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DESAP OSENTAÇÃO

- FUNDAMENTOS JURÍDI COS, POSI ÇÃO DOS TRI BUNAI S E ANÁLI SE DAS PROPOSTAS
LEGI SLATI VAS –

GIS ELE LEMOS KRAVCHYCHYN


Advogada em Santa Catarina e Sergipe
Pós Graduada em Direito Previdenciário
Sócia da Kravchychyn & Barreto Advogados Associados
Relações Públicas da Comissão de Seguridade Social da OAB/SC

ÍNDICE

1. DO DIREITO À APOSENTADORIA – DEFINIÇÕES ______________________ 2


2. A RENÚNCIA NO DIREITO BRASILEIRO_______________________________ 3
3. DO DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO NO SISTEMA PREVIDENCIÁRIO
BRASILEIRO ____________________________________________________________ 4
4. PONTOS LEVANTADOS PELO INSS E DEMAIS OPOSITORES À
DESAPOSENTAÇÃO E COMENTÁRIOS DA AUTORA_______________________ 10
4.1. CARÁTER IRRENUNCIÁVEL DA APOSENTADORIA ___________________________ 10
4.2. NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO ENVOLVIDO –
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA OU INSS __________________________________________ 10
4.3. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL ________________________________________ 12
4.4. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DO SEGURADO ________________________________ 13
5. DAS SUGESTÕES DE MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA - PROJETO DE LEI Nº
7.154/2002 _______________________________________________________________ 14
6. CRÍTICAS A RESPEITO DO PROJETO DE LEI Nº 7.154/2002 _____________ 14
7. CONCLUSÃO _______________________________________________________ 17
8. BIBLIOGRAFIA _____________________________________________________ 19

1
Para que possamos analisar de forma mais aprofundada o da
desaposentação ou renúncia à aposentadoria, devemos primeiro esclarecer a respeito do
instituto da aposentadoria, bem como a renúncia no direito em geral.

1. DO DIREITO À APOSENTADORIA – DEFINIÇÕES

A aposentadoria é um direito garantido à todo trabalhador pela Constituição


Federal:
Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros
que visem à melhoria de sua condição social: (...)
XXIV – aposentadoria;

Tal direito é mais uma vez tratado em nossa Carta Magna nos artigos 201 e
202, sendo regulamentado pelas Leis 8.213 e 8.212, ambas de 1991.
Segundo Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari,
aposentadoria é:
A prestação por excelência da Previdência Social, juntamente com a
pensão por morte. Ambas substituem, em caráter permanente (ou pelo
menos duradouro), os rendimentos do segurado e asseguram sua
subsistência e daqueles que dele dependem. 1

Já Marcelo Tavares considera os benefícios previdenciários, neles incluídos


as aposentadorias como:
Prestações pecuniárias, devidas pelo Regime Geral de Previdência
Social aos segurados, destinadas a prover-lhes a subsistência, nas
eventualidades que os impossibilite de, por seu esforço, auferir recursos
para isto, ou a reforçar-lhes aos ganhos para enfrentar os encargos de
família, ou amparar, em caso de morte ou prisão, os que dele dependiam
economicamente.2

A aposentadoria é, portanto, um direito social dos trabalhadores, com


caráter patrimonial e pecuniário, personalíssimo e individual, com característica de seguro
social. Vejamos o comentário de Celso Barros Leite:
Embora se trate de poupança coletiva, a base está na participação
individual. É a união que faz a força, mas na realidade cada um de nós
está cuidando de si mesmo e só depende dos outros na medida que os
outros dependem de nós (...) Falando em termos mais técnicos a
previdência é um seguro obrigatório. 3

1
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª Edição.
São Paulo: LTR, 2006. p. 543.
2
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4ª edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 87.
3
LEITE, Celso Barroso. A Previdência Social ao alcance de todos. 5ª edição. São Paulo: LTR, 1993, p. 14/15.
2
As aposentadorias são concedidas mediante o requerimento do segurado4 /
beneficiário do sistema, ou até de ofício, nos casos de regimes próprios.
A partir desse requerimento o órgão gestor fará a análise do cumprimento
dos requisitos necessários para a aposentadoria e se considerar correta a documentação
deferirá o requerimento, emitindo o ato administrativo de concessão do benefício.
Se regularmente concedida a aposentadoria nasceria com o ato de
aposentação e acabaria com a desaposentação (se considerarmos possível a mesma) ou com a
morte do segurado.
Wladimir Novaes Martinez lembra ainda que a Carta Magna assegura o
direito de permanecer prestando serviço, mesmo após a aposentação.5

2. A RENÚNCIA NO DIREITO BRASILEIRO

A desaposentação consistiria no ato de renúncia à aposentadoria, portanto,


consideramos importante o esclarecimento do leitor a respeito do instituto da renúncia do
direito brasileiro.
A renúncia é um instituto de natureza eminentemente civil, de direito
privado. Apenas direitos de natureza civil são passíveis de renúncia, ante o caráter pessoal e
sobretudo disponível destes, ao contrário dos direitos públicos e aos de ordem pública.
Os direitos de ordem privada têm interessados e destinatários o indivíduo
ou os indivíduos envolvidos na relação, tendo assim caráter eminentemente pessoal e,
portanto, comportariam a possibilidade de desistência por seus titulares.
A renúncia passa a ser então uma das formas de extinção de direitos, sem
que haja, contudo transferência do mesmo a outro titular.
Roseval Rodrigues da Cunha Filho conceitua renúncia como:
O abandono ou a desistência do direito que se tem sobre alguma
coisa. Nesta razão, a renúncia importa sempre num abandono ou numa
desistência voluntária pela qual o titular de um direito deixa de usá-
lo ou anuncia que não o que utilizar.6

Já Maria Helena Diniz define renúncia como:


Desistência de algum direito. Ato voluntário pelo qual alguém abre
mão de alguma coisa ou direito próprio. Perda voluntária de um bem
ou direito.7

4
Podem ser concedidas também a requerimento do empregador, em alguns casos específicos.
5
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito Previdenciário. Tomo II: previdência social. 2ª edição.
São Paulo: LTR, 2003. p. 812.
6
CUNHA FILHO, Roseval Rodrigues da. Desaposentação e Nova Aposentadoria. Revista de Previdência
Social, Ano XXVII, Nº. 274, Setembro de 2003, p.782/783.
7
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. Saraiva, 198, p. 36.
3
A renúncia típica ou própria constitui-se de ato explícito e voluntário de
não exercício ou abandono de um direito sem que se opere a transferência do mesmo a
outrem.
Importante destacar a ressalva que alguns doutrinadores fazem com relação
à renúncia em favor de outrem. No caso, muitos consideram que a mesma não se configuraria
propriamente em renúncia mas sim numa transferência de direito, ou até alienação, posto que
tal depende do consentimento do destinatário.
Outro ponto importante trazido pela doutrina é a diferenciação entre o
abandono e a renúncia. O abandono compõe-se do ato de abandonar a coisa e com o evidente
propósito de abandonar, sendo este segundo aspecto de caráter subjetivo.
Em tal ato o adquirente da coisa não tem relação jurídica com aquele que a
abandonou, tratando-se de aquisição originária, como exemplo o usucapião.
Assim, pode-se conceituar renúncia como ato unilateral do agente, e assim
independe da vontade ou deferimento de outrem, consistente no abandono voluntário de um
direito ou de seu exercício, é ato, portanto, que independe da aquiescência de outrem. 8
Definimos portanto, no tocante a esse trabalho, que a renúncia é ato de
caráter do possuidor do direito, eminentemente voluntário e unilateral, através do qual
alguém abandona ou abre mão de um direito já incorporado ao seu patrimônio.
Cabe-nos agora analisar se a desistência da aposentadoria seria então uma
renúncia ao direito e se a mesma seria permitida no direito brasileiro. A definição do direito à
aposentadoria como direito público ou privado é ponto marcante na discussão quanto à
possibilidade ou não da desaposentação, por isso passaremos ao tópico seguinte.

3. DO DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO NO SISTEM A PREVIDENCIÁRIO


BRASILEIRO

Como já vimos a aposentadoria constitui direito personalíssimo, sob o qual


não se admite transação ou transferência a terceiros. O que não significa que a mesma seja
um direito indisponível do segurado.
Roberto Luis Luchi Demo explica:
A aposentadoria, a par de ser direito personalíssimo (não admitindo,
só por isso, a transação quanto a esse direito, v. g., transferindo a
qualidade de aposentado a outrem) é ontologicamente direito
disponível, por isso que direito subjetivo e patrimonial decorrente da

8
CUNHA FILHO, Roseval Rodrigues da. Desaposentação e Nova Aposentadoria. Revista de Previdência
Social, Ano XXVII, Nº 274, Setembro de 2003, p.782/783.
4
relação jurídico-previdenciária.9

Assim, entramos na ceara do instituto da desaposentação, que seria essa


desistência ou renúncia expressa do segurado à aposentadoria já concedida.
De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:
a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade
remunerada, com o desfazimento da aposentadoria por vontade do
titular, para fins de aproveitamento do tempo de filiação em
contagem para nova aposentadoria, no mesmo ou em outro regime
previdenciário.10

Na Carta Magna não há qualquer vedação à desaposentação. Na legislação


específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo legal proibitivo da renúncia aos
direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no Decreto regulamentador, o que se pode
afirmar inconstitucional, posto que limitando direito quando a lei não o fez. É patente que um
decreto, como norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do
aposentado, prejudicando-o.
Destacamos, entretanto, que a desaposentação é muito mais fruto da
construção doutrinária e jurisprudencial do que propriamente retirada do texto legal.
O que existe no sistema previdenciário brasileiro é a ausência de norma
proibitiva, tanto no tocante a desaposentação quanto no tocante à nova contagem do tempo
referente ao período utilizado na aposentadoria renunciada.
No caso, por ausência de expressa proibição legal, subsiste a permissão,
posto que a limitação da liberdade individual deve ser tratada explicitamente, não podendo
ser reduzida ou diminuída por omissão.
Alguns princípios basilares do Estado brasileiro também coadunam com o
instituto da desaposentação. Vejamos o entendimento de Felipe Epaminondas de Carvalho,
que explica que o instituto da desaposentação objetiva “uma melhor aposentadoria do
cidadão para que este benefício previdenciário se aproxime, ao máximo, dos princípios da
dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, refletindo o bem estar social".
Hamilton Antonio Coelho define como desaposentação:
A contagem do tempo de serviço vinculado à antiga aposentadoria para
fins de averbação em outra atividade profissional ou mesmo para dar
suporte a uma nova e mais benéfica jubilação.11

9
DEMO, Roberto Luiz Luchi. Aposentadoria. Direito disponível. Desaposentação. Indenização ao sistema
previdenciário. Revista de Previdência Social, Ano XXVI, Nº. 263, outubro de 2002, p.887.
10
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 7ª
Edição. São Paulo: LTR, 2006. p. 509.
11
COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: Um Novo Instituto?. Revista de Previdência Social, São
Paulo: LTR, vol.228, p.1130-1134, nov 1999. p.1130-1134.
5
Devemos ter em mente ainda que a desaposentação não se confunde com a
anulação ou revogação do ato administrativo da jubilação, que pode ocorrer por iniciativa do
INSS, motivada por ilegalidade na concessão.
O objetivo principal da Desaposentação é possibilitar a aquisição de
benefícios mais vantajosos no mesmo ou em outro regime previdenciário.
Isso acontece pela continuidade laborativa do segurado aposentado que, em
virtude das contribuições vertidas após a aposentação, pretende obter novo beneficio em
condições melhores, em função do novo tempo contributivo.
Não se trata, portanto de tentativa de cumulação de benefícios, mas sim do
cancelamento de uma aposentadoria e o posterior início de outra.
Traduz-se, assim, na possibilidade de o segurado, depois de aposentado,
renunciar ao benefício para postular uma outra aposentadoria futuramente.
Um ponto a se destacar é que existem discordâncias doutrinárias a respeito
da possibilidade de desaposentação para o aproveitamento do tempo em um mesmo regime.
Não obstante o confronto de opiniões, deve-se enfatizar que predomina,
notadamente, a concepção mais abrangente, que considera o instituto da desaposentação
como cabível tanto na hipótese em que o aproveitamento do tempo de contribuição se dê no
mesmo regime previdenciário, quanto em um outro regime, admitindo assim o referido
instituto em ambas as situações.
Marina Vasques Duarte adota tal posicionamento ao explicar que tanto
quando se tratar de renúncia dentro do mesmo regime quanto entre regimes distintos não
subsiste razão para a diferenciação, já que o órgão de origem deverá compensar sempre o
órgão concessor, a teor do que determina a Lei n.° 9.796/99. 12
Isabella Borges de Araújo destaca ainda:
Pondere-se que na hipótese de mudança de regime previdenciário, isto é,
entre regimes distintos, já existe o instituto da contagem recíproca
que possibilita a contagem do tempo de contribuição em
determinado regime com o escopo de implementar os requisitos
legais para a concessão do benefício de aposentadoria em um outro
regime previdenciário, ao qual o segurado esteja devidamente vinculado
na ocasião do requerimento do benefício. A contagem recíproca já é
garantia constitucional, disposta no art. 201, § 9°, CF/88, e assim não
padece dúvida acerca desta, visto constar de forma expressa no texto
constitucional.13

12
DUARTE, Marina Vasques. Desaposentação e revisão do benefício no RGPS. In: ROCHA, Daniel Machado
da (Coord.).Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003, p. 91-92.
13
ARAUJO, Isabella Borges. Desaposentação no direito brasileiro. Disponível em
http://www.unifacs.br/revistajuridica/edicao_marco2007/discente/dis6.doc.
6
Temos que destacar que tanto doutrinária quando a jurisprudência
pacificou-se o entendimento de que a aposentadoria é direito patrimonial disponível. É
portanto, passível de renúncia ou desistência para eventual obtenção de certidão de tempo de
serviço/contribuição. Temos inúmeros precedentes entre eles o julgamento, pelo STJ, do
Agravo em recurso especial de nº. 497683, da competência da 5ª Turma, cujo Relator foi o
Min. Gilson Dipp.
Achamos oportuno destacar o entendimento adotado pela Turma Recursal
de Santa Catarina, no julgamento do Processo n. 2004.92.95.003417-4, no qual a mesma
diferenciou renúncia de desaposentação.
Na renúncia, o segurado abdica de seu benefício e,
conseqüentemente, do direito de utilizar o tempo de serviço que
ensejou sua concessão, mas não precisa restituir o que já recebeu a
título de aposentadoria. Ou seja, opera efeitos ex nunc. Na
desaposentação, o segurado também abdica do seu direito ao
benefício, mas não do direito ao aproveitamento, em outro benefício,
do tempo de serviço que serviu de base para o primeiro. Para tanto,
faz-se necessário o desfazimento do ato de concessão, restituindo-se
as partes, segurado e INSS, ao status quo ante, o que impõe ao
segurado a obrigação de devolver todos os valores que recebeu em
razão de sua aposentadoria. Logo, a desaposentação nada mais é do
que uma renúncia com efeitos ex tunc.14

Nessa decisão a Turma diferenciou institutos que a doutrina comumente


traz como idênticos. Pelo entendimento adotado no julgamento acima citado, a diferenciação
básica seria a devolução de valores e a intenção de utilização do tempo de serviço.
O TRF da 4ª Região já se manifestou sobre a matéria, mas de forma diversa
da Turma Recursal, tendo decidido, em Embargos Infringentes, favorável a desaposentação,
nesse caso igualando a mesma à renúncia da aposentadoria, mas salientando a necessidade de
restituição dos valores recebidos. Vejamos a ementa:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA À
BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO EM OUTRO SISTEMA DE
PREVIDÊNCIA. NECESSIDADE DE RESTITUIR OS VALORES
AUFERIDOS À TITULO DE APOSENTADORIA. 1. Se o segurado
pretende renunciar ao benefício concedido pelo INSS para postular
aposentadoria junto a outro regime de previdência, com a contagem
do tempo que serviu para o deferimento daquele be nefício, os
proventos recebidos da autarquia previdenciária deverão ser
restituídos. 2. Embargos Infringentes providos.15

14
Turma Recursal dos Juizados Especiais de Santa Catarina. Proc. 2004.92.95.003417-4, Relator Juiz Ivori Luis
da Silva Scheffer, Sessão de 5.8.2004.
15
EIAC nº 1999.04.01.067002-2/RS, 3ª Seção, Rel. Des Fed. Luiz Fernando Wowk Penteado. DJU de
15.01.2003.
7
O TRF DA 3ª Região também considera necessário para o desfazimento da
aposentadoria a devolução dos valores. Mas no caso, não explica se essa devolução seria
apenas no caso da utilização do tempo para outra aposentadoria. Segue a decisão:
Administrativo. Previdenciário. Aposentadoria proporcional por tempo
de serviço. Desfazimento, a pedido do próprio beneficiário, do ato de
concessão. Possibilidade. Juros de moras, Correção monetária.
Honorários advocatícios.
I – Não mais convindo ao beneficiário a percepção de aposentadoria
previdenciária, é lícito o pleito de sua desaposentação, mediante a
conseqüente devolução dos valores pertinentes ao INSS, ante a
inexistência de norma legal expressa em sentido contrário.
II- A cláusula constitucional do direito adquirido, esculpida como um
dos direitos e garantias individuais na forma do art. 5º, XXXVI, da Carta
Magna, visa proteger o cidadão das investidas do Poder Público,
municia-o de instrumento para que possa ficar ao abrigo de eventuais
medidas que venham a lhe trazer prejuízos que de outro modo, restariam
sem qualquer tutela. Logo, no caso vertente, não cabe invocá-lo contra o
apelado, com o intuito de obrigá-lo a permanecer aposentado, contra os
seus interesses.16

Resumimos portanto que a desaposentação é possível no direito brasileiro,


existindo, entretanto, discordâncias no tocante a necessidade da devolução dos valores
recebidos a título de aposentadoria para que o tempo possa ser reutilizado para a concessão
de novo jubilamento.
Por isso alguns julgadores e doutrinadores diferenciam a desaposentação da
simples renúncia da aposentadoria, que seria aquele na qual o aposentado não ressarce os
cofres públicos, mas também não manteria o direito de utilizar o tempo já considerado.
Muitos propõe que para poder reutilizar esse tempo o segurado seria
obrigado a devolver os valores recebidos anteriormente.
Entretanto, outro dado deve ser anexado ao estudo: a natureza alimentar das
verbas recebidas a título de aposentadoria. Como já definimos no item 2.1, a aposentadoria se
destina a prover a subsistência do aposentado.
É pacífico o entendimento de que os valores recebidos mensalmente a título
de aposentadoria têm natureza alimentar, ficando portanto, protegidos pelo PRINCÍPIO DA
IRREPETIBILIDADE OU DA NÃO DEVOLUÇÃO DOS ALIMENTOS. Tal
posicionamento vem sendo adotado pelos tribunais pátrios, entre eles o STJ. Vejamos:
Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios
previdenciários é inadmissível a pretensão de restituição dos valores
pagos aos segurados, em razão do princípio da irrepetibilidade ou

16
TRF-3º Reg.- Ac. 98.03.037653-5/SP-Ap. n. 420.325/SP, Proc. n. 98.03.037653-5- DJU 3.11.98, Rel.
Theotônio Costa, in Revista de Previdência Social 219/119.
8
da não-devolução dos alimentos.17

É indevida a restituição dos valores recebidos a título de conversão da


renda mensal do benefício previdenciário em URV por se tratar de
benefício previdenciário, que tem natureza alimentar. 18

Inadmissível o pleito de restituição dos valores pagos aos segurados por


força da decisão rescindida, em razão do reconhecimento da natureza
alimentar dos benefícios previdenciários. INCIDE, À ESPÉCIE, O
PRINCÍPIO DA IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS.
Precedentes.19

A propósito do tema, elucidou o nobre Jurista PONTES DE MIRANDA


que “os alimentos recebidos não se restituem, ainda que o alimentário venha decair da ação
na mesma instancia ou em grau de recurso”.20
Cumpre aqui trazer à baila parte do Voto proferido no processo nº
2002.04.01.049702-7/RS - TRF da 4ª Região, in verbis:
Em primeiro lugar, deve ser destacada a natureza eminentemente
alimentar dos proventos percebidos a título de benefício
previdenciário, condição essa que, indiscutivelmente, não pode
deixar de ser reconhecida.
Deve ser ressalvado, ainda, o caráter social das prestações pagas pela
Autarquia-Previdenciária, notadamente pelo fato de garantirem,
conquanto, minimamente, a subsistência dos seus beneficiários, pessoas
que, na sua grande maioria, sempre tiveram uma vida de parcos
recursos, e que após o seu jubilamento não experimentaram qualquer
melhora financeira, ao contrário, historicamente têm sofrido
significativa redução nos seus ganhos.

Assim, a análise da devolução dos valores não é simples, como querem


fazer parecer alguns julgadores. E tampouco estaria atrelada a possibilidade de utilização do
tempo com a devolução dos valores recebidos. Isso porque, não se podem considerar
indevidos os vencimentos pagos pelo INSS à época da aposentadoria, tampouco, pelo caráter
alimentar, pode ser considerada válida a vinculação da nova utilização do tempo com a
devolução das verbas recebidas.

17
STJ, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 697397, Processo: 200401512200 UF: SC
Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Data da decisão: 19/04/2005 DJ DATA:16/05/2005 PÁGINA:399.
18
STJ, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 697633, Processo: 200401512008 UF: SC
Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Relator (a) FELIX FISCHER. Data da decisão: 07/04/2005, DJ
DATA:16/05/2005 PÁGINA:399.
19
STJ, AGRESP - - 723228, Processo: 200500205672 UF: SC Órgão Julgador: QUINTA TURMA, Relator (a)
GILSON DIPP, Data da decisão: 07/04/2005, DJ DATA:02/05/2005 PÁGINA:414.
20
in Tratado de Direito Privado. Ed. Bookseller. Tomo 9, 200.p.288.
9
4. PONTOS LEVANTADOS PELO INSS E DEM AIS OPOSITORES À
DESAPOSENTAÇÃO E COM ENTÁRIOS DA AUTORA

A autarquia previdenciária e alguns doutrinadores vêm defendendo a


impossibilidade da desaposentação, tendo embasado seu posicionamento em diversos pontos.
Vejamos os mais comuns:

4.1. CARÁTER IRRENUNCIÁVEL DA APOSENTADORIA

Os opositores da desaposentação defendem o caráter indisponível e


irreversível da aposentadoria, conforme disposto no artigo 181-B do Decreto n. 3.048/99.
Vejamos os ditames do Decreto:
Art.181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e
especial concedidas pela previdência social, na forma deste
Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis. (Artigo acrescentado
pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99)

Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de


aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o
arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro
pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço ou Programa de Integração Social, ou até trinta dias
da data do processamento do benefício, prevalecendo o que ocorrer
primeiro. Acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003)

Entretanto, é patente que um Decreto, como norma subsidiária que é, não


pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o, quando a lei
quedou-se omissa. E no tocante a admissibilidade da renúncia, a mesma já resta pacificada na
jurisprudência pátria.
Não podem prosperar os argumentos de irrenunciabilidade e
irreversibilidade da aposentadoria, que constituem garantias em favor do segurado, quando
da pretensão de tolhimento do benefício pelo concessor do mesmo, não cabendo sua
utilização em desfavor do aposentado, quando o mesmo optar pela desaposentação.

4.2. NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO ENVOLVIDO –


ADM INISTRAÇÃO PÚBLICA OU INSS

Alguns doutrinadores sustentam sua posição no entendimento que a


renúncia não poderia ser configurada como renúncia posto que depende de requerimento e

10
concordância da Administração (órgão pagador e gestor do benefício), excluindo-se assim a
necessária unilateralidade do instituto.
Destacamos o posicionamento de Lorena de Mello Rezende Colnago:
É de suma relevância lembrar que um fato jurídico ingressa no mundo
jurídico através de um suporte que, geralmente, é uma norma. No caso
da aposentadoria, o fato natural: inatividade remunerada pelos cofres
públicos torna-se jurídica e exigível através de um ato administrativo
vinculado: aposentação, que necessita de um agente capaz, de expressa
previsão legal, de objeto lícito e moral, além do interesse público.
Assim, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do
ordenamento, pelo princípio da paridade das formas, necessário se fará
um outro ato administrativo vinculado: o ato da desaposentação, com
requisitos idênticos à emissão do ato de aposentação, veículo introdutor
da aposentadoria.
Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação,
não há interesse público, previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito
e mora – face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio
financeiro dos Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito
do segurado.21

Nesse tópico devemos lembrar que restando pacificado o entendimento da


disponibilidade do direito a aposentadoria não haveria que se falar na impossibilidade de
renúncia. E assim, a anuência do poder ou órgão gestor deveria ser automática. Isso porque,
como vimos anteriormente, a aposentadoria, apesar de influir no direito da coletividade
(fundo previdenciário do regime geral, caráter solidário do sistema) é um direito
eminentemente pessoal e individual, sendo intransferível.
Portanto, se adotarmos tal entendimento, a Autarquia poderia apenas criar
requisitos para a anuência da desaposentação, como por exemplo a devolução dos valores,
desde prevista a necessidade em lei.
Entretanto, não haveria que se falar no interesse público, até porque não
nos parece lógico pensar que o interesse público (no caso, da continuidade da aposentadoria)
poderia se sobrepor ao do indivíduo (que seria o da desaposentação).
Não se pode portanto, obrigar alguém a continuar aposentado, da mesma
forma que não se poderia obrigá-lo a continuar trabalhando uma vez implementadas as
condições para a concessão de uma aposentadoria.
Por óbvio que no caso em análise o direito individual se sobrepõe ao
público, ainda que subsistam lado a lado.

21
COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Desaposentação. Revista de Previdência Social, ano XXIX, nº 301,
dezembro de 2005, p.793.
11
4.3. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL

Também é invocado pelo INSS bem como pelos opositores da


desaposentação o princípio da legalidade de observância obrigatória para a administração
pública, nos termos do artigo 37, caput da CF/88. Sob esse enfoque, a ausência de
previsibilidade legal para o procedimento de desaposentação e suas implicações no sistema
de seguridade seria impeditivos da concessão do requerimento por parte da Autarquia.
No caso, os autores defendem que a Administração Pública estaria
impedida de conceder a desaposentação por ausência de previsão legal, mas interpretando de
forma oposta aos defensores da tese.
Ou seja, uns defendem que no tocante ao segurado ela seria possível porque
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Já outros
defendem que à Administração pública somente é permitido aquilo que a lei prevê. Logo,
pela ausência de previsão, não haveria que se falar em direito a desaposentação. Até porque,
assim como a concessão do benefício, a desaposentação também seria um ato vinculado feito
pela Autarquia Previdenciária.
Entretanto, para ponderar o defendido pela corrente, devemos novamente
analisar na forma direito individual versus direito coletivo ou da administração pública.
E no nosso entender, mas uma vez sai vitoriosa a interpretação que a
liberdade individual se sobrepões ao direito da administração.
Portanto, a liberdade concedida e garantida constitucionalmente de que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei é mais
consistente do que o dever da administração de somente fazer aquilo que a lei permite ou
determina.
No caso, até se entende que, interna corpus, seja complicado para a
autarquia previdenciária criar um procedimento para a desaposentação em virtude da
ausência da previsão legal. Até pelo que já foi levantado anteriormente no tocante a
devolução dos valores, e no caso, da impossibilidade da Autarquia de cobrar, frente ao
caráter alimentar da verba. Destacamos também a impossibilidade do INSS de “abrir mão”
desses valores em benefício de um único segurado, em detrimento da coletividade.
Isso até se admite no âmbito administrativo. Agora, discutir esse enfoque
de forma a justificar a impossibilidade de deferimento, ainda que judicial, nos parece
absurda.

12
4.4. ENRIQUECIM ENTO ILÍCITO DO SEGURADO

Tema controverso no tocante a desaposentação é a devolução dos valores


recebidos a título da aposentadoria que se esta renunciando. No caso, existem, mesmo entre
os autores que defendem a possibilidade de desaposentação, aqueles que acreditam ser
necessária a devolução dos valores ao erário para que o tempo possa ser contato para nova
aposentadoria. O entendimento da jurisprudência muitas vezes tem pendido para tal
necessidade, como já vimos anteriormente.
Inclusive, há quem diferencie a renúncia simples (no caso, sem o interesse
de utilização do tempo, e portanto, sem a necessidade de devolução dos valores), da
desaposentação, que seria a desistência da aposentadoria com o intuito da utilização do
tempo na busca de uma melhor aposentadoria.
Entretanto, parece mais volumosa a corrente que defende a desnecessidade
de devolução de valores. Nesse caso, os opositores da desaposentação alegam o
enriquecimento ilícito do segurado bem como o ferimento ao princípio da isonomia. Vejamos
o posicionamento de Lorena de Mello Rezende Colnago:
É de suma relevância lembrar que um fato jurídico ingressa no mundo
jurídico através de um suporte que, geralmente, é uma norma. No caso
da aposentadoria, o fato natural: inatividade remunerada pelos cofres
públicos torna-se jurídica e exigível através de uma ato administrativo
vinculado: aposentação, que necessita de um agente capaz, de expressa
previsão legal, de objeto lícito e moral, além do interesse público.
Assim, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do
ordenamento, pelo princípio da paridade das formas, necessário se fará
um outro ato administrativo vinculado: o ato da desaposentação, com
requisitos idênticos à emissão do ato de aposentação, veículo introdutor
da aposentadoria.
Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação, não há
interesse público, previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito e mora –
face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio financeiro dos
Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do
segurado.22

Mas, como já vimos, a natureza alimentar das verbas recebidas a titulo de


aposentadoria impossibilitam a devolução das parcelas recebidas.
E nesse ponto, se não é exigível do segurado a devolução das verbas por
seu caráter alimentar, não haveria que se falar em enriquecimento ilícito. Até porque o
recebimento das verbas não foi indevido ou ilícito, as mesmas restaram “consumidas” e não é
exigível do segurado a devolução.

22
COLNAGO, Lorena de Mello Rezende. Desaposentação. Revista de Previdência Social, ano XXIX, nº 301,
dezembro de 2005, p.793.
13
5. DAS SUGESTÕES DE M ODIFICAÇÃO LEGISLATIVA - PROJETO DE LEI Nº
7.154/2002

O Deputado Inaldo Leitão apresentou em 2002 o Projeto de Lei de nº


7.154, tendo por objetivo acrescentar o parágrafo único do artigo 54 da Lei 8.213/91, que
teria o seguinte teor:
As aposentadorias por tempo de contribuição e especial concedidas pela
Previdência Social, na forma da lei, poderão, a qualquer tempo, ser
renunciadas pelo Beneficiário, ficando asseguradas a contagem de
tempo de contribuição que serviu de base para a concessão do benefício.

O projeto foi então modificado pela Comissão de Constituição e Justiça e


Cidadania, tendo sido transferida a modificação para a seção de cuida da contagem de tempo
recíproca de tempo de serviço, mediante a alteração do art. 96, com nova redação a uma dos
incisos e acréscimo de um parágrafo único. Vejamos a redação final do referido projeto:
Art. 96 (...)
III – não será contado por um regime previdenciário o tempo de
contribuição utilizado para fins de aposentadoria concedida por outro,
salvo na hipótese de renúncia ao benefício;
(...)
Parágrafo único. Na hipótese de renúncia à aposentadoria devida pelo
Regime Geral da Previdência Social, somente será contado o tempo
correspondente a sua percepção para fins de obtenção de benefício por
outro regime previdenciário, mediante indenização da respectiva
contribuição, com os acréscimos previstos no inciso IV do caput deste
artigo.

6. CRÍTICAS A RESPEITO DO PROJETO DE LEI Nº 7.154/2002

No nosso entender, se o projeto for convertido em Lei vai ao menos trazer a


vantagem da previsão legal da desaposentação, ou seja, da possibilidade de renúncia da
aposentadoria.
Claro que podemos interpretar o retorno ao trabalho ou à atividade especial
como formas de renúncias tácitas para a aposentadoria por invalidez ou especial,
respectivamente. Entretanto, isso não tem sido o bastante para que o INSS aceite,
administrativamente, a desaposentação nos demais casos.
Logo, uma previsão mais expressa da Lei no tocante a possibilidade de
renúncia, por si só, já seria benéfico para o sistema previdenciário brasileiro. Entretanto, a
redação trazida, tanto no projeto original quanto no projeto modificado deixa inúmeras
duvidas. Vejamos algumas:

14
No caso do projeto original a redação prevê apenas a possibilidade de
renúncia no caso de aposentados especial e por tempo de serviço. Isso deixa de fora os
aposentados por idade. No nosso entender não existe justificativa jurídica para essa
diferenciação. Existiria aí um grave atentado ao princípio da isonomia, constante em nossa
CF no art. 5º caput.
Destacamos que na redação do projeto modificado (7.154-C) tal
diferenciação já não resiste. A possibilidade ali parece estar sendo aplicada a qualquer
espécie de aposentadoria do RGPS.
Ao tratamos ainda do projeto com alterações, ou seja, da modificação
23 24
transferida para o artigo 96 , devemos considerar que a seção em que estará inserida a
norma será referente a contagem recíproca. Assim, pode-se entender que a modificação
legislativa diz apenas respeito as situações em que o aposentado optaria por renunciar a
aposentadoria e utilizar o tempo para outro regime. O que não foi a intenção do projeto, ao
menos em seu primeiro momento.
Acredito que esta localização da modificação no artigo 96 acabará por
trazer confusões no tocante a possibilidade de desaposentação para utilização de tempo para
um mesmo regime, sanando apenas o problema para a utilização em regimes diferenciados.
Outro ponto importante no tocante ao projeto de Lei mencionado é a
ausência de manifestação acerca da devolução de valores ao regime do qual esta se
renunciando a aposentadoria em questão.
Tal omissão por certo levará à algumas discussões quando da aplicação da
lei. Roseval Rodriges da Cunha Filho levanta alguns:
Haverá quem argumentará que a inexistência de disposição na Lei
pertinente à devolução de alguma importância ao regime concessor
da aposentadoria renunciada, inviabilizaria o procedimento de
desaposentação, ou mesmo a inconstitucionalidade da Lei,
suscitando princípios constitucionais, tais como o do necessário
equilíbrio atuarial, da igualdade e da isonomia.
Também, não poderia o decreto que viesse a regulamentar a lei, a
determinação de devolução de “algo” ao regime concessor da
aposentadoria renunciada, pois sem a previsão na lei regulamentada o
decreto estaria extrapolando suas finalidades, conquanto estaria indo
além da mera regulamentação da lei, passando à excedê-la, o que
constituiria ilegalidade e certamente suscitaria questionamentos neste
23
Art. 96. O tempo de contribuição ou de serviço de que trata esta Seção será contado de acordo com a
legislação pertinente, observadas as normas seguintes: I - não será admitida a contagem em dobro ou em
outras condições especiais; II - é vedada a contagem de tempo de serviço público com o de atividade privada,
quando concomitantes; III - não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de
aposentadoria pelo outro; IV - o tempo de serviço anterior ou posterior à obrigatoriedade de filiação à
Previdência Social só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período
respectivo, com acréscimo de juros moratórios de um por cento ao mês e multa de dez por cento.
24
Seção VII - Da Contagem Recíproca de Tempo de Serviço.
15
ponto.
Assim, carece o referido projeto de lei de modificações, para que fixe a
necessária devolução de alguma importância ao regime do qual se retira
o desaposentando, remetendo a instrumentalização de tal devolução,
como aliás de todo o procedimento de desaposentação à norma
regulamentadora. 25

Roberto Luiz Luchi Demo sugere nova redação ao parágrafo único a ser
inserido ao artigo 54 da Lei nº 8.213/91. Vejamos a proposta:
Parágrafo único. As aposentadorias por tempo de contribuição e especial
concedidas pela Previdência Social, na forma da lei, poderão, a qualquer
tempo, ser renunciadas pelo Beneficiário, ficando condicionada a
certificação do tempo de contribuição que serviu de base para concessão
do benefício, ao pagamento de indenização proporcional à compensação
previdenciária e ao total recebido a título de aposentadoria, nos termos
do regulamento.26

Mas nesse caso novamente estaríamos criando uma diferenciação ilegal dos
aposentados por idade.
E ainda, erroneamente falando de devolução de verbas de natureza
alimentar, o que já resta pacificado na jurisprudência como indevido.
O projeto carece, portanto, de correção no sentido de que se defina a
questão da devolução de importância ao regime concessor da aposentadoria renunciada, seja
para determinar a devolução integral dos proventos aposentários até então recebidos, seja
para afastar expressamente tal devolução, ou mesmo para dar possibilidade de devolução de
valores conforme uma equação a ser definida e aplicável a cada caso concreto.
Logo, pelo que se apresenta até o momento, a existência de um projeto de
lei que busca trazer ao regime jurídico brasileiro uma solução para o impasse da
desaposentação é muito válido.
Entretanto, no nosso entender, o projeto em si carece de enfoque técnico.
Da maneira como está atualmente, a sua inserção no direito brasileiro acabará por aumentar a
confusão já existente na matéria.
Assim, importante a existência do projeto legislativo em comento, ao
menos buscando a discussão da desaposentação, contudo o mesmo necessita de ajuste no
sentido de que se defina a questão da devolução de importância ao regime concessor da
aposentadoria renunciada.

25
CUNHA FILHO, Roseval Rodrigues da. Desaposentação e Nova Aposentadoria. Revista de Previdência
Social, Ano XXVII, Nº 274, Setembro de 2003, p.791/792.
26
DEMO, Roberto Luiz Luchi. Aposentadoria. Direito disponível. Desaposentação. Indenização ao sistema
previdenciário. Revista de Previdência Social, Ano XXVI, Nº 263, outubro de 2002, p.889/890.
16
7. CONCLUSÃO

Não restam dúvidas, portanto, quanto ao direito dos beneficiários de


renunciarem a suas aposentadorias, fazendo uso do instituto da desaposentação.
Encontra-se fundamento doutrinário, jurisprudencial e legal (permissiva
omissiva), além de uma expectativa de fundamento legal, tudo a respaldar o direito de
renuncia à aposentadoria para a desaposentação e o conseqüente direito de aproveitamento
do tempo de serviço que tenha dado origem ao benefício para efeitos de nova jubilação.
No tocante a permissão legal, a ausência de impedimento expresso, no
presente caso, deve ser interpretado de forma a permitir a desaposentação.
O maior problema para a instrumentalização da desaposentação nos aprece
a necessidade ou não de devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria que se vai
renunciar.
Como o assunto ainda não é pacífico, e a própria jurisprudência difere nos
entendimentos sobre a necessidade ou não da devolução aos cofres públicos, somente uma
resolução legislativa poria fim a discussão. Entretanto, o Projeto de Lei nº 7.154/2002, pelo
menos como se encontra até o momento, não parece trazer solução para esse problema.
Mas com relação ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, cabe
lembrar a colocação do Jurista Wladimir Novaes Filho, Procurador do Estado de São Paulo e
Graduando em atuária:
O aumento no tempo de contribuição e a diminuição da expectativa de
vida podem, no caso concreto, garantir o equilíbrio atuarial do sistema.
Isso porque, devemos lembrar que uma aposentadoria concedida mais
tarde significará um pagamento por menos tempo, o que acabará se
equilibrando com um aumento de valor do benefício. Sem falarmos nas
parcelas vertidas ao regime após a primeira aposentadoria.27

Outro ponto importante a ser atentado pelos aposentados é que a legislação


28
previdenciário tem sofrido inúmeras modificações tanto para o regime geral quanto para o
regime próprio, que acabaram por transformar de forma marcante o cálculo de renda mensal
dos benefícios previdenciários.
Atualmente, nem sempre um benefício com mais tempo de contribuição
resultará num valor de renda mensal maior. Assim, a análise sobre a benéficie da

27
Palestra concedida no 26º Congresso Brasileiro de Previdência Social, 6º painel, dia 27/06/07, Tema
Desaposentação.
28
Citamos as mais importantes: Emenda constitucional nº 20, Emenda constitucional nº 41, Emenda
constitucional nº 47, Lei 9.876/99.
17
desaposentação deve ser feita caso a caso, já que ainda que legalmente cabível, pode ser
mais vantajoso ao segurado permanecer aposentado pelas regras anteriores.
Desta forma, ainda que reste comprovado o direito dos aposentados que
continuarem a contribuir em optarem pela desaposentação visando um aumento de seus
benefícios, a análise deve ser cuidadosa de forma a prever as modificações legais que
poderão afetar o valor final desse novo benefício.
Principalmente se estivermos considerando a hipótese ainda não excluída
totalmente da devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria renunciada.

18
8. BIBLIOGRAFIA

ARAUJO, Isabella Borges. Desaposentação no direito brasileiro.


Disponível em http://www.unifacs.br/revistajuridica/edicao_marco2007/discente/dis6.doc.
BRAMANTE, Ivani Contini. Desaposentação e nova aposentadoria.
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Fim do Túnel. Disponível:http//:www.forense.com.br/Artigos/Autor/FelipeCarvalho/
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Previdência Social, ano XXIX, nº 301, dezembro de 2005.
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Aposentadoria. Revista de Previdência Social, Ano XXVII, Nº 274, Setembro de 2003.
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LEITE, Celso Barroso. A Previdência Social ao alcance de todos. 5ª
edição. São Paulo: LTR, 1993.
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TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. 4ª edição. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2002.

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