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Belo Horizonte
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
2009
Centro Universitário Newton Paiva
Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais
Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de
Segurança Pública com Inteligência Competitiva
____________________________________________________________
Presidente – Professor Doutor Denilson Feitoza Pacheco
____________________________________________________________
Professora Doutora Priscila Carlos Brandão Antunes
____________________________________________________________
Professor Mestre Roger Antônio Souza Matta
____________________________________________________________
Professor Especialista José Eduardo da Silva
Ismail Kadaré.
Renato Russo.
RESUMO
The research uses the premise that the U.S. government strongly influenced the creation
of the Brazilian intelligence agencies, shaping them with the focus on action within
national borders, rather than external action and the development of counter-intelligence
capabilities. As a tool of analysis, the U.S. and brazilian intelligence systems were
compared, trying to identify differences and similarities between them. Legislations in
both countries, declassified State documents and review of literature on the subject were
used as theoretical reference.
The conclusion is that in fact the Brazilian and U. S. intelligence systems, despite
having been created in the same historical period, have quite different structures. Brazil
has weaknesses on the ability to produce strategic knowledge about external events, and
not have the appropriate institutions and instruments to detect the possible actions of
spying inside the country. This does not occurs with the U.S. agencies.
BnD – Bundesnachrichtendienst
DI – Departamento de Inteligência
Defesa Interna
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 11
2 INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA ..................................................... 15
2.1 Conceituando inteligência .............................................................................................. 15
2.2 Conceituando contra-inteligência .................................................................................. 18
2.3 Inteligência externa e interna ........................................................................................ 21
2.4 Ações encobertas ............................................................................................................. 22
2.5 Disciplinas de coleta ........................................................................................................ 24
3 O MODELO DOS EUA .............................................................................................. 27
3.1 Inteligência positiva e ações encobertas ........................................................................ 27
3.1.1 A CIA e a coleta externa .......................................................................................................... 27
3.1.2 O Diretório de operações clandestinas da CIA ........................................................................ 29
3.1.3 A NSA e a inteligência de sinais .............................................................................................. 32
3.1.4 O DIA e a Inteligência militar americana ................................................................................ 33
3.2 Contra-inteligência e segurança interna ....................................................................... 34
3.2.1 A CIA e a contra-inteligência externa ...................................................................................... 36
3.2.2 O FBI e a centralização da contra-inteligência ........................................................................ 36
3.2.3 Abusos e perseguição interna ................................................................................................... 38
3.2.4 Profissionalização da contra-inteligência americana ............................................................... 40
3.3 Espionagem sobre os Estados Unidos ........................................................................... 42
3.3.1 Mapeamento e estudos de ocorrências ..................................................................................... 43
3.3.2 Casos mais significativos ......................................................................................................... 46
3.4 Reorganização do sistema de inteligência americano .................................................. 48
3.4.1 Reestruturação das agências de inteligência ............................................................................ 49
3.4.2 Criação do DHS ....................................................................................................................... 51
3.4.3 A volta da restrição da privacidade e dos direitos civis ........................................................... 52
4. O MODELO BRASILEIRO ...................................................................................... 56
4.1 Surgimento e evolução .................................................................................................... 56
4.2 Inteligência positiva e ações encobertas ........................................................................ 61
4.2.1 Inteligência externa e o SNI ..................................................................................................... 61
4.2.2 O Itamaraty e o CIEx ............................................................................................................... 63
4.3 Contra-inteligência e segurança interna ....................................................................... 66
4.3.1 Evolução da inteligência de segurança..................................................................................... 66
4.3.2 Segurança interna e o DOI-CODI ............................................................................................ 68
4.3.3 Primórdios da contra-inteligência brasileira ............................................................................ 70
4.3.4 Contra-inteligência à moda dos EUA ...................................................................................... 72
4.4 Espionagem sobre o Brasil ............................................................................................. 77
4.4.1 Mapeamento e estudo de ocorrências ...................................................................................... 77
4.4.2 Casos mais significativos ......................................................................................................... 78
4.5 Reorganização do sistema de inteligência brasileiro ................................................... 84
4.5.1 Reestruturação da ABIN .......................................................................................................... 85
4.5.2 Polícia Federal e o crime organizado ....................................................................................... 87
4.5.3 A inteligência das Forças Armadas .......................................................................................... 89
5 ANÁLISE COMPARATIVA ...................................................................................... 91
5.1 Inteligência positiva ........................................................................................................ 92
5.2 Ações encobertas ............................................................................................................. 94
5.3 Contra-inteligência ......................................................................................................... 95
5.4 Inteligência de segurança ............................................................................................... 97
5.5 Conseqüências para o Brasil ........................................................................................ 100
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................... 105
REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 106
11
1 INTRODUÇÃO
1
Escritório de Serviços Estratégicos (tradução nossa).
2
Agência Central de Inteligência (tradução nossa). Criada pelo presidente Truman a partir do National Security Act
of 1947.
12
3
School of the Americas (SOA), atualmente denominada Western Hemisphere Institute for Security Cooperation
(WHISC). Foi fundada em 1946 no Panamá, com o objetivo de formar militares da América Latina.
13
desenvolver certo controle legislativo sobre a área, com vista a evitar a erosão das
liberdades individuais e dos direitos civis.
No caso brasileiro, apesar da criação concomitante, a organização do sistema de
inteligência, curiosamente, é bastante distinta do modelo estadunidense. Ao invés de
haver divisão de inteligência externa e de segurança interna, somente um órgão executa
tais atividades, de forma centralizada, no caso a Agência Brasileira de Inteligência –
ABIN. Também se observa uma hipertrofia nas atividades de inteligência de segurança,
muitas vezes confundindo-se tais atividades com o conceito de contra-inteligência.
Outro aspecto que se destaca é a vinculação da atividade de inteligência brasileira à
repressão política interna e à prática de tortura durante a ditadura militar.
Como a estrutura de inteligência brasileira deriva do modelo americano, apesar
das diferenças apontadas, presume-se que possa ter existido uma intencionalidade por
parte dos EUA ao formatar as organizações nacionais da área. Infere-se que a
fragilidade quanto à inteligência externa, bem como em relação à contra-espionagem,
poderia ser um fator de debilitação da segurança nacional, bem como um elo de
dependência para com a estrutura americana. Nada mais valioso para um Estado do que
a capacidade de projetar seus interesses nacionais e pontos de vista a outros Estados,
como se comuns fossem.
Nesse sentido, a comparação do modelo de inteligência americano com o
brasileiro, por meio da identificação das diferenças e similaridades, pode contribuir para
a avaliação do atual sistema de inteligência nacional, principalmente no tocante à
atividade de contra-inteligência como instrumento de proteção ao Estado brasileiro.
Teria sido a estrutura de inteligência do Brasil influenciada pelos Estados Unidos, de
forma limitar no nascedouro as capacidades de coleta externa e contra-inteligência das
agências nacionais?
Assim, este trabalho pretende demonstrar que a estrutura brasileira de
inteligência, se comparada à estadunidense, não promove mecanismos para a defesa
nacional contra as ações de outros países, principalmente contra os EUA, bem como é
débil na obtenção de informações externas. Com tal objetivo, esse trabalho está adiante
exposto:
14
2 INTELIGÊNCIA E CONTRA-INTELIGÊNCIA
4
Inteligência é sobre ‘eles’, não ‘nós’; não é autoconhecimento (tradução nossa).
19
como os demais segredos de Estado, que podem ser obtidas pela inteligência de outros
países. Tais processos são intitulados de contra-inteligência. Para cumprir o seu papel,
“deve evitar a obtenção de dados pelas agências hostis, impedir que consigam passar as
informações que tiverem obtido e, naturalmente, rastrear, neutralizar e capturar os
agentes do inimigo” (FREGAPANI, 2001, p. 72). Apesar de reunir informações, tal qual
a inteligência, o seguimento de contra-inteligência assemelha-se com a inteligência
policial (CEPIK, 2003; FREGAPANI, 2001; HERMAN, 1996), tendo em vista que atua
investigando indivíduos ou organizações que praticariam crimes contra o Estado e a
sociedade. Ressalte-se que espionagem ou terrorismo, mais do que ameaças informais,
não deixam de ser tipificados como crimes.
Todavia, mais do que investigação, a contra-inteligência, com o intuito de
proteger as informações sigilosas do Estado, desenvolve uma série de atividades de
caráter defensivo e ofensivo. De acordo com Shulsky (2002), têm-se os seguintes
processos:
A) Medidas defensivas:
1) Classificação da informação. Consiste na determinação de níveis de acesso a
informação, de acordo com a sensitividade desta, bem como da necessidade de
tomar conhecimento de dada informação. Pretende-se com isso evitar o acesso
desnecessário ao dado, de forma a restringir as possibilidades de vazamento,
mediante a simples redução do acesso e disponibilidade. Por outro lado, uma
informação classificada, ao contrário de um jornal, traz em seu bojo um
delimitado número de usuários que possam acessá-la, facilitando também a
identificação da fonte de vazamento;
2) Segurança. Segurança pessoal, com a investigação de antecedentes e vínculos
de indivíduos que venham a ter acesso à informação classificada pelo Estado,
de forma a identificar eventuais associações com serviços de espionagem
estrangeiros, evitando antecipadamente que tal acesso torne-se vazamento de
informações confidenciais; segurança física. Estabelecendo medidas para
evitar que agentes estrangeiros tenham acesso à informação classificada, pois
a informação que é de fácil acesso pode ser roubada tal qual se rouba um
banco;
20
B) Medidas ofensivas:
Enquanto as medidas defensivas ou passivas buscam tão somente impedir o
acesso a informações relevantes às agências de espionagem estrangeiras, sem muitas
vezes sequer identificar quem seriam os adversários buscando tais informações, as
medidas ativas, ou ofensivas, buscam agir sobre o adversário. Com as medidas ativas
tenta-se identificar o modo de operar do inimigo, atuando para romper a ação do
adverso, podendo evoluir tais ações para obter vantagens sobre o serviço de inteligência
rival. Tal conjunto de ações é categorizado por Shulsky (2002, p. 108) como Contra-
inteligência. Têm-se, segundo o autor, como medidas ofensivas, as operações de
vigilância, a coleção de inteligência e a desinformação:
B.1) Operações de vigilância. Consiste em estabelecer vigilância sobre os
oficiais de inteligência de outros países, comumente atuando sobre cobertura
diplomática, de forma a identificar as relações dos mesmos, com isso podendo localizar
eventuais espiões locais. Teoricamente, é mais fácil identificar uma rede de espionagem
a partir de seu controlador do que tentando filtrar nacionalmente os indivíduos
suspeitos;
B.2) Coleção de inteligência. Tido como o meio mais eficiente para
detectar as ações da inteligência estrangeira, consiste em coletar informações
diretamente sobre o serviço rival, mediante o emprego de fontes humanas ou de meios
técnicos. Com a penetração do serviço de inteligência adversário, pode-se não somente
localizar o seu conjunto de agentes operando, eliminando a sua atuação, como também
passar a fornecer informações distorcidas ao adversário, turvando sua visão.
Como se vê, outro campo da contra-inteligência é a desinformação. Tal
atividade prevê o uso do logro, da mentira, de forma a que o serviço de inteligência
adversário recolha informações falsas, que tome por verdadeiras, levando ao engano dos
dirigentes do governo em questão, “manipulando a percepção dos mesmos” (GODSON,
2004, p. 235). A desinformação é potencializada se é feita a partir da penetração da
inteligência adversária, que contaria com agentes duplos desinformando a inteligência
inimiga. Porém, também se pode operar desinformando de forma ampla, até mesmo
com a utilização de veículos da grande imprensa. Todavia o período com que a mentira
21
terrorismo, pela ação do crime organizado ou pela corrupção endêmica dentro dos
governos.
Observe-se que, por vezes, confunde-se inteligência interna ou de segurança
com contra-inteligência. Como a faceta mais visível da contra-inteligência envolve a
captura de espiões atuando em território nacional, ressalte-se que as embaixadas
também se constituem como parte do território nacional, confunde-se e sobrepõe-se uma
disciplina com a outra. Vale destacar que enquanto contra-inteligência diz respeito a
espião versus espião, ou seja, um serviço secreto enfrentando outro, inteligência de
segurança tenta proteger a sociedade de diversos outros atores como o terrorismo e o
crime organizado. Evidentemente, a segurança interna também desempenha a atividade
de contra-inteligência, enfrentando a agência de inteligência externa adversária, mas
possui vários outros adversários, que não somente os serviços de espionagem
estrangeiros, como seria o delimitador da contra-inteligência. O terrorismo e o crime
organizado são dois exemplos. Por outro lado, uma agência que opere tão somente com
contra-inteligência se preocupará somente com as agências de inteligência inimigas,
seja tomando medidas defensivas ou ofensivas.
5
Inteligência humana (tradução nossa).
25
6
Inteligência de sinais (tradução nossa).
7
A mensuração dos parâmetros de sinal é um dos instrumentos fundamentais ao conceito de guerra eletrônica, em
que mediante tais detecções, se obteria informações a cerca do tipo de equipamento que emitiria o sinal em questão,
permitindo a distinção entre emissões hostis, e amigáveis.
8
Inteligência de comunicações (tradução nossa).
9
Inteligência eletrônica (tradução nossa).
10
Inteligência de imagens (tradução nossa).
11
Inteligência de mensuração de assinaturas (tradução nossa).
26
12
Inteligência de fontes abertas (tradução nossa).
27
13
Escritório de Serviços Estratégicos (tradução nossa).
14
Agência central de inteligência (tradução nossa).
28
estratégica do adversário, ou seja, os seus meios para nos atacar assim como suas reais
pretensões políticas.
Logo, com a finalidade de coletar inteligência positiva, a CIA passou a
trabalhar com grupos de representantes, as chamadas estações, lotados nas diversas
embaixadas norte-americanas pelo mundo. Para realizar tais coletas de informações, a
CIA buscou fontes abertas publicadas no local ao mesmo tempo em que tentou
estruturar redes de informantes em posições estratégicas. Ampla era a gama de
conhecimentos considerados necessários. Conforme apregoou Sherman Kent sobre o
tipo de informação indispensável à inteligência externa, “alguns desses conhecimentos
podem ser adquiridos através de meios clandestinos, mas o grosso deles deve ser obtido
pela pesquisa e obtenção de dados ostensivos e amplamente divulgados, sem lances
românticos” (1967, p. 18).
Infere-se que o conjunto de informações necessárias às demandas elencadas
por Kent (1967) seja enorme. Além disso, os EUA, como uma das potências vitoriosas
da segunda guerra mundial, possuíam amplos interesses políticos e comerciais pelo
mundo. Com o objetivo de facilitar a coleta e análise, a CIA criou grupos especializados
em regiões do globo, bem como por temas importantes, como terrorismo.
Um dos principais meios para coleta humana externa em que se investiu
foram as ações de cooptação de funcionários públicos e políticos bem posicionados.
Com ênfase no recrutamento de militares e policiais, sobretudo dos países de terceiro
mundo, os americanos criaram diversos programas formativos. Neles se repassava a
lógica dos EUA de enfrentamento com o inimigo comunista, ao mesmo tempo em que
se estabeleciam vínculos pessoais com os alunos estrangeiros, garantindo-se um
inesgotável manancial informativo a ser coletado nos países de origem pela equipe da
CIA local.
Para influir sobre o pensamento militar, foi criada, em 1946, a Escola das
Américas, no Panamá (FIGUEIREDO, 2005), que formou milhares de oficiais das
forças armadas latino-americanas, provavelmente impulsionando a carreira de vários.
Tal ação significou um investimento estratégico para obtenção de inteligência humana,
vez que tais oficiais ascenderam a postos-chave em suas armas, possibilitando o
vazamento de uma ampla gama de segredos de Estado.
29
15
Serviço de Polícia Internacional (tradução nossa).
30
16
Uma atividade ou atividades do Governo dos Estados Unidos para influenciar condições políticas, econômicas e
militares em países estrangeiros, onde se pretende que o papel do Governo dos Estados Unidos não seja
31
17
Agência de Segurança Nacional (tradução nossa).
33
18
Agência de inteligência de defesa (tradução nossa).
34
Interessante observar que o mesmo ato de 1947 que criou a CIA, também
delimitou a atividade de contra-inteligência e segurança interna, limitando o escopo de
atuação da agência ao campo externo do país e restringindo sua atuação interna. A
inteligência interna continuou a cargo do FBI. Ao analisar a lógica do legislador no
capítulo que define as competências da instituição, fica claramente estabelecido que a
agência possui a função de “collect intelligence through human sources and by other
appropriate means, except that the Agency shall have no police, subpoena, or law
enforcement powers or internal security functions”19(1947).
Um dos fatores que motivaram o congressista americano, juntamente com o
lobby do Federal Bureau of Investigation20 – FBI, foi o grande receio de construir uma
nova Gestapo21 (EUA, 2004, p. 89), com amplos poderes externos e internos, violando
metodicamente os direitos civis e as garantias individuais do cidadão norte-americano.
Sob o prisma de vários setores da sociedade americana, seria inconcebível, em uma área
que concentra tanto poder (o controle informacional), a existência de uma única
instituição acumulando os dois papéis. Era inevitável a comparação com o modelo
soviético do ainda todo poderoso Komitet Gosudarstveno Bezopasnosti – KGB, ou
Comitê de Segurança do Estado, que centralizava com mãos de ferro toda a estrutura de
inteligência russa, agindo livremente dentro e fora da União Soviética, com notório
desrespeito pela vida humana.
Outra passagem interessante para se compreender a natureza da contra-
inteligência e segurança interna norte-americana, tem-se quando Sherman Kent (1967),
fundador e responsável pelo Diretório de Análise da CIA, ao definir informação
positiva, ou seja, externa, também define a antítese dessa área de inteligência. Kent
19
Coletar inteligência através de fontes humanas e por outros meios adequados, com exceção de que a Agência não
tem nenhum poder de polícia, de intimação, de aplicação da lei ou funções de segurança interna (tradução nossa).
20
Escritório federal de investigação (tradução nossa).
21
Polícia política criada pelo regime nazista de Adolf Hitler para reprimir opositores do regime, bem como minorias
étnicas. Tornou-se notória pela truculência com que tratou suas vítimas.
35
argumenta que tais informações não se relacionam “ao que acontece nos Estados
Unidos”, acrescentando que “todos os conhecimentos de natureza policial são
excluídos” (1967, p. 17). Na visão do autor, a atividade de inteligência externa não é
composta da “contra-informação, contra-espionagem, nem de qualquer outra espécie de
informações destinadas a descobrir traidores nativos ou agentes estrangeiros
importados” (1967, p. 17).
Quando Kent fez seus comentários, publicados nos EUA em 1948, estava
incumbido de auxiliar a construção do modelo funcional e conceitual da CIA, que vivia
seu período fundacional. Nesse sentido, buscava delimitar o que era incumbência da
agência americana e o que não o era. Quando Kent define inteligência interna,
percebem-se as peculiaridades das instituições de inteligência americana.
Informações de Segurança – Para colocá-la em seus termos mais simples,
devemos pensar em informações de segurança, basicamente, como aquela
que está por trás das atividades policiais. Sua função é proteger a nação e
seus membros de malfeitores que agem no sentido de nosso prejuízo nacional
ou individual. E uma de suas formas mais espetaculares, é o tipo de
informações que procura continuamente colocar o dedo sobre os agentes
clandestinos enviados por potências estrangeiras. [1967, p. 204]
22
A Comissão concluiu que as duas disciplinas possuem diferentes motivações e objetivos o que dificulta o diálogo
entre as partes (tradução nossa).
36
23
Salvo pudessem ser produzidas algumas evidências concretas ligando um americano a um serviço de inteligência
estrangeira, uma pessoa não deveria ser monitorada pelo seu comportamento. Isso se tornou a posição geral do
congresso, do poder executivo e das agências de contra-inteligência (tradução nossa).
42
24
O PERSEREC foi criado e mantido pelo Departamento de Defesa dos EUA com o objetivo de realizar estudos
sobre temas vinculados à segurança nacional, tais como inteligência e defesa.
45
Albânia, Bulgária, China, Colômbia, Cuba, Estônia, Irã, Iraque, Laos, Letônia, Líbano,
Líbia, Lituânia, Nicarágua, Coréia do Norte, Peru, Romênia, África do Sul, Síria,
Vietnam, estados da antiga União Soviética, estados da antiga Iugoslávia e Yanmar. Do
mapeamento de documentos das forças armadas americanas, foi apresentado um modelo
(Crawford; Wood, 2005) em que se dividem os comportamentos suspeitos a partir das
categorias gerais de recrutamento, coleta de informações, transmissão de informações.
O mapeamento de situações envolvendo espionagem, apesar de demonstrar a
fragilidade do sistema de inteligência americano, potencializa as contribuições que a
sociedade pode dar no combate à questão. Além disso, conta como um instrumento de
acompanhamento da efetividade de políticas públicas no setor.
25
Assim denominado durante alguns anos, em tempo de guerra, por estar subordinado à área militar, sendo que a
espionagem externa recebia a denominação de 6, ou seja, Military Intelligence 6. Mais informações:
http://www.mi6.gov.uk/output/sis-or-mi6-what-s-in-a-name.html.
47
inglês passou a acumular não somente informações da Inglaterra, como também dos
Estados Unidos. Uma das maiores conseqüências de sua traição foi o comprometimento
dos planos da CIA em fomentar uma guerrilha anticomunista albanesa. Conforme
descreve Weiner:
26
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/455901/Kim-Philby
27
http://www.fbi.gov/libref/historic/famcases/ames/ames.htm
48
28
A base ou a fundação (tradução nossa).
49
29
Tal comissão, determinada pelo Governo Federal e o Congresso dos EUA, publicou um relatório apontando uma
50
serie de recomendações formais a cerca da defesa do Estado ante outros eventuais ataques terroristas.
51
30
O FBI tem histórica perícia no combate ao crime e na investigação de casos envolvendo a perseguição de
criminosos. Redirecionar o FBI para prevenir atos terroristas e desenvolver os conjuntos de habilidades necessárias
para coletar, analisar e difundir informações estrategicamente bem como taticamente, tem exigido uma mudança na
cultura do FBI que não tem sido fácil nem rápido (tradução nossa).
52
governo federal ainda em 2001. O citado ato apresenta uma série de medidas que
atentam contra a privacidade do cidadão. Dentre as dez medidas contidas no ato,
destacam-se, para efeitos da atividade de inteligência, a seguinte relação de mudanças:
a) 2ª medida. Uma das mais polêmicas aumenta a capacidade de vigilância
das agências de inteligência, incrementando as possibilidades de vigilância exercida por
elas, à medida que “Authority to intercept wire, oral, and electronic communications
relating to terrorism31”. Tem como implicações a permissão para que instituições
policiais forneçam informações de investigações criminais às organizações de
inteligência, e cria o conceito de vigilância móvel, ou seja, se um dado indivíduo passa a
ser monitorado pelo Estado, sob uma ordem judicial, tal ordem permite que se utilize de
todos os meios de vigilância possíveis para efetuar o acompanhamento em questão. Pela
legislação, se o pretenso suspeito viajar e passar a utilizar o telefone de sua cunhada,
que não é suspeita, automaticamente o Estado passa a poder monitorar o novo telefone,
sem necessidade de novas autorizações legais. O governo pode a qualquer tempo exigir
informações de provedores de internet, ou mesmo efetuar a instalação de equipamentos
de escuta ambiental. A citada medida também permite a notificação atrasada de
mandados de busca, permitindo o ingresso na residência do suspeito a fim de buscar
evidências contra o mesmo, não necessitando que este esteja presente. A notificação de
entrada na residência pode ser entregue para o suspeito ou seus familiares
posteriormente a ocorrência da busca;
b) 3ª medida. Permite que as polícias obtenham informações de
movimentações financeiras suspeitas;
c) 5ª medida. Versa sobre o conceito de Cartas de Segurança Nacional –
CSN. Tal carta torna obrigatório a quem recebê-la o fornecimento de informações e
documentos sobre um indivíduo suspeito. Também amplia sua abrangência, permitindo
que se utilizem as CSN contra cidadãos americanos. O conceito da carta proíbe que o
destinatário da mesma saiba sobre detalhes desta, ou mesmo que possa comentar com
terceiros sobre o recebimento dela. Tais restrições visam impedir que o cidadão
americano ou estrangeiro investigado não tenha acesso às informações sobre a
31
Autoriza a interceptação de comunicação telefônica, oral e eletrônica relacionadas ao terrorismo (tradução
Nossa).
54
investigação em questão;
d) 9ª medida. Determina um modelo para o compartilhamento de
informações por parte das agências de inteligência estadunidenses, de forma que a CIA,
o FBI, o DIA, a NSA, dentre outras, intercambiem com agilidade as informações
coletadas e os produtos analíticos.
O ato em seu conjunto reduz as garantias individuais dos cidadãos
americanos, porém, cabe destacar que todas as medidas, por mais invasivas que sejam,
exigem a obtenção de autorização legal, bem como a posterior prestação de contas ao
sistema judiciário. Ao mesmo tempo em que tais medidas diminuem as liberdades
individuais e o direito a privacidade, dão suporte no combate ao terrorismo, vez que
desde a publicação de tais leis, ampliando os meios de coleta de inteligência do
governo, não ocorreram mais ataques terroristas em território dos EUA.
Um exemplo do paradoxo vivido pela sociedade americana entre a
necessidade de segurança e a defesa da privacidade foi o projeto de banco de dados
ADVISE, Analysis, Dissemination, Visualization, Insight and Semantic Enhancement32,
promovido pelo DHS. O projeto, que pretendia armazenar até um quadrilhão de
registros de dados, buscando estabelecer padrões de comportamento a partir da
execução de algoritmos matemáticos que tentariam identificar atividades ligadas ao
terrorismo ou a espionagem, atenderia as organizações de inteligência e agências da lei.
Entretanto o programa foi cancelado por não levar em conta “os impactos a
privacidade” (DHS, 2007, p. 3), sendo descontinuados três projetos pilotos, que
estariam utilizando informações sobre cidadãos americanos.
Todavia, cabe observar que a lei PATRIOT, se ainda possui limitações de
cunho legal quanto às ações internas, no tocante à inteligência externa versa
principalmente sobre a utilização das informações obtidas pela mesma internamente. Ou
seja, preocupa-se tão somente com a integração e utilização dos conhecimentos obtidos
externamente com as investigações internas de combate ao terrorismo. Sabe-se que os
limites legais para a atuação das agências são ampliados internamente, a partir da
modificação da legislação americana. Já externamente, não existiria nenhuma limitação
para a maior potência do planeta coletar informações.
55
32
Análise, Divulgação, Visualização, Idealização e Acessórios semânticos (tradução nossa).
56
4. O MODELO BRASILEIRO
Mesmo com a grande dimensão que o SNI passou a ocupar no país, sua lógica
funcional estava comprometida com o inimigo interno definido pelos EUA. Com o
decorrer da ditadura militar, o peso do SNI dentro do aparato de Estado repressivo só se
fez aumentar com vistas a obter informações sobre ameaças e conspirações contra o
regime. Paradoxalmente, nos estertores do regime militar brasileiro, em que a esquerda
armada estava derrotada e o inimigo comunista internacional completamente abalroado,
foi o mesmo período em que o SNI teve uma grande expansão, ampliando ainda mais
sua estrutura.
Após a abertura política, a estrutura de inteligência mantém-se incólume até
1990, quando toma posse Fernando Collor e inicia-se o desmonte da estrutura de
inteligência até então vigente. Com a Medida Provisória nº 150, de 15 de março de
59
das Forças Armadas: não era responsável diretamente pela repressão às organizações de
esquerda, associações liberais ou simples descontes. Tal repressão ficaria a cargo das
polícias nos Estados e da Polícia Federal. A ordem legal de então deixava os órgãos de
inteligência das Forças Armadas e o próprio SNI à margem da repressão direta.
Entretanto, para o regime castrense, a velocidade de atuação dos organismos policiais
era demasiado lenta.
Já havia, no final dos anos 1960, um sistema de informações operante,
coordenado pelo SNI. Para os militares radicais, porém, era preciso não
apenas conhecer as ameaças do regime, mas atuar repressivamente. Também
era avaliação corrente que as secretarias de segurança pública estaduais não
atuavam com eficiência, mostrando-se lentos e desaparelhados os seus
departamentos de ordem política e social para combater as novas ações da
guerrilha urbana. O mesmo se dizia da Polícia Federal [FICO, 2001, p. 111].
a ter um novo aparelho para a ação direta. Era a volta à estrutura de segurança interna
do período getulista, com a substituição da Polícia Federal e polícias dos estados pelo
Exército.
Os DOI possuíam uma estrutura funcional bastante característica dos
serviços de inteligência, com setores de: operações externas, informações, contra-
informações, interrogatórios e análises, assessoria jurídica e policial, serviços
administrativos (FICO, 2001, p. 124). A partir da condução, da captura e interrogatórios
dos adversários é que as práticas de tortura para obtenção de informações se
evidenciavam e se tornaram amplamente utilizadas (ANTUNES, 2002, p. 94). Os fins
justificavam os meios e os meios eram a tortura e eliminação física.
Como trágica decorrência, a atividade de inteligência tornou-se
estigmatizada (ANTUNES, 2002), ficando associada diretamente a práticas de tortura e
desrespeito aos direitos humanos. Interessante observar que essa facilidade em tornar o
concidadão no inimigo a ser eliminado, se vincula à como foi estruturada a atividade de
inteligência de segurança no Brasil, bem como o segmento contra-inteligência em
particular. Como evitar a manipulação por outras potências sem ter a capacidade de
percebê-las agindo? Para isso cabe identificar como se desenvolveu a contra-
inteligência brasileira.
33
Existem fortes indícios de que a Oban teria sido criada a partir de orientações do governo norte-americano (FICO,
71
34
Escritório de segurança pública (tradução nossa).
74
século, já existiria lapso temporal suficiente para a divulgação de eventuais vitórias que
a contra-inteligência brasileira houvesse obtido. Além disso, diversos autores (FICO,
2001; ANTUNES, 2003; RESNIK, 2004; FLORINDO, 2006) pesquisaram arquivos
relativos aos anos da ditadura militar brasileira e tampouco fizeram qualquer referência
sobre casos relativos à identificação de espiões.
Se os registros conclusivos apontando a neutralização de espiões
estrangeiros remontam a segunda guerra mundial, o mesmo não se dá quanto às
probabilidades de ocorrência de espionagem sobre as instituições nacionais, existindo
diversos registros sobre essa temática. Tais referências de espionagem sobre o Brasil
estão presentes em matérias jornalísticas, livros, entrevistas e programas televisivos.
Dificilmente tais indícios são conclusivos, pois ao contrário de outros países, desde o
fim da segunda guerra mundial, o Estado não apresentou à sociedade prisões de agentes
ou mesmo a simples expulsão de estrangeiros ou nacionais acusados de espionagem.
Interessante observar que existe previsão legal para tais eventos a partir da lei de
segurança nacional.
Infelizmente, como não existem compilações sobre eventuais casos de
espionagem sobre o Brasil, é difícil sistematizar tais ocorrências. Como conseqüência
da ausência de um mapeamento, a formulação de políticas públicas que possam buscar
melhorias na efetividade dos serviços de inteligência fica prejudicada. Todavia, se não
existe uma verificação sistemática, não significa que não se possam utilizar alguns casos
em que vários indícios ou mesmo provas demonstram a liberdade de movimentos da
inteligência estrangeira no Brasil.
repassar as informações coletadas. Outra rede alemã foi aquela liderada por Friedrich
Kempter, que também se utilizava de rádio transmissor e acompanhava a movimentação
americana no nordeste brasileiro, particularmente no Recife (COSTA, 2005, p. 94).
Outro caso digno de nota envolveu o espião do eixo Josef Jacob Johannes Starziczny,
responsável, perante o Abwer, de montar uma estrutura de transmissão de dados para a
Alemanha mais sofisticada. É digno de nota o fato de Josef ter passado por vários cursos
na inteligência militar alemã, preparando-se para sua missão. Além dos alemães,
também existiu a espionagem por parte dos aliados destes, como foi o caso de um grupo
húngaro, liderado por Salomon Janos, que enviou uma equipe para o Brasil, com a
posse de um radiotransmissor, com a finalidade também de obter dados relevantes sobre
a atuação brasileira na guerra (COSTA, 2005). Todas as redes tinham em comum o
plano de coleta de dados, que envolvia saber informações sobre a presença militar dos
americanos no Brasil, os eventuais preparativos brasileiros para a guerra e, sobretudo, o
deslocamento de navios mercantes brasileiros com suprimentos para a Inglaterra. Diga-
se de passagem, que, diversas vidas de marinheiros brasileiros se perderam devido às
informações sobre partidas de embarcações fornecidas pelos espiões germânicos. Boa
parte dos espiões capturados se deveu a estreita relação com o FBI e destes com a
inteligência de sinais britânica. Entretanto, a polícia política a época também cumpriu
um papel importante com sua extensa rede de informantes.
Espionagem sobre a Marinha brasileira. No esteio das ações da CIA
tentando influir nas eleições de 1962 no Brasil, a NSA enviou ao Rio de Janeiro o navio
Oxford, preparado para a interceptação de sinais. A Marinha não somente recebeu a
embarcação americana, como permitiu que o navio ficasse ancorado em área naval. A
NSA não se fez de rogada e monitorou todas as comunicações sensitivas da Marinha
durante o período de permanência do navio (BAMFORD, 2001, p. 177). Os EUA, já na
preparação do golpe que viria a seguir, tentavam identificar eventuais aliados e
possíveis adversários dentro da Força naval brasileira. Independentemente dos
resultados objetivos da missão americana, o evento caracteriza claramente a maneira de
operar da agência de sinais americana, bem como a fragilidade da segurança de
informações brasileira.
Ação sobre o golpe militar de 1964. A CIA atuou como organizadora do
80
A base do Rio decidiu enviar mais dois de seus elementos para a embaixada
do Brasil aqui – além do adido militar, coronel Câmara Sena. Um deles é um
funcionário de carreira de alto nível do ministério das Relações Exteriores do
Brasil, Manuel Pio Correa, que virá como embaixador; o outro é Lyle
Fontoura, protegido de Pio Correa, que será o novo primeiro secretário [...].
A base do Rio de Janeiro providenciou para que fosse nomeado para
Montevidéu, que no momento é o ponto de ebulição da diplomacia brasileira
[1976, p. 384].
35
A revolução não se resolverá rapidamente e será sangrenta (tradução nossa).
82
CAC: Fiquei quatro anos na chefia do FBI aqui no Brasil. Os primeiros três
no governo passado, do Fernando Henrique, e só dez meses no governo atual.
Até me admirei com o governo atual, que no cenário internacional tem
tomado claras atitudes pró-Brasil e pró-independência diante dos Estados
Unidos, mas, pelo que sei, não creio que o governo tenha noção do quanto a
sua Polícia Federal está infiltrada por nós há anos, o quanto depende de nós.
Por que não tem autonomia na prática, não tem recursos [FERNANDES,
2004].
herdado do período do SNI, o modelo com que estes funcionários foram formados está
associado ao enfrentamento interno, preferencialmente com os velhos inimigos.
Recentemente foi publicado o Decreto 6.408, de 24 de março de 2008, que
iniciou mudanças na organização da ABIN, criando um Departamento de
Contraterrorismo, com vistas a acompanhar organizações que empreguem tais métodos
atuando no Brasil. Outro setor criado pelo mesmo Decreto foi o Departamento de
Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência, cujo objetivo se relaciona à integração
dos órgãos de inteligência pertencentes ao Sistema Brasileiro de Inteligência – SISBIN.
Apesar da aparente mudança, o objeto de atuação da agência continua sendo o mesmo, o
inimigo interno.
Ao mesmo tempo em que a ABIN alterou seu organograma, buscou ampliar
suas competências no tocante a inteligência de segurança. Seus dirigentes iniciaram uma
ampla campanha defendendo a necessidade de o órgão poder realizar interceptações
telefônicas e telemáticas. Como justificativa, alegou-se a necessidade de um serviço de
inteligência para combater o terrorismo e o crime organizado internacional atuando
dentro do país.
A lógica predominante nas mudanças na agência ainda é pautada pela
doutrina do combate ao inimigo interno. Paradoxalmente, constata-se que, ao mesmo
tempo em que foram criados setores para integrar os órgãos nacionais da área ou
ampliar as possibilidades de monitoramento dos adversários internos, não foram
identificadas medidas para instituir a presença da ABIN nas embaixadas brasileiras no
exterior. À medida que tanto o uso de interceptação telefônica quanto a presença de
funcionários da ABIN, nas representações brasileiras em outros países, devam encontrar
óbices para se concretizarem, pondera-se que a escolha pela interceptação telefônica é
uma escolha política sobre como a instituição enxerga o seu papel. Enquanto a
utilização de interceptação telefônica por serviço de inteligência exige a alteração da
legislação pertinente pelo Congresso Nacional brasileiro, o posicionamento de membros
da ABIN no exterior depende centralmente de acordos políticos com o Ministério do
Exterior.
Logo, percebe-se que o maior entrave da agência para fazer inteligência
externa, em detrimento da interna, seria de ordem organizativa. Conforme afirmou
87
influências dessa sopa de letras que será fundamental nos combates do futuro:
UAVs, UCAVs, UCGVs e C4ISR? Mudar a postura de a adidância ser um
prêmio, mas torná-la uma real fonte de captação de informações técnicas e
operacionais aplicáveis à realidade brasileira [2003].
5 ANÁLISE COMPARATIVA
5.3 Contra-inteligência
No âmbito da contra-inteligência os norte-americanos tiveram uma evolução
histórica, que foi moldada pela ascensão do país à primeira potência mundial. Com a
Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, os EUA foram alçados à primazia mundial.
Com isso passaram a ser alvo sistemático da atuação dos serviços de inteligência
estrangeiros, em particular o alemão e, posteriormente, o soviético. O FBI, que como
Polícia Federal americana tinha um papel eminentemente investigativo, deslocou-se
também para investigar a ação de espiões em território americano, sobretudo em relação
à penetração destes dentro das próprias agências de inteligência.
Ao longo dos anos o FBI cometeu diversos desvios, conforme observado
neste trabalho, sobretudo em relação à investigação de cidadãos norte-americanos sem a
existência de fundada suspeita. Investigava-se alguém simplesmente por sua filiação
ideológica, em completo desrespeito para com a constituição americana. Entretanto, em
96
[FIGUEIREDO, 2005]
externa e interna. Dentre os países com maior centralidade nas relações internacionais
atuais, inexiste algo parecido ao modelo brasileiro. Internacionalmente, considera-se
difícil criar uma instituição cuja atividade envolva a capacidade de obter segredos de
outros países, ao mesmo tempo em que se respeite fielmente, no ambiente interno, a
constituição e os dispositivos legais. Por essa contradição intrínseca, as nações têm
constituído um serviço externo, para espionagem e informação positiva, e outro interno,
com vistas a, sob a égide das leis, protegendo a segurança nacional. Além disso, em
uma sociedade democrática não se concentram enormes poderes nas mãos de uma
mesma instituição.
Como conseqüência das históricas distorções na atuação da inteligência
brasileira tem-se:
1) A redundância de instituições agindo sobre os mesmo temas. A ABIN
propõe-se a utilizar de interceptação telefônica internamente, para investigar temas que
são criminalizados pelas leis. Como as investigações andam em voga, corre-se o risco
de três instituições diferentes fazerem o mesmo trabalho. A ABIN investiga, o
Ministério Público investiga e a polícia investiga. Todavia, em se tratando de
organizações criminosas sofisticadas, com acesso a instrumentos de defesa, ainda se
corre o risco de comprometer o processo investigatório, vez que parte dessas
organizações não tem poder de polícia e conseqüente amparo legal. Ainda neste tópico,
outro aspecto digno de nota é o de que em um país como o Brasil, em que os recursos
são escassos para garantir questões básicas, como a saúde ou educação, o Estado se dar
ao luxo de manter várias organizações governamentais com o propósito idêntico.
2) O enfoque inadequado no acompanhamento de movimentos sociais e
políticos em que estes são criminalizados. Conforme se percebe na experiência norte-
americana, houve uma profunda mudança na inteligência interna praticada pelo FBI na
década de setenta. Com as modificações, a eleição de alvos internos passou a envolver a
prática de crimes ou a posição funcional dentro do Estado, e se tal posição permitiria o
acesso a informações confidenciais. Todavia, pela perpetuação da herança da formação
estadunidense, a agenda de setores da inteligência interna do Brasil ainda é fortemente
marcada pela identificação e acompanhamento do inimigo político. A bem da verdade,
em uma sociedade democrática, tais práticas constituem-se crime, considerando-se que
102
6 CONCLUSÃO
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