Você está na página 1de 6

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº , DE 2007

Institui o Dia da Integração Jurídica Latino-


Americana.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Fica instituído o Dia da Integração Jurídica Latino-


Americana, a ser comemorado anualmente no dia 19 de agosto.

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICAÇÃO

Esta proposição visa a homenagear e preservar a memória do


grande jurista e advogado Augusto Teixeira de Freitas. Baiano de Cachoeira,
cidade distante a 61 quilômetros de Salvador, Teixeira de Freitas nasceu em
19 de agosto de 1816. Iniciou seus estudos jurídicos em Olinda e, depois, em
São Paulo, na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Ser errático,
acabou por concluir a graduação em Olinda, onde se diplomou em 1837.
Naquela época, Teixeira de Freitas tinha apenas 21 anos.

O célebre jurista baiano teve como obras a Consolidação das


Leis Civis e o famoso Esboço de Código Civil (o conhecido “Esboço de
Freitas”), que influenciaram o direito civil mundial, não só pela técnica
utilizada, como também pela fecunda produção doutrinária nelas expressadas.
2

Em 15 de fevereiro de 1855, Teixeira de Freitas pactuou com o


governo imperial, por meio do Ministro da Justiça, José Nabuco de Araújo, a
elaboração da Consolidação das Leis Civis. Firmado o contrato, debruçou-se
Teixeira de Freitas à ingente tarefa, somente encerrada em 4 de dezembro de
1858.

Contendo 1.333 artigos, a Consolidação das Leis Civis, que


sistematizou em texto único as leis civis portuguesas e brasileiras que valiam
no Brasil Imperial, converteu-se, segundo Spencer Vampré, no padrão mais
alevantado da história da nossa codificação, no mais belo edifício do nosso
direito. Em torno dessa obra, evoluíram todas as idéias diretoras do
pensamento jurídico nacional.

Submetida a Consolidação à comissão formada por Caetano


Alberto Soares, Paulinho Soares de Sousa e Nabuco de Araújo, houve ampla
aprovação, sendo salientada no relatório, a profundidade do saber de Teixeira
de Freitas, a erudição e didatismo que circunscrevia a Consolidação das Leis
Civis. Até o imperador Dom Pedro II, que aprovou a Consolidação, concedeu
posteriormente a Teixeira de Freitas o galardão da comenda da Rosa.

Com o sucesso da Consolidação das Leis Civis, animou-se


Nabuco de Araújo a não dar ao Brasil uma simples Consolidação, mas
presenteá-lo com um verdadeiro Código Civil. Novamente Teixeira de Freitas
foi convidado para a hercúlea tarefa. Novo contrato foi pactuado entre o
governo imperial e Teixeira de Freitas.

Ao projeto, Teixeira de Freitas deu o nome de Esboço de Código


Civil. O autor, contudo, acreditava que seu excepcional trabalho não era digno
de tanto e publicou suas conclusões com o título de Esboço.

Pronto o “Esboço de Freitas”, a Comissão Revisora composta por


Paulino José Soares de Sousa, Nabuco, Ribas, Brás Henriques, Marcelino de
Brito, Áreas, Alberto Soares e Figueira de Mello, teve início incansável
debate. Como era comum naquela época (meados do século XIX), a polêmica
era acerba, resvalando pelo campo pessoal. A incontinência verbal e o duelar
com as palavras eram de tal forma intensa, que já não mais era atacado o
trabalho, mas o seu autor. A cada crítica, Teixeira de Freitas, que não media
esforços em defender suas opiniões até às últimas conseqüências, tinha de

vn1114j2-200708851
3

elaborar trabalho escrito, defendendo o ponto de vista do Esboço. Esse


trabalho fatigou seu corpo e oberou o espírito.

Inconcluso, o Esboço de Freitas continha 4.908 artigos. Em


quatro meses de trabalho, tendo o próprio Teixeira de Freitas como integrante,
a Comissão analisou apenas os quinze primeiros artigos. Os debates eram tão
estéreis que Teixeira de Freitas queixou-se a Nabuco de Araújo, dizendo que,
a prosseguir naquela marcha, nem em cem anos o trabalho seria concluído, e
sequer o Esboço seria convertido em Código Civil.

Demonstrando nobreza de caráter, renunciou à tarefa no dia 20 de


novembro de 1866, em carta dirigida ao Ministro da Justiça, Nabuco de
Araújo. Propôs a devolução da quantia que havia recebido para a realização
de tão ingente e frustrado esforço.

Embora os legisladores brasileiros da época não tenham


convertido o “Esboço de Freitas” em projeto de lei, até mesmo porque este
fora apresentado em fascículos e, por isso, encontrava-se disperso na época, a
obra doutrinária chegou às mãos do grande jurista argentino, Vélez Sársfield,
que trabalhava, desde 1864, no projeto de redação do Código Civil Argentino
e estava em dúvida quanto ao método que utilizaria na sua elaboração.

Malogrado o Esboço enquanto projeto de Código Civil, a


Argentina não perdeu tempo. Em 1869, o país vizinho recebeu seu Código
Civil, elaborado pelo jurista Vélez Sársfield que não negou que a sua
codificação foi decalcada do Esboço de Teixeira de Freitas. Na verdade, a
obra de Teixeira de Freitas era tão completa que o jurista argentino Vélez
Sársfield praticamente traduziu o Esboço de Freitas para o espanhol e
apresentou essa tradução como Projeto de Código Civil Argentino, o qual foi
aprovado e vigora na Argentina até hoje.

Como se houvesse uma solidariedade sul-americana, e a partir do


Código Civil Argentino, o Esboço de Freitas foi seguido por outras nações
Latino-Americanas como o Paraguai e, em parte, o Uruguai. Essa posição
adotada pelo codificador Argentino foi, contudo, alvo de duras críticas
baseadas nas concepções de Montesquieu, que afirmava que as condições

vn1114j2-200708851
4

físicas em que vivem um povo influenciam sobremaneira a formação do seu


direito de modo que seria raro que o direito de uma nação servisse a outra.

Ainda no que se refere à América Latina, o Esboço de Freitas se


fez sentir no Código Civil do Paraguai, pois este era muito parecido com o
Argentino, e um pouco no Código Civil Uruguaio, que já tinha recebido
influência do Código Civil Chileno, elaborado por Andrés Bello que, por sua
vez, fora influenciado pelo Código Civil Francês. Vale lembrar que o Código
Civil Chileno fora muito criticado à época porque não possuía uma palavra
destinada aos analfabetos, como se o Chile, de 1855, não abrigasse imensa
massa populacional iletrada.

Teixeira de Freitas almejava em seu Esboço de Código Civil, em


fascículo de 1863, a incorporação do direito comercial no direito civil, o que
se antecipou ao jurista italiano César Vivante, que propusera a unificação do
direito privado em 1892, sendo adiante concretizada na aprovação do Código
Civil Italiano de 1942, que revogou o Código de Comércio de 1882 e o
Código Civil de 1865.

Justificando seu ponto de vista, Teixeira de Freitas dizia que não


havia espaço para a arbitrária separação das leis de direito civil e comercial, já
que todos os atos da vida jurídica, como exceção dos benéficos, podem ser
comerciais ou não, ou seja, ter fim lucrativo ou não. No campo legislativo, a
tese da unificação foi definitivamente consagrada no Código Suíço das
Obrigações, no Código Polonês das Obrigações, no Código Civil Italiano, no
Projeto Franco-Italiano de Código das Obrigações, assim como no
Anteprojeto do Código das Obrigações, elaborado entre nós por Hanneman
Guimarães, Orozimbo Nonato e Filadelfo de Azevedo. Este, mais tarde, foi
consagrado como o Código Civil Brasileiro de 2002, que adotou o
pensamento de Teixeira de Freitas.

Além da influência na técnica utilizada para separação das


disciplinas e a sua sistematização, o Esboço de Freitas se faz presente também
na doutrina por ele utilizada que se mostrou presente na divisão do Código
Civil duas partes: a Parte Geral e a Parte Especial.

vn1114j2-200708851
5

Podemos dizer que as duas grandes famílias que influenciaram o


processo de codificação realizado por Teixeira de Freitas foram a francesa,
com o Código de Napoleão de 1804, e a Alemã de 1896. Como já havia
afirmado René David, Freitas antecedera de “quarenta anos o Código Civil
Alemão”, com sua técnica e da divisão do Código Civil em uma parte geral e
outra especial. Isso mostra o vanguardismo de Teixeira de Freitas não só em
relação ao Código Civil Alemão, mas também ao direito mundial.

A classificação dos direitos em reais e pessoais, Teixeira de


Freitas a depurou na Consolidação das Leis Civis, tanto que mencionou na
Introdução que o ponto mais sensível da cena judiciária daquela época era
essa divisão. Tal fato não passou despercebido por Enrique Martinez Paz, para
quem, a mais simples inspeção mostra a profunda analogia existente entre o
plano da distribuição das matérias do Esboço e o adotado no Código Civil
Argentino. A divisão dos direitos em pessoais e reais tem para ambos o valor
de um pensamento fundamental que preside o desenvolvimento total do
sistema.

Se o Código Civil da Argentina é, quase em sua totalidade, o


Esboço de Freitas, no Brasil, não chegou sequer ao Poder Legislativo.
Infelizmente nosso país ainda não é dado a cultivar a memória dos seus filhos
ilustres. Na Argentina, valoriza-se sobremaneira Vélez Sarsfield: um clube de
futebol leva o seu nome, além de haver um bairro em Buenos Aires em sua
homenagem, gestos que tornarão imperecíveis à memória daquele
jurisconsulto. No Brasil, terra repleta de iconoclastas, Teixeira de Freitas
jamais terá o seu nome visto em todos os quadrantes, muito menos dando
nome a associações expressivas da índole do brasileiro, tais como a de uma
escola de samba ou de uma entidade futebolística. Talvez Teixeira de Freitas
seja lembrado como o aluno medíocre que foi quando estudou Direito na
Academia do Largo do São Francisco ou, quem sabe, pela loucura que o
acometeu no fim da vida. Sim. Teixeira de Freitas enlouqueceu, quiçá pelo
excesso de trabalho ou pela frustração de não ter concluído seu intento, que
era o de ver seu Esboço regendo o direito privado brasileiro.

Lembra o jurista Washington de Barros Monteiro que, no início,


a loucura se instalou em Teixeira de Freitas, em forma de mania religiosa. Aos
poucos, a doença se generalizou e dominou, por completo, as suas faculdades

vn1114j2-200708851
6

mentais. Como os grande pensadores contemporâneos Nietzsche, Maupassant,


Donizetti e Nijinsky, Teixeira de Freitas morreu demente, em Niterói, no dia
12 de dezembro de 1883.

É exatamente para preservar a memória de Augusto Teixeira de


Freitas que cremos poder contar com amplo apoio dos ilustres Pares para a
aprovação deste projeto de lei, com o que estaremos homenageando, no País,
a memória deste ilustre jurista.

Sala das Sessões,

Senador VALDIR RAUPP

vn1114j2-200708851

Você também pode gostar