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NATA: MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E

CONSTRUÇÃO IMAGINÁRIA DO CANDOMBLÉ

Fernanda Barros1
Pedro Almeida2

Resumo

Este artigo se desenvolveu a partir de observações do Núcleo Afro-brasileiro de Teatro de


Alagoinhas (NATA). O qual através de cantos e contos interfere na construção histórico-social
a respeito do Candomblé. Cornelius Castoriadis (1982) afirma que o conhecimento é social e
historicamente construído a partir da instituição imaginária da sociedade. Ao observarmos
outra cultura, costumes ou valores, concebemo-os a partir do que ele chama de nosso próprio
“mundo imaginário”. O trabalho do NATA aborda através da oralidade a realidade do
candomblé, desmistifica-a, e trabalha como um (re)significador de símbolos ligados a cultura
afro, símbolos estes que para certos grupos foram historicamente construídos a partir de
perspectivas unilaterais e de subjugo, gerando significados imaginados de forma divergente às
manifestações reais.

Palavras-chave: Candomblé, Imaginário, Oralidade.

1
Aluna especial do Programa de Pós Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal da Bahia.
Graduada em Comunicação Social – Produção Cultural pela FACOM (UFBA) e cursando o Bacharelado
Interdisciplinar em Humanidades pela mesma instituição. E-mail: nandabarros21@gmail.com
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Pedro Almeida Pereira da Silva é graduando no Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades do IHAC-UFBA,


bolsista IC CNPq no projeto “Narrativas” da Chapada Diamantina e voluntário no projeto de extensão Canto do
Conto. E-mail: almeida_ps@hotmail.com
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Introdução

Este artigo foi elaborado a partir do imbricamento entre teoria e constatações situacionais.
O carácter etnográfico do presente texto vem de observações e vivencias de campo, tanto em
terreiros de Candomblé, como em espetáculos do Núcleo Afro brasileiro de Teatro de
Alagoinhas – NATA. A modalidade de ser “afetado” proposto por Jeanne Favret-Saada
(1990) no texto Être Affecté foi fundamental no modo o qual foi vivenciado o campo. Este
conceito é fundamental para pôr em questão o tratamento paradoxal do afeto – Contato
extremo com, ser atingido por – Que em geral, autores e pesquisadores ignoram ou negam na
experiência humana, gerando argumentos sem o devido “conhecimento de causa”.

O tema abordado já esteve presente em trabalhos posteriores dos autores deste artigo.
Trabalhos que buscaram narrar a formação do Núcleo em questão e em meio a este processo
identificou mitos e cantos que fazem parte do repertório do grupo, e a partir desta
identificação buscaram promover um mapeamento de como os trabalhos do grupo NATA
reverberam na mente do ator em cena, do público que os assiste e dos que fazem suas
oficinas.

O longo tempo demandado para uma boa analise de qualquer cultura é fundamental, tanto de
acordo com Saada (1977) em seu famoso trabalho Les Mots, Les morts et les sorts que
mudou horizontes antropológicos contemporâneos a obra, como nas primeiras análises
culturais do séc. XX. A exemplo, em 1911, Franz Boas já citava a necessidade de observação
a partir das micronarrativas, para assim constituir o geral, já que cada cultura é uma unidade
integrada, fruto de um desenvolvimento histórico peculiar. O trabalho de recolha das
micronarrativas requer tempo, cautela, e habilidade de escuta.

A perspectiva de micronarrativas, citada a cima, é fundamental no universo em questão. Já


que a oralidade transmite não só a história como regras de convívio social e ideologias do
grupo estudado. A premissa de que a tradição dos terreiros e princípios do Candomblé são
passados através da oralidade entre gerações, nos levou a estudar todo um referencial teórico
sobre narrativa e oralidade, o qual não pôde se desprender de teorias sobre imaginário,
principalmente por estarmos falando de um ambiente, artístico e religioso revestido de
construções social-históricas, ou seja construções imaginárias.
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NATA, instrumento de (re) significação

O Núcleo Afro brasileiro de Teatro de Alagoinhas - NATA, fundado em 17 de outubro de


1998, na cidade de Alagoinhas, surgiu de um Festival Estudantil de Teatro, no qual
representava o Colégio Estadual Polivalente de Alagoinhas. Nestes quase 16 anos de
trabalho a Cia. de Teatro NATA vem realizando montagens teatrais, oficinas, leituras
dramáticas, e movimentando o espaço teatral com projetos que discutem, divulgam e, acima
de tudo, valorizam a cultura afro-brasileira.

Durante o mês de dezembro de 2013 o grupo produziu os Saraus Noites Afropoéticas como
parte do projeto Exu Sile Oná, dirigido pela diretora teatral Fernanda Júlia e apresentado no
Teatro Castro Alves em Salvador. O espetáculo foi o vencedor do Edital Em Construção o
qual contemplou uma companhia teatral local, promovendo um intercâmbio com um grupo de
outro estado ou país para juntos realizarem uma grande "ocupação" no Teatro. A ocupação
ocorreu através deste sarau onde foram recitadas poesias criadas através de Orikis, do NATA e
criadas pelos alunos da oficina Crônicas Urbanas e Exu.

Para o presente trabalho os Saraus Noites Afropoéticas estão como um dos eventos de maior
relevância em termos de analises de campo. Eles possibilitaram o ambiente propício para
análise da teoria em um ambiente onde uma manifestação de ressignificação da cultura afro,
esteve em pleno TCA, teatro mais famoso e tradicional da capital baiana. Porém o trabalho
do grupo vai muito além deste espetáculo.

No ano de 2009, com a finalidade de colaborar no processo de divulgação, manutenção e


valorização da herança ancestral africana, montaram o espetáculo Siré Obá – “A festa do
rei”. Uma homenagem aos Orixás e ao povo de santo do Brasil, construída dramaturgicamente
através dos Orikis, sua encenação inspirou-se nos rituais das Comunidades de Santo (Ilê Axé)
da Bahia.

Siré Obá realizou temporadas no Teatro Vila Velha em Salvador, na cidade de Alagoinhas
onde se apresentaram no Centro de Cultura e em quatro Comunidades de Santo (Ilê Axé) do
município. Participaram também do III Fórum Nacional de Performance Negra e encerrou o I
Festival de Teatro do Subúrbio de Salvador. O espetáculo recebeu ainda três indicações ao
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Prêmio Braskem de Teatro 2009: Melhor espetáculo adulto, direção revelação para Fernanda
Júlia (diretora e autora) e categoria especial para Jarbas Bittencourt, pela direção musical.

Ainda como parte do projeto Sirê Obá, a Cia. de Teatro NATA realizou em agosto do último
ano o I IPADÊ – Fórum NATA de Africanidade, que reuniu Yalorixás, Babalorixás, a
comunidade de santo, e artistas em geral para discutirem questões relacionadas ao
Candomblé. Os trabalhos desenvolvidos pela Cia. possuem como eixo norteador a história,
cultura e religiosidade afro-brasileira, com o intuito de desmitificar os preconceitos e as
imagens equivocadas que habitam o imaginário social e historicamente instituído.

Em 2010 a Cia de Teatro NATA estreou o espetáculo Ogum - Deus e Homem montagem
premiada pelo I Prêmio Nacional de Expressões Afro brasileiras patrocinado pela Fundação
Cultural Palmares, Ministério da Cultura e CADON, com patrocínio da Petrobras e do
Calendário de apoio a projetos da Fundação Cultural do Estado da Bahia. “Ogum” realizou
temporada em 2010, no Teatro Martim Gonçalves, em Salvador, participando também do
Festival A Cena Tá Preta, do Bando de Teatro Olodum em novembro do mesmo ano.

Em 2011 foram convidados a integrar o quadro de grupos residentes do Teatro Vila Velha, e
para comemorar realizaram uma temporada de Siré Obá no Cabaré dos Novos do Teatro Vila
Velha. No ano seguinte, realizaram uma temporada do espetáculo Sirê Obá, em 04 terreiros de
Candomblé de Salvador e mais 08 terreiros no interior da Bahia.

Enquanto isso, o grupo de Alagoinhas, interior da Bahia, apresenta produções artísticas e


culturais preenchidas por total respeito à crença, pureza de sentido e significado.
Possibilitando ainda que as pessoas que os assistem a conhecerem um pouco do dia-a-dia dos
adeptos, sejam eles iniciados ou não na religião.

Além das montagens já nomeadas, outros espetáculos como: Axé: Origem, encanto e
beleza (2000), Senzalas “A história, o espetáculo” (2002), Axé! (2003), e outros pelo Brasil e
exterior, fazem parte da lista de trabalhos já realizados que além de toda discursão estética
colaboraram no combate a intolerância religiosa sofrida pelas Comunidades de Santo,
instaurando a discussão e provocando reflexões.
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Candomblé, construído a partir de imaginários incomuns

“A história é impossível e inconcebível fora da imaginação produtiva ou criadora”


(CASTORIADIS, 1982, pg. 176). Ele (o imaginário) está na raiz tanto da alienação como da
criação da história. O simbólico, é utilizado não somente para exprimir-se, o que é obvio, mas
para existir, para passar do virtual a qualquer coisa mais. Então é importante perguntar-nos:
Por que esse sistema de símbolo é o vigente e não outro? Por que não creditar as construções
simbólicas dos demais imaginários?

Crenças, que também são construções simbólicas, são situacionais, e estão diretamente
relacionadas com o imaginário. Quando há uma determinada crença, não quer dizer que haja
um mundo fechado, que não leve em conta conceitos científicos ou religiosos. Mas sim, que
tais conceitos e crenças estão entrelaçados de acordo com a construção social-histórica do
sujeito em questão.

A perspectiva situacional de uma crença se comuta como qualquer outro aspecto cultural
sustentado pela oralidade. “O que chamamos de cultura, [...], é na verdade um conjunto
múltiplo e multidirecional de fluxos de sentido, de matérias e formas de expressão que
circulam permanentemente, que nunca respeitaram fronteiras, que sempre carregam em si a
potência do diferente, do criativo, do inventivo, da irrupção” (MUNIZ, 2006. p. 3). Com essa
ideia proposta por Muniz é que se deve observar as narrativas e produções afro-culturais,
como em constante processo de mutação.

Na discussão sobre pesquisa social-histórica, Cornelius Castoriadis (1982) afirma que o


conhecimento é social e historicamente construído a partir da instituição imaginária da
sociedade. Assim, ao observarmos a cultura, os costumes e os valores de outras sociedades, de
outros lugares e de outros tempos, estamos fazendo a partir das concepções do que ele chama
de nosso próprio “mundo imaginário”.

Este “mundo imaginário”, é revestido de crenças e estórias e se apresenta em construções


únicas em cada indivíduo. Sempre singular, e a depender dos influenciadores dessas crenças e
estórias, podemos construir pontos de vistas extremamente divergentes e muitos deles
alicerçados em perspectivas totalmente distorcidas.
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Os Saraus Noites Afropoéticas foram criados em homenagem a Exu. Trabalho que teve a
oralidade como principal meio de comunicar ao público as histórias que envolvem o orixá
tido por muitos como diabo. Tal associação entre o orixá, e a maligna criação cristã, só
evidencia as divergências entre imaginários concebidos em e por ambientes diversos, e
sempre constituem-se em construções singulares. A latente negatividade atribuída a tal
associação é fruto de um processo de colonização, racismo e acima de tudo, desconhecimento
absoluto do Candomblé.

Diante de recorrentes “misconceptions” com relação a religiões de matrizes africanas, e neste


trabalho principalmente o Candomblé, este projeto é produzido motivado em entender certos
enquadramentos das narrativas a partir da oralidade e elucidar como estes elementos ajudam o
grupo e os fazem levar arte-educação para os espectadores. O que ocorre é uma investigação
sobre os contos, poesias e músicas contadas e cantadas pelo Núcleo e com a apropriação de
teorias, compreender os efeitos que o trabalho afro-cultural produz no seu público.

A informação, a respeito de hábitos e ritos de um determinado grupo social é essencial para


um construção fidedigna de uma opinião a seu respeito. O grupo NATA, além de levar
artisticamente aspectos da cultura afro-brasileira para ambientes importantes, o que repercute
em valorização e reconhecimento da diversidade, age como um grupo arte-educador. A
relação com a arte, sutiliza a transmissão do conhecimento. Tanto para o emissor como para o
receptor.

É preciso salientar que o papel fundamental da Cia. é comunicar as histórias dos orixás e do
povo de santo com qualidade aos que os assiste. Imprescindível, também, destacar o fato de
ser o único grupo teatral do interior do Estado da Bahia que tem como linha de pesquisa as
narrativas afro-brasileiras.

O trabalho realizado pelo grupo ao longo desses anos vem ganhando destaque e força no
cenário cultural baiano (nacional e internacional) por meio de festivais e parcerias com
outros grupos que assim como eles, tratam a arte de se expressar com responsabilidade.

Além ainda, da afinidade dos integrantes do grupo com a crença nos orixás e ensinamentos
passados dentro da vivência do Candomblé que, possivelmente, contribui para que as
histórias cantadas e contadas marquem não só a eles, mas, aos que os assistem.
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A história sentida através da oralidade

É inquestionável o papel exercido pelas narrativas na formação dos sujeitos. Através das
histórias são passadas regras de convívio social, elementos para formação de caráter do
indivíduo, situações que fazem refletir sobre atos e consequências, portanto, de forte conteúdo
moral, significativo para determinado contexto e lugar. Dessa forma, pode-se considerar
importante entender e respeitar essas regras (questionar quando for o caso), formas de
sociabilidade e valores históricos, é essencial para os sujeitos que delas participam e para
aqueles que com eles interagem.

O valor estético da oralidade é consideravelmente relevante na arte da contação de história.


Possibilita mudar por completo o entendimento e a atenção dada a uma narrativa. Cabe ao
narrador saber como utilizar, e capturar o imaginário através do ritmo, da fala, das pausas, das
ausências, para transformar a história contada em matéria-prima para os atores e o público.
Ong afirma que podemos observar a significação, o poder, da enunciação oral sem ter como
base o artifício da escrita.

Também não causa surpresa que povos orais – comumente – e talvez universalmente
– considerem que as palavras são dotadas de grande poder. O som sempre exerce um
poder. (...) Nesse sentido, todo som – especialmente a enunciação oral, que vem de
dentro dos organismos vivos – é “dinâmico” (ONG, 1998).

O autor traz a ideia do pensamento apoiado à cultura oral, e considera ambos atrelados a
comunicação. De acordo com Ong, existe um desprendimento de energia natural quando
transmitimos narrativas orais de modo contínuo. Krenak vai mais além e traz a ideia da não
necessidade (entre as comunidades, povos e tribos) de datar as histórias transmitidas de
geração em geração. Para ele, “já existe uma memória puxando o sentido das coisas”
(KRENAK, 2006).

E é justamente a partir desta perspectiva de narrativa e oralidade, que se pôde produzir o


projeto aqui descrito. Valorizando as narrativas e posicionando-as como instrumento
fundamental para entendimento do engendramento das relações.
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Ao analisar os referenciais teóricos deste artigo é observado o quanto a perspectiva de


narrativa e oralidade é cabível para análises que envolvam o Candomblé. Uma vez que, para
os que conhecem o Candomblé (mesmo que pouco), observa-se que nesta vertente religiosa
o que se sabe na maioria das vezes é passado de geração em geração ao longo da história e
sem uma memória escrita, datada.

Nos Saraus utilizados para análises, há contos e mitos expostos na cena e que foram
(certamente) passados sem ter necessariamente o apoio, a base da escrita (como Walter Ong
dialoga em “A Psicodinâmica da Oralidade”). Histórias contadas e cantadas que não tem o
apoio da cronologia, no decorrer do tempo perdem o sentido, dado o valor pelo que está
sendo transmitido no momento em que é contado, a “energia natural desprendida”. – Como
sugere Aílton Krenak em “Antes, o mundo não existia” e Ong (1998).

A discursão sobre oralidade elucida o motivo pelo qual muito do que se sabe hoje sobre um
mesmo mito das religiões de matriz africana, como o Candomblé, é sabido de maneiras
diferentes. Um exemplo são as músicas dos rituais, que em muitos terreiros é cantada de
outra maneira (até dentro de uma mesma nação), e as histórias também são (muitas vezes)
contadas de jeitos diferentes.

Ainda assim, podemos notar nos adeptos um conhecimento e “apropriação” muito grande
acerca das divindades, mitos e cantos que envolvem toda a história desta religião. E quanto a
isto, podemos citar o autor Ong que em seu texto sinaliza, “a redundância, a repetição do já
dito, mantém o falante quanto o ouvinte na pista”. (1998, Pg. 51)

Ele considera a redundância uma característica do pensamento e da enunciação através da


oralidade e dá um sentido mais natural ao pensamento. Ou seja, quando não se há o recurso
da escrita a história passada ganha um tom muito mais real.

Por outro lado, Walter Ong considera que apenas com o recurso da oralidade fica difícil o
enunciador fazer todos não só ouvirem, mas, compreenderem o que foi dito. Quando
trazemos estas visões para o que foi apresentado no Sarau do Grupo NATA podemos nos
certificar que o apoio dos elementos artísticos deve contribuir para o que é passado para
quem os vê no momento em que estão em cena.
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“A memória verbal é, compreensivelmente, um trunfo valorizado nas culturas orais.


Mas o modo como a memória verbal funciona em formas artísticas orais é muito
diferente daquele que os indivíduos pertencentes à cultura escrita do passado
comumente imaginaram. Numa cultura letrada, a memorização literal é geralmente
feita com base em um texto ao qual o memorizador retorna tantas vezes quanto
necessário para aperfeiçoar e testar o domínio daquela memorização” (ONG, 1998).

Assim como na transmissão de crenças, nos espetáculos teatrais o uso da memória verbal
(em especial dos contemporâneos) é, também, considerada um trunfo ao artista, que ao ato
da repetição daquela narrativa absorve melhor o que é transmitido do “emissor para o
receptor”.

Ong traz ainda que a força da oralidade possui uma ligação com o sagrado, com o que o
autor denomina “preocupações fundamentais da existência”. Em seu texto é possível ler que:
“Na maioria das religiões, a palavra falada exerce uma função fundamental na vida
cerimonial e devota”. (Pg. 88)

Alfredo Bosi propõe a ideia de que uma série de rituais que envolvem gestos, danças e certos
ritmos musicais são fundamentados em um sentido imemorial, sagrado. E cita como
exemplo, alguns movimentos que podem se assemelhar com movimentos vistos na natureza,
por pássaros e peixes. Em contraponto a Walter Ong, Bosi afirma a não existência de sentido
das coisas quando nos referimos ao sagrado.

Tem-se como exemplo, o objeto aqui estudado, em que as expressões proferidas na noite da
apresentação do Sarau, mantêm vivos no imaginário de cada um os mitos e canções passadas
de geração a geração por quem vive o dia-a-dia do Candomblé. E para aqueles que não o
vive, a possibilidade de uma construção de sentido propiciada por mensagem, criadas e
transmitidas por quem a vive de verdade.

Se na teoria podemos perceber a analise dos autores no que se refere à oralidade, escrita,
imaginário, comunidade e (até mesmo) o sagrado, na prática, podemos observar em
espetáculos culturais (como o Sarau em “homenagem” a Exu) todos estes elementos
atrelados uns aos outros.
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Considerações Finais

Determinadas narrativas que relatam e cercam tudo que é referente à História do Candomblé
foram ao longo do tempo distorcidas, muito particularmente por estarem (quase) sempre a
margem da sociedade. E quando eu me utilizo desta expressão “a margem”, quero referir-me
a uma parcela da sociedade que está fora (social e historicamente) do que considero ser a
linha condutora que leva a sociedade ao conhecimento, seja cultural, político, histórico ou
religioso.

O Candomblé é tido por muitos com um tom descaso, irresponsabilidade e acima de tudo,
falta de respeito, a exemplo das festas de santo. Quem conhece esta religião sabe que estas
festas são apenas 10% do Candomblé, e em Salvador, estas se encontram até em guia de
turismo de muitos passeios disponibilizados para turistas. Na contramão desta realidade, o
grupo NATA nos apresenta narrativas dotadas de respeito à crença, pureza de sentido e
significado. E ainda, possibilita as pessoas que os assistem a conhecerem um pouco do dia-a-
dia dos adeptos.

O Núcleo de Alagoinhas, nestes 16 anos de trabalho vem realizando espetáculos teatrais,


oficinas, leituras dramáticas, e movimentando o espaço cultural com projetos que visam
discutir, divulgar e valorizar a cultura Afro-brasileira em Alagoinhas, Salvador e em grande
parte do interior do Estado da Bahia, participando inclusive de eventos culturais fora da Bahia
e do Brasil3·.

Além do mais, a afinidade dos integrantes do grupo com a crença nos orixás e ensinamentos
passados dentro da vivência do Candomblé é o que, possivelmente, contribui para que as
histórias cantadas e contadas marquem não só a eles, mas, aos que os assistem. Ao que
chamamos de “conhecimento de causa”. Lyotard (2006) releva esse ponto quando diz que
“uma outra característica a assinalar é a afinidade de determinado saber com os costumes”.
(LYOTARD, 2006, pg. 36)

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Realizaram apresentações na Bahia, São Paulo e Paraná, participando de Festival Internacional de Artes
Cênicas da Bahia (FIAC) e do Festival de Teatro de Curitiba, dentro da Mostra Baiana no FRINGE. Em 2013,
ainda se apresentou-se em Portugal.
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O conceito do conhecimento social-historicamente instituído foi fundamental para


compreensão das distorções, que foram construídas através de anos em nossa sociedade
racista, e tendenciosa aos interesses dos detentores do poder hegemônico.

Além de um trabalho artístico e religioso, o caráter político em função do apoio a diversidade


cultural do grupo NATA deve ser levado em conta, principalmente por trabalhar no maior polo
de cultura afro-brasileira, o qual infelizmente ainda sofre preconceitos. Apenas com o
reconhecimento, valorização e disseminação de uma determinada cultura é que pode-se
almejar horizontes menos discriminatórios que o contemporâneo. E assim é que trabalha o
grupo citado, reinvestido o Candomblé de significado para a sociedade a que pertence, o
reapropriado e o resignificado por e para novas gerações.
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REFERÊNCIAS

BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. (p. 19-32). In NOVAES, A. Tempo e História. São
Paulo: Companhia das Letras, 2006.

CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

FAVRET-SAADA, Jeanne, Être Affecté. (pg. 3-9) In: Gradhiva: Revue d’Histoire et
d’Archives de l’Anthropologie, 8. 1990.

KRENAK, Aílton. Antes, o mundo não existia. (pg. 201-204) In NOVAES, A. Tempo e
História. Sã Paulo: Companhia das Letras, 2006.

LYOTARD, J. A Condição Pós-moderna. 9ª edição. Rio de Janeiro: José Olímpio, 2006.


Capítulo 6: Pragmática do Saber narrativo. Cap. 35-43.
MUNIZ, Durval. Fragmentos do discurso cultural: por uma análise crítica do discurso
sobre a cultura no Brasil. Salvador, II ENECULT-UFBA, 2006.

ONG, Walter. Oralidade e Cultura Escrita. São Paulo: Editora Papirus. Cap.3: Sobre a
Psicodinâmica da oralidade. 1998.

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