Você está na página 1de 8

BREVE HISTÓRICO DA ORIGEM E EVOLUÇÃO DA CIDADE DE MONTES

CLAROS
Fazenda dos Montes Claros.... Assim era conhecida a fazenda de Antônio
Gonçalves Figueira, onde boiadeiros e negociantes edificaram a cidade de
Montes Claros, cujo horizonte límpido ainda apresenta os montes sempre
claros. (Paula, 1979, p.5)

A cidade de Montes Claros, localizada na região Norte do Estado de Minas Gerais,


faz parte de uma região descrita como sertaneja e convive, historicamente, com as
dificuldades inerentes ao clima assemelhado ao semiárido nordestino, com o isolamento
geográfico e os desmandos políticos de características coronelistas.
Ao longo do tempo, para se entender a fundação e o desenvolvimento econômico
desta cidade, é necessário observar que a sua origem e desenvolvimento “[...] se definem
em torno do abastecimento interno, tendo como função o fornecimento de produtos
agropecuários para a região e outras partes do país” (OLIVEIRA, 2000, p.28).
A população norte-mineira, em especial a montesclarence, foi constituída a partir
de três grupos básicos: o dos indígenas que habitavam a terra; o dos bandeirantes
paulistas, que passaram utilizá-la para a criação do gado e a agricultura; e o dos negros
escravizados que vieram como consequência das rotas boiadeiras, trazidos para o trabalho
nas fazendas e nos mercados consumidores. Surgiram povoados, vilas e, posteriormente,
cidades, as quais ainda hoje guardam os nomes das fazendas das quais se originaram.
A origem de Montes Claros está ligada à ação das bandeiras paulistas que, em
busca do ouro e pedras preciosas, no século XVIII, fizeram suas investidas na natureza
agreste do sertão. Antônio Gonçalves Figueira e Matias Cardoso, seduzidos pela
fertilidade do Sertão Mineiro e, talvez, na esperança de conquistarem riquezas,
abandonaram a Bandeira de Fernão Dias e tornaram-se colonizadores. Formaram-se então
três grandes fazendas: Jaíba, Olhos d’Água e Montes Claros, esta última, situada nas
cabeceiras do Rio Verde, pela margem esquerda, próxima a montes formados por xistos,
calcários, com pouca vegetação.
Em 12 de abril de 1707, Antônio Gonçalves Figueira obteve uma sesmaria nas
cabeceiras do Rio Verde formando a fazenda dos Montes Claros. O desenvolvimento
desta fazenda e abertura de estradas para expandir o comércio de gado deu origem a um
arraial que foi crescendo e prosperando na região. Sem demora a região foi se povoando
– negros fugidos, índios acuados, mineiros cansados de peregrinações frustradas, foram
por ali se concentrando.
A riqueza extraordinária desses territórios... despertava tanto interesse aos que
por aqui haviam penetrado, atraindo-os para uma fixação definitiva. Sendo
riquíssima em salitre e fosfatos, tem espantosa uberdade e suas pastagens de
grande valor alimentam manadas de gado sadio, que se reproduz com notável
rapidez. (Paula, 1979, p.7)

Posteriormente, Figueira e sua família voltaram a São Paulo vendendo suas terras
ao Alferes José Lopes de Carvalho. O novo proprietário, em razão da precariedade das
edificações, decidiu transferir a sede da fazenda para mais abaixo do rio em um local mais
aprazível. José Lopes, sentindo a necessidade de uma capela para sua família e os
moradores dos arredores, conseguiu através da doação de um bom patrimônio à igreja, a
autorização para a construção de uma capela, que foi edificada em frente à sua casa.
Rapidamente, a capela se tornou um centro de atração e os fazendeiros da vizinhança
começaram a construir suas casas domingueiras à sua volta.
Em detalhada descrição, August Saint-Hilaire, naturalista francês, fala a respeito
de sua passagem pela antiga “cidade”:
Essa povoação, que pode compreender atualmente duzentas casas e mais de
oitocentas almas, é certamente uma das mais belas que vi na Província de
Minas... A maioria das casas é construída ao redor de uma praça irregular que
forma um quadrilátero alongado, e, por sua extensão, seria digna das maiores
cidades. Essa praça, aberta do lado pelo qual se chega quando se vem do Tijuco
e Vila do Príncipe, não tem, por conseguinte, senão três lados, e um dos
pequenos que falta... Além da praça... há ainda em Formigas algumas ruas
paralelas a dois dos lados da própria praça. As casas são quase todas pequenas,
mais ou menos quadras, baixas e cobertas de telhas. Três ou quatro tem
sobrado, algumas são construídas de adobes, as outras de barro e varas
cruzadas. As janelas são pequenas, quadradas, pouco numerosas, fechas por
um simples postigo.... Existem nos arredores de Formigas fazendas
importantes pelo número de cabeças de gado que aí se criam. Vários colonos
possuem engenhos e o milho, o feijão e a mandioca se cultivam com a
vantagem na região... Achei-me em Formiga no primeiro domingo do mês, 3
de agosto de 1817, e assisti aí a uma procissão que lá, como em todas as igrejas
da província das Minas, se faz nesse dia em honra da Virgem... (August Saint-
Hilaire apud Paula, 1979, p.13)

Chamou-se primeiro Arraial das Formigas, depois Arraial de Nossa Senhora da


Conceição e São José de Formigas (1831), Vila de Montes Claros de Formigas e, por fim,
recebeu o título de cidade de Montes Claros, em 03 de julho de 1857. Contudo, é
importante ressaltar que, desde 16 de outubro de 1832, foi instalado o município – Montes
Claros de Formigas – com Câmara Municipal, sendo que a cidade já dispunha de
autonomia jurídica, política e administrativa (Oliveira, 2000).
No século XIX, foi criado no Brasil uma instituição que auxiliava os fazendeiros
e administradores a promoverem a segurança local, chamada “Guarda Nacional”. Em
Montes Claros, a Legião da Guarda Nacional, instituída em 23 de agosto de 1832, teve
como primeiro coronel Francisco Vaz Mourão. No mesmo período chegou a Montes
Claros o primeiro pároco, sendo este o capelão Teotônio de Azevedo.
A medicina formal teve em Montes Claros sua origem em 21 de outubro de 1831,
com a concessão de licença para exercer a função de médico ao doutor Manuel Hipólito
de Palma. Em 1847, Montes Claros teve seu primeiro médico formado, o doutor Carlos
Versiani.
Também no século XIX, em 23 de maio de 1839, iniciou-se em Montes Claros a
tradição das festas religiosas em louvor a Nossa Senhora do Rosário e ao Divino Espírito
Santos. Tempos depois, foi incluído nos festejos louvor a São Benedito.
A comunicação entre Montes Claros e as demais cidades de Minas Gerais foi
ampliada com a inauguração da Agência dos Correios, em 23 de janeiro de 1833, que
levava as correspondências para a Vila Diamantina do Tijuco, e de lá para Ouro Preto,
então capital da província.
Em 1830, na Vila de Montes Claros, foi criada a primeira escola pública, que teve
como primeiro professor Joaquim José de Azevedo. Posteriormente, Eva Bárbara
Teixeira de Carvalho se tornou a primeira mulher a trabalhar como professora primária,
destacando-se também por ser a fundadora da banda de música Euterpe Montes-clarense,
em 1856. Em 1875, mais uma escola de instrução primária foi edificada na Vila, a Escola
Normal de Montes Claros, criada em 1879 e instalada em 21 de fevereiro de 1880, tendo
sido suprimida pelo decreto 1788, de 31 de janeiro de 1905, retornando suas atividades
em 1915.
A consciência abolicionista já aparecia na população montes-clarense muito antes
de as leis abolicionistas serem editadas. Em 1837, a Câmara votou lei que proibia libertar
escravos inválido por doença ou velhice, ficando o senhor dos escravos sujeito ao sustento
e ao enterro deles.
Com o desenvolvimento da vila, os administradores perceberam a necessidade de
ampliar sua autonomia. Em 3 de julho de 1857, pela Lei 803, a vila foi elevada à condição
de cidade. A primeira instituição de saúde criada foi o Hospital Caridade em 1877, que
abrigava duas enfermarias, uma feminina e uma masculina. Mais tarde, uma irmã beata
realizara trabalho que encantava a todos, elevando seu nome e o da Santa Casa por toda
região. No mesmo ano, foi criada a Fábrica do Cedro, com incentivos da Lei 2.389, de 13
de outubro de 1877. Contava com 72 teares, comprados nos Estados Unidos.
Em 14 de setembro de 1886, foi inaugurado a capela de Santa Cruz, cuja
construção foi iniciada dois anos antes, por Germana Maria de Olinda, como pagamento
a uma promessa. Essa capela hoje é conhecida como “Igreja dos Morrinhos”.
Em 24 de fevereiro de 1884, saiu o primeiro número do semanário Correio do
Norte.
Em 27 de outubro de 1892, foi inaugurado a primeira linha telegráfica. O
engenheiro Antônio Ramalho, então instaurador da estação telegráfica de Montes Claros,
enviou a primeira mensagem, às 13h30min., para a repartição dos telégrafos de Ouro
Preto, que foi recebida pelo presidente do Estado, Dr. Afonso Pena.
Com a tradição de viajantes e tropeiros na região houve a construção de prédio
para abrigar a sede do mercado municipal, inaugurado em 3 de setembro de 1899, onde
hoje é o Shopping Popular Mário Ribeiro.
Em decreto de 1906, o governador João Pinheiro criou os grupos escolares do
estado e o Grupo Escolar Gonçalves Chaves. No ano seguinte, foi fundado o Colégio
Imaculada Conceição, pelas irmãs de Belear, cuja sede foi inaugurada em 14 de junho de
1907.
Por dez anos a cidade ficou sem grandes feitos, até a instalação do primeiro
bispado, em 1910, assumindo o bispo dom José Antônio Pimenta, em 10 de dezembro de
1917. Neste mesmo ano, no dia 20 de janeiro, foi inaugurado uma geradora de energia
elétrica, pelo industrial Francisco Ribeiro dos Santos. O fato proporcionou a criação da
primeira sala de exibição de filmes, o Cine Ideal. Com a chegada da luz elétrica, a cidade
tornava-se referência em relação às demais cidades do Norte de Minas.
Em setembro de 1926 foi inaugurada a Estrada de Ferro Central do Brasil em
Montes Claros, facilitando o comércio e as comunicações e reforçando sua posição de
importante centro urbano e comercial, permitindo uma continuidade territorial entre o
norte e o sul do país. Foi a primeira via de ligação, por terra, entre as cidades do Rio de
Janeiro e São Paulo, com o interior de Minas Gerais e Bahia. A cidade tornou-se “boca
de sertão”, reforçando o aumento do fluxo de comércio regional e o desenvolvimento de
atividades ligadas ao setor atacadista (Gomes, 2008). As ruas estreitas destinadas à
circulação de pedestres e promoção de contatos sociais começaram a dar lugar a ruas mais
largas, feitas para acomodar as carroças com os cavalos que se deslocam mais rápido pela
cidade e que, então, passaram a ser separadas por fluxos específicos, através das faixas
de rolamento para veículos e pedestres. Assim, a cidade foi se adequando às suas novas
necessidades.
Por volta de 1950, a cidade de Montes Claros possuía uma quantidade e variedade
significativa de edificações comerciais e também de serviços tais como restaurantes,
padarias, bares, cafés, armazéns, açougues, barbearias, institutos de beleza, hotéis,
farmácias e cinema. Possuía também importantes prédios públicos e institucionais como
o Hospital Santa Casa, Hospital Regional, Hospital Santa Terezinha, Orfanato, Colégio
Diocesano, Banco Comércio e Indústria de Minas Gerais, Banco Mineiro da Produção,
Banco de Crédito Real de Minas Gerias, Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais,
Agência Ford, Correios, Telégrafos, entre outros (Paula, 1979). Nesta época, surgiram os
bairros Roxo Verde, Cintra, Alto São João, Santa Terezinha, Santo Expedito e Santos
Reis (IPAC, 2007).
Ainda é importante ressaltar que a ferrovia propiciou significativas mudanças na
estruturação do espaço da cidade e na sociedade montesclarense. A Lei 247, de 11 de
março de 1955, tinha como objetivo restabelecer as diretrizes norteadoras do crescimento
urbano, a administração pública e tentou fixar parâmetros para reestruturar a cidade, de
forma a enfrentar as deficiências principalmente relacionas aos serviços urbanos básicos
resultado da expansão sofrida. Vale lembrar que, a partir de meados da década de 1980,
a ferrovia se limitou a fazer apenas o transporte de cargas (Pereira e Soares, 2003). Assim,
a formação da cidade de Montes Claros se assemelha à formação tradicional das cidades
brasileiras: as famílias de maior poder aquisitivo construíram suas moradias, sobrados e
casarões, nos arredores da igreja e na praça principal. Com o crescimento do comércio e
o desenvolvimento econômico, a cidade passou a apresentar-se sob uma nova estrutura,
com a abertura de novas ruas com a igreja ocupando uma posição de destaque na praça,
constituindo-se o Largo da Matriz, mas ainda sem diretrizes de planejamento.
A partir da década de 1970, Montes Claros experimentou grande processo de
industrialização, devido à disponibilidade de incentivos fiscais e financeiros do Poder
Público (federal, estadual e municipal), por intermédio da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), fazendo com que a cidade se tornasse foco de
intenso fluxo migratório.
Com o fim dos subsídios cedidos pela SUDENE associado à crise na economia
brasileira nas décadas de 1980 e 1990, algumas indústrias redirecionaram seus
investimentos para outros países. Porém, algumas das indústrias instaladas se
consolidaram. Assim sendo, a economia montesclarense sofreu alteração, pois a
industrialização trouxe um contingente que era superior à oferta de emprego no setor
secundário e, como o setor de serviço se expandiu, juntamente com a industrialização,
grande parte da população se deslocou para o setor terciário.
É importante destacar que
como na maioria das cidades brasileiras, parte da população de Montes Claros
almejou o progresso e a civilidade que eram propagados nos Oitocentos.
Porém, possivelmente devido a sua localização interiorana, as transformações
ocasionadas pela tal modernidade era um desejo vagaroso e distante das suas
possibilidades, ainda no decorrer do século XIX. (SILVA; ALVES; 2016, p.
62)

Essa ideia é corroborada pela tese de Rejane Meireles Amaral que questiona de
onde vem o conflito construído pela imprensa para a definição de Montes Claros como
sendo, às vezes, uma cidade moderna e às vezes atrasada.
Segundo Laurindo Mékie Pereira (2001, p.3), Montes Claros esteve arraigada à
pobreza e ao coronelismo político, “[...] uma relação de dependência que se manifesta
através de favores e se perpetua por meio de compromissos que mantêm a dominação
política das elites econômicas sobre a população”. Neste cenário de forças desiguais, entre
as elites políticas dominantes e os menos privilegiados da cidade, o progresso e a
civilidade conviviam juntas no município de Montes Claros.
Aos 162 anos, hoje, Montes Claros é importante centro universitário, com cerca
de 400 mil habitantes, é considerada elo entre grandes centros, devido a sua localização
geográfica e ao crescimento do sistema viário.
FIGURA 01: Montes Claros, Sede e Distritos. Fonte: MONTES CLAROS
POTENCIALIDADES. Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Montes Claros. Montes
Claros, Dezembro de 2012
REFERÊNCIAS

OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O processo de formação e desenvolvimento de


Montes Claros e da Área Mineira da Sudene. In: OLIVEIRA, M. F. M. et al. Formação
social e econômica do Norte de Minas. Montes Claros: Unimontes, 2000. p. 13-103. v. 1

PAULA, Hermes Augusto de. Montes Claros, sua história, sua gente, seus costumes. Belo
Horizonte: Minas Gráfica, 1979. v. 1.

PEREIRA, A. M.; SOARES, B. R. Tendências e problemas da urbanização de cidades


médias: o caso de Montes Claros. In: SIMPÓSIO REGIONAL DE GEOGRAFIA,
Perspectivas para o Cerrado no Século XXI. Uberlândia: IG/UFU, 2003

PEREIRA, Laurindo Mékie. Montes Claros anos 50: entre a esperança e a frustração.
Revista Unimontes Científica. Montes Claros, v.1, n.1,mar./2001.

PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS. Secretaria da Cultura. Inventário


de proteção ao acervo cultural - IPAC. Montes Claros: Divisão de Preservação e
Promoção do Patrimônio Cultural, 2007.

PREFEITURA MUNICIPAL DE MONTES CLAROS. Apresentação da cidade.


http://www.montesclaros.mg.gov.br/agencia Acesso em: agosto, 2019.

RODRIGUES, Rejane Meireles Amaral. Memórias em disputa: transformando modos de


vida no sertão e na cidade. Jundiaí, Paco Editorial: 2013.

Você também pode gostar