Você está na página 1de 2

Gabriel Henrique Borges – Nº USP: 10764381 – Turno Vespertino

História da África – Profª dra. Maria Cristina Wissenbach

Relatório do texto: “Relações Brasil-África: a Missão Niterói à Libéria” de Gilberto


Guizelin

O autor busca analisar neste texto um conjunto de três documentos referentes


à chamada Missão Niterói, uma negociação diplomática ocorrida na década de 1850
entre os governos de Brasil e Libéria à luz das proibições legais ao tráfico de
escravizados que começavam a atingir o Império naquele período. O objetivo dessa
Missão era o envio à Libéria de negros libertos do tráfico marinho em direção ao Brasil,
uma vez que esse Estado se constituiu historicamente como uma colônia de ex-
escravizados na mesma condição nos Estados Unidos da América.

Um primeiro movimento argumentativo que Gilberto coloca é o caráter dessa


negociação: remover do Império os negros naquele estado jurídico de libertos por
representarem uma ameaça de subversão e de inclusive de mobilização política entre
os demais negros ainda em situação de escravidão. Gilberto mostra como os esforços
brasileiros nesse sentido constituíram uma verdadeira pauta de primeira ordem na
diplomacia imperial, buscando esses pontos do continente africano que se
constituíram como depositários de negros mal-quistos em sociedades escravistas,
tendo o próprio Brasil pretendido comprar um lote no Congo-Angola para fundar sua
própria “Serra Leoa”. Importante mostrar nesse primeiro momento o quanto o medo
da revolta negra suscitava na elite brasileira esforços de grande escalão para
“pacificar” e “ordenar” o território.

A esse temor interno contrasta-se o discurso oficial do chefe da delegação


imperial, Hermenegildo Frederico Niterói, personagem central na documentação
utilizada por Gilberto. Como estrutura argumentativa utilizada por Niterói para
convencer seus pares américo-libérios, é apresentado o fato de que esses tais negros a
serem enviados seriam mansos e bem civilizados pelos brasileiros. O “fardo do homem
branco” que os portugueses outrora mobilizaram para sequestrar negros na África,
agora é mobilizado - e herdado - pelos brasileiros para devolvê-los à África e livrar-se
dos perigos sociais que eles carregam consigo. Ainda assim, eles são representados por
Niterói como um resultado concreto do bom papel desempenhado pelo Imperador e
pela aristocracia brasileira.

Outro argumento utilizado por Niterói é o de que os negros emigrados trariam


consigo amplos conhecimento técnicos nas práticas agrícolas de clima tropical, o que
daria à Libéria as condições de um desenvolvimento interno e de formação de quadros
de mão de obra mais capacitados.

O ponto nevrálgico do texto se dá, no entanto, com o desenrolar da Missão que


leva a um fechamento negativo da proposta do Império. A Libéria, naquele período já
um Estado independente, também nutria seus interesses próprios e, o autor mostra,
não era mais apenas um depósito. Essa elite américo-libéria se consolidava tanto no
sentido espacial (dada as constantes tensões com as populações nativas anteriores ao
seu processo de formação) como no sentido de afirmação nacional para o mundo. Essa
mesma Libéria já tencionava com a Inglaterra por procurar apropriar-se das
contradições entre os américo-libérios com os povos latinos para dominar de alguma
forma aquele Estado, bem como também buscava o reconhecimento dos Estados
Unidos de sua independência, e manobrava para isso utilizando de inúmeros recursos
diplomáticos e políticos. É com interesses tais, e orgulhosos de suas tomadas de
posição, que a Libéria rejeita a proposta imperial brasileira e faz fracassar os desejos
de Niterói e do Imperador de usar da Libéria como depósito.

O elemento central deste texto, ao meu ver, é mais uma vez a afirmação da
agência africana, posta nos termos de uma nação recém-formada e cuja constituição
estava intrinsecamente relacionada à escravidão mercantil, frente às negociações com
uma “potência” (nos termos dos próprios chefes de Estado da Libéria) como o Império
Brasileiro. Além do mais, outra grande contribuição de Gilberto é trazer à Academia
esses documentos do Itamaraty que muito revelam da história diplomática brasileira,
da luta de classes no período imperial e dos artifícios utilizados pela elite para
enfrentar a ameaça real ou imaginária dos levantes negros, além da própria história da
Libéria, um caso extremamente complexo e instigante de formação nacional que nasce
como uma extensão do escravismo estadunidense e vai se consolidando como Estado
agente e com interesses próprios.

Você também pode gostar