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Brasília
2014
R769n Roncador, Sérgio Roberto.
Negócio jurídico e teoria monopolista: uma análise juseconômica dos
vícios da lesão e do estado de perigo. / Sérgio Roberto Roncador – 2014.
113 f.; il.: 30 cm
CDU 34:33
de Perigo.
ABSTRACT
This thesis explores some possible intersections between economics and law
theories in order to demonstrate the role microeconomics can play as a pivotal
hermeneutical tool in specific juridical cases. My study thus employs such an
interdisciplinary approach in order to examine the triad law-price-damage found in
defective juridical trades. Both legally damaging and state of necessity include the
notion of abusive price, that is, price established outside the parameters of the free
market. By way of studying flawed markets, microeconomics thus analyzes the
premises of monopoly, in particular the economic agent of monopoly. When applied
to specific juridical cases, monopoly theory can in fact help us understand that both
damage and liability, above all the very concept of abusive prices in contractual
relations, derive from situations of monopoly and flawed markets. Needless to say,
this cross-disciplinary approach amplifies as well as complicates the meaning and
actions of both damage and liability.
Introdução ......................................................................................... 9
Conclusão .........................................................................................................110
INTRODUÇÃO:
Mas, também, por outro lado, foi uma época de fortes e marcantes
intervenções estatais na economia nacional, com o desiderato, por óbvio, de reduzir
os patamares inflacionários, a fim de reequilibrar as relações de preço.
Foi apenas com o plano Real, em julho de 1994, que a inflação começou uma
consistente curva decrescente para patamares aceitáveis, tendo a economia, no que
tange ao aspecto inflacionário, ao menos nestes últimos vinte anos, encontrado um
razoável momento de estabilidade.
A história guarda, pois, uma relação complexa, criativa e às vezes não tão
equilibrada entre o direito (aqui entendido apenas como regra) e a teoria do preço.
Há momentos na história em que a norma jurídica interfere em demasia e
diretamente na fixação do preço; como por exemplo, no episódio do tabelamento de
preço. Contudo, via de regra, esta medida acaba por gerar desabastecimento.
Por outro lado, do ponto de vista histórico, há muito existe a preocupação dos
diversos legisladores em estabelecer regras para alcançar aquilo que se denomina
de preço justo – ou, em outros termos, o preço que se aceita comumente –
communis aestimatio.
Citando, ainda, outro exemplo, o mesmo autor José Reinaldo de Lima Lopes
(2012) faz menção ao Decreto de 17 de julho de 1778, o qual compunha as
Ordenações Filipinas, e que expressara o que seria o justo preço de fazendas
frugíferas, sendo este calculado sobre o rendimento de 20 anos da propriedade,
tiradas as despesas.
Em uma compreensão dialética, a ideia do preço justo traz como sua antítese,
o conceito de abusividade, ou de excessiva onerosidade.
Surge daí a inquietação central do presente trabalho, qual seja: como definir o
alcance interpretativo dos institutos jurídicos da lesão e do estado de perigo,
ambos classificados como vícios do negócio jurídico, a partir da perspectiva da
teoria econômica da formação do preço, dada pela microeconomia, notadamente por
um de seus aspectos, qual seja, a teoria do monopólio?
CAPÍTULO 1:
Afora estes registros históricos, foi a partir da década de 1960 que esta
aproximação se corporificou em uma área de pesquisa nos EUA, denominada de
Law and Economics. Alguns trabalhos acadêmicos foram fundamentais e marcantes
neste início e, por isso, obrigatoriamente, devem ser aqui mencionados.
Outro importante marco inicial da escola Law and Economic veio com o
professor da Universidade de Chicago, Richard A. Posner, com o livro de 1972
intitulado Economic Analisys of Law. Neste texto, o autor lança as bases conceituais
da Análise Econômica do Direito – AED, incorporando ao mundo jurídico importantes
conceitos econômicos, tais como: maximização, equilíbrio e eficiência.
Por este mesmo período, porém pela Universidade de Yale, o professor Guido
Calabresi lança em 1971 o livro The Cost of Accidents: A Legal and Economic
Analysis. Neste trabalho, o milanês analisa regras jurídicas com base em conceitos
econômicos, como os custos envolvidos na distribuição de responsabilidades na
área de direito indenizatório.
Estes foram os marcos teóricos iniciais da escola Law and Economic, todos
nos EUA, entre as décadas de 1960 a 1970. Por óbvio, de lá para os dias atuais
vários e inúmeros outros trabalhos foram sendo incorporados, inclusive com a
formação de novas linhas de pesquisas, bem como, o que é um aspecto de extrema
relevância, esta escola acabou por romper as fronteiras dos EUA.
Sobre estes temas, Robert Cooter e Thomas Ulen (2010, p. viii e ix) disseram:
Não acreditamos nestas críticas. Uma razão para isso é que mesmo que
seja verdade que direito e economia é exclusivamente do interesse de
professores de direito, e não do interesse dos práticos, isso não significa
que os assuntos interessantes aos professores não possam atingir a prática
e a política por intermédio do ambiente acadêmico. Tais assuntos podem ter
esse efeito diretamente por meio daquilo que é ensinado aos estudantes
pelo professor ou indiretamente, quando esses alunos traduzem o seu
aprendizado para a política e para a prática.
Nuno Garoupa (2011), por sua vez, faz uma avaliação um pouco mais
pessimista (ou realista?) acerca da verdadeira influência da Análise Econômica do
Direito (AED) no mundo do direito, que não o americano. Para este autor, muito
embora reconheça a importância desta escola dentro dos EUA, identifica-a como
18
Efetivamente, penso eu, para o específico caso brasileiro, há, sim, forte
resistência no mundo acadêmico à discussão da teoria da Análise Econômica do
Direito. No campo jurisprudencial, então, raras são as decisões motivadas e
fundamentadas nesta escola.
Por outro lado, deve-se registrar, também, outro aspecto importante que
acaba por criar uma resistência à AED (no caso brasileiro!), qual seja, o
desconhecimento dos conceitos, teorias e princípios da economia. Agregar duas
áreas do conhecimento implica em aprofundar-se em dois campos distintos do
conhecimento, no caso o direito e a economia. Por óbvio, o jurista que se pretende
partidário deste processo interdisciplinar há que se aprofundar nos conceitos da
economia. O que, entendo, acaba por criar uma resistência à aproximação destas
áreas.
Ora, a teoria econômica trata o fato do irrestrito acesso ao bem público com a
denominação de bem não excluível e bem não rival, ou seja, a definição econômica
de bem público diz respeito ao fato deste não ser excluível (i.e., não possui a
propriedade de impedir o uso do bem por parte de alguém), bem como este bem
não ser rival (i.e., não possui a propriedade pela qual a utilização do bem por
alguém impede a utilização por outra pessoa) (MANKIW, 2001). Por outro lado, a
ideia de uma situação melhorar para alguém, sem piorar ninguém, se refere à noção
de eficiência Pareto.
Malgrado toda esta apontada resistência, mesmo que de forma lenta, o certo
é que a AED tem atraído a atenção de um grupo significativo de acadêmicos,
notadamente no Brasil, os quais estão a cumprir o papel de apresentar e discutir as
questões que envolvem esta escola jurídica, com a ampliação de cursos, encontros
acadêmicos e formação de grupos de estudos.
Para o próprio autor Bruno Salama (2008), a ideia de eficiência diz respeito à
maximização dos ganhos e a minimização dos custos. De se dizer, de pronto, que a
eficiência, enquanto conceito, já foi abraçada e incorporada pelo Direito, posto que é
um dos princípios integrantes da Administração Pública, direita e indireta, consoante
o caput do artigo 37 1, da Constituição Federal.
1
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
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Todavia, sabe-se que, no mundo real, tal situação é muito difícil de ser
alcançada, já que as políticas públicas, via de regra, melhoram a situação de alguns,
porém, mesmo que sem uma intenção direta, acabam, muitas das vezes, gerando
uma piora na situação de outros.
É claro que sim. Por exemplo, a escolha entre proceder a uma compra por
meio de processo licitatório, ou por pregão eletrônico deveria ser uma escolha pelo
modelo de eficiência, ou seja, analisar que em modelo licitatório haveria um maior
retorno à Administração Pública, em um custo menor. Outro exemplo: no artigo 12,
da proposta do Novo Código de Processo Civil, há a regra de julgamento
cronológico, a saber, verbis: “os órgãos jurisdicionais deverão obedecer à ordem
cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. Será que esta medida
irá trazer, de fato, um maior retorno (ganho) para a sociedade (jurisdicionados) em
termos de celeridade?
Quanto aos demais tópicos levantados pelo professor Bruno Salama (2008):
maximização racional; equilíbrio; e incentivos, todos, em geral, relacionam-se ao
tema comportamental. Vale dizer, versam sobre como se comporta o indivíduo
diante de determinadas situações.
Não é difícil perceber da óbvia, até, relação do direito com este tema
comportamental, uma vez que o direito, essencialmente, relaciona-se ao
estabelecimento de regras públicas formais, com o intuito de afastar
comportamentos indesejáveis socialmente, e, de outra conta, fixando
comportamentos que a própria sociedade reputa como desejáveis.
Note-se que a TER não discute acerca das preferências em si, pois elas são
individuais, prévias, via de regra, e se submetem a toda ordem de influências, tais
como: dogmática, religiosa, cultural, social, familiar, dentre outras, as quais, porém,
não são objeto da preocupação da economia, por completa ausência de objetividade
em sua discussão, por exemplo, prefiro o time A ao time B, vinho à cerveja, etc.
Fica claro, assim, que a relação e o diálogo entre direito e economia não se
restringem, apenas, a uma boa intenção. Há profundos enlaces conceituais, os quais
permitem uma leitura interdisciplinar com densidade e consistência.
CAPÍTULO 2:
TEORIA DO MONOPÓLIO.
Ora, digo eu, não é isto o que se vê na realidade. Basta lembrar as acirradas
disputas comerciais entre concorrentes. Lembremos, a título de exemplificação
simplória, mas real, das propagandas de produtos como sapatos, cosméticos, dentre
outros, onde os concorrentes tentam se mostrar superiores e melhores do que seus
rivais, afirmando maior durabilidade, beleza, segurança, além de outras qualidades.
até que a oferta desta mão-de-obra provocasse um novo equilíbrio no preço pago,
diminuindo o incentivo inicialmente dado.
2
(lei 8.078/) Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;
33
De uma maneira geral, quando alguém resolve abrir uma empresa tem o
propósito de ganhar dinheiro com este ato, ou seja, obter lucro. É claro que, muitas
das vezes, concorrerão com a obtenção do lucro, outras motivações, como exemplo:
realização de um sonho, afirmação familiar, um altruísmo social, dentre outras
possíveis motivações. Contudo, estas questões pessoais não afastam o lucro como
motivação comum.
34
Mas, como mostrado antes, para aferir o lucro é necessário mensurar o custo.
Mas como mensurar o custo total de uma empresa? Sobre este tema, há uma
profunda diferença entre a economia e a contabilidade acerca do conceito de custo.
Assim, de uma maneira geral, o custo total de uma empresa (CT) é composto
pelos custos fixos, custos variáveis e pelo custo de oportunidade.
Dito tudo isto, volto à ideia inicial de que as empresas, em síntese, buscam o
lucro. E que, portanto, é um comportamento esperado desta empresa a
maximização deste lucro. Logo, como a receita total da empresa decorre da relação
quantidade e preço (Q x P), é fácil supor que o comportamento desta empresa será
o de produzir mais, para ter uma receita maior. Mas, como dito, o que a empresa
busca é um lucro maior, e não apenas uma receita maior. Por conseguinte, esta
lógica só se fecha quando a empresa dominar a informação do quantum gasto por
produto e do quantum gasto para produzir mais um produto.
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Assim, o custo total médio (CTM) será o custo total (CT) dividido pela
quantidade produzida (Q)
CTM = CT / Q
Não se olvidando, apenas, de que o custo total médio (CTM) será a soma dos
custos fixos médios com os custos variáveis médios.
A seu turno, como dito, o custo marginal está associado à ideia do custo que
a empresa tem para aumentar em uma unidade a sua produção. Logo, é uma
medida da variação custo total (ΔCT), com a variação da quantidade (ΔQ). Desta
feita, pode-se representar matematicamente o custo marginal (CMg) pela seguinte
expressão:
CMg = ΔCT / ΔQ
Gráfico 1
A linha CFMe indica o custo fixo médio; a linha CVMe indica o custo variável
médio; a linha CMe representa o custo médio e, por fim, a linha CMg indica o custo
marginal.
Por fim, a curva CMg, que representa o custo marginal, está a representar um
início de produto marginal decrescente e, após o ponto 6, há um produto marginal
crescente, com um custo marginal crescente. Ou seja, a diminuição da ociosidade
da produção, acarreta um aumento do custo da produção.
Esta relação entre custo total médio e custo marginal tem um importante
corolário: a curva de custo marginal corta a curva de custo total médio no
ponto de escala eficiente. Por que? Em níveis baixo de produção, o custo
marginal é inferior ao custo total médio de modo que o custo total médio
está em queda. Mas depois de as duas curvas terem se cruzado, o custo
marginal sobe mais do que o custo total médio. Pela razão de que
acabamos de examinar, o custo total médio tem que começar a subir a
partir desse nível de produção.
Vimos que a receita total (RT) é a quantidade produzida (Q) multiplicada pelo
preço do produto (P). Viu-se, também, que a receita média (RMe) é a receita total
dividida pela quantidade produzida (Q), o que resultou na conclusão de que a receita
média é o próprio preço da mercadoria produzida – em um mercado concorrencial.
Resta conceituar a receita marginal.
RMg = ΔRT / ΔQ
Se o lucro, como visto, decorre da diferença ente receita total e custo total, a
ideia básica, óbvia até, é aumentar a produção, pois assim estar-se-á aumentando a
receita, possibilitando, ao menos em tese, a obtenção de um lucro maior.
Viu-se até aqui o lado positivo e esperado desta lógica, ou seja, a quantidade
a ser produzida para maximizar o lucro. E assim, chegou-se à conclusão de que o
ponto ideal para tanto dar-se-á quando o custo marginal se igualar à receita
marginal.
RT ˂ CV,
P ˂ CVMe
Viu-se até o momento um tipo de mercado, muito embora idealizado, que tem
como característica a concorrência plena. Concorrência esta, como se viu, garantida
pela ocorrência dos seguintes elementos definidores: (i) grande número de
pequenas empresas; (ii) produto homogêneo; (iii) livre mobilidade dos recursos; e
(iv) perfeito conhecimento; (v) inocorrência de custos de transação; e (vi)
inocorrência de externalidades.
Uma pequena e sutil diferença conceitual pode ser encontrada em Ivo Gico
Júnior (2006), quando este autor define monopólio sob o viés da titularidade
exclusiva da produção de um determinado produto. Há, aí, portanto, diferentemente
dos demais teóricos da economia, que buscam evidenciar mais o fenômeno
mercadológico em si, Ivo Gico Júnior ressalta a questão do direito (“titularidade”)
formal daquele que possui o controle absoluto da produção de determinado produto.
Vale a citação, pela diferença havida, desta definição (p. 65):
uma posição dominante no mercado (GICO JÚNIOR, 2006). Esta é o conceito mais
moderno do termo monopólio.
Já no seu parágrafo segundo, a própria lei vai definir o que entende por
domínio de mercado. Neste aspecto, disciplina que haverá domínio de mercado
quando o agente econômico tiver o poder de alterar unilateralmente (ou
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coordenadamente) o mercado, ou, então, tiver o domínio mínimo de 20% (vinte por
cento) de um dado mercado. Percentual, este, que poderá ser alterado conforme a
dinâmica do próprio mercado, e a critério do CADE (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).
Gráfico 2.
Curvas de demanda
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Painel A Painel B
Sabe-se que o ponto ótimo para alcançar um lucro maior é quando a receita
marginal coincide com o custo marginal. Vimos, nos mercados competitivos, que a
receita marginal é igual ao preço. Já que o aumento da quantidade produzida não
gera um aumento no preço praticado pelo mercado (lembre-se, aí a empresa é
tomadora do preço).
L = RT - CT situação 01
L = (P – CTMe) x Q situação 03
Gráfico 3.
Lucro monopolista
Fica claro, portanto, que o preço praticado pelo monopolista (Pm), no gráfico
acima, é superior ao custo médio e ao custo marginal. Para o monopolista esta é
49
Gráfico 4.
Peso morto
:
52
Com isto, parte dos consumidores, que no gráfico está representada pela
parte do triângulo pintada, ou não possui preço de reserva suficiente para alcançar o
preço fixado pelo monopolista, ou deixa de atribuir utilidade ao próprio bem. Isto é
ineficiente, pois gera uma perda para a sociedade, já que esta riqueza deixou de ser
produzida.
CAPÍTULO 3:
DO NEGÓCIO JURÍDICO.
O cair da chuva, o rolar de uma pedra, a queda de uma árvore, enfim, eventos
naturais, de forma geral, seriam apenas eventos afetos à dinâmica e existência
naturais dos seres, sem quaisquer repercussões na esfera humana. E de fato, ainda,
por óbvio assim o são.
Porém, quando uma chuva torrencial destrói uma propriedade, quando uma
pedra que rola morro abaixo acaba por destruir uma residência e, eventualmente,
matando ou ferindo seus moradores, quando uma árvore cai e provoca a perda de
um automóvel, todos estes eventos, de apenas eventos que a natureza produz em
razão de seus ciclos e desdobramentos naturais, acabam por trazer consequências
jurídicas importantes ao homem, as quais estão disciplinadas pelo direito. Quando
assim se dá, diz-se que são fatos jurídicos.
O que define e caracteriza, pois, um fato jurídico, em seu sentido mais amplo
é o porvir, é o seu desdobramento, é a sua consequência. Se esta consequência é
juridicamente relevante, se esta consequência está amparada e albergada em um
sistema jurídico dado, diz-se que há, aí, um fato jurídico, em seu sentido amplo.
55
Tudo o que aqui pudéssemos dizer não seria mais do que resumo do que
se expôs na Introdução. O mundo jurídico confina com o mundo dos fatos
(materiais, ou enérgicos, econômicos, políticos, de costumes, morais,
artísticos, religiosos, científicos) donde as múltiplas interferências de um no
outro. O mundo jurídico não é mais do que o mundo dos fatos jurídicos, isto
é, daqueles suportes fáticos que logram entrar no mundo jurídico. A soma,
tecido ou aglomerado de suportes fáticos que passaram à dimensão
jurídica, ao jurídico, é o mundo jurídico. Nem todos os fatos jurídicos são
idênticos. Donde o problema de os distinguir e os classificar.
Savigny, citado por Caio Mário da Silva Pereira (2005, [1961]) já definia o fato
jurídico como o “acontecimento em virtude do qual começam ou terminam as
relações jurídicas”. O próprio Caio Mário da Silva Pereira, ao criticar a definição de
Savigny, asseverou que esta teria sido melhor e mais completa se incluísse a
expressão modificar, posto que alguns acontecimentos atuam nas relações jurídicas
não apenas para começá-las, ou findá-las, mas também, ao longo de seu curso,
atuam para modificá-las.
Questões à parte, é certo dizer que os fatos, quer por definição legal, ou quer
realizado por uma conduta humana, voluntária, ou naturalmente ocorrida, em
havendo consequências jurídicas passam a denominar-se como fatos jurídicos (ou
jurígenos – cf. Edmond Picard), constituindo-se como o elemento material do direito
subjetivo e das relações jurídicas.
Estes atos jurídicos podem ser lícitos, conforme estejam de acordo com o
ordenamento jurídico; ou ilícitos, caso se choquem com este mesmo ordenamento
jurídico. Os atos jurídicos lícitos, por sua vez, podem ser classificados em grupos
menores, quais sejam: meramente lícitos, negócios jurídicos e ato-fato jurídico.
Os ato jurídicos lícitos, meramente lícitos, são aqueles atos realizados pela
conduta humana, mas que não possuem, aprioristicamente, uma vontade
qualificada, mas, apenas uma intenção, cujos efeitos, inclusive, já estão previamente
definidos em lei. Seriam exemplos destes atos: a tradição (entrega de um bem), a
notificação para constituir alguém em mora, a percepção dos frutos, fixação de
domicílio, interpelação, dentre outros.
uma intenção. Pois entende que não haveria uma intenção prévia de provocar
consequências jurídicas, não havendo, aí, um “intuito negocial”.
meramente
lícitos
fato natural (ou
stricto sensu)
lícitos negócios
FATO URÍDICO jurídicos
fato humano ou
ato jurídico
ilícitos ato-fato jurídico
Por fim, os atos jurídicos ilícitos são aqueles que decorrem de uma conduta
humana, porém o resultado desta conduta humana, e a conduta em si, não são
59
O negócio jurídico, como uma espécie de ato jurídico lícito, é fruto de ato
humano e possui como característica marcante a declaração de uma vontade
atinente à promoção de uma relação jurídica, com o fito de produzir efeitos jurídicos
específicos.
artigo 107 (“a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente a exigir”), bem como o artigo 112 (“nas
declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem”).
Até hoje persiste alguma discussão sobre o tema, consoante Renan Lotufo,
Antônio Junqueira de Azevedo, Maria Helena Diniz, entre outros, mas, digo eu,
melhor razão está com as lições de Miguel Reale (1981) e Caio Mário da Silva
Pereira (2005) para os quais é importante a vontade íntima, ou real, da pessoa, dado
o respeito à autonomia da vontade, porém, esta de nada adiantaria se não houvesse
a exteriorização da própria vontade.
Vale, sobre o tema, o registro das palavras de Miguel Reale (1981, p. 206-
207):
61
3
art. 110: a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento
62
4
art. 111: o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.
5
Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito
garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-
á dado o assentimento.
63
Portanto, tanto a lei, quanto a vontade autônoma das partes devem andar
juntas, devem caminhar em sentidos comuns, do contrário o custo de transação daí
decorrente só trará maiores ineficiências às transações negociais.
Viu-se até aqui, que o negócio jurídico é uma declaração de vontade com
finalidade negocial, precipuamente para adquirir, conservar, modificar ou extinguir
direitos, isto consoante a própria definição que se dava no Código Civil brasileiro de
1916, conforme a teoria alemã, já antes mencionada.
6
Art. 6º, § 2º: Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a
arbítrio de outrem.
65
Por fim, o negócio jurídico pode ter o escopo de extinguir direitos. São
variadas as possibilidades de extinção de um direito: a prescrição, a decadência, a
renúncia, a morte de um titular de direito personalíssimo, enfim, há inúmeras
possibilidades de extinção, as quais, do ponto de vista técnico, dependerão de cada
situação dada.
Por fim, quanto aos elementos do negócio jurídico, há uma terceira categoria,
qual seja, accidentalia negotii (elementos acidentais), que são estipulações que se
adicionam ao ato para modificar e moldar a eficácia do negócio jurídico. A título de
exemplo, pode-se citar a condição, o encargo, e, de forma mais específica, a
exclusão, ou limitação, da evicção. Os elementos acidentais são sempre acessórios,
mas que, uma vez agregados ao negócio jurídico, passam a constituir em obrigação
forte, cogente e geradora de consequências jurídicas.
7
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
68
(ii) quanto à vinculação: podem ser causais (concreto ou material), ou seja, quando
os negócios jurídicos estão vinculados à uma causa (p. ex: contratos em geral); ou
podem ser abstratos (formais), os quais não estão vinculados à uma causa
determinada (p. ex: títulos de crédito);
(iv) quanto ao tempo em que devem produzir seus efeitos: os negócios jurídicos
podem ser causa mortis, quando o feito do negócio jurídico só ocorre após a morte,
ou inter vivos, quando os feitos são produzidos em vida
(v) quanto à formalidade: podem ser solenes (ou formais), portanto possuem uma
forma obrigatória dada pela lei (por exemplo, casamento e o testamento), ou não
solenes, quando não exigem forma certa e previamente disciplinada pela lei, como
por exemplo, venda de coisas móveis e doação verbal.
O negócio jurídico deve ser realizado por pessoas plenamente capazes, sob
pena de ser considerado um negócio jurídico nulo. Portanto, deverá o negócio
jurídico ser realizado por pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, ou nas
hipóteses que cessa a incapacidade: (i) emancipação - por instrumento público, ou
por decisão judicial, para menores com 16 (dezesseis anos); (ii) pelo casamento; (iii)
pelo exercício de emprego público efetivo; (iv) pela colação de grau em curso de
ensino superior; (v) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos
completos tenha economia própria.
8
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
71
agente for relativamente incapaz), consoante o artigo 1.634, inc. V 9, do Código Civil
brasileiro vigente. A realização de um negócio jurídico por representação pode
decorrer da força da própria lei, como já mencionado, ou, também, por ato de
judicial, como no caso, por exemplo, do inventariante, na qualidade de administrador
do espólio nos inventários; ou do síndico na massa falida; e dos tutores e curadores.
9
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: V - representá-los, até aos
dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,
suprindo-lhes o consentimento;
10
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o
cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
11
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: II - pelos
servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam
sob sua administração direta ou indireta;
12
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do
outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
72
13
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.
73
Além de lícito, o objeto deve ser possível. A possibilidade deve ser de ordem
fática e jurídica. Mede-se a possibilidade fática pelas circunstâncias gerais, ou seja,
aquilo que a qualquer um é dado cumprir, bem como por circunstâncias específicas,
vale dizer, um dado objeto que exige competências específicas e habilidades
técnicas próprias para fazer. A possibilidade jurídica decorre da própria licitude do
objeto.
14
art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.
15
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: IV - não revestir a forma prescrita em lei;
16
Art. 90 (CCB, 1916): só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob
a forma de condição;
17
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão
determinante.
75
Por outro lado, há uma causa, mais objetivamente identificável, que diz
respeito às consequências jurídicas esperadas. Por exemplo, em uma compra e
venda se espera a entrega de um bem, com a transferência da propriedade, e de
outro lado, se espera o recebimento de um determinado valor, em contraprestação.
O que, também, acaba por se confundir com o objeto imediato, e com a própria
manifestação da vontade.
De um modo geral, todas as condições são lícitas, desde que não colidam
com a lei, à ordem pública e aos bons costumes. Bem como, não privem de todo
efeito o negócio jurídico, nem o sujeitem ao puro arbítrio de uma das partes,
conforme os dizeres expressos do artigo 122 18, do CCB. Como modalidade
acessória, e que modula a eficácia deste, a condição deve guardar respeito ao
requisito do objeto, qual seja, deve ser física e juridicamente possíveis. Pois,
condicionar à eficácia do negócio jurídico à algo impossível, seja física, ou jurídica, é
o mesmo que tornar o próprio objeto física e juridicamente impossíveis.
O artigo 129 21, CCB, de forma clara repudia e afasta, como não poderia
deixar de ser, o comportamento de má-fé, ou malicioso, de uma das partes. Isto
porque é dada por válida e adimplida a condição, se a outra parte, conscientemente
e por ardil, age para obstar a ocorrência do evento futuro e incerto. Reforça-se a
boa-fé objetiva, afastando-se o comportamento de má-fé.
21
Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for
maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não
verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.
78
Não há, diga-se logo, na legislação qualquer norma específica sobre o tema.
Alguns autores entendem pela possibilidade da retroação, dentre estes pode-se citar
Washington de Barros Monteiro (2003). Porém, outros divergem desta posição,
como Caio Mário da Silva Pereira (2005) e Sílvio Rodrigues (2003). A primeira
posição coaduna-se com a escola jurídica francesa, sendo a segunda, que nega a
retroação, salvo se estipulado em lei, ou em convenção própria, coaduna-se à
escola jurídica alemã.
O termo inicial (dies a quo), na forma do artigo 131 22, CCB, suspende o
exercício do direito, até a sua ocorrência. Muito embora se aproxime da
22
Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
79
conceituação da condição suspensiva, com esta não pode ser confundida. Primeiro,
porque a condição depende de evento futuro e incerto, bem como, a parte, até o
advento da condição, não adquire o direito. Ao contrário disto, o termo inicial,
depende de evento futuro e certo, e não obsta a aquisição de um direito, conforme a
expressa normatização do mencionado artigo 131, CCB.
Já pelo termo final (dies ad quem), cessa o direito criado pelo ato. Inevitável a
comparação e aproximação com a condição resolutiva. Aliás, o próprio legislador,
não obstante as diferenças conceituais dos institutos aqui tratados, em seu artigo
135 23, CCB, determinou, no que for possível e aplicável a incidência ao termo inicial
e final das regras atinentes à condição suspensiva e resolutiva.
A lei, como não poderia deixar de ser, veda o encargo ilícito, ou impossível,
considerando-os como não escritos. Porém, caso seja o motivo determinante da
liberalidade, o negócio, como um todo, é considerado inválido, conforme o artigo
137 24, CCB.
23
Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição
suspensiva e resolutiva.
24
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo
determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
80
Não obstante este novo espaçamento, não perdeu este instituto a sua
característica de vício do negócio jurídico.
Este vício encontra-se regulado nos artigos 138 a 144 do código civil
brasileiro em vigor. Entende-se por erro a noção falsa sobre pessoa ou objeto, e por
ignorância o completo desconhecimento sobre o objeto.
Para viciar o negócio jurídico o erro deverá ser substancial (ou essencial).
Considera-se erro substancial quando interessa (afeta): (a) à natureza do negócio
81
(error in ipso negotio, i.e., quando se intenciona praticar algo e realiza outro – ex: “A”
entrega por empréstimo e “B” o recebe por doação); (b) ao objeto principal da
declaração (error in corpore rei, i.e., quando a coisa concretizada não era a
pretendida, ex: compra parafusos e são pregos); (c) ou a alguma das qualidades
essenciais (error in substantia, i.e., quando se supunha existente determinada
qualidade que não existia – ex: compra taça de prata e verifica ser de cobre
prateado) (art. 139, I, CCB); (d) e sobre as pessoas (art. 139 25, II, CCB) – ex.
casamento; contratos infungíveis; (e) erro de direito.
O erro pode ser classificado como: (a) erro de fato, quando recai sobre as
qualidades essenciais do objeto ou pessoa; e (b) erro de direito, quando diz respeito
à existência da norma jurídica.
Para ser considerado como erro, é preciso que seja escusável, ou seja,
justificável. Tal aferição dá-se caso a caso, em análise das partes envolvidas. O
código asseverou ser escusável o erro em razão da compreensão do homem médio
(homo medius), mas, em verdade, a jurisprudência analisa caso a caso. A título de
exemplo, alegação de erro em razão de ter sido celebrado um contrato de compra e
venda, quando, em verdade, pretendia-se realizar um contrato de locação. Pode-se
25
Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da
declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade
essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou
principal do negócio jurídico.
26
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de
erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das
circunstâncias do negócio.
82
entender como escusável se este erro for praticado por uma pessoa de poucas
letras. Mas, é dado por injustificável, ou inescusável, se este erro tenha sido alegado
por um bacharel em direito.
3.2.2. Do dolo:
O dolo está disciplinado no código civil nos artigos 145 a 150. Entende-se por
dolo quando alguém é levado a cometer um erro, ou seja, em outras palavras,
quando há, por ardil, um induzimento à uma falsa percepção da realidade (ao erro).
Pontes de Miranda (2000, p. 389) definia dolo como sendo a “causa de não
validade dos atos jurídicos, é o ato, positivo, ou negativo, com que,
conscientemente, se induz, se mantém, ou se confirma outrem em representação
errônea”.
O dolo pode ser classificado como dolus bonus e dolus malus (ou essencial).
O primeiro, é o dolo tolerável, aonde não há a malícia, o ardil para induzir alguém
em erro. É um jogo de palavras, mesmo que haja certo exagero na apresentação
das coisas, como por exemplo nas retóricas exageradas de vendedores, mas que
facilmente se percebe que não passa de galhofa, sem qualquer intenção para o
induzimento de alguém ao erro.
O dolo essencial, por sua vez, é o que trata o legislador. Este vicia o negócio
jurídico, anulando-o. Ou seja, quando o dolo é causa suficiente para a invalidação da
manifestação da vontade, tem-se o tipo essencial. É o dolo de que trata o artigo 145,
do CCB, a saber: “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a
sua causa”.
Já o dolo acidental, conforme o artigo 146 27, CCB, não causa a invalidação do
negócio jurídico, apenas a possibilidade de perdas e danos. Isto porque, no dolo
acidental, o negócio jurídico haveria de se realizar, mesmo sem a ocorrência do
dolo, portanto, não foi o elemento suficiente para a concretização da relação jurídica.
27
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu
despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
83
omissão dolosa, silenciando-se sobre fato ou qualidade que a outra parte deveria
saber, desde que este dado omitido fosse essencial para a realização, ou não, do
negócio jurídico. Pode, também, ser o dolo cometido por terceiro, desde que a parte
que se beneficiou tivesse, ou devesse, ter conhecimento.
Dito isto, para que tenha a ocorrência dolo faz-se necessária a confluência
dos seguintes requisitos: (i) intenção de induzir a prática do negócio jurídico; (ii)
auferir vantagens, decorrendo, daí, prejuízos ao outro; (iii) o artifício fraudulento
deve ser grave, significativo e importante para a causa da declaração de vontade.
3.2.3. Da coação:
A coação está disciplinada no código civil nos artigos 151 a 155. Define-se
como “a pressão física ou moral exercida sobre alguém para induzi-lo à prática de
um ato” (MONTEIRO, 2003, p. 238). É, por excelência, o vício da violência.
São requisitos para a ocorrência da coação: (i) causa determinante do ato; (ii)
deve incutir temor justificado (metus); (iii) dano (moral ou patrimonial) iminente,
próximo ou irremediável; (iv) temor considerável (dano superior, igual ou inferior ao
ato extorquido); e (v) dano referir-se à pessoa do paciente, família ou bens. Por
outro lado, exclui-se a coação quando esta decorrer (i) do exercício regular de
direito; e (b) quando resultar do temor reverencial (hierárquico).
médio (teoria objetiva). Também há coação, quando praticada por terceiros, se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte que se beneficiou, neste caso,
responderá a parte de forma solidária como terceiro. Caso a parte não tivesse
conhecimento, o negócio jurídico subsistirá, cabendo ao terceiro responder,
exclusivamente, por perdas e danos – conforme expressamente determinam os
artigos 154 e 155, CCB.
3.2.4. Da simulação:
A simulação está disciplinada no código civil no artigo 167. Por sua definição
entende-se que “é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das
partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam” (RODRIGUES,
2003, p. 294).
A fraude contra credores está disciplinada no Código Civil vigente nos artigos
158 a 165. Sílvio Rodrigues (2003, p. 228) a define como sendo
Por fim, por meio da ação pauliana, ou revocatória, pode o credor reaver o
patrimônio do devedor, fraudulentamente desviado, restituindo-se ao status quo
ante.
Consoante o que determina o artigo 171, II 28, do CCB, o ato que se encontra
viciado em razão do erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra
credores é passível de anulação.
28
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II - por
vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
86
Por ser uma nulidade relativa (anulabilidade) deverá ser requerida em Juízo,
já que não opera de pleno iuris, havendo, inclusive, a possibilidade da confirmação
do ato, desde que haja a manifestação expressa, e que a convalidação contenha a
substância essencial do ato.
Como o negócio jurídico, tal como foi definido anteriormente, é uma espécie
de ato jurídico lícito, resultante de vontade humana com propósito certo de produzir
efeitos jurídicos específicos, a interpretação deste, portanto, quando necessária,
deverá buscar esta vontade inicial.
29
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
87
Tanto isto é verdade, que o próprio Código Civil, em seu artigo 112 30, pugna
que no processo de interpretação, buscar-se-á mais a intenção das partes, do que a
literalidade da linguagem. Do ponto de vista teórico, este artigo faz todo sentido, pois
se coaduna com a própria definição de negócio jurídico que é a declaração da
vontade com propósito específico.
30
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem.
31
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
32
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração.
33
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
88
legislador tivesse optado pelo local da execução, o que se coaduna melhor com o
fim concreto almejado pelo negócio jurídico.
12) como regra de interpretação gramatical, a parte fina de uma frase, se aplica à
frase e ao parágrafo como um todo, desde que tenha sentido e harmonia.
89
CAPÍTULO 4:
O texto acima reproduz a disciplina legal dada ao instituto da lesão por parte
das Ordenações Filipinas. Historicamente, segundo Sílvio Venosa (2003), registra-se
o instituto da lesão desde o período romano, co0nsoante fora instituído pela lex
secunda (ano de 285, d.C), por esta haveria lesão sempre que o preço pago fosse
inferior à metade do valor da coisa, o que implicava no desfazimento do negócio, ou
a complementação do preço.
O nosso primeiro Código Civil, de 1916, não acolheu nenhuma destas duas
possibilidades, não tendo esta norma nenhuma disciplina própria e específica sobre
o tema. Para Sílvio Rodrigues (2003), a opção de Clóvis Beviláqua à época, teria
sido em razão da visão mais liberal acerca do contrato, e, primordialmente, ante a
90
Por outro lado, acrescento eu, para os juristas do início do século XX os erros
nominados pelo Código Civil à época eram suficientes para dar cabo às situações
que pudessem provocar a anulação, ou nulidade do negócio jurídico em si.
Do Estado de Perigo
Da Lesão
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade,
ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional
ao valor da prestação oposta.
o
§ 1 Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
o
§ 2 Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
aproveita-se das condições em que se encontra a outra parte, e dela aufere alguma
vantagem. O dolo de aproveitamento refere-se à uma situação contratual em que um
contratante se beneficia, em detrimento de outro que se encontra em situação de
inexperiência, ou premente necessidade, porém em relação ao próprio negócio
jurídico realizado, nada importando a condição anterior do contratante lesado, quer
em relação ao nível social, ou pessoal (VENOSA, 2003, PEREIRA, 2005,
RODRIGUES, 2003, MONTEIRO, 2003). Segundo estes autores, há um
aproveitamento consciente por parte de um dos contratantes, o qual se beneficia da
situação que o outro se encontrava, em relação ao negócio jurídico.
34
Contrato comutativo – contratos em que as prestações e as obrigações são certas e determinadas na
conclusão do contrato. Opõe-se aos contratos aleatórios.
93
ao negócio jurídico em si, consoante citação feita por Flávio Tartuce (2012, p. 378-
379):
Pelo aspecto objetivo, qual seja o preço, a norma disciplinadora exige que
este seja manifestadamente desproporcional, mensurando-se este requisito à época
da conclusão do contrato. Mas, como medir a desproporcionalidade?
Por outro lado, o dano a que a vítima está se submetendo, ou alguém de sua
família, deve ser real e importante, a ponto de deixá-la vulnerável frente à situação
contratual que se realiza.
Mas há, aí, um método. Entendo que para esta aproximação, para que o
diálogo entre áreas distintas do conhecimento possa de fato ser profícua e densa o
suficiente para produzir uma nova maneira de pensar o fato social faz-se imperioso
que, primeiro, entenda-se a teoria que vai servir de suporte – a economia -, depois
perquire-se pela atual compreensão do outro campo teórico – no caso o direito -,
para, só a partir daí, promover a junção de ambas as áreas. O que faço agora.
E é pelo preço que faço o encontro e promovo o diálogo entre estes dois
campos teóricos – da economia e do direito.
Os fatos descritos pela norma, em seus artigos 156 e 157, ambos do CCB, já
transcritos anteriormente, não deixam margem à qualquer dúvida de que nas duas
situações o preço está sendo determinado por um dos lados contratantes. Não se
trata aqui daquela situação que se verifica quando o consumidor está numa loja, ou
em uma lanchonete. Ao entrar nestes estabelecimentos, o preço já está fixado por
uma das partes – o fornecedor. Mas tanto na loja, quanto na lanchonete a situação é
outra. Primeiro, trata-se de um preço indistinto (é o mesmo para qualquer um que
entrar no estabelecimento comercial), por outro lado, caso o consumidor não
concorde com o preço, ou pode barganhar um desconto, ou, então e simplesmente,
pode este se levantar e procurar outro estabelecimento. Pois é um preço, apesar de
unilateralmente estabelecido, porém o foi em um ambiente concorrencial. Pode até
não ser perfeitamente concorrencial, mas se aproxima deste ideal de mercado.
96
Aliás, o artigo 489 35, CCB, para contratos de compra e venda, já deixava claro
que é nulo o contrato, quando o preço for estabelecido exclusivamente por uma das
partes. Só é possível entender o verdadeiro sentido e alcance desta norma em uma
leitura juseconômica. Ou seja, é um artigo que claramente está a coibir uma situação
de alguém que está agindo como fornecedor de preço. Portanto, uma situação de
poder de mercado, em outras palavras de comportamento monopolista.
35
Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das
partes a fixação do preço.
97
Qual a diferença entre lesão e estado de perigo? Seriam estes dois conceitos
um único defeito do negócio jurídico, sendo desnecessária a distinção dada, ou
haveria algo intrínseco que os separa?
36
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
102
CAPÍTULO 5:
O primeiro recurso em que o tema foi tratado foi o Recurso Especial n.º
1.361.937/SP, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, oriundo da Terceira Turma,
julgado em 15/10/2013, publicado no e-DJ de 18/10/2013, em julgamento unânime,
cuja ementa segue abaixo:
37
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
103
4. Vícios de consentimento
CONCLUSÃO:
Ao assim proceder, a ideia não foi comparar estas escolas jurídicas com
algum tipo de propósito valorativo: ou seja, dizer que uma é pior, ou melhor, em
relação à outra. Nada disto. Até porque, proceder de tal forma é apequenar qualquer
tipo de discussão acadêmica, sendo, até, diga-se, incompatível com um estudo sério
de hermenêutica.
O que se quis, apenas, foi deixar mais claro os alcances que cada escola
hermenêutica pode ter. Se a hermenêutica é a ciência que estuda a interpretação,
dando às normas sentido e alcance (MAXIMILLIANO, 1992), a comparação foi
proposital para se perceber quais os limites que estas escolas acabam por se impor.
Por fim, viu-se, ainda, que o poder judiciário não tem acolhido as teses
juseconômicas aqui desenvolvidas.
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São Paulo: Saraiva, 1986.
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Bookman, 2010.
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poverty of nations. Oxford: Princeton University Press. 2011.
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Janeiro: Forense, 2005.
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113
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. vol. 1, 8ª ed., São
Paulo: Editora Método, 2012.
TIMM, Luciano Benetti (org). Direito e Economia no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.
VENOSA, Sílvio de Sávio. Direito Civil. vol. 1, 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
WALD, Arnoldo. Direito Civil: introdução e parte geral. vol. 1. 10ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2003.