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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Processo de Aquisição da
Linguagem e Aprendizagem
Professora: Márcia Maurílio de Souza

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Etiologia das dificuldades de aprendizagem 3

Epidemiologia das dificuldades de aprendizagem 4

Leitura e escrita 5

Escrita 15

Modelos de escrita (ortografia) de palavras 15


Sumário Características das crianças com dificuldades de aprendizagem que influenciam

as dificuldades na leitura e escrita 17

Problemas de atenção 19

Dificuldades de aprendizagem na escrita 30

Disgrafia 31

Disgrafias adquiridas 32

Disgrafia fonológica 32

Disgrafia de superfície 33

Disgrafia profunda ou agrafias 33

Disgrafias do desenvolvimento ou evolutivas 33

Escrita em espelho 33

Intercâmbio de letras 34

Orientações 34

Disortografia 35

Características 35

Orientações 35

Referências 36

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Nesta disciplina, estaremos enfocando as • Problemas de processamento da audi-


dificuldades de aprendizagem na leitura e na ção e de fala.
escrita. Como introdução, faremos uma rápi-
da explanação sobre as etiologias e a epide- • Sinais neurológicos ligeiros e equívocos
miologia das dificuldades de aprendizagem e irregularidade no EEG (eletroencefa-
em geral. Em seguida, iniciaremos especifica- lograma)
mente com o nosso tema, pois consideramos
de suma importância estar claros a todos os Segundo Fonseca (1995), a criança com
principais conceitos que envolvem o assunto. dificuldades de aprendizagem não pode, por
definição, ter qualquer deficiência (intelectu-
Etiologia das dificuldades de al, visual, auditiva, física). Ela tem inteligên-
aprendizagem cia normal, adequada recepção sensorial e
adequados comportamentos motor e socio-
A criança com dificuldades de aprendiza- emocional.
gem não é deficiente, mas apresenta con-
dutas desviantes significantes em relação à Ainda segundo Fonseca (1995), essa
população escolar em geral. criança com dificuldades de aprendizagem
vê e ouve bem, comunica-se e não possui
Temos listados mais de 100 comporta- uma inferioridade mental global, mas muitas
mentos específicos. Os 10 mais frequentes, vezes, em um programa escolar regular, não
segundo McCarthy (1974 apud FONSECA, consegue atingir os níveis e objetivos míni-
1995), são os seguintes: mos, não se beneficiando dele, pois acusa
problemas de comportamento, discrepâncias
• Hiperatividade.
na linguagem e na psicomotricidade, apren-
dendo em um ritmo lento, logo, necessitando
• Problemas psicomotores.
de atenção extrassala.
• Labilidade emocional. Ela é uma criança que aprende de uma
forma diferente, apresenta uma discrepância
• Problemas gerais de orientação.
entre o potencial atual e o potencial espera-
do. Não pertence a nenhuma categoria de
• Desordens de atenção.
deficiência, nem mesmo mental, pois possui
um potencial normal que não é realizado em
• Impulsividade.
termos de aproveitamento escolar.

• Desordens na memória e no raciocínio. A criança com dificuldades de aprendi-


zagem distingue-se da com deficiência e
• Dificuldades específicas de aprendiza- da sem deficiência. Possui sinais difusos de
gem: dislexia, disgrafia, disortografia e ordem neurológica, provocados por fatores
discalculia.

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obscuros, ainda hoje pouco claros, que po- ensino (professora competente com provas
dem incluir índices psicofisiológicos, varia- dadas).

ções genéticas, irregularidades bioquímicas,


Por outro lado, se deixarmos de lado os
lesões cerebrais mínimas, alergias, doenças
fatores culturais e socioeconômicos, negaría-
etc. que interferem no desenvolvimento e na
mos o fato de que, apesar de essas crianças
maturação do sistema nervoso central (SNC).
estarem presentes em todos os estratos so-
Ainda podemos acrescentar a esses dados
ciais, é nas classes sociais mais baixas, com
aspectos emocionais, afetivos, pedagógicos
maior discrepância socioeconômica, que está
e sociais inadequados, tornando o quadro
o seu maior número.
mais complexo.

Logo, procuramos adotar conceitos que


levem em consideração processos dialéti-
Figura 1 - Sala de aula regular. Entre esses alunos,
podemos encontrar aqueles com dificuldades de
cos que tenham como base não somente os
aprendizagem. Fonte: http://otiliodiogenes.files. fatores socioeconômicos, mas também os
wordpress.com/2009/06/sala-de-aula-otilio.jpg
organicistas ou disfuncionais, em uma pers-
Na identificação dessas crianças, devemos pectiva científico-pedagógica e interacionista
eliminar fatores socioeconômicos e exóge- (criança-professor-programa-escola). Faz-se
nos, como privação cultural associada a as- necessária uma integração biossocial como
pectos socioeconômicos ou outros, pois, nes- modelo para abordar o programa das dificul-
ses casos, as dificuldades de aprendizagem dades de aprendizagem (FONSECA, 1995).
seriam a consequência e não uma causa.
Epidemiologia das dificuldades de
Referimo-nos aqui, segundo Fonseca aprendizagem
(1995, p. 96), a
A incidência das dificuldades de aprendi-
dificuldade manifestada na aprendizagem zagens varia de acordo com as pesquisas, de
simbólica, independentemente de uma autor para autor e de país para país, pois po-
adequada inteligência, de um adequado demos notar que há também uma relativida-
desenvolvimento uma criança com adequada
de cultural e comportamental adotadas em
boa nutrição, bom desenvolvimento maternal
e familiar, etc. e de um adequado método de cada local e por diferentes autores, depen-

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dendo das múltiplas situações das crianças Como podemos observar, esses fatores di-
e igualmente dos diferentes níveis de aspira- ficultam o diagnóstico e, por conseguinte, o
ção dos adultos que as envolvem. prognóstico e o atendimento dessas crianças
na escola.

Leitura e escrita
Competências e habilidades na leitura

Segundo Rojo (2009), o ato de ler envolve


um conjunto amplo de fazeres e rituais que po-
demos chamar de procedimentos, como o se-
guimento das linhas para a leitura (direita para
a esquerda e de cima para baixo no ociden-
te), o folhear o material (livro, revistas etc.),
o escanear uma página de jornal buscando as
manchetes que interessam e mesmo o uso de
uma caneta marca-texto para evidenciar as in-
Temos como exemplo índices apresenta- formações mais relevantes enquanto estuda.
dos por Fonseca (1995) de autores pesqui-
sadores em alguns países, em que podemos Esse ato envolve também capacidades (per-
observar pelas diferenças percentuais as afir- ceptuais, motoras, cognitivas, afetivas, sociais,
mações acima: discursivas, linguísticas) de leitura, todas de-
• Canadá, segundo a Comissão de Es- pendentes da situação e das finalidades de
tudo de Crianças com dificuldades de leitura, também denominadas por alguns pes-
aprendizagem e dificuldades emocio- quisadores de estratégias (cognitivas, meta-
nais (Gaddes, 1976) – 10-16% da po- cognitivas) (ROJO, 2009).
pulação escolar.

• Grã-Bretanha, (Pringle, Butter e Davie,


1996) - 14% de crianças com dificul-
dades de aprendizagem com necessi-
dades educacionais especiais.

• França, (Gaddes, 1976) – 12-14%.

• Estados Unidos, (Gaddes, 1976) – 10-


15%.

• Alemanha, (Gaddes, 1976) – 2%.


http://planetasustentavel.abril.com.br/imagem/
• Finlândia (Gaddes, 1976) – 4%. ler_escrever_galeria02_429.jpg

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Embora entendamos que os procedimentos exemplificados também exijam capacidades


(perceptuais, motoras e outras), não são as mesmas da leitura, também chamadas de com-
petências, denominadas nas teorias (cognitivas, linguístico-discursivas).

Desde a segunda metade do século XX até hoje, as pesquisas e teorias sobre as capaci-
dades de leitura trouxeram muitas informações, as quais dependem do foco delas.

Até o início da segunda metade do século XX,

ler era visto de maneira muito simplista, apenas um processo perceptual e associativo de deco-
dificação de grafemas (escrita) em fonemas (fala), para acessar o significado do texto. Nesta pers-
pectiva, aprender a ler encontrava-se altamente equacionado à alfabetização (ROJO, 2009, p. 75-6).

A figura 3 representa um esquema que ilustra o que era alfabetizar (conhecer o alfabeto)
e ler, na visão acima citada.

Alfabetizar

Discriminação Memória dos


perceptual (visão) grafemas

Associada
na memória às
percepções (auditivas)
dos sons da fala
(fonemas)

Figura 3. Fonte: Produção da autora.

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Nessa mesma visão, a leitura, após a conquista da alfabetização, deveria acontecer de


forma linear da seguinte forma:

Letra Sílaba Palavra

Frase Período Parágrafo Texto

Linearmente ao significado

Fluência na leitura

Figura 4. Fonte: Produção da autora.

Com base no esquema acima, há o reconhecimento das letras, juntam-se estas formando
as sílabas e, em consequência, as palavras. As palavras são organizadas em frases e perí-
odos, chegando aos parágrafos e finalmente a um texto, sendo lidas fluentemente. Todo
esse processo acontece linearmente, e os significados de palavras, frases e texto vêm à tona
paralelamente, o que se denomina de fluência na leitura.

Segundo Rojo (2009), essa teoria estava focada na decodificação do texto, que com cer-
teza é uma das capacidades mais importantes para o acesso à leitura, mas existem outros
fatores relevantes para que esse ato possa ocorrer.

A decodificação para a leitura envolve, segundo Rojo (2009, p. 76):

• compreender diferenças entre escrita e outras formas gráficas (outros sistemas de


representação);

• dominar as convenções gráficas;

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• conhecer o alfabeto; gate de conhecimento armazenado na me-


mória, capacidades lógicas, capacidades de
• compreender a natureza alfabética do interação social, etc.” (ROJO, 2009, p. 76-7).
nosso sistema de escrita;
As capacidades de compreensão envol-
vem, segundo Rojo (2009):
• dominar as relações entre grafemas e
fonemas; • Ativação de conhecimentos de mundo.

• Antecipação ou predição de conteúdos


• saber decodificar palavras e textos es-
ou de propriedades dos textos.
critos;

• Checagem de hipóteses.
• saber ler reconhecendo globalmente
as palavras; • Localização e/ou retomada (cópia) de
informações.
• ampliar a sacada do olhar para por-
ções maiores de texto que meras pa- • Comparação de informações.
lavras, desenvolvendo assim fluência e
rapidez de leitura. • Generalização.

Segundo Freire (1989), a leitura do mun- • Produção de inferências locais e pro-


do precede a da palavra, daí que a posterior dução de inferências globais.
leitura desta não possa prescindir da conti-
nuidade da daquele. Linguagem e realidade Competências e habilidades na escrita
prendem-se dinamicamente. A compreensão
do texto a ser alcançada por sua leitura crí- Como já dissemos anteriormente, temos
tica implica percepção das relações entre o que ter a capacidade de decodificação para
texto e o contexto. Logo, a leitura é um “ato desenvolvermos a leitura. Para chegarmos à
de cognição, de compreensão, que envolve escrita, temos que ter a capacidade de codi-
conhecimento de mundo, conhecimento de ficação, que corresponde à de decodificação
práticas sociais e conhecimentos linguísti- na leitura.
cos, muito além dos fonemas e grafemas.”
(ROJO, 2009, p. 77) Assim como na leitura, na escrita, temos
que ter outras habilidades procedimentais
Ainda segundo Rojo (2009), desde a se- envolvidas, que são as cognitivas, as linguís-
gunda metade do século XX, as pesquisas e ticas e as discursivas. Logo, precisamos delas
estudos indicam e desvelam muitas outras para escrever com significação e de manei-
capacidades no ato da leitura, como: “capa- ra situada, não somente grafar ou codificar
cidades de ativação, reconhecimento e res- (ROJO, 2009).

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Ainda segundo Rojo (2009, p. 90), para Concluindo, temos que ter claro que, para
uma escrita com significação, precisamos uma pessoa desenvolver com qualidade a
também: leitura e a escrita, ela necessita ter muitas
habilidades, principalmente as cognitivas e
• Normalizar o texto, usando os aspec- as motoras, que serão o embasamento para
tos notacionais da escrita, que vão da o desenvolvimento das outras capacidades
ortografia padrão à separação de pa- necessárias.
lavras e à pontuação adequadas; aos
mecanismos de concordância nominal Aquisição ontogênica da leitura e es-
e verbal e de regência verbal, etc.; crita

Sabemos, pelo que foi apresentado ante-


• Comunicar, adequando o texto à si-
riormente, que necessitamos ter desenvol-
tuação de produção, a seus interlocu-
vidas habilidades e capacidades para uma
tores-leitores, a seu suporte e veículo,
leitura e uma escrita fluentes, contextualiza-
de maneira a atingir suas finalidades;
das, com total entendimento do texto escrito
ou lido. Porém temos que ter claro que, ante-
• Textualizar, organizando as infor- riormente a esse entendimento do contexto,
mações e temas do texto de maneira a criança passa pelo processo de alfabetiza-
progressiva (Progressão temática) e ção, que não deixa de ser um processo de
atribuindo-lhe coerência (malha tópi- codificação e decodificação dos grafemas e
ca, forma de composição do texto) e dos fonemas. Para entendermos melhor essa
coesão; fase, apresentaremos a seguir as etapas da
aquisição ontogênica da leitura e escrita.
• Intertextualizar, levando em con-
ta outros textos e discursos sobre os
mesmos temas, para com eles concor-
dar, deles discordar, com eles dialogar.
(grifo do autor)

http://4.bp.blogspot.com/_FK5QjE4gwZc/S0NmrqG4btI/
AAAAAAAAFHw/KroWPEMNlC8/s400/a.bmp

Capovilla e Capovilla (2007) descrevem as


etapas ontogênicas no processo de alfabeti-
zação (aquisição de leitura e escrita). Os au-
http://carolcampos.files.wordpress.com/2009/09/
ler20e20escrever.jpg?w=551 tores apontam três estratégias básicas para

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lidar com a palavra escrita, que evoluem • Estratégia fonológica na fase al-
conforme a criança passa por três etapas da fabética: as palavras são analisadas
aquisição da leitura e da escrita. em seus componentes letras e fone-
mas. Consegue-se ler palavras regula-
• Estratégia logográfica na fase lo- res, mas não as irregulares.
gográfica: reconhecimento das pa-
lavras por meio de esquemas idios-
• Estratégia lexical na fase ortográ-
sincráticos, que fazem uso de pistas
fica: pode-se reconhecer diretamente
não alfabéticas, do contexto, da cor
partes da palavras, sem a conversão
da palavra, do fundo e do formato da fonológica. São unidades reconhecidas
palavra etc. Sem tais pistas, a palavra visualmente que, segundo Pinheiro
pode não ser reconhecida. Ela é trata- (1994 apud CAPOVILLA; CAPOVILLA,
da como um todo, podendo inclusive 2007), podem ser chamadas de logo-
estar com as letras trocadas. gens.

Morton (1989 apud CAPOVILLA; CAPO-


VILLA, 2007) propôs, baseado no modelo de
desenvolvimento de estratégias ao longo das
etapas que apresentamos, o seguinte pro-
cesso de alfabetização:

• Leitura logográfica: as palavras são


tratadas como desenhos, e são usadas
pistas contextuais. Não ocorre a deco-
A cor da figura e da palavra indica o que está escrito – verde. dificação alfabética, como nos exem-
Fonte: Produção da autora. plos das figuras 7 e 8.

• Escrita logográfica: adquire-se um


vocabulário visual de palavras. A or-
dem das letras não influencia o reco-
nhecimento, a não ser a inicial.

• Escrita alfabética: tem-se o acesso à


representação fonológica das palavras
e pode-se isolar fonemas individuais
Figura 8 - A palavra balão com a letra O desenhada como um e mapeá-los nas letras corresponden-
balão voando. Fonte: livro Letras Criativas. tes. Há a necessidade de conhecer as

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correspondências entre os grafemas e • Escrita ortográfica: há a capacida-


os fonemas. de de escrever usando-se um sistema
léxico-grafêmico que dá a estrutura
morfológica de cada palavra.

Leitura

Estudiosos que pesquisam as dificulda-


des de aprendizagem na leitura, ao longo do
tempo, buscaram explicar principalmente o
funcionamento neurológico que atua no pro-
cesso da leitura e da escrita. Apresentaremos
a seguir o modelo proposto por Ellis (1995)
para entendermos como ocorre esse proces-
so e facilitar nosso entendimento quando
Figura 9 - Exemplo de escrita de aluno com dificuldades ocorrem distúrbios nessa área.
de aprendizagem na escrita, em transição para a fase
alfabética, ainda com grande influência da fase da
escrita logográfica. Fonte: http://www.scielo.br/scielo.
Modelos de reconhecimento de pala-
php?pid=S1516-18462010005000041&script=sci_arttext. vras

• Leitura alfabética sem compreen- Segundo Guimarães (2005), alguns es-


são: há a capacidade de converter a tudos fizeram uso de modelos de leitura e
sequência de letras em fonemas, mas escrita em adultos. A autora apresenta para
não se consegue entender o significa- a análise esses modelos para embasar a dis-
do do resultado da decodificação fo- cussão dessas questões.
nológica.
Esses modelos têm sido propostos na ten-
tativa de caracterizar alguns dos processos
• Leitura alfabética com compreen- mentais que possibilitam ao leitor identificar,
são: consegue-se fazer a decodifica- compreender e pronunciar as palavras escri-
ção fonológica e, por meio do feedba- tas, ajudando a identificar o que está com-
ck auditivo, consegue-se compreender prometido nos indivíduos disléxicos (GUIMA-
o significado dessa decodificação. RÃES, 2005).

Desde o século XIX, estudiosos defendem


• Leitura ortográfica: há a capacida- um modelo de dupla rota de leitura, que se
de de ler por reconhecimento das uni- baseia na distinção entre o procedimento le-
dades morfêmicas, ou seja, passa-se xical e o sublexical, ou seja, entre a pronúncia
a ter acesso direto ao sistema semân- extraída como um todo e a obtida por deco-
tico. dificação. A palavra escrita pode ser acessa-

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da pela rota visual (o significado é resgatado diretamente da memória da forma escrita do


vocábulo) e pela fonológica (a palavra deve ser convertida em seu equivalente fonológico
para que este seja usado na recuperação do significado) (GUIMARÃES, 2005).

Outros pesquisadores propõem, segundo Guimarães (2005, p. 28),

modelos interativos em que as informações visuais, ortográficas, fonológicas, sintáticas e semân-


ticas interagem, permitindo ao leitor o uso simultâneo dessas informações para a seleção de hipó-
teses corretas sobre as palavras que estão sendo lidas no texto. Assim, a participação simultânea
de diferentes habilidades linguísticas permite um desempenho mais eficiente no processo de leitura.

Ellis (1995) afirma que o processamento de uma palavra escrita envolve vários subsiste-
mas cognitivos e propõe o modelo de reconhecimento de palavras escritas isoladas (figura
10):

Palavra escrita

Léxico de input visual

Sistema de
análise visual

Sistema
semântico

Nível do fonema

Léxico da produção da fala

Fala

Figura 10 - Fonte: Ellis (1995, p. 31).

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Os subsistemas cognitivos previsão (adivinhação) semântica. O processo


acontece da seguinte forma:
Sistema de análise visual: tem duas
funções que permitem ao leitor diferenciar, • Em um texto, temos a palavra com-
por exemplo, as palavras lata e tala, amor e putador. O sistema de análise visual
Roma: realiza a codificação das letras como
C (1), O (2), M (3), P (4), U (5), T
• Identificar as letras impressas, formar
(6), A (7), D (8), O (9), R (10), e esse
representações que permitam diferen-
input ativa a palavra computador no
ciar uma letra de outra.
léxico de input visual. O significado da
palavra é ativado pelas conexões do
• Codificar a posição que cada letra se
léxico de input visual com o sistema
apresenta dentro da palavra.
semântico. Esse significado difunde-
-se lateralmente para outros concei-
Léxico de input visual: funciona como tos pertencentes ao mesmo campo
um armazém de palavras familiares. Possibili- semântico. Logo, o significado da pa-
ta o acesso a esses vocábulos, apesar de não lavra computador ativará também
conter seus significados ou pronúncias.
o de teclado, tela, digitação, pro-
Quando uma palavra é desconhecida, para gramas etc. Assim, se uma das próxi-
que se torne familiar, é criada uma nova uni- mas palavras do texto for teclado, o
dade de reconhecimento para ela e processa- sistema de análise visual fará o reco-
-se uma conexão com as representações de nhecimento mais facilmente.
significados e de pronúncias.
• O léxico de produção da fala ar-
Esse léxico envia informações para o sis- mazena o conhecimento da pronúncia
tema semântico e para o léxico de produção das palavras familiares. Todo o conhe-
da fala. Sua ligação com o sistema de análise
cimento que uma pessoa tem sobre
visual é bidirecional.
determinado objeto está armazena-
Sistema semântico: “É o armazém de do no sistema semântico, mas não a
todo o conhecimento sobre os significados pronúncia das palavras. Por exemplo,
de palavras familiares e parece contribuir mostramos a imagem de uma bone-
tanto para a compreensão das palavras es- ca a uma pessoa. Para nomeá-la, ela
critas quanto faladas” (GUIMARÃES, 2005, p. necessita primeiramente ativar seu
31). Esse sistema conecta-se com o léxico de sistema semântico por meio de suas
input visual bidirecionalmente; essa é a ex- conexões com o léxico da produção da
plicação para o efeito do contexto da senten- fala, para assim recuperar o nome da
ça na identificação de palavras com base na imagem.

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• O nível do fonema “é um armazém • Rota: palavra escrita – sistema de


que mantém, temporariamente, os fo- análise visual – léxico de input visual
nemas das palavras no intervalo entre – léxico de produção da fala – nível do
a sua recuperação do léxico de produ- fonema – fala.
ção da fala e a sua articulação” (GUI-
MARÃES, 2005, p. 32). Se tivermos • Rota fonológica (ou sublexical)
que falar uma palavra longa, como caracteriza-se pela conversão dos seg-
angustiante, ela deve ser recupera- mentos ortográficos em segmentos
da de uma só vez como uma sequên- fonológicos. O leitor pode tomar uma
cia de sons (fonemas), armazenados palavra inventada, como ieco, identi-
no nível do fonema, que é um depósi- ficar suas letras componentes - i (1),
to de curto prazo. e (2), c (3), o (4) - e converter cada
uma delas no fonema que representa
As rotas usadas na leitura para pronunciar /ieco/.

Segundo Ellis (1995), o reconhecimento • Rota: palavra escrita – sistema de


de uma palavra escrita pode ser realizado análise visual – nível de fonema – fala.
por três rotas.
Fatores psicolinguísticos que afetam o re-
• Rota lexical (ou semântica) é a lei-
conhecimento de palavras
tura via significado.
Os fatores psicolinguísticos irão determi-
• Rota: palavra escrita – sistema de aná- nar qual rota será utilizada na leitura.
lise visual – léxico de input visual – sis-
• Regularidade: tipo de correspon-
tema semântico – léxico de produção
dência existente entre letra e som.
da fala – nível do fonema – fala.
Na língua portuguesa, há dois tipos
de relações entre unidades sonoras
• Leitura não semântica caracteriza- e unidades gráficas. Assim, temos as
-se pela conexão direta do léxico do palavras regulares, em que as unida-
input visual com o de produção da fala. des sonoras correspondem às letras
O leitor pronuncia a palavra automa- grafadas, exemplo, gato. Nas rela-
ticamente, sem decodificar (terceira ções cruzadas, temos dois tipos: as
rota) ou buscar seu significado. Mas, palavras regra, em que a posição da
se esse item analisado visualmente letra determina o seu som, por exem-
não estiver armazenado no léxico do plo, base, em que o s tem som de /z/
input visual, ele só poderá ser lido pela porque está entre vogais; e as irregu-
rota sublexical. lares, em que a correspondência entre

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

letra e som não segue regra alguma, exemplo, a palavra exercício, em que a letra x
soa como /z/.

• Lexilicalidade: “Apoia-se na distinção


entre palavras reais e palavras inventadas
(pseudopalavras), cujas estruturas orto-
gráficas e fonológicas são admissíveis na
língua portuguesa” (GUIMARÃES, 2005,
p. 35). As palavras podem ser lidas tanto
na rota sublexical como na lexical, mas
palavras inventadas que não estão arma-
zenadas no léxico do input visual só pode-
rão ser lidas pela rota sublexical.

• Frequência: refere-se ao grau de ocor-


rência de certa palavra na língua. A alta
ou baixa ocorrência de uma palavra irá
determinar sua familiaridade, ou seja,
se está ou não armazenada no léxico do
input visual e se será lida pela rota lexical
ou sublexical.

• Comprimento: refere-se ao tamanho da palavra ou pseudopalavra a ser lida. Na


rota fonológica, a leitura é mais precisa para as palavras curtas, enquanto que, pela
rota lexical, não há diferença entre itens longos e curtos.

Escrita
Assim como na leitura, nas dificuldades de aprendizagem na escrita, muitos pesquisa-
dores ao longo do tempo procuram explicar esses distúrbios e, para melhor entendê-los,
elaboraram modelos de escrita como parâmetro para explicar os desvios.

Modelos de escrita (ortografia) de palavras

Os modelos de escrita apresentam duas rotas independentes: a lexical e a fonológica.


Eles são menos estudados que os de leitura.

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Os modelos tradicionais enfatizavam a mediação fonológica, mas estudos com adultos


que perderam a capacidade fonológica mostraram que eles podiam grafar as palavras, por
isso foram propostos modelos de dupla e tripla rota de escrita.

Subsistemas cognitivos envolvidos na ortografia de palavras

Do léxico de input visual

Sistema semântico

Do léxico de input

Léxico de produção da fala Léxico de produção dos grafemas

Do sistema de análise

Nível do fonema Nível do grafema

Datilografia,
Produção oral Escrita
digitação

Figura 11 - Modelo de ortografia de palavras simples. Fonte: Ellis (1995, p. 74).

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• Léxico de produção dos grafemas: armazena as formas escritas das palavras fa-
miliares.

O léxico de produção dos grafemas recebe dois inputs: um do sistema semântico (que armazena
os significados das palavras) e o outro, do léxico de produção da fala (que fornece informações
sobre as formas verbalizadas das palavras) o que leva a crer que a ortografia de uma palavra familiar
é recuperada em função de seu significado e sua forma sonora (GUIMARÃES, 2005, p. 45).

• O nível do grafema: quando apresentamos o modelo de leitura em voz alta, afir-


mamos que o nível do fonema é um armazém de curto prazo – mantém os fonemas
das palavras que estão sendo lidas no intervalo entre a sua recuperação do léxico de
produção da fala e a sua articulação. “A escrita também exige um armazenamento
equivalente, de curto prazo, para manter a ortografia das palavras entre a recupe-
ração e execução ou mesmo para reter a porção final da palavra enquanto a porção
inicial está sendo grafada” (GUIMARÃES, 2005, 45).

Rotas procedimentais de “ortografia construída”: rota sublexical

Quando escrevemos palavras não familiares ou não palavras, não podemos utilizar o léxi-
co de produção dos grafemas, por isso é necessária uma ortografia construída, ou seja, uma
conversão direta fonema-grafema.

A rota sublexical pode construir corretamente palavras de ortografia regular, ou seja, as


que são escritas da mesma forma que são faladas, mas ocorrerão erros ortográficos “fôni-
cos” ou “fonéticos” ao grafar palavras irregulares, pois haverá a tendência à regularização
delas.

Exemplo: escrever incorretamente beringela em vez de berinjela, orário em vez de ho-


rário. Essas palavras somente serão grafadas corretamente se estiverem armazenadas no
léxico de produção de grafemas.

Características das crianças com dificuldades de aprendizagem que influenciam as


dificuldades na leitura e escrita
As crianças com dificuldades de aprendizagem apresentam características/problemas as-
sociados entre si. A figura abaixo demonstra essas relações.

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Dificuldades de aprendizagem

Problemas emocionais Problemas emocionais

Problemas cognitivos Problemas cognitivos

Problemas de memória Problemas de memória

Problemas psicolinguísticos

Problemas de comportamento

Figura 12 – Problemas da criança com dificuldades de aprendizagem. Fonte: Fonseca (1995, p. 253).

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Vamos explanar sobre os problemas apresentados na figura 12, relacionando-os com as


dificuldades de aprendizagem na leitura e escrita.

Problemas de atenção

As crianças com problemas de atenção apresentam algumas características que irão inter-
ferir diretamente na aprendizagem, logo, também afetarão suas capacidades de desenvolver
a leitura e a escrita. Observemos os itens a seguir para entender melhor essas dificuldades:

• Dificuldades para focar ou fixar a atenção – não selecionam os estímulos relevantes


dos irrelevantes.

• Dispersam-se com facilidade, motivadas por carência de atenção (inatenção) ou por


excesso (superatenção a detalhes supérfluos).

• Dificuldades em processar e conservar as informações, causadas pela desatenção ou


pela superatenção, que interferem na percepção, logo, elas têm prejudicadas as fun-
ções de decodificação e codificação.

Problemas perceptivos

Devemos destacar, entre os problemas perceptivos mais estudados nas crianças com
dificuldades de aprendizagem, os visuais e os auditivos, tendo-se claro que não estamos fa-
lando aqui de acuidade visual (o quanto a criança enxerga, se tem miopia, por exemplo) ou

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

de perda auditiva (o quanto a criança ouve), • Inadequado desenvolvimento percep-


mas, de acordo com Fonseca (1995), da ca- tivo, que repercute nas dificuldades de
pacidade do cérebro para interpretar os da- leitura e de escrita e também quanto
dos visuais (diferenciar, estruturar, reter in- ao cálculo.
formações visuais), assim como os estímulos
auditivos. A criança ouve, mas não interpreta Problemas de memória
o que ouve.
A memória é uma função neuropsicológica
Essas capacidades perceptivas estão dire- imprescindível para a aprendizagem. De fato, a
tamente ligadas ao desenvolvimento sensó- memória e a aprendizagem são indissociáveis,
rio-motor das crianças e também se alimen- por isso encontramos entre as crianças com
tam de estímulos ligados à manipulação de dificuldades de aprendizagem problemas de
objetos, logo, ao “reconhecimento do obje- “memorização, conservação, consolidação,
to (contorno, forma, comprimento, largura, retenção, rememorização, rechamada
orientação, etc.)” (FONSECA, 1995, p. 255). (visual, auditiva e tatilquinestésica), etc.
da informação anteriormente recebida”.
Podemos destacar as seguintes dificulda-
(FONSECA, 1995, p. 266). É claro que esses
des perceptivas que influenciam diretamente
problemas influenciam nas dificuldades de
a aprendizagem da leitura e da escrita:
aprendizagem da leitura e da escrita.
• Dificuldades para perceber, identificar,
Problemas cognitivos
discriminar e interpretar a informação
sensorial (visual, auditiva, tatilquines- Anteriormente, mencionamos que a leitura
tésica). e escrita envolvem processos cognitivos
muito complexos. Segundo Fonseca (1995),
• Dificuldades para discriminar figura- para lermos, temos que perceber, armazenar
-fundo, pois se perde no todo. e rechamar as configurações das letras, das
palavras e das frases para, posteriormente,
• Dificuldades para interpretar o que
relacioná-las com os respectivos equi-
ouve ou para discriminar o que é rele- valentes auditivos, processo cognitivo este
vante ouvir entre outros sons ambien- com o qual se atinge a aquisição de signifi-
tes. cação e com o qual o leitor, nesse momento,
confronta-se. Tal significação resulta das re-
lações de conteúdo interiorizadas por meio
• Dificuldades no processamento auditi- de experiências psicologicamente represen-
vo, ou seja, de organizar e de estrutu- tadas e retidas (FONSECA, 1995, p. 270)
rar o seu mundo auditivo.
Nesse processo, temos, segundo Fonseca
(1995, p. 270),

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

uma dupla atividade simbólica em que Nos estudos, constatou-se que as crianças
os símbolos escritos (grafemas – 2º sistema
com dificuldades de aprendizagem apresen-
simbólico) se transformam em equivalentes
tam melhores resultados na categoria espa-
falados (fonemas – 1º sistema simbólico),
cial, os mais baixos na categoria sequencial
elementos estes anteriormente aprendidos
e resultados intermediários na categoria
e fixados em experiências representativas e
conceitual (FONSECA, 1995). Esses resulta-
significativas que consubstanciam a lingua-
gem falada. dos indicam a dificuldade que elas têm para
a aprendizagem da leitura, que requer um
Observando a complexidade das atividades “bom controle oculomotor, velocidade moto-
cognitivas exigidas para a leitura, podemos ra, memória visual de curto termo, direcio-
afirmar que: nalidade, fixação e compreensão do conceito
do código” (FONSECA, 1995, p. 275).
• As crianças com dificuldades de apren-
dizagem apresentam mais dificuldades Problemas psicolinguísticos
para processar os conteúdos verbais
do que os não verbais. Há uma relação direta entre os processos
psicolinguísticos (receptivos – auditivos e vi-
• Pesquisas indicam que muitas das suais; integrativos – retenção, compreensão
crianças com dificuldades de apren- e associação; e expressivos – rechamada,
dizagem apresentam nível cognitivo programações verbais orais e motoras) e as
abaixo do normal. desordens da linguagem falada e da lingua-
gem escrita.

Pesquisas citadas por Fonseca (2005) Os principais sinais que as crianças com
utilizaram a aplicação do WISC (Weschler dificuldades de aprendizagem podem apre-
Intelligence Scale for Children) para analisar sentar são:
as dificuldades de aprendizado. Essa escala
tem a seguinte categorização: • problemas na compreensão do signi-
ficado de palavras, de frases, de his-
• Categoria espacial (cubos, compo- torias, de conversas telefônicas, de
sição de objetos e complemento de diálogos, etc.;
imagens);
• problemas em seguir e executar dire-
• Categoria conceitual (vocabulário, se- ções ou instruções simples e comple-
melhanças e compreensão); xas;

• Categoria sequencial (código, aritmé- • problemas de memoria auditiva e de


tica e memória de dígitos) (FONSECA, sequência temporal, quer não simbóli-
1995, p. 274). ca, quer simbólica;

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• vocabulário restrito e limitativo; movimentos exagerados (dismétricos),


rígidos (sem melodia quinestésica) e des-
controlados (não seguem uma sequência
• frases incompletas e mal estruturadas; espaço-temporal organizada). A eficiência, a
adequação, a perfeição, a plasticidade, a rit-
micidade, a harmonia nos movimentos, etc.
• dificuldades de rechamada de infor- surgem normalmente afetadas ou imaturas
mação; na criança com dificuldade de aprendizagem
(FONSECA, 1995, p. 284).

• problemas de organização lógica e de


Essas crianças apresentam também, se-
experiências e ocorrências;
gundo Fonseca (1995, p. 285), “algumas
anomalias na organização motora de base
• dificuldades na formulação e ordena- (tonicidade, equilibração e locomoção) e con-
ção ideacional; sequentemente na organização psicomotora
(lateralização, direcionalidade, imagem do
• problemas de articulação e de repeti- corpo, estruturação espaço-temporal e pra-
ção de frases, etc. (FONSECA, 1995, xias)”.
p. 279-80).
As duas funções mais importantes – late-
ralização e direcionalidade - irão influir dire-
tamente nas dificuldades de aprendizagem
na escrita e na leitura, pois elas dificultam a
discriminação entre b - d, p - q, u - n, 6 - 9
e muitas outras cujas combinações e sequen-
cializações são utilizadas na leitura e escrita.

Problemas emocionais

As crianças com dificuldades de apren-


dizagem são normalmente descritas pelos
Problemas psicomotores pais e pelos professores como “vivas” e
“fabulosas”, “nervosas” e “desatentas”, “ir-
Os pesquisadores na área de dificuldades requietas” e “tranquilas”, “possessivas” e
“coléricas”, “desarrumadas” e “desorganiza-
de aprendizagem têm buscado intensamente
das”, “conflituosas” e “descontroladas”, “ex-
explicações em nível neurológico para os dis- plosivas” e “manipulativas”, “irresponsáveis”
túrbios dessas crianças. Nessas pesquisas, já e “negativistas”, “instáveis” e “impulsivas”,
foi constatado que elas têm um bom controle etc. (FONSECA, 1995, p. 264).
postural e uma perfeita coordenação de mo-
Elas apresentam problemas relacionais, de
vimentos, mas a grande maioria tem um per-
comunicação e de conduta social. Isso tudo
fil psicomotor dispráxico (FONSECA, 1995).
deve ser levado em consideração, pois, nes-
Isto é, apresentam

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

se contexto de instabilidade emocional, é muito difícil para uma criança conseguir ter um
desenvolvimento típico de aprendizagem.

Dificuldades de aprendizagem na leitura

Estudiosos, ao longo da história, realizaram pesquisas na área das dificuldades de


aprendizagem na leitura e levantaram hipóteses sobre as suas causas. Apresentaremos um
quadro resumo baseado em levantamento bibliográfico elaborado por Guimarães (2005).

Quadro 1: Hipóteses levantadas historicamente sobre as causas das dificuldades de aprendizagem na


leitura (dislexia)

Confirmação
ou rejeição
Época Causas Autores Hipóteses
da hipótese

Enfatizavam
Deficiências do
a percepção
processamento Birch; Belmont, Nem todos os
visual, a
Até os anos visual – (1964); Orton estudos identificaram
discriminação
1970 dificuldades (apud PIÉRART, distúrbios
visual final e
de percepção 1997). visuoespaciais.
a organização
visuo-espacial.
visual-espacial.

Se são
distúrbios
Ainda pairam dúvidas
especificamente
sobre as questões
verbais ou
de os distúrbios
também não
serem decorrentes
verbais.
de material verbal,
Liberman e Se esses
podendo ser
Nos anos 1970, Dificuldades no colaboradores distúrbios estão
“consequência de
estendendo- processamento (1982); Vellutino relacionados o
problemas mais
se aos anos verbal ou (apud BRYANT; processamento
gerais (de natureza
1980 e 1990. fonológico. BRADLEY, temporal, tempo
perceptual e/
1987). de exposição
ou temporal de
ao estímulo e
armazenamento na
intervalo de
memória de longo
apresentação
prazo)” (GUIMARÃES,
do próximo
2005, p. 26).
(CAPOVILLA,
1999).

Fonte: baseado em Guimarães (2005).

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Dos anos 1990 até atualmente, alguns lexical e sublexical. Com base nesse entendi-
pesquisadores trouxeram definições mais mento, alguns pesquisadores tentaram expli-
consistentes das dificuldades de aprendiza- car a dislexia de desenvolvimento em termos
gem na leitura. Segundo García (1998, p. de dificuldades na aquisição de uma das ro-
173), dificuldade de aprendizagem na leitu- tas de aprendizagem.
ra “define-se como a presença de um déficit
no desenvolvimento do reconhecimento e
compreensão dos textos escritos”. Somente
Filmes:
podemos classificar como tal quando essa di-
ficuldade produz uma alteração relevante do Dislexia – TV Sentidos: http://
rendimento acadêmico ou da vida cotidiana www.youtube.com/watch?v=s
(GARCÍA, 1998). 1efTD2nNsE&feature=related.

Stanovich (1992 apud GARCÍA, 1998, p. Dislexia – ABD (Associação


173) “denomina a dificuldade de aprendiza- Brasileira de Dislexia) – mé-
gem na leitura como ‘dislexia’ ou como trans- todo fonético articulatório:
torno do desenvolvimento da leitura”. http://www.youtube.com/
watch?v=YamnmwCgomo.
Segundo o autor, esse transtorno manifes-
ta-se com uma leitura oral lenta, com omis- Entrevista com o Prof. Dr.
sões, distorções e substituições de palavras, Fernando Capovilla sobre dis-
interrupções, correções e bloqueios e tam- lexia: http://www.youtube.
bém afeta a compreensão leitora. com/watch?v=wL8DLAGG-
-Pg&feature=related.
Entre os pesquisadores, não há um con-
senso quanto à adequação das comparações
entre a dislexia adquirida, presente entre Dislexia de desenvolvimento
adultos que sofreram algum tipo de lesão
cerebral que afetou sua capacidade de leitu- Estudiosos classificam a dislexia do desen-
ra, e a dislexia de desenvolvimento, embora volvimento em dislexia disfonética e dislexia
haja semelhanças de sintomas entre elas. diseidética, mas enfatizam que a maioria das
Devemos destacar que alguns estudiosos crianças disléxicas apresentam dificuldades
têm utilizado modelos de reconhecimento relacionadas à análise fonológica e salien-
tam que o entendimento dessas dificuldades
adulto de palavras para explicar a dislexia do
desenvolvimento. deve ser buscado nas descrições do desen-
volvimento da aquisição da leitura e escrita
Segundo Coltheart (1987), a aprendiza- (GUIMARÃES, 2005).
gem da leitura pelas crianças sem dificulda-
des de aprendizagem pressupõe a utilização • Dislexia disfonética ou dislexia
progressivamente melhor dos procedimentos fonológica do desenvolvimento:

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

as crianças com esse tipo de dislexia podem ler bem as palavras familiares em voz
alta (regulares e irregulares), mas são incapazes de ler corretamente palavras reais
não familiares longas e palavras inventadas longas.

• Nestas últimas, elas cometem lexicalizações e uma grande quantidade de erros do


tipo paralexias (mudança da posição de letras e sons) visuais e poucos neologismos
(criação de palavra nova).

• Dislexia diseidética ou dislexia superficial do desenvolvimento: apresentam


problemas nas vias sublexical e lexical. Podem apresentar melhor desempenho na
leitura em voz alta de palavras regulares em relação às irregulares. Frequentemente
cometem erros de regularização.

Filmes:

Documentário da TV Ma-
ckenzie: http://www.youtu-
be.com/watch?v=mnBmSx
B0Xec&feature=related.

Dislexias adquiridas ou disfunções na leitura

Pessoas com dislexias adquiridas, como já apresentamos anteriormente, apresentam tais


disfunções após sofrerem lesões cerebrais. São distúrbios de leitura encontrados em leitores
adultos anteriormente capazes. Segundo Ellis (1995), esses disléxicos apresentam “proble-
mas nos módulos cognitivos utilizados na conversão da palavra escrita para o som, e depen-
dendo do módulo afetado, existem diferentes padrões de disfunção na leitura”.

25
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Quadro 2: Dislexias adquiridas

Dislexias periféricas

Componentes
Tipo de Estímulos que causam
do modelo de
dislexia Características dificuldades
leitura afetados

Incapacidade de
Dislexia por
observar a extremidade
negligência
esquerda das palavras.

Dificuldade em focalizar
a atenção numa letra
Dislexia da
ou palavra; as letras
atenção Leitura de grupos de palavras.
Sistema de de uma palavra podem
análise visual. juntar-se a outra.

Leitura letra Dificuldade em perceber a Palavras longas (reais


por letra forma global das palavras. e inventadas).

Dislexias centrais

Componentes
Tipo de Estímulos que causam
do modelo de
dislexia Características dificuldades
leitura afetados

Leitura não Sistema Falta de entendimentos


semântica semântico. das palavras lidas.

Partes da rota
sublexical
Dificuldade na conversão
Dislexia (conexão entre o Palavras não familiares e
letra-som e erros de
fonológica sistema de análise palavras inventadas.
“lexicalização”.
visual e o nível
do fonema).

Partes da rota Leitura pela rota


Dislexia de lexical e da fonológica (menos
Palavras irregulares.
superfície rota sublexical danificada) e erros
(fonológica). de regularização.

Erros semânticos, erros Palavras não familiares,


Partes da rota visuais simples, erros palavras inventadas,
Dislexia sublexical, da rota visuais-semânticos, especialmente as palavras
profunda visual direita e da erros de derivação abstratas e as funcionais
rota semântica. e substituições de (artigos, pronomes,
funções gramaticais. conjunções e advérbios).

Fonte: Guimarães (2005, p. 38).

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Algumas características observáveis nas • Dificuldade em aprender cantigas in-


crianças disléxicas fantis com rimas;

Características que podem indicar dislexia


• Dificuldade em encontrar palavras que
em pré-escolares
rimam e em julgar se palavras rimam
• Histórico familiar de problemas de lei- ou não;
tura e escrita;
• Dificuldade com sequências verbais
• Atraso para começar a falar de modo (como os dias da semana) ou visuais
inteligível; (como sequências de blocos colori-
dos);
• Frases confusas, com migrações de le-
tras: “A gata preta prendeu o filhote” • Criatividade aguçada;
em vez de “a gata preta perdeu o fi-
lhote”; • Facilidade com desenhos e boa noção
de cores;
• Impulsividade no agir;
• Aptidão para brinquedos de constru-
• Uso excessivo de palavras substitutas ção ou técnicos, como quebra-cabe-
ou imprecisas (como “coisa”, “negó- ças, controle remoto de TV e vídeo,
cio”); teclados de computadores;

• Nomeação imprecisa (como “helópte- • Prazer em ouvir outras pessoas lendo


ro” para “helicóptero”); para ela, mas falta de interesse em co-
nhecer letras e palavras;
• Dificuldade para lembrar nomes de co-
res e objetos; • Discrepância entre diferentes habilida-
des, parecendo uma criança brilhante
• Confusão no uso de palavras que in- em alguns aspectos, mas desinteres-
dicam direção, como dentro/fora, em sada em outros (CAPOVILLA; CAPO-
cima/embaixo, direita/esquerda; VILLA, 2004, p. 59-60).

• Tropeços, colisões com objetos ou Características observáveis em crianças


quedas frequentes; disléxicas em processo de alfabetização

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• Adições ou omissões de sons: lê casa • Muitos conseguem copiar, mas, na es-


em vez de casaco, lê prato em vez crita espontânea, assim como no di-
de pato. tado e/ou nas redações, apresentam
severas complicações.

• Ao ler, pula linha ou volta para a an-


terior. • Afeta mais meninos que meninas.

• Soletração defeituosa: lê palavra por • O disléxico geralmente demons-


tra insegurança e baixa autoestima,
palavra, sílaba por sílaba, ou reconhe-
sentindo-se triste e culpado. Muitos
ce letras isoladamente sem poder ler.
recusam-se a realizar atividades com
medo de mostrar os erros e repetir o
• Leitura lenta para a idade. fracasso. Com isso, criam um vínculo
negativo com a aprendizagem, poden-
• Ao ler, move os lábios murmurando. do apresentar atitude agressiva com
professores e colegas.
• Frequentemente, não consegue orien-
tar-se no espaço, sendo incapaz de Antes de atribuir a dificuldade de leitura à
distinguir direita de esquerda. Isso dislexia, alguns fatores deverão ser descarta-
traz dificuldades para se orientar com dos, tais como:
mapas, globos e o próprio ambiente.
• Imaturidade para aprendizagem.

• Usa dedos para contar.


• Problemas emocionais.

• Possui dificuldades em se lembrar de


• Métodos defeituosos de aprendiza-
sequências: letras do alfabeto, dias da
gem.
semana, meses do ano, ler as horas.

• Ausência de cultura.
• Não consegue se lembrar de fatos
passados como horários, datas, diário
• Incapacidade geral para aprender.
escolar.

Orientações
• Alguns possuem dificuldades de se
lembrar de objetos, nomes, sons, pa- • Um especialista deve acompanhar o
lavras ou mesmo letras. disléxico, e esse atendimento deve ser

28
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

individual e ter consistência (frequên- • Respeitar o tempo do disléxico para as


cia). respostas, evitar competição dele com
os demais alunos.
• Deve-se usar material estimulante e
interessante – dar preferência a jogos • Usar a estratégia de escrita em linhas
e brinquedos que se utilizem de letras alternadas para que tanto o professor
e palavras. quanto o aluno disléxico consigam en-
tender melhor o que está escrito.

• Fazer uso de letras em alto relevo,


• Fazer uso de estratégias de ensino que
com diferentes texturas e cores, para
atendam ao estilo de aprendizagem do
reforçar a aprendizagem visual. Fazer
aluno, procurando mantê-lo estimula-
brincadeiras e exercícios em que o dis-
do para realizar as tarefas.
léxico utilize também seu sentido tátil,
por exemplo, percorrer o contorno das
• Ter cuidado no momento das cor-
letras com os dedos para que apren-
reções. Evitar inúmeras correções,
da a identificar e diferenciar a forma
apontar somente as mais relevantes,
delas.
mostrar e explicar ao aluno o que está
errado e por quê. Nunca criticar nega-
• Iniciar as leituras com textos simples tivamente seus erros.
e livros atrativos, aumentando grada-
tivamente a complexidade conforme o • Orientar os pais para relerem para o
ritmo da aprendizagem. seu filho disléxico os cadernos esco-
lares, sem criticá-lo por não conseguir
• Não exigir que o aluno faça avaliação fazê-lo. Essa ação tem sua importân-
em outra língua. Deve-se dar mais im- cia pela atenção que os pais darão à
portância à superação de sua dificul- criança e porque ela pode esquecer o
dade do que à aprendizagem de outro que foi pedido ou as instruções para
idioma. realizá-lo.

• O tratamento psicológico não é reco- Segundo Capovilla e Capovilla (2004, p.


61-2), devemos ter os seguintes cuidados:
mendado a não ser nos casos de gra-
ves complicações emocionais. • Na escola, a criança disléxica deve
sentar-se próxima à professora, de
• Dar preferência ao método fonético de modo que esta possa observá-la e en-
alfabetização. corajá-la a solicitar ajuda.

29
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• Cada ponto do ensino deve ser revis- • A apresentação de material escrito


to várias vezes. Mesmo que a criança deve ser cuidadosa, com cabeçalhos
esteja atenta à explicação, isso não destacados, letras claras, maior uso
garante que ela lembrará o que foi no de diagramas e menor de palavras es-
dia seguinte. critas.

• Professores e pais devem evitar suge- • O ambiente de trabalho deve ser quie-
rir que a criança é lenta, preguiçosa to e sem distratores.
ou pouco inteligente, bem como evitar
comparar o seu trabalho escrito aos • A escrita cursiva é mais fácil do que a
de seus colegas. de forma, pois auxilia a velocidade e a
memorização da forma ortográfica da
palavra.
• Não solicitar para que ela leia em voz
alta na frente da classe.
• Esforços devem ser feitos para auxiliar
a autoconfiança da criança, mostrando
• Sua habilidade e seus conhecimentos
suas habilidades em outras áreas (mú-
devem ser julgados mais pelas respos-
sica, esporte, artes, tecnologia etc.).
tas orais que pelas escritas.

Dificuldades de aprendizagem na
• Não esperar que ela use corretamente
escrita
um dicionário para verificar como é a
escrita correta das palavras. As habili-
Segundo García (1998, p. 191), as dificul-
dades de uso de dicionário devem ser dades de aprendizagem na escrita tratam-se
cuidadosamente ensinadas. de uma

dificuldade significativa no desenvolvi-


• Evitar ensinar várias regras de escrita mento das habilidades relacionadas com a
numa mesma semana. Por exemplo, escrita. Esse transtorno não se explica nem
os vários sons do “c” ou do “g”. Dar pela presença de uma deficiência mental,
nem por escolarização insuficiente, nem
listas de palavras com uma mesma re-
por um déficit visual ou auditivo, nem por
gra para a criança aprender. alteração neurológica. Classifica-se como tal
apenas se produzem alterações relevantes
• Sempre que possível, a criança deve no rendimento acadêmico ou nas atividades
da vida cotidiana. A gravidade do problema
repetir, com suas próprias palavras, o
pode ir desde erros na soletração até erros
que a professora pediu para ela fazer, na sintaxe, estruturação ou pontuação das
pois isso ajuda a memorização. frases, ou na organização de parágrafos.

30
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

Ainda segundo o autor, essa dificuldade aparece sobreposta com outros transtornos, como:
• Transtornos no desenvolvimento da leitura.

• Transtornos no desenvolvimento matemático.

• Transtornos no desenvolvimento da linguagem do tipo expressivo e receptivo.

• Transtornos no desenvolvimento da coordenação ou de habilidades motoras.

• Transtornos de conduta de tipo desorganizado.

Geralmente, é detectada no início da idade de alfabetização (7 anos) em casos mais gra-


ves ou aos 10 anos nos mais leves. Foram observados mais casos em familiares de primeiro
grau com os mesmos problemas de desenvolvimento de linguagem e de aprendizagem
(GARCÍA, 1998).

Quadro 3: transtornos de aprendizagem

Transtornos gramaticais Transtornos fonológicos Transtornos visuoespaciais

Substituições, omissões ou
adições simples de nomes,
Substituições de morfemas.
verbos, adjetivos ou advérbios.
Omissões de morfemas. Confusão de letras.
Substituições, omissões,
Substituição de fonemas. Lentidão da percepção visual.
ou adições simples de
Omissão de fonemas. Inversão de letras.
preposições, pronomes
Substituição de sílabas. Erros internos de detalhe.
determinantes, quantificadores,
Transposição de morfemas, Transposição de letras.
conjunções ou advérbios.
fonemas, sílabas. Substituição de letras.
Substituições, omissões ou
Conversão símbolo-som.
adições de um afixo inflexivo.
Ordem de palavras alternada.

Fonte: García (1998, p. 192).

Disgrafia

Na literatura, há uma variação nas definições desse termo.

Segundo Barbosa (2005 apud CRENITTE; GONÇALVES; FERRAZ, 2010, p. 263),

o termo disgrafia tem origem grega, sendo divididas em duas partes: DIS, que significa dificuldade;
e GRAFHÊ, que representa a maneira de transcrever as palavras de uma determinada língua. Portanto
refere-se à grafia de palavras, não só de letras isoladas.

31
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

“A disgrafia é a incapacidade do sujeito de brincadeiras como amarelinha, pintura


de uma produção gráfica aceitável, mesmo e recorte para estimular a parte motora dos
pequenos.
possuindo nível cognitivo dentro da
normalidade e ter recebido uma adequada A falta dessas atividades pode comprometer
instrução pedagógica da prática da escrita” o tônus muscular, piorando a já difícil situação
(CRENITTE; GONÇALVES; FERRAZ, 2010, p. dos disgráficos (Fonte: http://www.colegio-
263). cruzeiro.com.br/Jpa/j_clipping_2010_julho_
disgrafia.htm).
As principais características observáveis
são: As disgrafias podem ser adquiridas e de
desenvolvimento ou evolutivas. A seguir,
Dificuldade para escrever, produção es- apresentaremo-nas.
crita marcada por mistura de letras (maiús-
culas e minúsculas e/ou letras bastão com
letra cursiva); traçado de letra ininteligível;
Disgrafias adquiridas
traçado de letra incompleto; dificuldade para
realizar cópias e falta de respeito à margem Assim como na dislexia, em adultos com le-
do caderno (CRENITTE; GONÇALVES; FER- sões cerebrais que anteriormente eram bons
RAZ, 2010, p. 263). escritores, podem passar a ocorrer disgrafias,
ou seja, disfunções na capacidade ortográfi-
ca. Pesquisadores apontam três tipos de dis-
grafia: fonológica, de superfície e profunda.

As pesquisas com adultos que sofreram le-


sões cerebrais ajudam a entender as disgra-
fias de desenvolvimento que ocorrem com as
crianças.

Figura 14 - Imagem de texto que caracteriza a Disgrafia fonológica


disgrafia. Fonte:http://www.escolacurtbrandes.com.
br/wp-content/uploads/2013/04/disgrafia.jpg
É um distúrbio que é específico do proces-
Os sintomas da disgrafia não se referem so de construir uma grafia partindo da forma
exclusivamente à escrita. Alguns outros
fonológica da palavra.
sinais de alerta podem ajudar os pais antes
mesmo da alfabetização dos filhos.
As pessoas que apresentam esse distúr-
“Se você leva a criança a uma festa junina, bio conseguem escrever um grande número
por exemplo, observe se ela tem ritmo para de palavras familiares, mas têm dificuldades
acompanhar as músicas, memória para fixar os
com palavras não familiares e não palavras
passos e atenção aos movimentos”, diz Raquel
Caruso. Se observada alguma dificuldade inventadas. Provavelmente, apresentam le-
nesse sentido, é hora de estimular a prática de sões nas conexões entre o nível do fonema e
exercícios físicos como correr e nadar, além o do grafema.

32
Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

disgrafia do desenvolvimento, mas há relatos


de crianças com disgrafia que conseguem ter
uma boa leitura.

Figura 15 - Observem a palavra “chou” na última


linha, que caracteriza a disgrafia fonológica, além do
desalinho das linhas. Fonte: http://www.colegiocruzeiro.
com.br/Jpa/j_clipping_2010_julho_disgrafia.htm.

Disgrafia de superfície

Ao contrário da disgrafia fonológica, as Apesar dessa concomitância entre dislexia


pessoas com esse tipo de disgrafia utilizam e disgrafia do desenvolvimento, não há con-
a rota sublexical (conexão direta do nível senso entre os estudiosos sobre uma corres-
do fonema ao nível do grafema), pois não pondência direta entre os tipos de ambas, ou
conseguem recuperar do léxico de produção seja, não se pode afirmar que uma criança
dos grafemas as palavras que anteriormente disléxica fonológica seja também disgráfica
fonológica.
eram familiares.
Algumas das características observáveis
Disgrafia profunda ou agrafias
na escrita de crianças com disgrafia do de-
• Agrafias dinâmicas centrais: falhas nos senvolvimento ou evolutivas:
processos de planejamento.
Escrita em espelho
• Agramatismo: falha na construção da
estrutura sintática. Segundo García (1995), muitas explica-
ções já foram dadas para esse tipo de disgra-
• Agrafias centrais: falhas nos processos fia ou dificuldade de aprendizagem da escri-
léxicos. ta, como lateralidade deficiente e esquema
corporal deficitário. Essas hipóteses são ape-
• Agrafias periféricas: falhas nos proces-
nas “correlacionais”.
sos motores.
Para o autor, uma explicação alternativa é
Disgrafias do desenvolvimento ou o enfoque modular da inversão de traços. A
evolutivas explicação seria que “a pessoa com dificulda-
des de aprendizagem da escrita, ao não pos-
Não temos relatos de crianças com disle- suir uma representação estável dos traços
xia que não apresentem concomitantemente componentes dos grafemas e possuir apenas

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

parte da informação, produz uma confusão mente “há uma representação deficitária em
e uma escrita em espelho” (GARCÍA, 1995, nível léxico, seja por dificuldades na rota or-
p. 199). O autor ilustra o problema com o tográfica, seja por dificuldades das regras de
exemplo da “confusão entre o p e o q. A pes- transformação de fonema a grafema – rota
soa sabe que existe um traço em forma de fonológica – ou em ambas” (GARCÍA, 1995,
linha vertical e um semicírculo; o problema p. 199). O autor ainda afirma que essa difi-
está em saber o que vem antes ou depois”
culdade pode ser explicada na codificação da
(GARCÍA, 1995, p. 199). Segundo ele, isso
linguagem e que seu núcleo está em dificul-
ocorre porque a pessoa não tem adquirida a
dades na construção de representações lé-
representação do grafema.
xicas e na aprendizagem de regras fonema/
Outro fator que implica esse erro é o fato grafema e grafema/fonema. Por exemplo, a
de que os grafemas possuem, em geral, uma palavra paz pode ser escrita zap: a pessoa
direcionalidade (padrões motores gráficos) sabe que a palavra tem as letras p, a, z, mas
que se iniciam de cima para baixo e da es- a sequência correta, não. Exemplos de inver-
querda para a direita. Logo quando temos sões de sílabas: em/me, sol/los, las/sal, par/
exceções, por exemplo, d e q, isso complica pra.
a representação estável deles na memória.
Orientações
No semicírculo temos que começar da di-
reita para a esquerda, motivo pelo qual os
• Não recomendamos usar caderno de
erros se devam à sobregeneralização das re-
gras, do mesmo modo que a criança quando caligrafia. Este poderá sobrecarregar o
está adquirindo a linguagem regulariza em punho, podendo causar dores no braço
excesso até aprender as exceções (GARCÍA,
indo até os ombros. É preciso interven-
1995, p. 199).
ção fonoaudiológica.
Exemplos:
• É importante que se faça uma
• Confusão de letras, sílabas ou palavras
avaliação fonoaudiológica o quanto
que se parecem graficamente: a-o,
antes, evitando-se assim o fracasso es-
e-c, f-t, m-n, v-u.
colar.

• Inversão de letras com grafia similar:


• O tratamento requer uma estimulação
b/p, d/p, d/q, b/q, b/d, n/u, a/e.
linguística global e um atendimento in-
dividualizado complementar à escola.
Intercâmbio de letras

O intercâmbio de letras dá-se no mesmo • Os pais e os professores devem evitar


contexto que o da inversão, pois possivel- repreender a criança.

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• Reforçar o aluno de forma positiva • Confusão de sílabas: encontraram/


sempre que conseguir realizar uma encontrarão.
conquista.
• Adições: ventitilador.
• Na avaliação escolar, dar mais ênfase
• Omissões: cadeira/cadera, prato/
à expressão oral.
pato.

• Evitar o uso de canetas vermelhas na • Fragmentações: en saiar, a noite-


correção dos cadernos e provas.  cer.

• Conscientizar o aluno de seu problema • Inversões: pipoca/picoca.


e ajudá-lo de forma positiva.
• Junções: No diaseguinte, sairei
maistarde.
Disortografia

Caracteriza-se pela incapacidade de trans-


crever corretamente a linguagem oral, ha-
vendo trocas ortográficas e confusão de le-
tras. Essa dificuldade não implica diminuição
da qualidade do traçado das letras. A disor-
tografia faz parte do quadro da dislexia do
desenvolvimento e raramente não está asso-
ciada a esse quadro ou a distúrbio de apren-
dizagem (CRENITTE; GONÇALVES; FERRAZ,
2010).
Figura 16 - Texto com características de disortografia.
A disortografia ocorre pela dificuldade em Fonte: http://www.colegiocruzeiro.com.br/
fixar as formas ortográficas das palavras, Jpa/j_clipping_2010_julho_disgrafia.htm.
apresentando como sintomas típicos a subs-
tituição, omissão e inversão de grafemas, Orientações
alteração na segmentação de palavras, per-
sistência do apoio da oralidade na escrita e
• Estimular a memória visual por meio
dificuldade na produção de textos (CRENIT-
TE; GONÇALVES; FERRAZ, 2010, p. 262-3). de quadros com letras do alfabeto, nú-
meros, famílias silábicas.
Características
• Troca de letras que se parecem sono- • Não exigir que a criança escreva vinte
ramente: faca/vaca, chinelo/jine- vezes a palavra, pois isso de nada irá
lo, porta/borta. adiantar.

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Processo de Aquisição da Linguagem e Aprendizagem

• Não reprimir a criança e sim auxiliá-la positivamente.

Referências
CAPOVILLA, Alessandra G. S.; CAPOVILLA, Fernando C. Etiologia, avaliação e interven-
ção em dislexia do desenvolvimento. In: CAPOVILLA, Fernando C. (org.). Neuropsicologia e
aprendizagem: uma abordagem multidisciplinar. 2ª ed. São Paulo: Memnon, 2004. P. 46-73.

________. Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa


abordagem fônica. 5ª ed. São Paulo: Memnon, 2007.

CRENITTE, Patrícia A. P.; GONÇALVES, Thaís dos Santos; FERRAZ, Érika. Disgrafia e sua
relação com o processo de aprendizagem e aspectos psicomotores. In: CAPOVILLA, Fernan-
do C. Transtornos de aprendizagem: progressos em avaliação e intervenção preventiva e
remediativa. São Paulo: Memnon, 2010. P. 261-7.

ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. 2ª ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1995. Trad. Dayse Batista.

FONSECA, Vitor. Introdução às dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. rev. e aum. Porto


Alegre: Artes Médicas, 1995.

GARCÍA, Jesus Nicasio. Manual de dificuldades de aprendizagem: linguagem, leitura, es-


crita e matemática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. Trad. Jussara Haubert Rodrigues.

GUIMARÃES, Sandra Regina Kirchner. Aprendizagem da leitura e da escrita: o papel das


habilidades metalinguísticas. São Paulo: Vetor, 2005.

ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009.

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