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Seminário Sociologia Cont.

Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era


“pós-socialista” - Nancy Fraser

Nos conflitos “pós-socialistas” a identidade do grupo supera o interesse de classe como


o principal meio de mobilização política. “A dominação cultural suplanta a exploração
como a injustiça fundamental. E o reconhecimento cultural toma o lugar da
redistribuição socioeconômica como remédio para a injustiça e objetivo da luta política.”
p1.c1

Luta por reconhecimento ocorre em sociedades com grande desigualdade material.

Ao invés de simplesmente endossar ou rejeitar o que é simplório na política da


identidade, devíamos nos dar conta de que temos pela frente uma nova tarefa
intelectual e prática: a de desenvolver uma teoria crítica do reconhecimento, que
identifique e assuma a defesa somente daquelas versões da política cultural da
diferença que possam ser combinadas coerentemente com a política social da
igualdade. P1.c2.

Pra desenvolver a teoria, a autora traz duas conceituações de injustiça:

Injustiça econômica: se radica na estrutura política-econômica da sociedade, são:


exploração, marginalização econômica e privação. - compromisso com o igualitarismo.
O remédio para ela é a reestruturação político-econômica como redistribuição de
renda, reorganização da divisão do trabalho, controles democráticos do investimento
ou transformação de estruturas econômicas básicas. - redistribuição
Injustiça cultural e simbólica: radica-se nos padrões sociais de representação,
comunicação e interpretação. Incluem a dominação cultural, ocultamento e o
desrespeito. O remédio para ela é uma mudança cultural ou simbólica, envolvendo a
revalorização das identidades e também uma transformação radical dos padrões
sociais de representação, interpretação e comunicação, a fim de transformar o sentido
do eu em todas as pessoas. - reconhecimento.

Qual a relação entre lutas por reconhecimento para remediar a injustiça cultural e luta
por redistribuição para compensar a injustiça econômica? Quais interferências mútuas
aparecem quando as duas são reivindicadas simultaneamente?
- Lutas por ​reconhecimento assumem a forma de chamar atenção para a
especificidade de algum grupo e afirmar seu valor.
- Tendem a promover diferenciação no grupo

- Lutas por ​redistribuição, ​em contrapartida, buscam abolir os arranjos


econômicos que embasam as especificidades do grupo.
- Tendem a promover a ​desdiferenciação ​do grupo

A política de reconhecimento e a política de redistribuição parecem ter objetivos


contraditórios, os dois tipos de luta estão em tensão e podem interferir ou agir contra o
outro.
Dilema do reconhecimento-redistribuição: há pessoas que necessitam de redistribuição
e reconhecimento, como isso é possível?
“Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo ideal da classe
trabalhadora explorada, encaramos injustiças distributivas que precisam de remédios
redistributivos. Quando lidamos com coletividades que se aproximam do tipo ideal da
sexualidade desprezada, em contraste, encaramos injustiças de discriminação negativa
que precisam de remédios de reconhecimento. No primeiro caso, a lógica do remédio é
acabar com esse negócio de grupo; no segundo caso, ao contrário, trata-se de
valorizar o “sentido de grupo” do grupo, reconhecendo sua especificidade.”

Quando temos casos de coletividades localizadas na parte intermediária do espectro


que combinam características da classe explorada e da sexualidade desprezada, as
coisas ficam mais turvas. São coletividades “bivalentes” que sao diferenciadas tanto
pela estrutura econômico-político quanto pela cultural-valorativa da sociedade,
portanto, sofrem os dois tipos de injustiça simultaneamente.

Nenhuma dessas injustiças tem um efeito indireto na outra, mas ambas são primárias e
co-originais, portanto, nem a redistribuição nem o reconhecimento, por si sós, são
suficientes, elas necessitam dos dois. - gênero e raça.

Gênero: dimensões econômico-políticas. Estrutura a divisão fundamentalmente entre


trabalho “produtivo” remunerado e trabalho “reprodutivo” doméstico não-remunerado,
atribuindo o último as mulheres. Também estrutura a divisão interna do trabalho
remunerado entre as ocupações profissionais e manufatureiras de remuneração mais
alta, em que predominam homens, e serviços domésticos de baixa remuneração, as
mulheres.
Resultado: estrutura econômico-política que reproduz modos de exploração,
marginalização e privação marcados pelo gênero. A injustiça de gênero aparece como
uma injustiça distributiva que clama por redistribuição. Como a de classe, também
exige a transformação da economia para que se elimine a estruturação de gênero.

É preciso abolir a divisão do trabalho segundo gênero, dentro e fora do trabalho


remunerado. É preciso abolir a questão de gênero.
Gênero não é apenas uma diferenciação econômico política mas também de valoração
cultural. Abarca mais a questão de sexualidade do que de classe e isso permite
enquadrá-lo na problematica do reconhecimento.
Favoritismo aos que possuem traço de masculinidade e a desqualificação das coisas
codificadas como “femininas”.

Não sao meramente “superestruturais”, por isso, não podem ser remediadas apenas
pela redistribuição econômico-política, mas precisa de medidas independentes e
adicionais de reconhecimento.

“O gênero é, em suma, um modo bivalente de coletividade. Ele contém uma face de


economia política, que o insere no âmbito da redistribuição. Mas também uma face
cultural-valorativa, que simultaneamente o insere no âmbito do reconhecimento.
Naturalmente, as duas faces não são claramente separadas uma da outra. Elas se
entrelaçam para se reforçarem entre si dialeticamente porque as normas culturais
sexistas e androcêntricas estão institucionalizadas no Estado e na economia e a
desvantagem econômica das mulheres restringe a “voz” das mulheres, impedindo a
participação igualitária na formação da cultura, nas esferas públicas e na vida
cotidiana” p4.c2 - círculo vicioso de subordinação cultural e econômica.

Como pode-se lutar para abolir a diferenciação de gênero e ao mesmo tempo valorizar
sua especificidade? (o mesmo ocorre com raça - modo bivalente de coletividade)

Afirmação: voltada para corrigir efeitos desiguais de arranjos sociais sem abalar a
estrutura subjacente que os engendra

Transformação: corrigir efeitos desiguais por meio da remodelação da estrutura


gerativa subjacente

Efeitos terminais x processos que os produzem (e não a mudança gradual x mudança


apocalíptica)
Remédios afirmativos para injustiça cultural são associados ao multiculturalismo
mainstream​. Propõe compensar o desrespeito por meio da revalorização das
identidades enquanto deixa intacto o conteúdo delas e suas diferenciações.
Remédios transformativos são associados à desconstrução. Compensariam o
desrespeito por meio da transformação da estrutura cultural-valorativa subjacente,
desestabilizando as identidades e diferenciações grupais existentes, transformariam o
sentido do eu de ​todos.
Sexualidade desprezada – remédios afirmativos = política de identidade
gay / remédios transformativos = política queer O objetivo transformativo não é
consolidar uma identidade gay, mas desconstruir a dicotomia homo-hétero de modo a
desestabilizar todas as identidades sexuais fixas.

Injustiça econômica – remédios afirmativos = Estado de bem-estar liberal


e transferência de renda / remédios transformativos = socialismo

Caso da classe social explorada


– Quando tratada com o remédio afirmativo de transferência de renda,
pode vir a ser considerada privilegiada, que recebe tratamento especial e generosidade
imerecida por parte do Estado – podendo criar, assim, problemas de reconhecimento,
seu efeito geral é desviar a atenção da divisão de classes entre trabalhadores e
capitalistas para a divisão entre as frações empregadas e desempregadas da classe
trabalhadora. Programas de assistência pública “focalizam” os pobres não só por
auxílio, mas por hostilidade. Tais remédios, com certeza, oferecem a ajuda material
necessitada. Mas também criam diferenciações de grupo fortemente antagônicas.
Assim, uma abordagem voltada para compensar injustiças de distribuição pode acabar
criando injustiças de reconhecimento.
– Quando tratada com o remédio transformativo, que combina fatores
como programas de bem-estar social, políticas para criação de empregos e decisões
democráticas quanto às prioridades socioeconômicas, garante a todos acesso ao
emprego, e gradativamente dissolve a diferenciação de classe. Remédios
transformativos reduzem a desigualdade social, porém sem criar classes
estigmatizadas de pessoas vulneráveis vistas como beneficiárias de uma generosidade
especial. Eles tendem, portanto, a promover reciprocidade e solidariedade nas relações
de reconhecimento. Assim, uma abordagem voltada a compensar injustiças de
distribuição pode ajudar também a compensar (algumas) injustiças de reconhecimento.
“A redistribuição afirmativa pode estigmatizar os desprivilegiados, acrescentando o
insulto do menosprezo à injúria da privação. A redistribuição transformativa, em
contraste, pode promover a solidariedade, ajudando a compensar algumas formas de
não-reconhecimento.”

A autora ressalta que trabalhou com tipos ideais puros nas duas extremidades do
espectro conceitual, contrastando os efeitos divergentes dos remédios afirmativos e
transformativos para as injustiças distributivas de classes, enraizadas
economicamente, de um lado, e para as injustiças de reconhecimento da sexualidade
enraizadas culturalmente.

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