of
capatibility aproved for Brasil” (DEPARTMENT OF STATE, 199?). Ou seja, pela
presente afirmação é possível inferir que exista uma tabela mundial de países, em que os
americanos determinam qual o grau de evolução tecnológica que deve ser permitido a
cada um, de acordo com os seus interesses político-econômicos. Além disso, os EUA
interferem no programa do veículo lançador de satélites – VLS, no programa para
construção de um gerador nuclear da Marinha e no programa nuclear como um todo, em
que o país abriu mão de sua soberania e renunciou à possibilidade de vir a desenvolver
armas nucleares.
Na medida em que não sejam os mesmos objetivos estratégicos, um dos
75

motivos que justificariam a permanente atuação do governo americano sobre os serviços


de inteligência brasileiros seria, portanto, a cooptação de membros de tais serviços, que
passariam a ter um censo de lealdade dividido, agindo sob o interesse dos EUA.
Conforme pontua Braga:
Ganha destaque então, a seguinte questão: por que os governos norte-
americanos empenhavam-se em treinar e oferecer assistência técnica contínua
aos militares e policiais brasileiros, diante de um quadro de
incompatibilidades políticas e econômicas com os governos instalados no
Brasil? Simplesmente porque um dos mecanismos para um país conseguir
controle político sobre outro Estado é, através de uma operação de contra-
inteligência, penetrar no sistema de segurança desse outro país [2002, p. 61].

Como parte da doutrina norte-americana de proteção aos seus interesses


econômicos, onde quer que estejam (MONIZ BANDEIRA, 2005), o Brasil foi e ainda é
alvo da espionagem dos EUA e suas agências de inteligência. Nesse sentido, evidencia-
se que os serviços de inteligência brasileiros tanto não estão aptos a detectar a
espionagem norte-americana sobre o país, como também podem ter sido penetrados por
espiões de agências de espionagem dos EUA. Consubstancia tal visão a afirmação de
Vidigal:

Países subdesenvolvidos devem dar especial atenção à Contra-Inteligência


porque “essas nações, subdesenvolvidas e muitas vezes corruptas, parecem
feitas por encomenda para as operações clandestinas” de outros países; “seus
governos são menos organizados e têm uma menor consciência de segurança;
e há uma tendência para que nesses países haja uma maior dispersão, real ou
potencial, de poder entre partidos, regiões, organizações e indivíduos que não
estão no governo” e, portanto, nas freqüentes lutas pelo poder dentro desses
governos, todas as facções são gratas por assistência externa” de modo que
“somas de dinheiro, relativamente pequenas, entregues diretamente a forças
locais ou depositadas (para os seus líderes) em contas em bancos suíços,
podem ter um efeito quase mágico em mudar lealdades políticas voláteis
[VIDIGAL, 2004, p. 47].

Outro elemento que indica a fragilidade da contra-inteligência brasileira e


sua virtual dependência dos serviços americanos e de outros países estrangeiros é a
virtual inexistência de agentes de inteligência brasileiros lotados em embaixadas no
exterior, atuando sobre cobertura diplomática. Um dos quesitos centrais, para adentrar
outros serviços de inteligência, envolve a cooptação de funcionários de tais serviços que
passam então à condição de agentes duplos. Os agentes duplos podem atuar em países
estrangeiros, em geral como adidos nas embaixadas, ou na própria sede de seus
76

serviços. Para administrar um agente duplo em país estrangeiro, existe um quesito


importante que é a presença de agentes residentes, que irão administrar as redes de
informantes. Como um informante pode oferecer seus serviços ou ser recrutado se não
existe presença dos serviços de inteligência em tal país?
No caso da ABIN, a título de exemplo, o quadro, em julho de 2004, seria o
da existência de apenas dois postos no exterior, sendo um em Miami – EUA e outro na
Argentina (LIMA e SILVA, 2004). Posteriormente o Brasil também conseguiu
oficializar escritórios em Caracas, na Venezuela, e em Bogotá, na Colômbia, contudo
não conseguiu o ingresso no Paraguai e na Bolívia (SEQUEIRA, 2008). Tal cenário
torna evidente a quase impossibilidade do recrutamento de indivíduos dentro de
organismos de inteligência externos. Além disso, demonstra a precariedade da obtenção
de informações externas ou positivas pela ABIN, vez que não existirão fontes humanas
locais, restando somente as fontes abertas como a internet.
No tocante ao Departamento de Polícia Federal, ele possui adidâncias na
Argentina, Bolívia, Colômbia, Uruguai, Paraguai, Suriname e França. Recentemente
também foram abertos postos nos Estados Unidos, Portugal e Itália, como parte de um
projeto que prevê a abertura de escritórios no: Peru, Venezuela, Espanha, Japão,
México, Chile, Inglaterra, Alemanha, Canadá, Suíça, China, Austrália e um no
continente Africano, ainda a ser definido (DPF, 2009, p. 1). Todavia, embora o DPF
pretenda ter grande capilaridade internacional, os objetivos da organização atualmente
não envolvem contra-inteligência. Outro aspecto digno de nota é o de que o policial
enviado tampouco é oriundo ou possui formação na área de inteligência.
No tocante as Forças Armadas, elas possuíam, até 2008, sessenta e três
adidos no exterior, reivindicando a abertura de mais adidâncias. Contudo, de forma
semelhante a outros órgãos, “Os postos estão distribuídos por 32 países e são
considerados um prêmio para militares em fim de carreira” (FRANCO, 2008). Ou seja,
geralmente os militares designados não têm experiência na área de inteligência e estão
em um momento de despedida da carreira, em que a motivação profissional tende ao
declínio. Além disso:
Os adidos trabalham como assessores das embaixadas e são formalmente
impedidos de promover atividades de investigação no exterior, que dependem
de autorização do Congresso [...]. A preocupação em desvincular o serviço
77

dos diplomatas-militares das ações de espionagem tem razão histórica:


durante a ditadura militar, os adidos brasileiros participaram intensamente do
intercâmbio entre os órgãos de repressão. A tarefa foi reforçada na Operação
Condor, em que países latino-americanos trocavam informações e
prisioneiros acusados de integrar organizações de esquerda [FRANCO,
2008].

Percebe-se que a herança do período anterior, além de perpetuar um modelo


de processos viciado, ainda coloca travas institucionais à coleta de informações
positivas.
Os órgãos de inteligência brasileiros são débeis em relação à capacidade de
proteger o país da espionagem proveniente dos EUA e de seus aliados. Tendo em vista a
influência americana sobre os serviços de inteligência, cabe então avaliar se existem de
fato ocorrências indicando esse tipo de ação em território nacional.

4.4 Espionagem sobre o Brasil


Não foram observados estudos publicados a cerca da ocorrência de
espionagem no Brasil após a segunda guerra, sejam mediante a obtenção de
informações publicadas em fontes abertas ou mesmo a partir de registros
governamentais que houvessem sido desclassificados. Presume-se que, caso existam tais
compilações, elas estejam em posse das agências nacionais de inteligência.
No entanto, é correto afirmar que, estando a espionagem posicionada no
conjunto de instrumentos utilizados pelo Estado moderno e sendo o Brasil um país de
expressão internacional econômica e política, ele já tenha sido vítima de espionagem
estrangeira. Por difícil que seja comprovar cabalmente esse tipo de evento, a não ser por
material governamental desclassificado, cabe elencar situações que se encaixem neste
contexto.

4.4.1 Mapeamento e estudo de ocorrências


Durante o período da Segunda Guerra Mundial se tem comprovadamente a
identificação de diversas redes de espiões atuando no país. Todavia, no pós-guerra isso
não se deu. Conjetura-se que tal fato decorra da hegemonia norte-americana sobre a
região, bem como de os serviços secretos não estarem aptos a atuar contra a inteligência
estadunidense, conforme anteriormente abordado. Outra hipótese se relaciona ao
secretismo governamental relacionado a tais atividades; entretanto, ao longo de meio
78

século, já existiria lapso temporal suficiente para a divulgação de eventuais vitórias que
a contra-inteligência brasileira houvesse obtido. Além disso, diversos autores (FICO,
2001; ANTUNES, 2003; RESNIK, 2004; FLORINDO, 2006) pesquisaram arquivos
relativos aos anos da ditadura militar brasileira e tampouco fizeram qualquer referência
sobre casos relativos à identificação de espiões.
Se os registros conclusivos apontando a neutralização de espiões
estrangeiros remontam a segunda guerra mundial, o mesmo não se dá quanto às
probabilidades de ocorrência de espionagem sobre as instituições nacionais, existindo
diversos registros sobre essa temática. Tais referências de espionagem sobre o Brasil
estão presentes em matérias jornalísticas, livros, entrevistas e programas televisivos.
Dificilmente tais indícios são conclusivos, pois ao contrário de outros países, desde o
fim da segunda guerra mundial, o Estado não apresentou à sociedade prisões de agentes
ou mesmo a simples expulsão de estrangeiros ou nacionais acusados de espionagem.
Interessante observar que existe previsão legal para tais eventos a partir da lei de
segurança nacional.
Infelizmente, como não existem compilações sobre eventuais casos de
espionagem sobre o Brasil, é difícil sistematizar tais ocorrências. Como conseqüência
da ausência de um mapeamento, a formulação de políticas públicas que possam buscar
melhorias na efetividade dos serviços de inteligência fica prejudicada. Todavia, se não
existe uma verificação sistemática, não significa que não se possam utilizar alguns casos
em que vários indícios ou mesmo provas demonstram a liberdade de movimentos da
inteligência estrangeira no Brasil.

4.4.2 Casos mais significativos


A partir da segunda guerra mundial, a hegemonia dos EUA na América do
Sul consolidou-se, sendo que as agências de inteligência americanas continuaram com
grande liberdade de atuação. Alguns eventos ilustram essa tese:
Espionagem alemã durante a guerra. Diversas ocorrências demonstram a
ação sistemática do serviço de inteligência militar alemão dentro do Brasil. A maior
rede de espionagem no Brasil foi liderada pelo agente da Abwer Albrecht Gustav
Engels, que além de vários informantes instalou um rádio-transmissor com o objetivo de
79

repassar as informações coletadas. Outra rede alemã foi aquela liderada por Friedrich
Kempter, que também se utilizava de rádio transmissor e acompanhava a movimentação
americana no nordeste brasileiro, particularmente no Recife (COSTA, 2005, p. 94).
Outro caso digno de nota envolveu o espião do eixo Josef Jacob Johannes Starziczny,
responsável, perante o Abwer, de montar uma estrutura de transmissão de dados para a
Alemanha mais sofisticada. É digno de nota o fato de Josef ter passado por vários cursos
na inteligência militar alemã, preparando-se para sua missão. Além dos alemães,
também existiu a espionagem por parte dos aliados destes, como foi o caso de um grupo
húngaro, liderado por Salomon Janos, que enviou uma equipe para o Brasil, com a
posse de um radiotransmissor, com a finalidade também de obter dados relevantes sobre
a atuação brasileira na guerra (COSTA, 2005). Todas as redes tinham em comum o
plano de coleta de dados, que envolvia saber informações sobre a presença militar dos
americanos no Brasil, os eventuais preparativos brasileiros para a guerra e, sobretudo, o
deslocamento de navios mercantes brasileiros com suprimentos para a Inglaterra. Diga-
se de passagem, que, diversas vidas de marinheiros brasileiros se perderam devido às
informações sobre partidas de embarcações fornecidas pelos espiões germânicos. Boa
parte dos espiões capturados se deveu a estreita relação com o FBI e destes com a
inteligência de sinais britânica. Entretanto, a polícia política a época também cumpriu
um papel importante com sua extensa rede de informantes.
Espionagem sobre a Marinha brasileira. No esteio das ações da CIA
tentando influir nas eleições de 1962 no Brasil, a NSA enviou ao Rio de Janeiro o navio
Oxford, preparado para a interceptação de sinais. A Marinha não somente recebeu a
embarcação americana, como permitiu que o navio ficasse ancorado em área naval. A
NSA não se fez de rogada e monitorou todas as comunicações sensitivas da Marinha
durante o período de permanência do navio (BAMFORD, 2001, p. 177). Os EUA, já na
preparação do golpe que viria a seguir, tentavam identificar eventuais aliados e
possíveis adversários dentro da Força naval brasileira. Independentemente dos
resultados objetivos da missão americana, o evento caracteriza claramente a maneira de
operar da agência de sinais americana, bem como a fragilidade da segurança de
informações brasileira.
Ação sobre o golpe militar de 1964. A CIA atuou como organizadora do
80

golpe militar de 1964, fornecendo dinheiro para organização de manifestações contra o


governo de João Goulart, em geral com o tema de marcha por Deus, pela liberdade e
família, ajudando a criar o clima de instabilidade contra o governo (AGEE, 1976, p.
366). Trabalhou também cooptando lideranças militares indecisas e forneceu recursos
para que, em caso de resistência armada de setores legalistas, os militares golpistas
tivessem recursos materiais disponíveis. É o que demonstra o telegrama enviado pelo
Departamento de Estado Americano para o embaixador americano no Brasil Lincoln
Gordon, em 31 de março, as vésperas do golpe. Na mensagem secreta o governo dos
EUA se compromete a:
a) O envio de navios tanque com combustível, estacionados em Aruba. O
primeiro teria previsão de chegada entre 08 e 13 de abril no porto de Santos. Seguiriam
mais três navios com um dia de intervalo;
b) Envio imediato de uma força tarefa da Marinha para a realização de
manobras próximas ao litoral brasileiro. A força foi composta de um porta aviões, com
previsão de chegada para 10 de abril, quatro contratorpedeiros e dois contratorpedeiros
de escolta, acompanhados por navios tanque para suprimento próprio que chegariam até
14 de abril;
c) Envio de cento e dez toneladas de munição por navio, bem como de
materiais diversos por avião, em ponte aérea que seria montada dos EUA até o
aeroporto de Campinas (Departamento de Estado, 1964, p. 1).
Além do despacho de materiais e apoio formal, a CIA operou a partir de
uma estação funcionando em Belo Horizonte. Os membros da inteligência americana
informaram em 30 de março, um dia antes da tomada do poder pelos militares, a
iminência do evento. Sabiam a data do golpe, e também obtiveram acesso e
participaram dos planos da empreitada. Segundo o informe da estação da CIA, as tropas
de Minas Gerais e São Paulo marchariam rumo ao Rio de Janeiro, não sendo esperada
resistência em Minas, salvo pelo comandante da base aérea. Todavia, era aguardada
oposição em outros lugares, principalmente no norte do país. Segundo os prognósticos
dos agentes em Belo Horizonte a “revolution will not be resolved quickly and will be
81

bloody35” (1964, p. 2).


Infiltração no CIEx e no Itamaraty. O Centro de Informações do Exterior
do Itamaraty já teria nascido com sua autonomia ante a CIA completamente
comprometida. Seu fundador, o diplomata Manoel Pio Corrêa na verdade trabalharia a
serviço da inteligência norte-americana. Na folha de pagamentos da CIA, Pio Corrêa
juntamente com seu auxiliar Lyle Fontoura foram designados pela estação brasileira da
agência para irem ao Uruguai, com o objetivo de limitar a atuação dos exilados
brasileiros, em particular de Leonel Brizola e João Goulart. A essa altura, a CIA já
contaria com outro espião na embaixada brasileira, o adido militar coronel Câmara
Sena, trabalhando a seu serviço. É ilustrativo o relato de Agee:

A base do Rio decidiu enviar mais dois de seus elementos para a embaixada
do Brasil aqui – além do adido militar, coronel Câmara Sena. Um deles é um
funcionário de carreira de alto nível do ministério das Relações Exteriores do
Brasil, Manuel Pio Correa, que virá como embaixador; o outro é Lyle
Fontoura, protegido de Pio Correa, que será o novo primeiro secretário [...].
A base do Rio de Janeiro providenciou para que fosse nomeado para
Montevidéu, que no momento é o ponto de ebulição da diplomacia brasileira
[1976, p. 384].

Com o apoio da espionagem americana, a carreira de Pio foi catapultada e o


mesmo foi nomeado secretário geral do Itamaraty, propondo a criação e posteriormente
tornando-se o chefe do CIEx. Ao assumir a chefia da espionagem externa do Brasil, Pio,
como decorrência, pôde fornecer para CIA o conjunto das informações obtidas pela
recém inaugurada inteligência externa brasileira. Além do mais, com o principal
dirigente executivo do grupo de espiões do Itamaraty em suas mãos, os americanos
puderam delimitar os temas de coleta de inteligência para a agência brasileira, retirando
qualquer autonomia que se cogitasse existir.
Espionagem de oficiais de alta patente e políticos. O ex-agente da CIA
Robert Muller Hayes, em depoimento secreto ao Senado dos EUA, afirmou ter sido
enviado ao Brasil em 1972, com o objetivo de “vasculhar a vida de políticos,
sindicalistas e até mesmo militares brasileiros. Sua missão ultra-secreta: eliminar
militantes cubanos e latinos em geral que tentavam se infiltrar no Brasil (CONJUR,
2001). Hayes, como agente ocasional, teria prestado serviços também para o Mossad e

35
A revolução não se resolverá rapidamente e será sangrenta (tradução nossa).
82

para a inteligência da Alemanha ocidental. O ponto de corte que provocou a ruptura do


agente com a inteligência americana ocorreu em 1976. O rompimento teria se dado
quando o espião recebeu a ordem para “realizar um atentado que seria atribuído às
organizações de esquerda”. Três opções de alvo foram selecionadas: um Teatro no
Jardim Paulista, a Catedral de São Paulo e o consulado americano na capital paulista”
(CONJUR, 2001). Diga-se de passagem, alguns anos depois iniciativa similar foi feita
no Brasil, com o atentado do Rio Centro, em que a inteligência do Exército tentou
provocar uma tragédia em um show contra a ditadura, com a pretensão de culpar as
organizações de esquerda. Ainda, segundo o ex-agente os alvos de espionagem no
Brasil:
Entre os alvos de espionagem no país, estavam personalidades da política
brasileira, como os economistas Roberto Campos e Henrique Simonsen,
sindicatos e altos oficiais das Forças Armadas brasileiras. "A CIA queria
saber detalhes da vida pessoal deles, queria ouvir fofocas, se tinham amantes,
com quem dormiam, o que faziam", afirmou Hayes, que contou ter obtido
informações e fotos comprometedoras de algumas figuras públicas
[CONJUR, 2001].

As afirmações de Robert Muller Hayes, vez que o mesmo depôs sobre o


tema junto ao congresso americano, embora não se constituam como provas cabais das
ações de espionagem americana, são mais um forte indicativo de tais ocorrências e da
desenvoltura com que puderam sobrevir. O espião não somente teve acesso a
informações sensíveis sobre indivíduos representativos na sociedade brasileira, como
também pode atuar eliminando fisicamente os elementos da inteligência adversária, tal
como a cubana. Tudo isso sem a menor interferência dos órgãos de inteligência de
segurança nacionais.
Licitação para o Sivam. O sistema de vigilância da Amazônia – SIVAM
foi criado com o objetivo de monitorar a Amazônia brasileira, utilizando-se de radares,
sensores fluviais, imagens de satélites, dentre outros instrumentos. Para estruturar o
serviço foi feita uma licitação bilionária com o intuito de adquirir equipamentos de
vigilância e controle. Como tais setores tecnológicos, que envolvem a defesa do país e
inteligência, são considerados como um segmento estratégico, poderia-se potencializar a
independência tecnológica brasileira a partir do estímulo para empresas nacionais
assumirem o projeto.
83

Como não ocorreu o estímulo do governo à indústria nacional, pois a “CIA


conseguiu desqualificar a firma brasileira encarregada (Esca), lançando na imprensa que
ela devia ao INSS” (FREGAPANI, 2001, p. 156), a disputa ficou entre a empresa norte-
americana Raytheon, com um histórico de atuação em projetos de espionagem militar, e
a Tompson francesa. Aparentemente venceriam os franceses, contudo, no final, a
empresa estadunidense ganhou a licitação. Todavia, segundo relatório da Comissão do
Parlamento Europeu de Estrasburgo (2001), a Raytheon teria saído vitoriosa devido à
interceptação das correspondências eletrônicas trocadas entre o governo brasileiro e a
empresa francesa, por parte do governo americano. Com os detalhes do negócio em
mãos, os americanos alegaram que a comissão de seleção fora subornada e mediante
pressão governamental obtiveram o contrato.
A captura dos dados teria sido feita pelo sistema Echelon, que opera de
forma a interceptar boa parcela das telecomunicações e comunicações eletrônicas em
escala mundial. Tal estrutura foi formada a partir de uma aliança na área de inteligência
de sinais em 1948, em plena guerra fria, pelos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá,
Austrália e Nova Zelândia. Com o fim do enfrentamento com a União Soviética, parcela
dos recursos do Echelon passou a monitorar transações econômicas, na prática fazendo
espionagem comercial para as empresas nacionais. No caso em tela houve a “escuta da
negociação entre a Thompson-CSF e o Brasil e a transmissão dos resultados para a
Raytheon Corp” (SCHMID, 2001, p. 111).
Com a vitória da Raytheon, o governo americano não somente impediu o
desenvolvimento de soluções tecnológicas nacionais, como também conseguiu presença
técnica em mais um órgão vinculado à estrutura de defesa e inteligência brasileira.
Infiltração na inteligência policial. Persistem diversos programas por parte do
governo americano, representado pela CIA, FBI e DEA, financiando ações das polícias
brasileiras. Conforme já foi observado neste trabalho, tais programas remontam ao pós-
guerra em que a CIA estruturou uma empresa privada de fachada, INPOLSE, com o
objetivo de legitimar a formação de milhares de policiais de países de terceiro mundo.
Dentro da visão americana, as polícias constituíam-se como a primeira linha de combate
ao inimigo comunista, mediante o trabalho de inteligência, identificando os personagens
envolvidos e ações de repressão com vistas a eliminar o adversário. Posteriormente,
84

além de formar, os EUA continuaram atuando com o envio de emissários e


representantes que disponibilizam dinheiro, livre de impostos, na conta dos policiais
escolhidos. Como contrapartida, direcionam a atuação de parcela dos policiais
envolvidos e obtém diversas informações privilegiadas. Sem dúvida, com a facilidade
de acesso aos quadros de base, as agências americanas devem ter facilidade no
recrutamento de pessoas que se disponham a espionar para o amigo norte-americano. A
entrevista de Carlos Costa, ex-chefe do FBI no Brasil por quatro anos ilustra tal visão,
quando pondera:
CC: O Estado brasileiro não controla os agentes estrangeiros?

CAC: Não controla. Porque quem paga é quem dá as ordens. Os Estados


Unidos pagam, eles dão as ordens nos setores que lhe são vitais. Os seus
governos não querem uma polícia independente, autônoma, bem paga e bem
treinada, porque temem que o feitiço se volte contra o feiticeiro. É óbvio que
qualquer polícia federal em qualquer país tem que buscar ser apolítica. Num
cenário como o vosso, se instala um nível de corrupção ao qual temos de dar
completa atenção. Mas mesmo assim tenho um grande respeito pela
instituição da Polícia Federal. Tem bons delegados e agentes, o problema é
de falta de autonomia. E que quero fazer uma ressalva...

CC: Faça sua ressalva.

CAC: Fiquei quatro anos na chefia do FBI aqui no Brasil. Os primeiros três
no governo passado, do Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual.
Até me admirei com o governo atual, que no cenário internacional tem
tomado claras atitudes pró-Brasil e pró-independência diante dos Estados
Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o governo tenha noção do quanto a
sua Polícia Federal está infiltrada por nós há anos, o quanto depende de nós.
Por que não tem autonomia na prática, não tem recursos [FERNANDES,
2004].

Paradoxalmente, apesar do aumento de investimentos feito pelo governo na


Polícia Federal, os programas da CIA e do DEA continuam.

4.5 Reorganização do sistema de inteligência brasileiro

Com o fim do interregno de mais de vinte anos de ditadura militar, todo o


aparato de inteligência brasileiro, organizado e aprimorado com vistas a identificar e
derrotar o suposto inimigo interno, se viu repentinamente em crise. Seu propósito
deixou de existir. Concomitantemente ao processo de redemocratização brasileira houve
o advento do fim das ditaduras stalinistas no leste europeu, culminando com a
85

bancarrota da ex-União Soviética.


A queda do modelo socialista soviético eliminou o grande adversário a ser
batido. O impacto de tais acontecimentos nas organizações de esquerda em todo o
mundo foi enorme. Diversos partidos comunistas, inclusive o brasileiro, deixaram de sê-
lo. A imensa maioria dos setores que então advogavam a ruptura do Estado capitalista
aderiu ruidosamente à luta pacífica e a disputa do controle do Estado, sobre o marco do
regime democrático.
Tais acontecimentos impactaram globalmente as agências de inteligência,
tal como a CIA, que durante parcela significativa dos anos noventa deu grande enfoque
ao combate do tráfico de drogas. Entretanto, o mundo girou e as grandes potências logo
se engajaram em enfrentamentos com novos inimigos, vez que o vácuo deixado pelo
movimento comunista foi preenchido por outros setores tais como nacionalistas,
radicais islâmicos etc. Isso não se deu no Brasil.
Quando o Governo Collor desarticulou a estrutura montada em torno do SNI
durante o regime militar, desmontou-se um organismo que superdimensionava o
inimigo interno, assim justificando sua própria existência. Todavia, com o fim da
estrutura moldada nos anos de repressão política, a evolução das principais instituições
de inteligência foi bastante diferente.

4.5.1 Reestruturação da ABIN


Como observado anteriormente, a ABIN foi criada no governo Fernando
Henrique Cardoso, com a pretensão de ser um órgão a serviço de uma sociedade
democrática. Contudo, uma série de fatores corroborou para inércia das mudanças na
agência. Dentre estes se destaca a dificuldade em mudar o foco do período anterior, o
denominado adversário interno.

Diferentemente do que fazem seus congêneres de países democráticos (como


a CIA nos EUA, o MI-6 na Inglaterra, o BnD na Alemanha e a DGSE na
França, que só têm autorização para agir no exterior), a Abin atua dentro do
território nacional, bisbilhotando a vida de cidadãos brasileiros. O foco no
chamado “inimigo interno” pouco mudou. Para a Abin, os movimentos
sociais continuam sendo vistos como uma ameaça em potencial ao país, um
alvo a ser vigiado e combatido, independentemente se atuam dentro ou fora
da lei [FIGUEIREDO, 2007, p. 73].

Como parcela razoável do quadro da ABIN em posição de comando foi


86

herdado do período do SNI, o modelo com que estes funcionários foram formados está
associado ao enfrentamento interno, preferencialmente com os velhos inimigos.
Recentemente foi publicado o Decreto 6.408, de 24 de março de 2008, que
iniciou mudanças na organização da ABIN, criando um Departamento de
Contraterrorismo, com vistas a acompanhar organizações que empreguem tais métodos
atuando no Brasil. Outro setor criado pelo mesmo Decreto foi o Departamento de
Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência, cujo objetivo se relaciona à integração
dos órgãos de inteligência pertencentes ao Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN.
Apesar da aparente mudança, o objeto de atuação da agência continua sendo o mesmo, o
inimigo interno.
Ao mesmo tempo em que a ABIN alterou seu organograma, buscou ampliar
suas competências no tocante a inteligência de segurança. Seus dirigentes iniciaram uma
ampla campanha defendendo a necessidade de o órgão poder realizar interceptações
telefônicas e telemáticas. Como justificativa, alegou-se a necessidade de um serviço de
inteligência para combater o terrorismo e o crime organizado internacional atuando
dentro do país.
A lógica predominante nas mudanças na agência ainda é pautada pela
doutrina do combate ao inimigo interno. Paradoxalmente, constata-se que, ao mesmo
tempo em que foram criados setores para integrar os órgãos nacionais da área ou
ampliar as possibilidades de monitoramento dos adversários internos, não foram
identificadas medidas para instituir a presença da ABIN nas embaixadas brasileiras no
exterior. À medida que tanto o uso de interceptação telefônica quanto a presença de
funcionários da ABIN, nas representações brasileiras em outros países, devam encontrar
óbices para se concretizarem, pondera-se que a escolha pela interceptação telefônica é
uma escolha política sobre como a instituição enxerga o seu papel. Enquanto a
utilização de interceptação telefônica por serviço de inteligência exige a alteração da
legislação pertinente pelo Congresso Nacional brasileiro, o posicionamento de membros
da ABIN no exterior depende centralmente de acordos políticos com o Ministério do
Exterior.
Logo, percebe-se que o maior entrave da agência para fazer inteligência
externa, em detrimento da interna, seria de ordem organizativa. Conforme afirmou
87

Carlos Costa, ex-chefe da representação do FBI no Brasil:


Se a ABIN mandar seus agentes trabalharem nos Estados Unidos, isso é
muito natural, é função de um Serviço de Inteligência do presidente. Cabe a
cada país anfitrião permitir, controlar essa presença ou não. Mas a ABIN é
um Serviço de Inteligência sem missão. Não atua no estrangeiro como deve
atuar um órgão vinculado à Presidência da República. Vivia, vive a investigar
o MST e outros cidadãos brasileiros mais ou menos ilustres. Isso é uma
violação de direitos civis em qualquer país democrático. Se a ABIN tivesse
que investigar aqui dentro do Brasil, deveria investigar estrangeiros que aqui
atuam, como os agentes de outros países [FERNANDES, 2004].

Conforme o grau de anacronismo de uma organização é mais fácil mudar


todo o ambiente externo do que tentar se adaptar a nova realidade.
Além da dificuldade em mudar a lógica de sua atuação, a ABIN, ao
perenizar-se na atuação interna, provoca a redundância de instituições atuando com
funções bastante semelhantes. Afinal, as atividades relativas ao combate ao crime
organizado e terrorismo são consideradas crime, sendo, portanto, objeto de atuação dos
órgãos policiais, em particular da Polícia Federal.

4.5.2 Polícia Federal e o crime organizado


A Polícia Federal vem sofrendo diversas mudanças recentes no tocante à
atividade de inteligência. Apesar da tradição de uso da inteligência para
acompanhamento do suposto inimigo interno, desde os idos em que a instituição foi
constituída como Polícia Civil do Distrito Federal e, posteriormente, Departamento
Federal de Segurança Pública – DFSP, o DPF modificou radicalmente a utilização de
sua estrutura de inteligência.
Com o fim dos anos de exceção política no Brasil, a Polícia Federal
abandonou as atividades relacionadas ao acompanhamento dos movimentos sociais e
migrou para o combate ao tráfico de drogas. Praticamente toda a estrutura de
inteligência da instituição passou a ser utilizada na identificação de organizações
criminosas relacionadas ao narcotráfico. Posteriormente, a partir de 2003, a inteligência
da instituição passou a dedicar-se, além do combate ao tráfico, a combater o crime
organizado e a corrupção dentro do Estado. Foram 09 grandes operações em 2003, 42
em 2004, 67 em 2005, 167 em 2006, 188 em 2007 e 235 em 2008 (DPF, 2008).
Com as operações de combate ao crime organizado, o DPF possivelmente
contribuiu para o processo de resgate da atividade de inteligência no país, vez que
88

tentou subordiná-la aos interesses da sociedade, mediante o subsídio aos processos de


persecução criminal. Contraditoriamente, pela primeira vez na história brasileira a
utilização dos meios de inteligência passou a combater justamente uma parcela dos
setores que historicamente sempre se beneficiaram da estrutura repressiva do Estado,
usando tal estrutura para coibir qualquer discordância sobre o uso privado dos recursos
públicos (FORTES, 2006, p. 28).
Por outro lado, ao centrar parcela significativa de seus recursos em
inteligência no combate às organizações criminosas, o DPF fragilizou as suas atividades
de inteligência de Estado. Ainda que o abandono do acompanhamento da vida política
do país seja positivo, vez que os cidadãos serão investigados somente mediante
denúncia sobre o cometimento de crimes, cabe observar que a inteligência de Estado e a
contra-inteligência possuem uma abrangência bem maior. O acompanhamento da
presença de estrangeiros em reservas na Amazônia brasileira, de atividades de grupos
terroristas ou da presença de serviços de inteligência estrangeiros atuando no Brasil são
aspectos fundamentais à soberania do Estado Brasileiro.
Apesar das limitações a anacronismos da Lei de Segurança Nacional (1983),
ela estabelece a determinação legal para que a Polícia Federal investigue e combata
ações de espionagem estrangeira no país. Conforme define a Lei, constitui-se como
crime:
Art. 13 - Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a
governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal,
de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou
assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como
sigilosos.
Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.
Parágrafo único - Incorre na mesma pena quem:
I - com o objetivo de realizar os atos previstos neste artigo,
mantém serviço de espionagem ou dele participa;
II - com o mesmo objetivo, realiza atividade aerofotográfica ou
de sensoreamento remoto, em qualquer parte do território nacional;
III - oculta ou presta auxílio a espião, sabendo-o tal, para
subtraí-lo à ação da autoridade pública;
IV - obtém ou revela, para fim de espionagem, desenhos,
projetos, fotografias, notícias ou informações a respeito de técnicas, de
tecnologias, de componentes, de equipamentos, de instalações ou de sistemas
de processamento automatizado de dados, em uso ou em desenvolvimento no
País, que, reputados essenciais para a sua defesa, segurança ou economia,
devem permanecer em segredo.

Contudo, apesar da previsão legal, não se verificam ações da instituição


89

objetivando a atividade de contra-inteligência no Brasil, leia-se combate às agências de


inteligência estrangeiras que espionam em território nacional.
Mesmo no tocante à inteligência interna ou de segurança, as atividades da
Polícia Federal ainda são limitadas ao combate a organizações criminosas, carecendo de
um conjunto de informações de inteligência mais amplas que possibilitem um
diagnóstico dos perigos que enfrenta o país. Com esses dados em mãos, as operações
policiais poderiam ser escolhidas, pois não se tem estrutura para investigar tudo ao
mesmo tempo, de acordo com sua relevância e custo/benefício.

4.5.3 A inteligência das Forças Armadas


A estrutura de inteligência das forças armadas sofreu algumas mudanças
recentes, sobretudo a partir da instituição do Ministério da Defesa. Todavia, apesar da
integração institucional entre as forças, pouco se avançou em integração entre as
organizações de inteligência das forças armadas.
Apesar de ser difícil descrever se o alvo principal da inteligência militar
continua sendo os setores internos do país e os segmentos políticos, alguns elementos
dão o indício de que a coleta de inteligência externa ainda é débil. Durante o ano de
2008 as Forças Armadas demandaram a expansão dos adidos militares, conforme já
abordado. Porém “os postos estão distribuídos por 32 países e são considerados um
prêmio para militares em fim de carreira” (FRANCO, 2008). Se a representação externa
não está vinculada à área de inteligência e é vista como um prêmio, presume-se que os
militares mais aptos na atividade de inteligência não sejam necessariamente os que mais
destaque tiveram na carreira militar.
Cabe observar que em um mundo internacionalizado, com as economias
nacionais cada vez mais dependentes umas das outras e com o advento da sociedade da
informação, novas dimensões militares surgem a cada momento e possuem profundas
implicações para todos os países do globo. Conforme argumenta During:

Temos que abrir os canais de comunicação das Forças Armadas Brasileiras


com o mundo. O nível de contatos com forças armadas estrangeiras é
mínimo. Estamos numa posição de "desconhecimento estrutural", tanto em
termos de tecnologia militar como o estado da arte operacional. Quais as
implicações dos conceitos do "Network Centric Warfare" dos suecos, ou a
"Compressão do Tempo" como usado pelos americanos no conflito do
Iraque, ou os conceitos chineses de "Assimetria e Guerra Irrestrita". Quais as
90

influências dessa sopa de letras que será fundamental nos combates do futuro:
UAVs, UCAVs, UCGVs e C4ISR? Mudar a postura de a adidância ser um
prêmio, mas torná-la uma real fonte de captação de informações técnicas e
operacionais aplicáveis à realidade brasileira [2003].

Todavia, o modelo de inteligência militar externa deve variar


exponencialmente de acordo com a formação e as características do militar designado à
representação no exterior. Sua ausência de treinamento e vínculo com os serviços de
inteligência militar também se constituem como um óbice ao aproveitamento da
presença externa.
91

5 ANÁLISE COMPARATIVA

A estrutura de inteligência dos Estados Unidos e do Brasil evidentemente


tem dimensões difíceis de serem comparadas. Os EUA são a única superpotência
restante no planeta, com poder militar incomparável e interesses por todo o globo. Sua
estrutura de inteligência espelha, portanto, suas pretensões, constituindo-se como uma
máquina de coleta e produção de informações incomparável. Provavelmente as agências
de inteligência do império americano sejam as maiores coletoras de dados do mundo,
interceptando comunicações, produzindo imagens de satélite, pagando informantes, e
tudo isso em escala global. Todavia, alguns aspectos devem ser avaliados ao
considerarmos a necessária comparação de modelos.
Primeiramente, cabe ressaltar que, em um mundo globalizado, dificilmente
qualquer nação do planeta pode se dar ao luxo de ignorar o que acontece no âmbito das
relações internacionais. O combate ao nacionalista islâmico no Afeganistão pode
significar o transbordamento do conflito para um país asiático ou latino-americano, em
que os grupos que empregam o terror possam atacar alvos mais facilmente, como uma
embaixada dos EUA, ou uma comunidade judaica local. Um conflito na África pode
significar a interrupção do fornecimento de petróleo para a China e conseqüentemente
afetar sua necessidade de aquisição de minérios brasileiros. As políticas de Washington
para países como Paraguai, Venezuela, Panamá e Bolívia podem significar
possibilidades de avanço nas relações locais ou de recrudescimento delas. Logo,
conhecer as ameaças à segurança do Estado, internas ou externas, é essencial.
Um segundo aspecto a ser considerado é o fato de o Brasil se postar como
uma potência regional. Sendo as instituições de Estado relativamente estáveis, apesar da
corrupção, eleições livres e uma economia em crescimento, o país ganha legitimidade
para pleitear um papel de maior destaque no cenário internacional. Todavia, destaque
também significa enfrentamentos, nem sempre de cunho apenas diplomático. Com a
economia em expansão, e com as empresas brasileiras participando ativamente nas
economias dos demais países da América do sul, tensões têm surgido no horizonte.
Além disso, com a visibilidade mundial, também se destacam os enfrentamentos com
grandes potências que, se não declaram guerra aberta, utilizam-se cotidianamente de
92

meios de inteligência para fazer prevalecer sua vontade.


Por fim, cabe ressaltar que o modelo de inteligência americano pode ser
comparado ao brasileiro sob o aspecto conceitual. Ou seja, se, em escala, é impossível a
comparação, isso não se dá quanto aos principais conceitos e atividades. Fazendo um
paralelo, um determinado país pode fazer uso das mais modernas técnicas de engenharia
enquanto outro pouco uso faz, contudo, os conceitos matemáticos e físicos que norteiam
a disciplina são universais. Isso se dá no terreno da inteligência. Evidentemente existem
outros modelos para a atividade que não o norte-americano, porém os princípios são os
mesmos. Além disso, no caso brasileiro o foco no exemplo dos EUA é fundamental,
pois, conforme abordado anteriormente, as instituições nacionais de inteligência tiveram
sua origem na escola estadunidense.
Conforme se pode observar, apesar de influírem decisivamente sobre as
instituições nacionais de inteligência, a lógica de funcionamento das agências da área é
bastante distinta. Para facilitar a análise serão analisados os quesitos abaixo.

5.1 Inteligência positiva


No terreno da inteligência externa os EUA possuem a maior rede de coleta
do mundo. Com o projeto Echelon interceptam parcela significativa das comunicações
globais. Possuem agências especializadas em coleta de imagens, com dezenas de
satélites espalhados pelo globo recebendo imagens detalhadas sobre os mais diferentes
aspectos. No tocante à inteligência humana, a CIA, o FBI, o DIA, o DEA, dentre outras
agências, contam com milhares de colaboradores em dezenas de países. Tais
colaboradores vão da escala de simpatizantes até espiões pagos. Nos países em que a
estrutura de inteligência nacional era frágil, os EUA obtiveram grande penetração nos
governos, nas polícias, nas forças armadas e nas próprias organizações de inteligência
locais. A América Latina foi um dos locais em que a política de cooptação americana
foi mais bem sucedida, ao contrário dos países do leste europeu, durante o período da
guerra fria, ou dos grupos radicais islâmicos atuais, em que a CIA necessita do uso
sistemático da tortura para a obtenção de informações relevantes.
Com o fim da Guerra Fria, agências como a CIA e a NSA passaram a buscar
um novo inimigo durante algum tempo. A CIA passou inclusive a atuar no combate ao
93

narcotráfico, disputando com o DEA espaço junto às polícias latino-americanas.


Entretanto, com o atentado terrorista às torres gêmeas em 2001 e o questionamento à
supremacia unilateral americana no cenário global, novamente a inteligência externa
ganhou um propósito claro. O combate às organizações islâmicas que empregam o
terrorismo, bem como aos estados nacionais que questionam duramente o hegemonismo
dos EUA, como era o caso do Iraque e Afeganistão e ainda o é do Irã, Coréia do Norte,
Venezuela e da própria Rússia.
Poderes foram dados novamente às agências externas estadunidenses e estas
se depararam com grandes dilemas a serem enfrentados. Um dos grandes desafios
postos pelo governo americano, para suas agências de inteligência, envolve a
concatenação dos produtos informacionais de um aparato enorme. Aparato esse que
muitas vezes coleta dados de diversos locais, baseado nas possibilidades tecnológicas
disponíveis, mas não consegue interpretar e analisar essa informação, permitindo que
ela faça a diferença. Outro aspecto envolve a capacidade de fornecer inteligência
humana, penetrando nas rígidas organizações radicais islâmicas, tendo necessidade de
acessar seus estreitos círculos decisórios.
Na tentativa de obter informações relevantes sobre possíveis atentados, a
CIA criou nos últimos anos diversas prisões clandestinas pelo mundo. Empregando
métodos como a tortura, a agência por um lado provavelmente obteve informações
relevantes, mas por outro fragilizou a posição política norte-americana no exterior. Ao
mesmo tempo em que seu espaço para a coleta de informações externas ganhou
legitimidade, percebe-se que a sociedade americana não aceitou alguns tipos de
comportamento por parte de suas agências de espionagem.
No caso brasileiro inexiste inteligência positiva, no lato sentido do termo.
Apesar de a ABIN ter como função a coleta externa, a agência praticamente não possui
posições fora do país. Como conseqüências, para a obtenção de informações sobre os
eventos globais, restam as fontes abertas, como os jornais e os contatos institucionais
com a inteligência estrangeira. Ora, informações fornecidas por outros serviços secretos
significam estar à mercê da percepção de mundo de outro país, com outros interesses
nacionais. Além do fato que países se utilizam amplamente de seus órgãos de
inteligência para desinformar ou tornar turva a realidade.
94

Além da ABIN, os órgãos afetos à área que têm representação internacional,


como a Polícia Federal e as Forças Armadas, não têm como missão a coleta de
inteligência positiva e tampouco empregam pessoal minimamente adequado para a
função. Comumente, as posições no exterior são consideradas como um prêmio de
encerramento da carreira.
Ao longo de sua história, o Brasil chegou a atuar externamente com o SNI e
o CIEx, contudo as informações que buscadas se relacionavam aos inimigos do regime
militar, ou seja, aos próprios cidadãos brasileiros exilados. Na conjuntura atual,
novamente se discute o sistema de inteligência brasileiro, contudo, tampouco se
apresenta um projeto para dar efetividade à dita inteligência positiva nacional.

5.2 Ações encobertas


Os EUA herdaram do OSS, durante a Segunda Guerra Mundial, o gosto pela
ação direta sobre a política nacional, as relações sociais e a vida dos outros países. A
partir de sua agência de inteligência externa, a CIA, os americanos intervieram em
distintas partes do globo, alterando o destino de nações inteiras. Tentativas de
assassinato, sabotagem, planejamento de golpes militares, criação de movimentos
políticos, financiamento de partidos, assassinatos. Tudo isso e muito mais. Dezenas
foram os países atingidos, que vão da Itália, com o financiamento da democracia cristã
em 1948 contra os comunistas (FENYVESI, 1999), passando pelo oriente médio com a
derrubada do governo democraticamente eleito do Irã em 1953 (RISEN, 2000), pela
América central com o golpe militar na Guatemala em 1954 e a fracassada tentativa de
invasão de Cuba em 1963. Diga-se, de passagem, que as tentativas de assassinar Fidel
Castro (CIA, 2007, p. 12) contam-se na casa das dezenas. Na América do Sul a CIA
financiou os adversários de Jânio Quadros nas eleições de 1962 e depois planejou e deu
garantias ao golpe militar de 1964. Depois vieram as quarteladas no Uruguai, em 1973,
no Chile, em 1973 (CIA, 1970, p. 1) e Argentina, em 1976. Na África os americanos
financiaram as guerras civis, como em Angola e no Congo. Na Ásia sustentaram o
governo corrupto do Vietnã do Sul e voltando ao oriente médio financiaram, no
combate aos soviéticos, os mesmos radicais islâmicos (BEARDEN; RISEN, 2005) que
por ironia da história hoje enfrentam.
95

Quanto ao Brasil, em termos de ações encobertas, o país foi vítima e não


algoz. Sem entrar no mérito da legitimidade desse tipo de prática, as agências de
inteligência brasileiras, quando implementaram ações que se caracterizariam como
ações encobertas, fizeram-no para perseguir os inimigos internos do regime militar. Seja
aliando-se a outros serviços de inteligência sul-americanos para eliminar os opositores
políticos do golpe militar residindo no exterior, seja pressionando com sanções e
ameaças países como o Uruguai, de forma a perseguir os dissidentes políticos
refugiados.
Quando muito se poderia afirmar que a inteligência brasileira participou
ativamente de operações encobertas dentro do próprio país, a exemplo da conformação
da Operação Bandeirante – OBAN e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – IPES.
Enquanto a OBAN objetivava a cassada implacável aos opositores do regime militar de
1964, às margens da lei, pois a iniciativa não tinha amparo legal, o IPES funcionou
como uma central de inteligência paralela ao governo João Goulart com vistas a
colecionar informações e preparar a sua derrubada pelos militares. Ambos foram
dirigidos por militares, com estreito vínculo com empresários e com a inteligência
americana.

5.3 Contra-inteligência
No âmbito da contra-inteligência os norte-americanos tiveram uma evolução
histórica, que foi moldada pela ascensão do país à primeira potência mundial. Com a
Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, os EUA foram alçados à primazia mundial.
Com isso passaram a ser alvo sistemático da atuação dos serviços de inteligência
estrangeiros, em particular o alemão e, posteriormente, o soviético. O FBI, que como
Polícia Federal americana tinha um papel eminentemente investigativo, deslocou-se
também para investigar a ação de espiões em território americano, sobretudo em relação
à penetração destes dentro das próprias agências de inteligência.
Ao longo dos anos o FBI cometeu diversos desvios, conforme observado
neste trabalho, sobretudo em relação à investigação de cidadãos norte-americanos sem a
existência de fundada suspeita. Investigava-se alguém simplesmente por sua filiação
ideológica, em completo desrespeito para com a constituição americana. Entretanto, em
96

meados da década de setenta, o governo, com a pressão do congresso, adotou uma


postura mais legalista e o FBI mudou o critério de investigação, deslocando-se da
posição ideológica para a posição funcional, mais técnica e menos visceral. Passou a se
preocupar com os funcionários públicos e políticos que estavam em posições
privilegiadas quanto ao acesso a segredos de Estado e que, conseqüentemente, poderiam
ser cooptados pela inteligência estrangeira. Como resultado, um dos indicativos foi a
ampliação do número de espiões identificados atuando dentro dos serviços de
inteligência americanos.
Além da defesa contra a ação estrangeira, os EUA procuraram atuar
ofensivamente, penetrando as agências de inteligência inimigas. Apesar de sua iniciativa
remontar à década de cinqüenta, começaram a colher os primeiros frutos a partir dos
anos sessenta com o início das deserções entre os agentes soviéticos. Ao longo dos anos,
a CIA, externamente, e o FBI, internamente, colecionaram diversos agentes com acesso
a inteligência soviética e de seus aliados. Em relação aos adversários secundários e
“aliados”, como a inteligência dos países de terceiro mundo, os americanos obtiveram
amplo sucesso. Utilizando-se abertamente de recursos financeiros para cooptar policiais,
analistas de inteligência, militares, embaixadores e políticos, a CIA foi bem sucedida na
penetração de diversos serviços de inteligência.
Todavia, as falhas do sistema também foram grandes. Os serviços de
inteligência soviéticos e do leste europeu conseguiram cooptar vários agentes em postos
chaves dentro da inteligência americana, causando diversos prejuízos. Além do mais, os
soviéticos também cooptaram espiões duplos dentro do MI-6 britânico, que é
umbilicalmente ligado à CIA, causando igualmente prejuízos devastadores.
A contra-inteligência brasileira praticamente inexiste, e se confunde
conceitualmente com a atividade de inteligência de segurança. Os serviços de
inteligência brasileiros sofreram diversas penetrações pela inteligência estrangeira,
principalmente a norte-americana. Seja no tocante a inteligência de segurança ou na
coleção de informações externas, os americanos sempre conseguiram dar o tom.
As agências internas brasileiras foram fomentadas pelos EUA, como o
antigo SNI, e a agência externa, o CIEx, fundada por Pio Correa, o qual teve seu nome
na folha de pagamento da CIA. Diversos funcionários públicos, com papéis
97

proeminentes em suas organizações, muitas vezes ajudando a fundá-las, foram formados


pelas escolas de inteligência dos Estados Unidos, construindo relacionamentos íntimos
com os agentes americanos posteriormente. Se tais indivíduos traíram o seu país
fornecendo informações à espionagem dos EUA, ou perderam a capacidade de discernir
as fronteiras entre relações institucionais e segredo de Estado, é uma questão que na
prática pouca diferença faz. O que interessa é o fato das informações fluírem para as
agências estrangeiras com relativa facilidade.
Até o momento, embora com menos intensidade que outrora, as agências de
inteligência americanas também continuam a atuar sobre as instituições de segurança,
como é o caso da Polícia Federal. Fornecendo valores a determinados policiais,
sobretudo sobre a alegação de combate ao tráfico de drogas e recentemente ao
terrorismo internacional, eles têm que repassar relatórios sobre o estado de sua
atividade.
A ausência da atividade de contra-inteligência é uma lacuna a ser
preenchida no Brasil, e que traz sérias conseqüências ao país.

5.4 Inteligência de segurança


Em relação ao monitoramento, dentro do país, sobre a atuação de grupos
criminosos internacionais, organizações terroristas, redes de corrupção dentro do Estado
e mesmo a cooptação de cidadãos pelos serviços de inteligência estrangeiros, salvo os
funcionários das agências de inteligência nacionais, que estão a cargo da contra-
inteligência, muito se desenvolveu a inteligência interna nos Estados Unidos e Brasil.
No caso americano, a vigilância interna dos EUA perpassou as etapas de
identificação dos movimentos sociais, ao longo das décadas de vinte e trinta do século
passado, rumando para a detecção da presença do inimigo alemão durante o período da
guerra e posteriormente foi direcionada também para o combate novamente ao inimigo
comunista, interno e externo. Posteriormente agregou-se a identificação dos comunistas
a compilação de outros movimentos de ordem social, como o movimento negro
organizado, as organizações supremacistas brancas, as organizações estudantis e
eclesiásticas antiguerra do Vietnã, dentre outras. O estado americano violou
sistematicamente as garantias individuais investigando indivíduos por sua posição
98

ideológica e não por suas práticas.


Esse processo culminou com a insurgência da sociedade, sobretudo em
meados da década de setenta com o caso Watergate, que pôs em cheque o papel das
agências de segurança, pressionando a partir do congresso americano. Além disso, com
a morte em 1972 de Edgar Hoover, diretor do FBI por décadas, ficou mais fácil
implementar mudanças radicais no órgão. Investigações congressuais sobre as ações
ilegais das agências de espionagem em território americano foram iniciadas, alguns
dirigentes exonerados e mudou-se definitivamente a lógica de atuação da inteligência
interna. O FBI passou a adotar a eleição de alvos a partir da proximidade dos indivíduos
com informações confidenciais, bem como a partir das ações criminosas dos cidadãos,
deslocando-se do componente ideológico, em que os sujeitos tinham suas vidas
devassadas simplesmente por suas crenças e convicções. Conforme já abordado, o FBI
chegou a ter centenas de milhares de dossiês, em função de quase todos os filiados ao
Partido Comunista e outras organizações de esquerda, infiltrando vários agentes dentro
de tais organizações.
Apesar das mudanças postas a partir da década de setenta, o atentado
terrorista de 2001 gerou outra inflexão, desta vez no sentido de restringir as liberdades e
a inviolabilidade das informações pessoais. Como os atentados terroristas são difíceis de
detectar, diversas ações foram iniciadas a partir da coleta de bancos de dados de
chamadas telefônicas, cartões de crédito ou viagens de avião tentando estabelecer,
mediante o uso de softwares, padrões comportamentais. Além disso, diversas medidas
facilitando à investigação em desrespeito a privacidade foram observadas. Todavia,
percebe-se em diversos setores sociais dos EUA uma constante preocupação para que as
medidas de exceção não ultrapassem o marco constitucional.
A experiência de segurança interna do Brasil, apesar da origem semelhante à
dos EUA, difere bastante deste em sua evolução. Embora as instituições brasileiras
atuantes na área tenham surgido para enfrentar os movimentos sociais em ebulição no
início do século XX, lidando com a espionagem alemã durante a guerra e
posteriormente enfocando novamente o inimigo comunista e os movimentos sociais, as
organizações de segurança nacionais perenizaram seu inimigo.
Sob a forja dos Estados Unidos e a lógica da guerra fria, o SNI, a Polícia
99

Federal e os setores militares, transformaram todos os opositores do regime castrense


brasileiro em inimigos de Estado. Como para a inteligência externa americana o cidadão
brasileiro pode ser tratado como inimigo, vez que é estrangeiro, doutrinaram-se os
nacionais do seguimento sob a mesma óptica. Melhor dizendo, para um agente de
inteligência do Brasil, o cidadão engajado em qualquer movimento de reivindicação
contra o Estado é equivalente a um espião estrangeiro. Um inimigo da sociedade a ser
eliminado. Portanto, deu-se um tratamento aos adversários do regime militar
incontrastável com situações similares em qualquer democracia do mundo. Tudo que
fosse inconcebível se permitir dentro de território norte-americano, contra os cidadãos
dos EUA, no Brasil e demais países da America Latina foi amplamente executado. A
inteligência de segurança nacional tornou-se o parque de diversões da CIA. As polícias
e estruturas de inteligência torturaram, eliminaram e perseguiram amplamente seus
nacionais. Entretanto, a lógica de tais organismos foi tão contaminada pela doutrina
americana, que estes não foram vistos como adversários, em uma cultura de assimilação
imediata das posições das agências americanas pelas brasileiras.
Com o fim da guerra fria, percebe-se que o modelo mental de combate ao
inimigo nacional ainda tem forte presença, sobretudo na ABIN. A agenda da instituição
herdeira do SNI ainda são os cidadãos do país, e o enfoque estratégico envolve a
ampliação da capacidade de monitorar esses cidadãos. Os critérios de eleição de alvos
permanecem relacionados às posições políticas, e não às práticas criminosas. Como
estabelece Figueiredo:

Ainda no primeiro ano da gestão Lula, a Presidência da República relançou


uma antiga proposta do SNI: legalizar o uso de grampos telefônicos e de
escutas ambientais por parte do serviço. A desculpa dada foi a de que, nos
países desenvolvidos, era assim que as coisas aconteciam no serviço secreto,
ou seja, de forma legal. Omitiu-se um fato, porém. Nesses países, os órgãos
de inteligência não operam no campo interno, deixando a coleta de
informações em território nacional a cargo da polícia e de outras instituições.
[...]
Mas apesar de lidar com assuntos de todo o planeta, o serviço secreto
brasileiro atua com base na chamada doutrina do "inimigo interno". Ou seja,
o inimigo mais perigoso do Brasil é o próprio brasileiro, que, por causa disso,
precisa ser vigiado. Ao contrário de seus colegas americanos da CIA,
franceses da DGSE, alemães do BnD e ingleses do MI-6, que procuram seus
inimigos entre os estrangeiros, os espiões brasileiros vivem de bisbilhotar
seus compatriotas – uma postura herdada da guerra fria e, ainda hoje, típica
dos serviços secretos de países subdesenvolvidos e não democráticos.
100

[FIGUEIREDO, 2005]

Com a permanência do inimigo político-social em foco, têm-se uma terrível


conseqüência, o combate à espionagem é praticamente nulo. Não se observa a
divulgação de captura ou identificação de espiões agindo sobre o país nas últimas
décadas. Considerando-se a projeção do Brasil, é bastante improvável que o país esteja
imune a tais eventos.

5.5 Conseqüências para o Brasil


Ao serem comparados o sistema estadunidense e brasileiro, percebe-se que
de fato o Brasil cresceu alijado de um sistema de inteligência externa efetivo, de uma
estrutura de contra-inteligência focada no combate à espionagem estrangeira e,
sobretudo, com enormes distorções quanto ao emprego da inteligência de segurança.
Dentro do país, o cidadão foi equiparado a inimigo de Estado, recebendo tratamento de
acordo.
A doutrina de inteligência nacional foi moldada pelas agências de
espionagem norte-americanas de forma a privar o país de capacidades essenciais para
lidar com as agências de espionagem estrangeiras, os EUA dentre estas. A forma de
observar o mundo dos herdeiros do SNI ainda é impactada com a herança da guerra fria
e com o combate ao inimigo interno. O olhar de diversos dirigentes, conforme já
analisado, ainda preocupa-se com os setores sociais historicamente descontentes com o
regime, como o movimento dos sem terra. Mesmo quando se tenta mudar a temática de
atuação de órgãos como a ABIN, o horizonte apontado ainda é interno ao país, focado
em questões como o crime organizado e o terrorismo que já são acompanhados pelas
polícias judiciárias, que atuam fiscalizadas pelo Ministério Público e sob autorização do
judiciário. Apesar de os organismos policiais terem aprimorado, nos últimos anos, o
combate às organizações criminosas nacionais e transnacionais, e acompanharem
corriqueiramente as atividades de grupos islâmicos radicais dentro do Brasil, ou de
organizações criminosas, persiste a vontade política de focar a inteligência brasileira na
segurança interna.
Outro aspecto digno de nota é que ainda persiste outro anacronismo do
período repressivo, em que a ABIN herdou do SNI a responsabilidade pela inteligência
101

externa e interna. Dentre os países com maior centralidade nas relações internacionais
atuais, inexiste algo parecido ao modelo brasileiro. Internacionalmente, considera-se
difícil criar uma instituição cuja atividade envolva a capacidade de obter segredos de
outros países, ao mesmo tempo em que se respeite fielmente, no ambiente interno, a
constituição e os dispositivos legais. Por essa contradição intrínseca, as nações têm
constituído um serviço externo, para espionagem e informação positiva, e outro interno,
com vistas a, sob a égide das leis, protegendo a segurança nacional. Além disso, em
uma sociedade democrática não se concentram enormes poderes nas mãos de uma
mesma instituição.
Como conseqüência das históricas distorções na atuação da inteligência
brasileira tem-se:
1) A redundância de instituições agindo sobre os mesmo temas. A ABIN
propõe-se a utilizar de interceptação telefônica internamente, para investigar temas que
são criminalizados pelas leis. Como as investigações andam em voga, corre-se o risco
de três instituições diferentes fazerem o mesmo trabalho. A ABIN investiga, o
Ministério Público investiga e a polícia investiga. Todavia, em se tratando de
organizações criminosas sofisticadas, com acesso a instrumentos de defesa, ainda se
corre o risco de comprometer o processo investigatório, vez que parte dessas
organizações não tem poder de polícia e conseqüente amparo legal. Ainda neste tópico,
outro aspecto digno de nota é o de que em um país como o Brasil, em que os recursos
são escassos para garantir questões básicas, como a saúde ou educação, o Estado se dar
ao luxo de manter várias organizações governamentais com o propósito idêntico.
2) O enfoque inadequado no acompanhamento de movimentos sociais e
políticos em que estes são criminalizados. Conforme se percebe na experiência norte-
americana, houve uma profunda mudança na inteligência interna praticada pelo FBI na
década de setenta. Com as modificações, a eleição de alvos internos passou a envolver a
prática de crimes ou a posição funcional dentro do Estado, e se tal posição permitiria o
acesso a informações confidenciais. Todavia, pela perpetuação da herança da formação
estadunidense, a agenda de setores da inteligência interna do Brasil ainda é fortemente
marcada pela identificação e acompanhamento do inimigo político. A bem da verdade,
em uma sociedade democrática, tais práticas constituem-se crime, considerando-se que
102

o Estado deve garantir as liberdades individuais, bem como o direito à privacidade. No


momento em que os cidadãos são investigados por sua crença e não por seus crimes,
tem-se uma polícia política e não um serviço de inteligência;
3) A utilização de práticas que desrespeitam a legislação brasileira. Assim
como a CIA, a NSA e o próprio FBI desrespeitaram durante algum tempo a constituição
estadunidense e atuaram à margem da lei dentro de seu próprio país, no Brasil persistem
as denúncias de práticas ilegais para obtenção de informações, tais como a interceptação
telefônica e acesso a informações fiscais. Tais práticas foram estimuladas pela lógica
formativa das organizações da área no Brasil. Desenvolvidas pelos EUA, as agências
brasileiras não foram dotadas do discernimento entre coleta de informação externa e
interna do país. Conforme definiu Martchenko, no que foi colocado pelo autor como
um elogio ao antigo SNI:
O Brasil não ficou à parte desse processo [guerra-fria], incorrendo no mesmo
caso com o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), que, apesar de ter
atribuições na produção de informações externas de contra-espionagem,
pautou sua atuação, desde o surgimento em 1964, principalmente, na
produção de informações do campo interno. No entanto, demonstrava maior
autonomia do que os demais serviços e, onde também foram empreendidas
iniciativas de grande visão no campo externo, após a consolidação inicial do
movimento.
Como curiosidade é interessante observar que a concentração dessas três
atividades em uma única estrutura, com preponderância para o controle
interno, até algumas décadas atrás, era típica de regimes totalitários, como no
caso o Comitê de Segurança do Estado (KGB), da então União Soviética e de
seus congêneres do Pacto de Varsóvia, no Leste Europeu. Essa estrutura,
oriunda daquela primeira organização citada anteriormente, caracterizava
sobremaneira o caráter sistêmico e também expansionista para o exterior de
suas atividades, uma vez que, era o chamado braço armado para a exportação
da ideologia pelo mundo, um dos ditames fundamentais do regime soviético
[2002, p.77].

Como se pôde observar ao longo das discussões, as agências externas de


inteligência se utilizam de todos os meios possíveis para a obtenção de informações. A
lógica que permeia tal atividade é a de que se defende a nação de ações que possam
colocar em cheque a sua existência soberana. Por outro lado, internamente, não se
admite que a criatura destrua o criador, ou seja, não se permite que um órgão seja criado
pelo Estado para desrespeitar sistematicamente as leis que esse próprio Estado elabora,
promulga e aplica. Em termo de inteligência interna, atua-se somente com mandato
legal, o que significa dizer que o judiciário tem um papel chave;
103

4) A incapacidade de detectar as práticas de espionagem desenvolvidas no


país, e de obter informações relevantes sobre a atuação da inteligência estrangeira. Mais
uma vez se apreende o grau de elaboração do gestor de inteligência da CIA ao ajudar a
formatar o sistema brasileiro. Como o foco das agências nacionais é praticamente a
inteligência de segurança, a contra-inteligência brasileira apresenta debilidades para
atuar com vigor sobre os agentes norte-americanos, por exemplo, que atuam livremente
pelo país. Ao contrário dos EUA, em que, após o período da Segunda Guerra Mundial,
aproximadamente uma centena de nomes de espiões permearam estudos tornados
públicos, sendo capturados pelo FBI e CIA, não existindo nenhuma divulgação de que o
Brasil identificou ou prendeu algum espião, nacional ou estrangeiro. Evidentemente que
em ambos os países devam existir casos desconhecidos pela imprensa, contudo, baseado
na tradição das autoridades brasileiras, que comumente fornecem informações
classificadas à grande imprensa, pondera-se que a inexistência de qualquer dado a
respeito por si só constitui-se como um forte indicativo da fragilidade do país quanto ao
combate à espionagem. Outro aspecto a ser considerado é a pouca presença das agências
brasileiras no exterior, em particular a ABIN. Torna-se também impossível cooptar
qualquer membro pertencente à inteligência de outro país senão se tem presença física
neste dado território. Considerando-se a ampla preponderância dos Estados Unidos no
terreno da inteligência de sinais, como manter contato com um indivíduo no exterior
sem ser detectado e conseqüentemente expor a fonte? Além do mais, até para cooptar
um agente ou mesmo aceitar a sua eventual deserção, faz-se necessária a presença
física, o relacionamento pessoal, que inexiste;
5. A ausência de informações positivas sobre os diversos países, que, como
atores de um mundo globalizado, têm forte influência sobre os destinos do Brasil. A
ABIN é a responsável pela inteligência externa brasileira, contudo não possui presença
sequer em grande parte dos países da própria América Latina. Como o foco da agência
persiste em fazer inteligência interna, reivindicando a interceptação telefônica inclusive,
não se percebe nenhuma ação para mudar a lógica de atuação da instituição, dirigindo
sua atividade na coleta de dados fora do país. Criar uma agência para trabalhar no
exterior exige formação de pessoal adequado, com domínio de línguas diversas e da
cultura e realidades locais, contudo, é uma atividade que um país como o Brasil não
104

pode prescindir. Como uma nação, em um mundo globalizado em que as guerras, os


atentados e as sanções econômicas têm impacto global, pode ficar sabendo dos grandes
acontecimentos da humanidade pelos jornais? A título de exemplo, no oriente médio,
quando o Iraque invadiu o Kuwait em 1990 e posteriormente foi atacado pela coalizão
liderada pelos EUA, foi comprometida parcela significativa da indústria bélica nacional.
Tendo em vista que a principal empresa do setor era fornecedora do Iraque, quando ele
sofreu embargo econômico e deixou de pagar suas dívidas, o fornecedor brasileiro arcou
com o prejuízo. Concomitantemente, a mesma empresa também investiu, à época, para
o fornecimento do modelo de carro de combate principal da Arábia Saudita; entretanto,
devido à súbita dependência militar dos norte-americanos em que se viram os sauditas,
o veículo americano foi adotado. Como saldo, atualmente o Brasil tem que adquirir
carros de combate de outros países, tendo voltado à dependência de décadas atrás.
Exemplos na própria America do Sul são recorrentes, como a nacionalização das
refinarias da Petrobrás na Bolívia, o enfrentamento do governo paraguaio com os
brasileiros residentes no país, ou o veto do governo americano à venda de componentes
para que o Brasil forneça aviões militares à Venezuela. São eventos por vezes pontuais,
mas, em um mundo entrelaçado economicamente, as conseqüências são funestas.
Porém, apesar da importância, até o momento esse debate não está na ordem do dia das
principais organizações de inteligência brasileiras.
105

6 CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que a inteligência brasileira foi direcionada em sua


formação para acompanhar a vida interna do país, elegendo internamente como
adversária a própria população, em detrimento da coleta de informações externas e do
desenvolvimento de capacidades de detecção de espionagem estrangeira. Apesar da
fundação das instituições de inteligência brasileiras terem sido contemporâneas a
criação das instituições análogas estadunidenses, as estruturas resultantes são
acentuadamente dispares. Considerando-se a influência do governo dos Estados Unidos
na conformação das agências dos dois países, conforme demonstrado evidencia-se que
os norte-americanos agiram para beneficiar seu próprio país, em detrimento dos
interesses estratégicos do Brasil.
Como resultado criou-se um sistema brasileiro de inteligência com enorme
poder formal, centralizando todas as dimensões da atividade, mas que, pelo gigantismo
de sua função e a herança recebida dos formadores americanos, tem dificuldades em
cumprir sua tarefa.
Espera-se que a história não se repita, entronizando um modelo de
inteligência de país periférico ao Brasil, eliminando meios para o desenvolvimento da
sociedade e do poder nacional e, sobretudo, impedindo o avanço da democracia e da
independência nacionais. Existem aspectos da inteligência de Estado que uma nação
soberana não pode prescindir se quiser permanecer como tal. Anseia-se que os eventos
históricos, que outrora se passaram como tragédia, em que parcela da atividade de
inteligência brasileira colocou-se a serviço de uma lógica externa, atuando para reprimir
o seu próprio povo, não se repitam como farsa, em que se combate um inimigo interno
inexistente e se ignora onde de fato estão os adversários da sociedade brasileira.
106

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