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SÉRGIO ROBERTO RONCADOR

NEGÓCIO JURÍDICO E TEORIA MONOPOLISTA: UMA ANÁLISE


JUSECONÔMICA DOS VÍCIOS DA LESÃO E DO ESTADO DE PERIGO

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação Stricto sensu em Direito
da Universidade Católica de Brasília,
como requisito parcial para a obtenção do
Título de Mestre em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Benjamin Tabak

Brasília
2014
R769n Roncador, Sérgio Roberto.
Negócio jurídico e teoria monopolista: uma análise juseconômica dos
vícios da lesão e do estado de perigo. / Sérgio Roberto Roncador – 2014.
113 f.; il.: 30 cm

Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2014.


7,5cm Orientação: Prof. Dr. Benjamin Tabak

1. Direito econômico. 2. Monopólio. 3. Negócio jurídico. 4. Lesão e


Estado de Perigo. I. Tabak, Benjamin, orient. II. Título.

CDU 34:33

Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB


À minha família, sempre.
AGRADECIMENTOS

Aprendi que o dicionário da vida começa com a palavra: obrigado. Assim, de


coração, agradeço, inicialmente, ao Prof.º Dr. Arnaldo Godoy por ter, alguns anos
atrás, sugerido o contato com a análise econômica do direito (AED), até, então, uma
ilustre desconhecida para mim. Agradeço ao Prof.º Dr. Ivo Gico Jr, pelo
ensinamentos e polêmicas - um grande incentivador da AED no Brasil. Agradeço ao
Prof.º Dr. Benjamin Tabak, inicialmente por mostrar os caminhos do debate da área
comportamental na economia, tema que passou a me interessar bastante, mas,
principalmente, pelo apoio no momento derradeiro, fundamental para vencer e
superar as etapas finais, meu muito obrigado. Agradeço aos colegas de jornada,
principalmente ao Henrique Arake, ao Salles e ao Pedro, pelos debates
interessantes ocorridos. Agradeço aos colegas professores da graduação da UCB:
Júlio, Nelson, Vanessa, Karla e tantos outros, pelo incentivo de sempre. Agradeço
aos servidores da UCB, graduação e pós, pela paciência e pronto atendimento
quando necessário. Agradeço aos amigos-irmãos de toda hora, pelos incentivos,
risadas e tudo o mais, enfim por três décadas de amizade: Carlos Alexandre,
Ricardo Nery, Marcone Guimarães, Sérgio Luís, Maurício Bernardo, Márcio(s).
Agradeço à minha mãe, Odette Rezende Roncador, minha maior inspiração, ao meu
pai Sílvio Roncador (in memoriam), às minhas irmãs, Sílvia “mais” Sônia, ao Guga,
ao Neto, à minha esposa Mila, companheira de todas as jornadas, e às minhas
principais realizações e motivações: Natália, Larissa e Guilherme.
RESUMO

RONCADOR, Sérgio. Negócio Jurídico e Teoria Monopolista: uma análise


juseconômica dos vícios da Lesão e do Estado de Perigo. 2014. 113 páginas.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto sensu em Direito
da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do
Título de Mestre em Direito. Brasília/DF. 2014.

O presente trabalho de dissertação, por meio da interdisciplinariedade, apresenta


um encontro possível entre as teorias da economia e a do direito. Parte-se do
entendimento de que é teoricamente consistente o direito valer-se de outros campos
do conhecimento, aqui no caso a economia, e mais detalhadamente, a
microeconomia, a fim de proceder ao seu trabalho precípuo de hermenêutica. No
caso concreto, o objeto central foi o estudo da tríade direito-preço-lesividade, a partir
dos defeitos do negócio jurídico. Tanto a lesão, quanto o estado de perigo carregam
em suas definições, como elemento objetivo a identificar o próprio instituto, a
ocorrência de um preço abusivo, para além dos parâmetros do mercado. A
microeconomia, ao estudar os mercados imperfeitos, analisa o fenômeno do
monopólio, notadamente o comportamento do agente econômico monopolista.
Aplicando-se esta teoria monopolista ao direito, entende-se que tanto a lesão,
quanto o estado de perigo, bem como, de forma mais ampla, o próprio conceito de
abusividade de preço nas relações contratuais, decorrem de situações de monopólio
e de mercados imperfeitos, o que acaba por ampliar e redimensionar o sentido e o
alcance dos vícios da lesão e do estado de perigo.

Palavras-chave: Direito e Economia. Monopólio. Negocio Jurídico. Lesão e Estado

de Perigo.
ABSTRACT

This thesis explores some possible intersections between economics and law
theories in order to demonstrate the role microeconomics can play as a pivotal
hermeneutical tool in specific juridical cases. My study thus employs such an
interdisciplinary approach in order to examine the triad law-price-damage found in
defective juridical trades. Both legally damaging and state of necessity include the
notion of abusive price, that is, price established outside the parameters of the free
market. By way of studying flawed markets, microeconomics thus analyzes the
premises of monopoly, in particular the economic agent of monopoly. When applied
to specific juridical cases, monopoly theory can in fact help us understand that both
damage and liability, above all the very concept of abusive prices in contractual
relations, derive from situations of monopoly and flawed markets. Needless to say,
this cross-disciplinary approach amplifies as well as complicates the meaning and
actions of both damage and liability.

Keywords: Law and Economics. Monopoly. Injury and State of Necessity


SUMÁRIO

Introdução ......................................................................................... 9

Capítulo 1: Direito e Economia: um encontro possível ......................14

Capítulo 2: Teoria do monopólio.........................................................29

2.1. definição de monopólio ...............................................................29

2.2. classificação de monopólio ..........................................................43

2.3. comportamento monopolista ........................................................45

2.4. ônus do comportamento monopolista ...........................................50

2.5. do agente monopsônico ................................................................53

Capítulo 3: Do negócio jurídico .............................................................55

3.1. do conceito de negócio jurídico ......................................................60

3.2. dos vícios do negócio jurídico .........................................................81

3.2.1. do erro ou da ignorância ...............................................................82

3.2.2. do dolo ...........................................................................................83

3.2.3. da coação ......................................................................................85

3.2.4. da simulação ..................................................................................85

3.2.5. da fraude contra credores ...............................................................86

3.2.6. das consequências jurídicas ...........................................................87

3.3. da interpretação do negócio jurídico ..................................................88


Capítulo 4: Aplicação hermenêutica da teoria do monopólio aos vícios da lesão e do
estado de perigo ...........................................................................................90

4.1. da visão tradicional da lesão e do estado de perigo


........................................................................................................................92

4.2. da visão juseconômica da lesão e do estado de perigo


.........................................................................................................................96

Capítulo 5: Análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça...........104

Conclusão .........................................................................................................110

Referências bibliográficas ..................................................................................112


9

INTRODUÇÃO:

Todo trabalho inicia-se com um questionamento, com uma inquietação. A


minha foi a seguinte: teríamos nós, operadores do direito, conhecimento e amplitude
conceituais suficientes, a fim de compreendermos a relação entre o direito e a teoria
do preço? Este foi, portanto, o meu questionamento inicial, o qual, mesmo tendo
tomado contornos outros, inspirou-me para que chegasse até o presente momento.

Pertenço a uma geração que ainda guarda na memória a época em que a


economia nacional e, principalmente, sociedade brasileira vivenciaram as
consequências avassaladoras oriundas do absoluto desiquilíbrio dos preços dos
produtos, isto por volta dos anos finais da década de 1970, até o início da década de
1990.

Época de hiperinflação. Época em que o som das “máquinas etiquetadoras”


soavam freneticamente pelos corredores dos estabelecimentos comerciais, em
movimentos incessantes, cujo significado era o do descontrole, o qual materializava-
se em aumento dos preços dos produtos.

Perdia-se, literalmente dia-a-dia, a noção do poder de compra da moeda


nacional. O preço de hoje, já não guardava relação com o que fora praticado ontem,
nem tão pouco com o que seria cobrado no dia seguinte.

Mas, também, por outro lado, foi uma época de fortes e marcantes
intervenções estatais na economia nacional, com o desiderato, por óbvio, de reduzir
os patamares inflacionários, a fim de reequilibrar as relações de preço.

Inúmeros planos econômicos foram lançados pelo Estado brasileiro, todos


com este propósito de debelar o processo inflacionário: plano Bresser (junho de
1987), plano Verão (janeiro de 1989), e planos Collor I e II (março de 1990 e janeiro
de 1991, respectivamente), dentre outras intervenções levadas a cabo pelo
Executivo nacional. Cada um trazendo uma estratégia distinta para conter o
processo de hiperinflação nacional vivenciado à época: troca da moeda; corte do
valor da moeda (corte dos “zeros”); tabelamento de preços; controle dos fatores de
produção; controle da moeda circulante; etc. Um verdadeiro show de criatividade,
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mas de retumbantes fracassos, ineficiências e desacertos - para alguns, um


verdadeiro “show de horrores”. Até hoje a sociedade brasileira paga um preço
elevado pelos resultados desastrosos havidos nestas variadas tentativas de
intervenção do Estado brasileiro na economia.

Foi apenas com o plano Real, em julho de 1994, que a inflação começou uma
consistente curva decrescente para patamares aceitáveis, tendo a economia, no que
tange ao aspecto inflacionário, ao menos nestes últimos vinte anos, encontrado um
razoável momento de estabilidade.

A história guarda, pois, uma relação complexa, criativa e às vezes não tão
equilibrada entre o direito (aqui entendido apenas como regra) e a teoria do preço.
Há momentos na história em que a norma jurídica interfere em demasia e
diretamente na fixação do preço; como por exemplo, no episódio do tabelamento de
preço. Contudo, via de regra, esta medida acaba por gerar desabastecimento.

Mas, por outro lado, a ausência geral de qualquer intervenção do Estado,


naquilo que se denomina de Estado mínimo, de igual sorte não é desejável. Isto
porque, não há mercado perfeito. Esta ideia, tão comum nos modelos acadêmicos ,
não passa de um “teste laboratorial”, importante no que tange à compreensão de
determinadas forças do mercado, mas que não representa a força dinâmica dos
agentes econômicos no mundo real.

Como salienta o economista André Franco Montoro Filho (2008, p. 11):

A crítica a essa recomendação deriva da constatação histórica de que o


mundo não se comporta como descrito por modelos teóricos. Por sua
própria natureza, qualquer teoria em ciências sociais é uma simplificação da
realidade: útil para entendermos as forças que movem a vida social e
econômica, mas perigosa quando pretende ser a expressão da verdade
absoluta.

Determinar a exata sintonia entre o grau de intervenção (ou não?) do Estado


na economia é medida que desafia os experts das diversas áreas do conhecimento,
notadamente, nas áreas do direito e da economia. Saber quando, como, ou se
intervir na economia, sem causar danos maiores, a fim de debelar determinadas
situações de grave instabilidade e imperfeição, não se apresenta como das tarefas
mais simples, dado o número de variáveis envolvidas.
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É certo que o direito (enquanto regra) sempre se preocupou com a questão


da normatividade da fixação do preço. Inicialmente, porque, por definição, o preço é
elemento essencial do contrato de compra e venda. Como é cediço na teoria deste
tipo contratual, os denominados elementos essenciais do contrato de compra e
venda - essentialia negotii – são o objeto, o consentimento e, finalmente, o preço.

Por outro lado, do ponto de vista histórico, há muito existe a preocupação dos
diversos legisladores em estabelecer regras para alcançar aquilo que se denomina
de preço justo – ou, em outros termos, o preço que se aceita comumente –
communis aestimatio.

Neste esteio, a título de exemplo, as Ordenações Filipinas, em seu Livro IV,


Título 13, estabelecia a possibilidade de desfazer o contrato de compra e venda
quando “além da metade do justo preço, poderia desfazer a venda per bem do dito
engano, ainda que o engano não procedesse do comprador, mas somente se
causasse da simpleza do vendedor” (LOPES, 2012).

Citando, ainda, outro exemplo, o mesmo autor José Reinaldo de Lima Lopes
(2012) faz menção ao Decreto de 17 de julho de 1778, o qual compunha as
Ordenações Filipinas, e que expressara o que seria o justo preço de fazendas
frugíferas, sendo este calculado sobre o rendimento de 20 anos da propriedade,
tiradas as despesas.

Em uma compreensão dialética, a ideia do preço justo traz como sua antítese,
o conceito de abusividade, ou de excessiva onerosidade.

Assim, impõe-se o estudo e a compreensão do comportamento dos agentes


econômicos, a fim de entender o comportamento deles no mercado. Em casos
extremados, como em ocorrência de secas prolongadas, ou enchentes
devastadoras, seria esperado um aumento do preço em razão destes eventos
naturais? Haveria, aí, o conceito da abusividade? Como explicá-la? Um comerciante
que teve o seu estoque e estabelecimento comerciais arrasados pelos mesmos
eventos naturais, poderia cobrar mais pelos seus produtos? Um monopólio criado
pela passagem do furacão seria aceitável?

A quantidade de questionamentos que se desdobram deste único evento é a


medida da complexidade do tema que relacionam: direito – preço – lesividade.
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Surge daí a inquietação central do presente trabalho, qual seja: como definir o
alcance interpretativo dos institutos jurídicos da lesão e do estado de perigo,
ambos classificados como vícios do negócio jurídico, a partir da perspectiva da
teoria econômica da formação do preço, dada pela microeconomia, notadamente por
um de seus aspectos, qual seja, a teoria do monopólio?

Isto porque, tanto a lesão, quanto o estado de perigo, decorrem de uma


situação objetiva envolvendo a excessiva onerosidade, logo possuem ambos
institutos jurídicos, como elemento definidor característico, a noção de preço, em
uma dada situação.

Entendo, pois, que a ciência econômica pode fornecer ao direito, aí


compreendido como área do conhecimento social aplicado, o cabedal teórico
necessário para a compreensão aqui proposta. Propõe-se aqui, portanto, uma
pesquisa de revisão bibliográfica, porém calcada na ideia da interdisciplinariedade.

Em outras palavras, percebe-se ser possível a construção de uma nova


abordagem interpretativa do Código Civil vigente, ou ao menos uma nova
abordagem interpretativa dos institutos da lesão e do estado de perigo, tendo por
substrato a aproximação, o imbricamento entre o direito e a economia.
Fundamentar-se-á na microeconomia (teoria do monopólio), a fim de perceber o
sentido e alcance possíveis dos institutos jurídicos da lesão e do estado de perigo.

Além desta perspectiva de revisão bibliográfica, calcada na


interdisciplinariedade, far-se-á, também, uma análise da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça – STJ, relativas ao tema da lesão e do estado de perigo, a fim de
se aferir se há, por parte deste Tribunal Superior, que possui a precípua missão de
uniformizar o direito infraconstitucional, a utilização desta nova abordagem teórica
que aqui se propõe.

Neste sentido, o presente trabalho será dividido em cinco capítulos, a saber:


(i) capítulo 1: Direito e Economia: um encontro possível, no qual, resumidamente,
será a presentada e fundamentada a possibilidade epistemológica da junção teórica
entre direito e economia; (ii) capítulo. 2: Teoria do monopólio, neste será
apresentada a teoria do monopólio, dada pela teoria microeconômica, especificando-
se a conceituação do monopólio, sua classificação e os comportamentos
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monopolistas; (iii) capítulo 3: Do negócio jurídico, por este capítulo serão


apresentados os conceitos básicos e norteadores deste instituto jurídico, qual seja, o
do negócio jurídico, bem como serão apresentados os conceitos dos vícios do
negócio jurídico; (iv) capítulo 4: Aplicação hermenêutica da teoria do monopólio aos
vícios da lesão e do estado de perigo, far-se-á a contraposição de duas visões em
relação à lesão e ao estado de perigo: a chamada visão tradicional do direito, e a
visão juseconômica, com a aplicação, nesta última, da teoria do monopólio aos
conceitos da lesão e do estado de perigo; (v) capítulo 5: Análise da jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, que como o título já faz demonstrar, será realizada uma
análise criteriosa da jurisprudência do STJ sobre o tema, a fim de se observar o
tratamento dado pelo Corte sobre o conceito aqui proposto; e por fim, (vi) a
conclusão final do trabalho.
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CAPÍTULO 1:

DIREITO E ECONOMIA: UM ENCONTRO POSSÍVEL.

“(...) não temam aventurar-se por terrenos


desconhecidos que os incitem a
meditações e lhes permitam novos
encontros, encontros possíveis.”
(PELUSO e NAZARETH, 2006, p. 18)

O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Antônio César Peluso e


a psicanalista Eliana Riberti Nazareth coordenaram, em 2006, interessante livro
intitulado “Psicanálise, Direito e Sociedade” em que se pugnava pela análise
conjunta do Direito, em especial o ramo do Direito de Família, com a psicologia e a
psicanálise. Com sugestivo subtítulo de “encontros possíveis”, o livro tem por norte
a ideia de proceder a análise dos temas da área do Direito de Família, valendo-se
para tanto, muitas das vezes, do suporte teórico e experimental da psicologia e
psicanálise, posto que, sabidamente, estas áreas tem se debruçado com mais rigor
do que o direito sobre as questões do comportamento humano.

E a economia? Estaria apta a oferecer possíveis encontros com o direito?


Como anota Vasco Rodrigues (2007) a economia tem ampliado, significativamente,
seu leque de preocupações e estudos.

Há quem ainda pense que o objeto de estudo da economia esteja, apenas,


voltado para a análise das taxas de juros, da variação do câmbio, das modificações
do preço, etc. Contudo, para possível espanto destes, o estudo da economia mais
moderna está voltado para o comportamento humano, em especial, para as
escolhas que os seres humanos fazem diante de recursos escassos.

Nesta moderna perspectiva da ciência econômica, o seu objeto passa a ser


“constituído por todos os fenômenos sociais que envolvem escolhas sobre utilização
de recursos” [escassos – acrescento] (RODRIGUES, 2007, p. 12).
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Portanto, se o foco da economia é entender como as pessoas fazem as suas


escolhas e estruturam as suas decisões, há clara simbiose com o direito, no que
tange à sua manifestação normativa, já que esta possui propósito claro de moldar o
comportamento humano, dentro das opções valorativas escolhidas pela sociedade,
concretizadas nas políticas públicas positivadas.

Em seu estudo “Metodologia e Epistemologia da Análise Econômica do


Direito” (2010, p. 8), o Prof. Ivo Gico Jr sintetiza com clareza este possível encontro
entre direito e economia

O direito é, de uma perspectiva mais objetiva, a arte de regular o


comportamento humano. A economia, por sua vez, é a ciência que estuda
como o ser humano toma decisões e se comporta em um mundo de
recursos escassos e suas conseqüências. A Análise Econômica do Direito,
portanto, é o campo do conhecimento humano que tem por objetivo
empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das
ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e
aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas
jurídicas, principalmente com relação às suas consequências.

Assim, esta simbiose entre os campos do conhecimento da ciência


econômica e o do direito, conforme trabalhos pioneiros, dentre os quais de Ronald
Coase (SZTAJN, 2005), acabou por ensejar não apenas uma maneira diversa de
explicar e conceituar fenômenos, ao agregar elementos da economia e do direito.
Mas, também, criou o substrato suficiente para projetar algo novo.

Isto porque, o diálogo entre economia-direito e direito-economia além de


proporcionar um novo conceito, ou categoria, para um e para outro, também
proporciona uma nova visão do direito e, acredito uma nova visão de economia. Já
que, por óbvio, o direito influencia a economia, assim como a economia acaba por
influenciar o direito.

Difícil precisar a correta gênese desta aproximação teórica entre direito e


economia. Para Rachel Sztajn (2005), Adam Smith e Jeremy Bentham, no final do
sec XVIII, já teriam realizado esta citada aproximação e diálogo.

Por outro lado, Kristoffel Grechenig e Martin Gelter (2010) mencionam o


trabalho pioneiro de Victor Mataja, em 1888, intitulado “A Responsabilidade da
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Indenização de Danos do Ponto de Vista de Economia Política” (Das Recht des


Schadenersatzes vom Standpunkte der Nationalokonomie).

Afora estes registros históricos, foi a partir da década de 1960 que esta
aproximação se corporificou em uma área de pesquisa nos EUA, denominada de
Law and Economics. Alguns trabalhos acadêmicos foram fundamentais e marcantes
neste início e, por isso, obrigatoriamente, devem ser aqui mencionados.

Em outubro de 1960, o professor Ronald H. Coase, prêmio Nobel da


Economia em 1991, publica inovador artigo intitulado The Problem of Social Cost.
Para Coase, em um ambiente sem custos de transação (ou pouco significantes),
com o direito de propriedade bem definido, as próprias partes envolvidas,
notadamente frente a problemas decorrentes de externalidades, poderiam solucionar
estes problemas por meio de barganhas. Assim, só se justificaria a intervenção
estatal em ambientes de elevado custo de transação.

Outro importante marco inicial da escola Law and Economic veio com o
professor da Universidade de Chicago, Richard A. Posner, com o livro de 1972
intitulado Economic Analisys of Law. Neste texto, o autor lança as bases conceituais
da Análise Econômica do Direito – AED, incorporando ao mundo jurídico importantes
conceitos econômicos, tais como: maximização, equilíbrio e eficiência.

Por este mesmo período, porém pela Universidade de Yale, o professor Guido
Calabresi lança em 1971 o livro The Cost of Accidents: A Legal and Economic
Analysis. Neste trabalho, o milanês analisa regras jurídicas com base em conceitos
econômicos, como os custos envolvidos na distribuição de responsabilidades na
área de direito indenizatório.

Estes foram os marcos teóricos iniciais da escola Law and Economic, todos
nos EUA, entre as décadas de 1960 a 1970. Por óbvio, de lá para os dias atuais
vários e inúmeros outros trabalhos foram sendo incorporados, inclusive com a
formação de novas linhas de pesquisas, bem como, o que é um aspecto de extrema
relevância, esta escola acabou por romper as fronteiras dos EUA.

Contudo, como apontam Robert Cooter e Thomas Ulen (2010) o crescimento


da Law and Economic nos EUA foi um processo marcado por várias disputas e
discussões acadêmicas. Até que esta teoria fosse incluída nos principais curricula
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das mais importantes universidades americanas, desconfianças e discussões foram


travadas.

Basicamente, ainda segundo estes autores, duas foram as controvérsias


levantadas à época: (i) primeiro, a de que, ao contrário da economia, o direito não
versa sobre eficiência (tema este que será retomado mais adiante); (ii) segundo, a
teoria econômica seria de pouca valia ao direito.

Sobre estes temas, Robert Cooter e Thomas Ulen (2010, p. viii e ix) disseram:

Podemos, portanto, dizer que o direito versa sobre eficiência, em vez de


justiça? Com certeza, versa sobre ambos. Procurara meios para que a lei
possa fazer justiça é uma das grandes missões do direito – em qualquer
sistema. Essa é uma missão de honra, na qual o direito vem tendo bastante
sucesso. Mas o direito também pode estar relacionado com o uso mais
eficiente dos recursos escassos da sociedade; ele pode criar incentivos
para que as pessoas se comportem de maneira mais produtiva, ou mesmo
mais justa. O moderno estudante de direito precisa saber os dois aspectos
da matéria – suas habilidades para a justiça e para a criação de incentivos
para o comportamento eficiente. É comum que esses dois objetivos possam
ser alcançados simultaneamente e não estejam em tensão um com o outro.

E quanto à segunda crítica – de que o direito e economia não é


particularmente útil à tarefa da advocacia, que é aconselhar de maneira
prudente o cliente nas questões jurídicas? [...]

Não acreditamos nestas críticas. Uma razão para isso é que mesmo que
seja verdade que direito e economia é exclusivamente do interesse de
professores de direito, e não do interesse dos práticos, isso não significa
que os assuntos interessantes aos professores não possam atingir a prática
e a política por intermédio do ambiente acadêmico. Tais assuntos podem ter
esse efeito diretamente por meio daquilo que é ensinado aos estudantes
pelo professor ou indiretamente, quando esses alunos traduzem o seu
aprendizado para a política e para a prática.

O certo é que a escola Direito e Economia passou a ter enorme importância


nas universidades americanas, porém o processo de exportação desta teoria não
tem sido dos mais simples, ainda segundo Robert Cooter e Thomas Ulen (2010).
Países como Nova Zelândia e Inglaterra não adotaram, de forma expressiva, esta
teoria em suas universidades, muito embora comunguem do mesmo sistema jurídico
– a common law.

Nuno Garoupa (2011), por sua vez, faz uma avaliação um pouco mais
pessimista (ou realista?) acerca da verdadeira influência da Análise Econômica do
Direito (AED) no mundo do direito, que não o americano. Para este autor, muito
embora reconheça a importância desta escola dentro dos EUA, identifica-a como
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mais importante para a área acadêmica, do que propriamente no campo da atividade


jurisdicional. Muito embora admita e ressalva que diversos juízes federais estejam se
valendo da Análise Econômica do Direito (AED) em suas decisões.

No plano internacional, ainda segundo o referido autor, assevera que a


Análise Econômica do Direito teve repercussão mais significativa em Israel. Não
tendo muita repercussão nem na Europa, nem na América Latina, e, inclusive, nem
na Inglaterra - malgrado identificar um lento movimento de inserção da AED nestas
áreas. O que poderia justificar a falta de uma incorporação mais aguda da AED
nestas regiões?

Ao propor uma resposta a este questionamento, este mesmo autor, Nuno


Garoupa (2011), identifica a ocorrência do que denominou de “paroquialismo
legal”. Valendo-se dos instrumentais teóricos econômicos, ou seja, em um quase
exercício de metalinguagem, utilizou-se da AED para analisar a própria AED. Assim,
o autor identifica uma barreira de entrada, nas regiões da Europa e América Latina,
ao produto americano Análise Econômica do Direito, em outras palavras, tratar-se-ia
de um modelo protecionista de mercado. No caso em questão o produto seria a
própria AED. Tal medida protecionista seria impulsionada pelos juristas e
acadêmicos universitários na área do direito destas respectivas regiões, os quais
agiriam de forma cartelizada. Seus ganhos seriam tornar-se fonte privilegiada das
alterações normativas públicas (lobistas preferenciais), além de toda sorte de acesso
às fontes públicas na área educacional (financiamentos, bolsas de pesquisa, etc), e
mercado editorial. Acrescento eu, ainda, a questão relativa ao prestígio acadêmico,
o que não foi observado pelo autor em questão.

Para Nuno Garoupa (2011) isto explicaria, também, o porque de outras


teorias jurídicas, nascidas nos EUA, não terem a repercussão acadêmica externa,
na mesma proporção, ou próxima a isto, que tiveram internamente – nos EUA.
Fazendo menção acerca destas outras teorias, pode-se mencionar as seguintes
áreas: estudos jurídicos empíricos, estudos jurídicos críticos, jurisprudência
feminista, Direito e Literatura, Direito e Política, Direito e Psicologia, Direito e
Ciências Cognitivas e Direito e Biologia.
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Apenas para menção, há que se registrar os trabalhos dos professores


Arnaldo Sampaio Godoy e Soraia da Rosa Mendes nas áreas do Direito e Literatura
e Direito e Feminismo no Brasil, respectivamente.

Efetivamente, penso eu, para o específico caso brasileiro, há, sim, forte
resistência no mundo acadêmico à discussão da teoria da Análise Econômica do
Direito. No campo jurisprudencial, então, raras são as decisões motivadas e
fundamentadas nesta escola.

A explicação apresentada pelo professor Garoupa, antes descrita, nos


fornece bases interessantes para a compreensão da disputa mercadológica das
fontes de custeio e prestígio educacionais, principalmente. Porém, entendo, há que
se acrescentar outros aspectos à esta análise.

Parte da resistência a uma entrada mais significativa da Análise Econômica


do Direito no cenário acadêmico nacional pode ser creditada na identificação da
AED a uma linha liberal-conservadora da economia. Isto porque, como parte da
teoria jurídica brasileira possui fundamentação marxista, ao impor a pecha de
“conservador”, “liberal”, ou “neoliberal” à AED, acaba-se por reduzir a discussão a
uma pretensa ideologização, sem, contudo, proceder a um aprofundamento e
conhecimento da epistemologia, metodologia e demais aspectos teóricos que
cercam a AED.

Por outro lado, deve-se registrar, também, outro aspecto importante que
acaba por criar uma resistência à AED (no caso brasileiro!), qual seja, o
desconhecimento dos conceitos, teorias e princípios da economia. Agregar duas
áreas do conhecimento implica em aprofundar-se em dois campos distintos do
conhecimento, no caso o direito e a economia. Por óbvio, o jurista que se pretende
partidário deste processo interdisciplinar há que se aprofundar nos conceitos da
economia. O que, entendo, acaba por criar uma resistência à aproximação destas
áreas.

Sobre este aspecto da dificuldade conceitual econômica, vale mencionar


passagem do renomado constitucionalista José Afonso da Silva (2007), o qual, ao
comentar sobre a definição do princípio de eficiência, que será mais adiante
destacado, asseverou da dificuldade desta definição com base na teoria econômica,
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ante a ideia de não-exclusão do acesso ao bem público que a visão jurídica da


Administração Pública acaba por impor. Sendo que a eficiência econômica remeteria
à ideia da melhoria da situação de um, sem prejudicar nenhum outro.

Ora, a teoria econômica trata o fato do irrestrito acesso ao bem público com a
denominação de bem não excluível e bem não rival, ou seja, a definição econômica
de bem público diz respeito ao fato deste não ser excluível (i.e., não possui a
propriedade de impedir o uso do bem por parte de alguém), bem como este bem
não ser rival (i.e., não possui a propriedade pela qual a utilização do bem por
alguém impede a utilização por outra pessoa) (MANKIW, 2001). Por outro lado, a
ideia de uma situação melhorar para alguém, sem piorar ninguém, se refere à noção
de eficiência Pareto.

Vê-se com facilidade, que o constitucionalista José Afonso da Silva acabou


por usar dois conceitos econômicos distintos, como se tratassem de uma coisa só.
Um exemplo do problema conceitual econômico, que enfrenta o operador do direito,
inclusive os mais conceituados.

Malgrado toda esta apontada resistência, mesmo que de forma lenta, o certo
é que a AED tem atraído a atenção de um grupo significativo de acadêmicos,
notadamente no Brasil, os quais estão a cumprir o papel de apresentar e discutir as
questões que envolvem esta escola jurídica, com a ampliação de cursos, encontros
acadêmicos e formação de grupos de estudos.

Feito este balizamento histórico acerca da escola Direito e Economia, impõe-


se esmiuçar os aspectos conceituais e epistemológicos que proporcionam e
possibilitam estes encontros possíveis estre estas duas áreas do conhecimento.

O professor Bruno M. Salama (2008), do ponto de vista epistemológico, divide


a escola Direito e Economia em duas categorias: Direito e Economia Normativo e
Direito e Economia Positivo. Categorias estas, diga-se, que decorrem diretamente
da microeconomia, a qual, da mesma forma, possui uma análise normativa (afeta à
adequação - valor) e uma análise positiva (afeta às explicações e previsões)
(PINDYCK e RUBINFELD, 2010).

A primeira categoria, Direito e Economia Positivo, valendo-se de conceitos da


microeconomia debruça-se sobre a possibilidade explicativa “da estrutura das
21

normas jurídicas” no “mundo real dos fatos”. Já a segunda categoria epistemológica,


a normativa, propõe avaliar “se, e como, noções de justiça se comunicam com os
conceitos de eficiência econômica, maximização da riqueza e maximização do bem-
estar” (2008, p. 52).

Para o Prof.º português Vasco Rodrigues, a divisão entre positiva e normativa


pode ser assim resumida (2007, p. 34):

As questões a que a Análise Económica do Direito tem dado mais atenção


são de dois tipos: Quais são os efeitos de um determinado enquadramento
jurídico? Qual o enquadramento jurídico que deveria existir? O primeiro
grupo de questões decorre diretamente da definição da Economia como o
estudo da escolha racional: os economistas admitem que as escolhas que
as pessoas fazem são influenciadas pelos sistemas de incentivo a que
estão sujeitas, porque estes alteram os custos e benefícios das diversas
opções disponíveis. O comportamento individual é alterado pelo
enquadramento legislativo: se determinado comportamento é proibido, e
punido, a sua relação custo-benefício torna-se menos atractiva do que se
não o é. A lei pode, assim, ser pensada como um sistema de incentivos e
analisar os efeitos de diferentes sistemas de incentivos é uma das grandes
preocupações dos economistas. Esse tipo de questões corresponde à
análise positiva do direito. Já o segundo tipo de questões corresponde a
uma análise normativa, que decorre da preocupação dos economistas com
a eficiência. Diferentes sistemas de incentivos, e portanto diferentes
enquadramentos legais, não são igualmente eficientes: um economista
defenderia que se devem preferir enquadramentos legislativos mais
eficientes a enquadramentos legislativos menos eficientes.

Dentro da Análise Econômica do Direito há alguns conceitos fundamentais


para a compreensão desta escola jurídica, a saber: (i) escassez; (ii) eficiência; (iii)
maximização racional; (iv) equilíbrio; e (v) incentivos.

O conceito de escassez está relacionado à própria definição de economia.


Isto porque, define-se economia como sendo o “estudo da forma pela qual a
sociedade administra seus recursos escassos” (MANKIW, 2001). Ou seja, é o estudo
de como as pessoas (e sociedades) interagem entre si e tomam suas decisões, a
partir da ideia e percepção de que os recursos da sociedade são limitados. O objeto,
pois, é o comportamento humano diante da necessidade de alocar recursos
sabidamente escassos.

Ora, o direito, em uma visão pragmática, da mesma forma cria regras de


conduta social, ante a existência de direitos finitos. Vale dizer, o direito de
propriedade regula a organização social, diante da escassez dos bens pretendidos
22

(a propriedade). Aliás, o próprio conceito de lide, no plano processual, decorre da


ideia da limitação dos direitos – pretensão de um lado, ante a resistência do outro,
em relação a um determinado direito.

Para o próprio autor Bruno Salama (2008), a ideia de eficiência diz respeito à
maximização dos ganhos e a minimização dos custos. De se dizer, de pronto, que a
eficiência, enquanto conceito, já foi abraçada e incorporada pelo Direito, posto que é
um dos princípios integrantes da Administração Pública, direita e indireta, consoante
o caput do artigo 37 1, da Constituição Federal.

Aliás, sobre o princípio da eficiência presente na Constituição Federal, José


Afonso da Silva (2007, p. 671), faz de pronto a distinção entre conceito econômico e
conceito jurídico, ao afirmar ser a eficiência um conceito eminentemente econômico,
pois qualifica a atividade, não a norma. No mais, assevera que a eficiência, sob esta
ótica econômica, significa obter um melhor resultado, ao menor custo possível,
vejamos:

Eficiência não é um conceito jurídico, mas econômico; não qualifica normas;


qualifica atividades. Numa ideia muito geral, eficiência significa fazer
acontecer com racionalidade, o que implica medir os custos que a
satisfação das necessidades públicas importam em relação ao grau de
utilidade alcançado. Assim, o princípio da eficiência, introduzido agora no
art. 37 da Constituição pela EC – 19/98, orienta a atividade administrativa
no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de
que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução do
maior benefício com o menor custo possível. Portanto, o princípio da
eficiência administrativa tem como conteúdo a relação meios e resultados.

Os críticos à aproximação entre direito–economia, quando tratam da questão


da eficiência, dizem que o direito não deve se preocupar em dar “lucro”. Contudo, há
aí, inicialmente, uma confusão de conceitos. O lucro, que difere nas acepções
econômica e contábil, é uma expressão que decorre da diferença entre receita e
custo, sendo certo que o custo, para o conceito econômico, é mais amplo, pois inclui
a noção de custo de oportunidade. Eficiência, ao contrário, diz respeito à
maximização dos ganhos, com diminuição dos custos.

1
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
23

Assim, percebe-se que a eficiência é um conceito mais amplo. Trata-se de


uma propriedade da alocação, decorrente do próprio conceito de escassez, e que
versa sobre a maximização do “excedente total”, que vem a ser o somatório do
excedente do consumidor (= valor para os compradores – quantia paga pelos
compradores) com o excedente do produtor (= quantia recebida pelos vendedores –
custo para os vendedores) (MANKIW, 2001). Logo, uma maior eficiência está
relacionada a um maior retorno ao bem-estar social (=excedente total).
Acrescente-se, ainda, ao conceito de eficiência o conceito de equidade, que vem a
ser a distribuição do excedente total entre os membros da sociedade.

Quanto a este último aspecto acima mencionado, quando a eficiência faz


melhorar a vida de alguns, sem, contudo, piorar a vida de nenhum outro, diz-se que
se alcançou uma eficiência Pareto (IPPOLITO, 2005).

Todavia, sabe-se que, no mundo real, tal situação é muito difícil de ser
alcançada, já que as políticas públicas, via de regra, melhoram a situação de alguns,
porém, mesmo que sem uma intenção direta, acabam, muitas das vezes, gerando
uma piora na situação de outros.

Sob este esteio, demonstra-se mais plausível e aplicável à realidade outra


modalidade teórica de eficiência, qual seja o denominado equilíbrio Kaldor-Hicks.
Isto porque, por esta concepção, quando há ganhos por parte de uns da sociedade,
mas perdas por parte de outros, há que se buscar a eficiência por meio de
compensações (caráter distributivo) ente ganhadores e perdedores (IPPOLITO,
2005). O que se coaduna melhor com as próprias políticas públicas.

A título de exemplo, pode-se mencionar a própria Lei Complementar n.°


87/1996, Lei Kandir, que, dentre outros aspectos, criou uma isenção do ICMS para
exportação, mas, como contrapartida (compensação), garantiu um repasse imediato
(seguro-receita), junto ao Fundo de Participação dos Estados (FPE), àqueles que
estivessem perdendo arrecadação.

Dito isto, pergunta-se: em que os conceitos de escassez e eficiência se


relacionam ao direito? São um “mundo à parte”, ou podem ser agregados ao objeto
jurídico? Em outras palavras, o pensamento jurídico poderia incorporar esta
discussão da eficiência?
24

É claro que sim. Por exemplo, a escolha entre proceder a uma compra por
meio de processo licitatório, ou por pregão eletrônico deveria ser uma escolha pelo
modelo de eficiência, ou seja, analisar que em modelo licitatório haveria um maior
retorno à Administração Pública, em um custo menor. Outro exemplo: no artigo 12,
da proposta do Novo Código de Processo Civil, há a regra de julgamento
cronológico, a saber, verbis: “os órgãos jurisdicionais deverão obedecer à ordem
cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão”. Será que esta medida
irá trazer, de fato, um maior retorno (ganho) para a sociedade (jurisdicionados) em
termos de celeridade?

Vê-se, pois, que a discussão acerca da eficiência é fundamental para o


direito, quer no viés da compreensão do fato em si (positivo), quer pela reflexão
sobre a valoração da extensão da norma (normativo).

Quanto aos demais tópicos levantados pelo professor Bruno Salama (2008):
maximização racional; equilíbrio; e incentivos, todos, em geral, relacionam-se ao
tema comportamental. Vale dizer, versam sobre como se comporta o indivíduo
diante de determinadas situações.

Não é difícil perceber da óbvia, até, relação do direito com este tema
comportamental, uma vez que o direito, essencialmente, relaciona-se ao
estabelecimento de regras públicas formais, com o intuito de afastar
comportamentos indesejáveis socialmente, e, de outra conta, fixando
comportamentos que a própria sociedade reputa como desejáveis.

No que tange aos conceitos econômicos mencionados anteriormente, de se


dizer, basicamente, que o ser humano reage aos incentivos (LEVIT E DUBNER,
2007). È claro que estes incentivos não são, necessariamente e apenas, oriundos
das normas positivadas, mas, também originam-se das relações morais e sociais
(religião, etc). Podendo a sanção punitiva variar por diversas naturezas, ou seja,
variando do econômico, ao cerceamento de liberdade, etc.

A questão fundamental, notadamente para a área de política pública, diz


respeito ao estabelecimento do correto incentivo. Saber se se pune alguém e de que
maneira, enfim, acertar esta sintonia fina, a fim de alcançar a eficiência, é um dos
grandes dilemas que as autoridades deveriam se debruçar com mais rigor científico.
25

Daí a necessidade, mas que no Brasil ainda é incipiente, de se fazer estudos e


pesquisas com experimentos sociais, no propósito de se testar determinados
incentivos, antes de se concluir os processos legislativos. Com certeza, tal prática
traria uma maior eficiência ás normas sociais, além de uma óbvia diminuição dos
custos, dado um maior grau de certeza e segurança nos mecanismos de incentivos.

Dentro, pois, deste aspecto comportamental, a área econômica pode ajudar e


muito ao direito, já que possui um leque maior de teorias e experiências objetivas já
realizadas e testadas.

De uma maneira geral, percebe-se que o homem age de forma racional.


Busca, em tese, maximizar seus ganhos dentro de um menor custo possível
(COOTER e ULEN, 2010; GICO, 2010; SILVA, 2007). Para tanto, procede em
processos de escolhas, na chamada Teoria da Escolha Racional (TER), a qual
apresenta algumas características importantes, tais como, dentre outras, a coerência
entre meio e fim, a completude e a transitividade.

A coerência entre meio e fim implica na consistência entre preferências e


ações. A completude diz que todo agente racional é capaz de possuir preferência e
ordená-las. Por fim, a transitividade pressupõe a consistência lógica entre as
preferências – A é preferível a B que é preferível a C, daí preferir A a C (SILVA,
2007).

Note-se que a TER não discute acerca das preferências em si, pois elas são
individuais, prévias, via de regra, e se submetem a toda ordem de influências, tais
como: dogmática, religiosa, cultural, social, familiar, dentre outras, as quais, porém,
não são objeto da preocupação da economia, por completa ausência de objetividade
em sua discussão, por exemplo, prefiro o time A ao time B, vinho à cerveja, etc.

De se dizer, ainda, por imperioso e imprescindível, que nem sempre o ser


humano é racional. Nem sempre ele age conforme este conceito de eficiência e de
eterna busca de maximização dos ganhos (resultados). Muitas das vezes, o
comportamento humano surpreende e acaba agindo de uma forma não
racionalmente esperada. Estes vieses comportamentais, que, em princípio, negam a
teoria clássica das escolhas racionais, ou, pelo menos, demonstram que as teses
clássicas não se aplicam a toda e qualquer situação, devem ser bem identificados,
26

compreendidos e estudados, a fim de que as normas positivas e as políticas


públicas possam alcançar a mesma eficiência esperada, malgrado a existência
destes comportamentos de racionalidade limitada (JOLLS e SUSTEIN, 2006).

Sem dúvida alguma, comportamento humano é o grande fator de junção e


interdisciplinariedade entre o direito e a economia. Aliás, é, também, o
comportamento humano que atrai a relação conceitual entre o direito e a psicologia.

Como já salientado, do ponto de vista econômico, o comportamento humano


deveria pautar-se na racionalidade, isto é na busca de melhores resultados
(maximização dos ganhos), porém, nem sempre isto é o que ocorre na prática.

Muitas das vezes as pessoas agem de forma irracional. Dentre outros


possíveis comportamentos, estas pessoas agem com “excesso de confiança”, “com
medo de errar” e “com limitação de informação”. Ou seja, às vezes, agem de forma
mais ativa (excesso de confiança), ou adiam suas decisões (medo de errar), mas o
fazem sem analisar com cautela e profundidade devidas as informações necessárias
(TABAK, 2014).

Outros vieses comportamentais já mapeados pelas pesquisas


comportamentais, dizem sobre os chamados efeitos doação e disposição (THALER,
Richard, 1999 apud TABAK, 2014). Pelo primeiro, a pessoa exige um preço muito
mais alto para vender, do que o preço que estaria disposto a pagar. Já o segundo
viés comportamental mencionado, disposição, versa sobre a situação fática em que
os investidores tendem a vender mais rapidamente quando os preços sobem, mas
tendem a reter quando os preços caem.

De mencionar, ainda, dentre vários outros vieses já identificados pelas


pesquisas comportamentais, os chamados efeito certeza, efeito reflexão e efeito
isolamento. O efeito certeza versa sobre o comportamento humano de
sobrevalorizar um resultado que avalia como certo. Já o efeito reflexão analisa a
situação na qual as pessoas tendem a comporta-se com aversão ao risco, quando a
perspectiva é positiva, e buscam por risco, quando a perspectiva é negativa.

De se acrescentar, que estes dois primeiros vieses aqui apontados são


fundamentais quando se está buscando os corretos incentivos, a fim de favorecer a
um ambiente propício ás conciliações e mediações.
27

Isto porque o efeito certeza inibe a conclusão de acordos. Ora, se um litigante


acha que vai ganhar a ação, então este tenderia a sobrevalorizar o resultado
“procedência” da ação, desestimulando, automaticamente, um possível acordo –
famosa frase do confiante: “acordo pra que?, se eu vou ganhar”. Nestes casos,
caberá ao conciliador/mediador, por meio de informações abalizadas, “retirar” este
excesso de confiança, mas de que forma? Uma estratégia bem comum é informar o
litigante sobre as chances reais de ganho, ou sobre novas jurisprudências, ou,
também, acerca de precedentes do Juiz, etc, a fim de demover este viés e recompor
a racionalidade àquela pessoa (TABAK, 2014).

Assim, para a confecção de eficientes políticas públicas visando a promoção


das formas alternativas de solução de conflitos, tais como, a conciliação e mediação,
ter-se-á que observar a possibilidade de ocorrência do viés apontado, devendo, por
via legal, tentar corrigir este comportamento.

Por fim, quanto ao efeito do isolamento, o comportamento das pessoas tende


a simplificar o processo decisório, porém de que forma? Desconsiderando parte das
informações, direcionando apenas para questões que não são o foco da questão
inicial.

Não é preciso dizer que se trata de um viés fundamental na construção da


teoria da decisão judiciária. Em outras palavras, permite entender e compreender o
processo pelo qual o Magistrado procede à entrega da prestação jurisdicional, posto
tratar de um comportamento de seleção da informação obtida, com o desiderato de
promover à prestação jurisdicional.

Uma vez identificados estes vieses comportamentais, deverá o formador das


políticas públicas procurar corrigir, ou se isto não for possível, de alguma forma
compensar o comportamento de viés.

Fica claro, assim, que a relação e o diálogo entre direito e economia não se
restringem, apenas, a uma boa intenção. Há profundos enlaces conceituais, os quais
permitem uma leitura interdisciplinar com densidade e consistência.

Valer-se, portanto, do repertório teórico da economia, a fim de bem analisar


institutos jurídicos, dá-se como uma medida de estratégia agregadora, que se impõe
pela precisão e, acima de tudo, por permitir ao direito, precipuamente, uma
28

compreensão mais clara das repercussões sociais, das políticas públicas


normativas, engendrando, desta feita, uma perspectiva nova na hermenêutica
jurídica.
29

CAPÍTULO 2:

TEORIA DO MONOPÓLIO.

“Odeio o privilégio e o monopólio. Para


mim, tudo o que não pode ser dividido
com as multidões é tabu.” (Mahatma
Gandhi)

“O monopólio é uma coisa terrível, até


que o tenha” (Rupert Murdoch)

Conceituar o monopólio, em verdade, é conceituar um interessante


comportamento de agentes econômicos, qual seja o de influenciar sozinho na
produção e estabelecimento de preços, a fim de potencializar a maximização dos
ganhos. Será que todo produtor, como faz sugerir a frase antes transcrita do
megaempresário australiano da comunicação, Rupert Murdoch, tenderia a desejar o
monopólio para si? Seria este um comportamento racional?

De outra parte, analisando a frase do pacifista Gandhi, também acima


transcrita, haveria uma justificativa para esta visão depreciativa atribuída ao termo
monopólio? Seria esta uma percepção social correta?

Vê-se, claramente, que a discussão sobre o conceito de monopólio não é algo


simples e trivial, já que faz surgir uma série de discussões de ordem axiológica, bem
como comportamental. Imprescindível, pois, construir o conceito de monopólio.

2.1. DEFINIÇÃO DE MONOPÓLIO:

"Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu


espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu auto-
interesse”, desta forma Adam Smith, no século XVIII, defendia a ideia de que o
mercado, sem intervenção governamental (ou o mínimo possível) e com a presença
de concorrência, poderia prover, de forma eficaz, a satisfação das necessidades dos
30

cidadãos. Formulava-se, assim, a base do pensamento e modelo liberais:


concorrência e a teoria do Estado mínimo.

Há neste pensamento a ideia de que o mercado, agindo por si (“a mão


invisível do mercado”), seria suficiente para prover as necessidades dos cidadãos,
logo, o mercado seria o promotor da riqueza e do desenvolvimento das sociedades.
Um mercado de plena e eficiente concorrência - um “mercado perfeito”.

Portanto, a ideia de um mercado perfeito carrega, como elemento essencial,


o conceito da concorrência plena. Para C.E. Fergunson (1982) este conceito de
mercado perfeito traz em si a confluência de forças invisíveis e impessoais, ou seja,
para este autor, em relação ao conceito de “mercado perfeito”, haveria “uma
ausência completa de concorrência direta entre os agentes econômicos”.

Ora, digo eu, não é isto o que se vê na realidade. Basta lembrar as acirradas
disputas comerciais entre concorrentes. Lembremos, a título de exemplificação
simplória, mas real, das propagandas de produtos como sapatos, cosméticos, dentre
outros, onde os concorrentes tentam se mostrar superiores e melhores do que seus
rivais, afirmando maior durabilidade, beleza, segurança, além de outras qualidades.

Confirma-se, assim, que, em verdade, o conceito de mercado perfeito é mais


uma construção ideal. Trata-se, portanto, de modelo “raramente aplicável de
maneira plena à realidade, porém, serve de referência para a avaliação e
compreensão de mercados reais e outros modelos” (GICO JÚNIOR, 2006, p. 48).

Para caracterizar um mercado perfeitamente competitivo a microeconomia se


vale da ocorrência de algumas situações, as quais, conjuntamente agindo, acabam
por assegurar a plenitude da atuação das forças da demanda e da oferta (receita x
custo) na alocação dos recursos e distribuição das riquezas, a saber: (i) grande
número de pequenas empresas; (ii) produto homogêneo; (iii) livre mobilidade dos
recursos; e (iv) perfeito conhecimento. (FERGUNSON, 1982).

Ainda segundo este autor clássico da microeconomia, o primeiro critério,


grande número de pequenas empresas, diz que em um ambiente perfeitamente
competitivo as empresas tomadas individualmente são insignificantes em relação ao
mercado, não tendo, por conseguinte, influência na definição final do preço – são
tomadores de preço. Do ponto de vista do consumidor, esta característica, da
31

mesma forma, versa sobre a insignificância do consumidor, tomado individualmente,


em relação ao mercado como um todo, ao ponto de o consumidor não possuir
regalias que possa influenciar no preço final praticado pelo mercado.

A segunda característica, produto homogêneo, versa sobre a proximidade (ou


semelhança) entre os produtos ofertados pelos vendedores. Ou seja, o produto
ofertado por um vendedor “A” é semelhante ao produto ofertado pelo vendedor “B”.
De modo que, para o consumidor não haja diferença substancial entre os ofertantes.
Logo, a homogeneidade (ou a padronização dos produtos) garante que um ofertante
não tenha controle sobre o mercado, por não haver diferenças substanciais entre os
produtos, o que acarretaria, caso existissem estas diferenças, um controle destes
produtores sobre os preços, ante as variações dos produtos.

Isto é facilmente perceptível, digo eu, quando assistimos a entrada no


mercado de produtos com avanços tecnológicos, por exemplo. A corrida por estes
produtos, sabidamente com preços mais elevados, mesmo se diante de pequenos
avanços, demonstra o controle que as empresas passam a ter sobre o preço de
determinados produtos, ao menos enquanto a novidade mercadológica for suficiente
para atrair a preferência dos consumidores – veja o caso clássico dos lançamentos
dos iPhones da empresa Apple.

A terceira característica de um mercado perfeitamente competitivo, a livre


mobilidade dos recursos, ainda segundo C.E. Fergunson (1982), diz respeito à
entrada e saída livre do mercado de seus agentes econômicos. Seja a entrada e
saída de empresas, apenas movidas por incentivos econômicos, ou seja a livre
mobilidade em relação ao mercado de trabalho.

Isto porque, em um mercado concorrencial os agentes econômicos, quer pela


oferta, quer pela demanda, passam a atuar apenas movidos pelos incentivos que
recebem do próprio mercado. Por exemplo, suponha-se que uma cidade hipotética A
esteja pagando muito bem, acima da média do próprio mercado, pelo preço do
salário de garçom. Em um mercado de trabalho de perfeita concorrência, logo com
entradas e saídas livres, haveria a tendência de que outras pessoas mudassem sua
profissão, passando para garçons – já que não se trata de uma função de profunda
especialização, bem como, poderia, também, acarretar a vinda para esta cidade
hipotética A de garçons de cidades vizinhas, em busca da oportunidade existente,
32

até que a oferta desta mão-de-obra provocasse um novo equilíbrio no preço pago,
diminuindo o incentivo inicialmente dado.

Esta dinâmica é muito importante para a busca do equilíbrio do próprio


mercado, daí ser uma característica fundamental na definição da concorrência
perfeita.

Por fim, a quarta e última característica, perfeito conhecimento, versa sobre o


fluxo informacional e o acesso a esta informação. Produtores e consumidores devem
ter pleno conhecimento sobre as diversas informações inerentes aos mercados, no
que tange ao produto e sua produção, bem como à formação do próprio preço. Isto,
inclusive, vale para o mercado de trabalho, aonde o ofertante da mão-de-obra tem
que ter o perfeito conhecimento acerca, por exemplo, das condições e preços
praticados em determinadas áreas de atuação, direitos trabalhistas, dente outros
aspectos relevantes. Em não ocorrendo o perfeito conhecimento, ocorrerá a
chamada assimetria informacional, aonde determinados agentes econômicos
possuem, privativamente, determinadas informações não partilhadas com os demais
ofertantes, bem como com os consumidores de um mercado qualquer. O que, por
óbvio, gera uma supremacia do detentor da informação sobre o outro agente
econômico.

A importância da informação é tanta, e a sua garantia é primordial para a


competitividade do mercado, que o próprio Código de Defesa do Consumidor
brasileiro vigente, a Lei 8.078/90, em grande medida tem por escopo minimizar (ou
até coibir) os efeitos desta assimetria informacional – por exemplo, invertendo o
ônus da prova (cf. art. 6°, inciso VIII, da Lei 8.078/90 2), sendo, pois, um exemplo
pronto da regulação estatal-legislativa, como medida para coibir as imperfeições do
mercado.

O Prof.° Ivo Gico Júnior, na obra: Cartel – Teoria Unificada da Colusão


(2006), arrola como elementos característicos e definidores do mercado

2
(lei 8.078/) Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da
prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras
ordinárias de experiências;
33

perfeitamente competitivo, além dos aspectos antes mencionados, a inocorrência


em custos de transação; e a não ocorrência de externalidades.

Sobre estes dois temas, assim os define o citado autor (pp.49/50):

A inexistência de custos de transação ocorrerá quando nenhum participante


incorrer em custos ou tiver de pagar algo, pela simples participação no
mercado;
A inexistência de externalidades significa que cada agente econômico
suporta todos os custos do processo produtivo, ou seja, não impõe custos a
outros agentes. Um exemplo de externalidades é a poluição resultante de
um processo produtivo sem a devida compensação dos afetados pelo
agente gerador da poluição.

Benjamin Tabak (2014) define os custos de transação como sendo (p.7):

Os custos de transação podem ser vistos como custos em que os


agentes incorrem para poder realizar trocas em uma economia. Existem
vários tipos de custos de transação em uma economia. Os mais
importantes são as assimetrias informacionais, os custos de barganha,
os custos legais e os custos de busca.

Veremos mais adiante que o monopólio é uma imperfeição de mercado,


portanto, uma negação ao que se caracterizou por mercado perfeitamente
concorrencial, daí o porque de se partir, primeiro, da definição deste mercado
competitivo, como ora está sendo feito, a fim de mais à frente conseguir entender e
definir o próprio monopólio.

Estabelecidas estas características gerais, é preciso entender o


comportamento dos agentes econômicos nestes mercados concorrenciais,
notadamente no estabelecimento do preço.

De uma maneira geral, quando alguém resolve abrir uma empresa tem o
propósito de ganhar dinheiro com este ato, ou seja, obter lucro. É claro que, muitas
das vezes, concorrerão com a obtenção do lucro, outras motivações, como exemplo:
realização de um sonho, afirmação familiar, um altruísmo social, dentre outras
possíveis motivações. Contudo, estas questões pessoais não afastam o lucro como
motivação comum.
34

E como calcular o lucro? Em linhas gerais, o lucro decorre da receita total de


uma empresa, menos o custo total:

L (lucro) = RT (receita total) – CT (custo total)

Aonde a “receita total” é medida pela multiplicação da quantidade produzida


pelo preço de mercado praticado:

RT (receita total) = Q (quantidade produzida) x P (preço).

Por tratar-se de um mercado perfeitamente competitivo, aonde a influência de


uma empresa no mercado é desprezível, logo a receita média (RMe), que vem a
ser a receita total (RT) dividida pela quantidade produzida (Q) será o próprio preço
(P).

Mas, como mostrado antes, para aferir o lucro é necessário mensurar o custo.
Mas como mensurar o custo total de uma empresa? Sobre este tema, há uma
profunda diferença entre a economia e a contabilidade acerca do conceito de custo.

Para a economia, no conceito de custo, além dos insumos normalmente


utilizados para o fabrico de algo, ou para a prestação de algum serviço, tais como:
matéria-prima, mão-de-obra, maquinários, espaço físico, além de outros possíveis;
há o que se denomina de custo de oportunidade.

Custo de oportunidade é aquele relacionado à uma atividade que se deixou


de praticar, a fim de realizar a atividade em si da empresa. Pindyck e Rubinfeld
(2010, p. 194), definem custo de oportunidade como sendo:

Custos associados às oportunidades que serão deixadas de lado, caso a


empresa não empregue os recursos da melhor maneira possível. Por
exemplo, considere uma empresa proprietária de um edifício e que,
portanto, não paga aluguel pelo espaço ocupado por seus escritórios. Será
que isso significaria que o custo do espaço ocupado pelos escritórios é zero
para a empresa? Um contador diria que sim, mas um economista observaria
que a empresa poderia ter recebido aluguel por tal espaço, caso o tivesse
alugado a uma outra empresa. Esse aluguel não recebido corresponde aos
custos de oportunidade de utilização do espaço dos escritórios, devendo ser
incluído como parte dos custos econômicos das atividades da empresa.
35

Portanto, no lucro econômico haverá a incidência do custo de oportunidade, o


que difere do conceito contábil de lucro, no qual não há a inclusão deste tipo de
custo.

No conceito de custo, além do custo de oportunidade, há os denominados


custos fixos e custos variáveis (MANKIW, 2001). Custos fixos, segundo este mesmo
autor, são os custos que não se modificam com a variação da quantidade produzida,
e que só deixarão de ser pagos se a empresa deixar de funcionar. Por exemplo,
aluguel de um espaço físico, instalações iniciais de uma atividade empresarial, ou
um número inicial de mão-de-obra.

Todos estes custos não sofrerão alteração, ao menos no curto prazo,


independentemente do nível de produção da empresa. Imagine, por exemplo, uma
empresa que aluga um espaço físico (um galpão) de 1.000m2, ao preço de
R$5.000,00 ao mês. Espaço este suficiente para produzir até 8.000 peças de um
produto qualquer. Ora, a empresa pagará estes mesmos R$5.000,00 de aluguel,
todo mês, até alcançar a capacidade total produtiva: produção zero, cinco mil reais
de custo; produção cem, o mesmo custo, e assim por diante. Daí se dizer que, via
de regra, no curto prazo os custos tendem a ser fixos, convolando-se em
variáveis no longo prazo (PINDYCK E RUBINFELD, 2010).

Por outro lado, os custos variáveis alteram-se com a variação da produção.


Em uma lanchonete que vende sucos e vitaminas, quanto mais produzir e vender,
mas terá que gastar com frutas, leite, açúcar, gelo e outros insumos.

Assim, de uma maneira geral, o custo total de uma empresa (CT) é composto
pelos custos fixos, custos variáveis e pelo custo de oportunidade.

Dito tudo isto, volto à ideia inicial de que as empresas, em síntese, buscam o
lucro. E que, portanto, é um comportamento esperado desta empresa a
maximização deste lucro. Logo, como a receita total da empresa decorre da relação
quantidade e preço (Q x P), é fácil supor que o comportamento desta empresa será
o de produzir mais, para ter uma receita maior. Mas, como dito, o que a empresa
busca é um lucro maior, e não apenas uma receita maior. Por conseguinte, esta
lógica só se fecha quando a empresa dominar a informação do quantum gasto por
produto e do quantum gasto para produzir mais um produto.
36

O valor que se gasta por produto, denomina-se de custo médio. Já o valor de


se produzir um produto a mais denomina-se de custo marginal.

Assim, o custo total médio (CTM) será o custo total (CT) dividido pela
quantidade produzida (Q)

CTM = CT / Q

Não se olvidando, apenas, de que o custo total médio (CTM) será a soma dos
custos fixos médios com os custos variáveis médios.

A seu turno, como dito, o custo marginal está associado à ideia do custo que
a empresa tem para aumentar em uma unidade a sua produção. Logo, é uma
medida da variação custo total (ΔCT), com a variação da quantidade (ΔQ). Desta
feita, pode-se representar matematicamente o custo marginal (CMg) pela seguinte
expressão:

CMg = ΔCT / ΔQ

Como se comportariam estes custos em relação à quantidade produzida? O


gráfico 1 abaixo representa o comportamento destes custos, na sua relação preço
(linha vertical) e quantidade produzida (linha horizontal) (FERGUNSON, 1982, p.
245):

Gráfico 1

Comportamento dos custos do produtor


37

A linha CFMe indica o custo fixo médio; a linha CVMe indica o custo variável
médio; a linha CMe representa o custo médio e, por fim, a linha CMg indica o custo
marginal.

A linha CFMe sempre decresce, na medida em que aumenta a quantidade


produzida, pois, o custo fixo será distribuído em uma quantidade maior de produtos.
Já a linha CVMe tem uma curva declinante no início, até atingir seu ponto de escala
eficiente (ou ponto ótimo), representada aqui pelo número 4, passando a ser
ascendente após este ponto. O chamado ponto ótimo, ou de escala eficiente, é
aquele de uma quantidade determinada que minimiza o custo variável médio. Após
este, como dito, há um crescimento no valor do custo.

Este mesmo comportamento de curva será observada na linha CMe, que é o


custo total médio. Isto porque, como o custo total é o somatório dos custos fixo e
variável, a sua curva abrigará o movimento dessas duas curvas: será descendente
no início, em razão do comportamento dos custos fixos. Após o ponto ótimo, ou de
escala eficiente, terá um comportamento ascendente.

Por fim, a curva CMg, que representa o custo marginal, está a representar um
início de produto marginal decrescente e, após o ponto 6, há um produto marginal
crescente, com um custo marginal crescente. Ou seja, a diminuição da ociosidade
da produção, acarreta um aumento do custo da produção.

Interessante notar, também, o comportamento das curvas de custo total


médio (CMe) e de custo marginal (CMg). Isto porque a curva marginal sempre vai
cortar a curva de custo total em seu ponto ótimo. Como bem salienta o economista
Gregory Mankiw (2001, p.280):

Esta relação entre custo total médio e custo marginal tem um importante
corolário: a curva de custo marginal corta a curva de custo total médio no
ponto de escala eficiente. Por que? Em níveis baixo de produção, o custo
marginal é inferior ao custo total médio de modo que o custo total médio
está em queda. Mas depois de as duas curvas terem se cruzado, o custo
marginal sobe mais do que o custo total médio. Pela razão de que
acabamos de examinar, o custo total médio tem que começar a subir a
partir desse nível de produção.

Analisado o custo e suas características fundamentais, possível retornar ao


conceito de lucro, porém, agora, sob a análise da receita.
38

Vimos que a receita total (RT) é a quantidade produzida (Q) multiplicada pelo
preço do produto (P). Viu-se, também, que a receita média (RMe) é a receita total
dividida pela quantidade produzida (Q), o que resultou na conclusão de que a receita
média é o próprio preço da mercadoria produzida – em um mercado concorrencial.
Resta conceituar a receita marginal.

Importante salientar que a conceituação destas alterações marginais é


fundamental para a compreensão das escolhas reais que as pessoas (físicas ou
jurídicas) fazem, ou, ao menos, tendem a fazer, supondo-se um comportamento
racional maximizador Isto porque, normalmente as decisões que as pessoas fazem
não são do tipo “tudo ou nada”. Normalmente, as escolhas referem-se aos
acréscimos que são necessários, ou não, às atividades e preferências que as
pessoas possuem. Consumir um produto a mais, ou não; gastar uma hora a mais
em estudo, ou não; comer uma colher de doce a mais, ou não. Daí a importância
dos conceitos, tanto de receita, quanto de custo marginais.

Voltando ao conceito de receita marginal esta representa a receita que se


ganha, decorrente do incremente de uma unidade a mais produzida. Portanto, este
conceito é dado pela variação da receita total (ΔRT), em relação à variação da
quantidade produzida (ΔQ), dada na seguinte expressão matemática:

RMg = ΔRT / ΔQ

Uma empresa em um ambiente perfeitamente competitivo, como já fora


salientado, possui pouca influência na formação do preço. Daí ter dito que a receita
média sempre será igual ao preço do bem.

Da mesma forma, para empresas neste ambiente de concorrência plena e


perfeita, a receita marginal é igual ao preço do bem, já que o preço é um dado fixo
fornecido pelo mercado, sendo a empresa mera tomadora de preço. Logo, um
aumento de uma unidade produzida, acarretará uma receita igual ao próprio preço
deste bem.

Feitas estas delimitações conceituais introdutórias, pode-se avançar um


pouco mais acerca do comportamento destas empresas, neste ambiente ideal de
plena concorrência. Por comportamento, diga-se, se entende a busca pela
maximização dos lucros.
39

Se o lucro, como visto, decorre da diferença ente receita total e custo total, a
ideia básica, óbvia até, é aumentar a produção, pois assim estar-se-á aumentando a
receita, possibilitando, ao menos em tese, a obtenção de um lucro maior.

Seria esta uma lógica verdadeira? Em termos, pode-se dizer.

O problema, em verdade, encontra-se nas chamadas alterações marginais,


ou seja, o que de custo e de receita haverá pela produção de um produto a mais.
Logo, o foco, quanto ao aumento da produção e do lucro, estará concentrado no
custo e na receita marginais. Enquanto a receita marginal for maior do que o custo
marginal a empresa estará sendo incentivada a produzir mais e a buscar maximizar
seus lucros. Contudo, quando o custo marginal superar a receita marginal, aí,
haverá um incentivo inverso, ou seja, de produzir menos.

O ponto último de equilíbrio dá-se quando o custo marginal se iguala à receita


marginal – esta é a última fronteira de incentivo à produção, pois a partir daí, sendo
o custo marginal superior à receita marginal, como dito, o incentivo será inverso.

Em um mercado perfeitamente competitivo, como ora está sendo analisado,


aonde a empresa é simplesmente tomadora do preço, acontece um fenômeno
interessante. Neste ambiente idealizado, a oferta de produtos por parte desta
empresa sempre será dada pela curva do custo marginal, em razão do que fora
explicitado no parágrafo anterior.

Viu-se até aqui o lado positivo e esperado desta lógica, ou seja, a quantidade
a ser produzida para maximizar o lucro. E assim, chegou-se à conclusão de que o
ponto ideal para tanto dar-se-á quando o custo marginal se igualar à receita
marginal.

Mas quando o preço, e, portanto, a receita marginal forem inferiores aos


custos, o que fazer? Em um ambiente competitivo dois são os comportamentos
esperados pelas empresas: (i) para uma decisão de curto prazo: a paralisação das
atividades da empresa, quando a receita total for inferior aos custos variáveis; e (ii)
para uma decisão de longo prazo: a saída do mercado, quando a receita total for
inferior ao custo total.
40

Imagine, como narrado por Mankiw (2001), um dono de um restaurante que


está passando por uma crise de clientela, ou seja, está com seu espaço vazio.
Pergunta-se: abrir, ou não abrir para o almoço? Se não abrir perderá a receita daí
proveniente, por mais baixa que seja. Contudo, como parte de seus custos são fixos
(equipamentos de cozinha, panelas, mesas, cadeiras, talheres, etc) abrir o
restaurante, ou não abri-lo, não vai interferir nestes custos fixos (já estão lá, e
continuarão), mas afeta os custos variáveis. Logo, o dono do restaurante só não
abrirá o restaurante se a receita obtida total for inferior ao custo variável para abrir.
Em termos matemáticos, a paralisação, que é uma decisão de curto prazo, ocorre
quando:

RT ˂ CV,

ou, em termos de preço médio

P ˂ CVMe

Aonde RT é receita total; CV é custo variável; P é preço e CVMe é o custo


variável médio.

Já a decisão de longo prazo, de sair do mercado vai decorrer se a receita


obtida total for inferior ao custo total, ou seja, ao custo fixo e ao custo variável.

Esta dinâmica da reação das empresas aos incentivos para a saída e a


entrada em um mercado dado, como já visto, é uma das características fundantes
de um mercado perfeitamente competitivo. Delineadas as bases de um mercado
com concorrência perfeita, pode-se passar à definição de monopólio.

Viu-se até o momento um tipo de mercado, muito embora idealizado, que tem
como característica a concorrência plena. Concorrência esta, como se viu, garantida
pela ocorrência dos seguintes elementos definidores: (i) grande número de
pequenas empresas; (ii) produto homogêneo; (iii) livre mobilidade dos recursos; e
(iv) perfeito conhecimento; (v) inocorrência de custos de transação; e (vi)
inocorrência de externalidades.

O monopólio é uma das manifestações daquilo que se entende por mercado


imperfeito. Não haveria exagero em dizer que o mercado imperfeito é o mercado do
“mundo real”. Ou seja, é um mercado que convive
41

com monopólio, monopsônio, oligopólio, assimetria informacional, externalidade,


enfim, situações, muito embora ineficientes, mas que são praticadas pelos agentes
econômicos dos mercados, na busca pela maximização de seus próprios ganhos.

De forma geral as definições que a teoria econômica apresenta ao termo


monopólio se aproximam e convergem para o mesmo sentido. Ou seja, em linhas
gerais define-se monopólio como sendo a situação de mercado em que há apenas
um único fornecedor de um dado produto para vários consumidores. E, de outra
ponta, a situação de mercado em que há um único consumidor para vários
fornecedores, denomina-se de monopsônio (PINDYCK e RUBINFELD, 2010;
FERGUNSON, 1982; STIGLITZ e WALSH, 2003; MANKIW, 2001).

Uma pequena e sutil diferença conceitual pode ser encontrada em Ivo Gico
Júnior (2006), quando este autor define monopólio sob o viés da titularidade
exclusiva da produção de um determinado produto. Há, aí, portanto, diferentemente
dos demais teóricos da economia, que buscam evidenciar mais o fenômeno
mercadológico em si, Ivo Gico Júnior ressalta a questão do direito (“titularidade”)
formal daquele que possui o controle absoluto da produção de determinado produto.
Vale a citação, pela diferença havida, desta definição (p. 65):

Monopolista é aquela empresa que possui a titularidade exclusiva da


produção de um determinado bem ou serviço. Caso a exclusividade se
opere do ponto de vista da demanda, a unicidade de consumidor,
denomina-se monopsônio (item 2.5 deste capítulo). Grosso modo, a
estrutura de incentivos e, portanto, o comportamento do monopolista e do
monopsônio se assemelham.

Aprofundando, ainda mais, na conceituação de monopólio é de se dizer que a


definição antes dada (um fornecedor para vários consumidores), muito embora
correta, é rara nos dias atuais. Este tipo clássico de monopólio, denominado de
monopólio puro, pouco se encontra nos mercados reais. Em razão deste aspecto,
o que mais vai caracterizar um agente monopolista é o controle sobre a oferta e
preço, naquilo que a teoria econômica chama de poder de mercado.

Em outras palavras, este agente econômico, monopolista, passa a influenciar,


sozinho, na quantidade produzida e no preço ofertado, deixando, pois, a posição de
tomador de preço, passando para a posição de formador de preço. Assume, pois,
42

uma posição dominante no mercado (GICO JÚNIOR, 2006). Esta é o conceito mais
moderno do termo monopólio.

No aspecto estrito da normatividade, a Lei 12.529, de 30 de novembro de


2011, que trata do “Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência”, em seu artigo
36, arrola como infração à ordem econômica comportamentos típicos de uma
conduta monopolista, quando determina que:

Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de


culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou
possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados:
I - omissis;
II - dominar mercado relevante de bens ou serviços;
III - aumentar arbitrariamente os lucros; e
IV - exercer de forma abusiva posição dominante.
o
§ 1 A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na
maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não
caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo.
o
§ 2 Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de
empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições
de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado
relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores
específicos da economia.

Aparecem, aí, no texto legal, os principais elementos que, como já dito,


passam a definir um agente monopolista, a saber: (i) domínio de mercado; (ii)
aumento arbitrário dos lucros; e (iii) exercer de forma abusiva a posição de
dominante.

Observa-se, sem maiores dificuldades que a própria lei já trabalha com o


conceito de domínio abusivo de mercado, não natural ou decorrente de ganhos
estratégicos, como os tecnológicos, por exemplo.

Aliás, em seu parágrafo primeiro, antes transcrito, a própria lei excepciona


das sanções legais o agente econômico que alcança uma posição de liderança e de
domínio do mercado, quando decorrentes de ganhos oriundos de uma maior
eficiência (ou avanço tecnológico).

Já no seu parágrafo segundo, a própria lei vai definir o que entende por
domínio de mercado. Neste aspecto, disciplina que haverá domínio de mercado
quando o agente econômico tiver o poder de alterar unilateralmente (ou
43

coordenadamente) o mercado, ou, então, tiver o domínio mínimo de 20% (vinte por
cento) de um dado mercado. Percentual, este, que poderá ser alterado conforme a
dinâmica do próprio mercado, e a critério do CADE (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).

As penas cominadas aos infratores destas e de outras infrações à ordem


econômica estão expressas nos artigos 37 e seguintes, do mesmo diploma legal.
Tais sanções basicamente acabam por impor multas, de diferentes graus, aos
infratores.

2.2. CLASSIFICAÇÃO DO MONOPÓLIO:

Dentro do conceito de monopólio há variações decorrentes de especificidades


e características próprias. Quer quanto à origem, quer quanto ás consequências
práticas é possível diferenciar tipos específicos de monopólios. A classificação que
será apresentada segue o modelo criado pelo autor C.E. Fergunson (1982), com
exceção dos dois últimos itens, a saber:

a) Monopólio puro: diz-se da classificação calcada no elemento subjetivo.


Ou seja, refere-se ao monopólio típico, baseado na unicidade do fornecedor. Assim,
será puro o monopólio que tiver apenas um único fornecedor para vários
consumidores;

b) Monopólio de insumo: diz-se daquele monopólio que decorre do controle


que uma empresa exerce sobre a oferta de determinada matéria-prima,
notadamente quando esta é imperiosa para uma dada cadeia produtiva. Sobre esta
tipologia, C.E. Fergunson (1982, p. 315) traz interessante exemplo:

Uma das mais importantes bases para o monopólio se encontra no controle


da oferta de matérias-primas. Suponhamos que o insumo x seja necessário
para a produção de y. Se determinada pessoa tem controle exclusivo ou
direito de propriedade sobre x, pode facilmente estabelecer um monopólio
de y recusando a venda de x a quaisquer concorrentes potenciais. Exemplo
interessante de monopólio controlado através do insumo pode ser tomado
da história econômica dos Estados Unidos. A bauxita é um ingrediente
necessário na produção de alumínio. Por muitos anos, a Companhia de
Alumínio da América (Alcoa) possuiu quase todas as fontes de bauxita dos
Estados Unidos. O controle da oferta de recursos completado com certos
direitos de patente permitiu à Alcoa um monopólio absoluto em alumínio.
44

c) Monopólio criado pelo governo: diz-se daquele monopólio que decorre


de atos governamentais, quer do Poder Executivo, quer da legislação de patentes,
da legislação de direitos autorais, ou de concessões de serviços públicos. Trata-se
de um tipo de monopólio que, não necessariamente deriva de uma dinâmica do
próprio mercado, mas, sim, tem origem na imposição do Estado-Governo, ou da
própria lei ao mercado. Nesta classificação entram os monopólios decorrentes de
concessões exclusivas dadas pelos governantes às empresas. São exemplos,
também, os monopólio derivados das patentes e das reservas criadas pelas
legislações de proteção aos direitos autorais. Neste último caso, contudo, trata-se de
uma proteção importante para o mercado, pois acaba por proteger e incentivar às
inovações, pesquisas e criações diversas – o que fazem por impulsionar o
desenvolvimento dos países (COOTER e SCHAFER, 2011).

d) Monopólio natural: diz-se daquele monopólio que decorre do custo para o


estabelecimento, de forma eficiente, de uma empresa no mercado. Em
determinadas situações o monopólio natural decorre do custo de entrada elevado,
em outros casos o monopólio natural se forja pela pouca demanda de determinado
produto, ou serviço. Para este último caso, por exemplo, pode-se imaginar uma
ponte que serve a uma pequena comunidade. A existência de uma única ponte já
será suficiente e bastante para atender a demanda daquela localidade, constituindo,
esta ponte em monopólio natural. Outro exemplo bem comum de monopólio natural,
porém, neste caso, decorrente do custo de entrada, diz respeito às empresas
fornecedoras de água. Caso houvesse concorrência neste setor, duas ou mais
empresas teriam que montar toda uma rede de tubulação de água para toda a
cidade. Logo, por óbvio, a concorrência, para estas situações, faz aumentar o custo
total social, sendo que com o monopólio o custo total será menor, já que se apenas
uma empresa for detentora da prestação deste serviço não haverá o incremento do
custo total – como, por exemplo, em Brasília, no caso da CAESB.

Além das classificações anteriores, encontradas em Fergunson (1982), a


teoria econômica classifica o monopólio, também, da seguinte forma, conforme o
trabalho de Leandro M. Zanitelli (2011):

e) Monopólio bilateral: quando há apenas, na relação de mercado um único


fornecedor, para um único comprador.
45

f) Monopólio situacional: é aquele que decorre de uma situação específica e


circunstancial, normalmente transitória, em razão da qual o fornecedor aufere
ganhos superiores ao que ele mesmo, em outra situação, auferiria.

2.3. COMPORTAMENTO MONOPOLISTA:

Como toda empresa em ambiente concorrencial, também o propósito do


monopolista ao atuar no mercado é maximizar seus lucros. Todavia, ao contrário do
que vimos em ambientes perfeitamente competitivos, o monopolista age só (para os
casos de monopólio puro e monopólio bilateral), ou possui o controle exclusivo sobre
o mercado. Controle sobre a produção e controle sobre o preço – poder de
mercado, como visto anteriormente.

Assim, poder-se-ia imaginar que uma empresa monopolista, havendo para si


todo este poder de controle do mercado, acabaria por colocar seus preços
extremamente elevados, a fim de alcançar a maximização de seu lucro.

A título de exemplo, imagine a editora que detém os direitos autorais do Paulo


Coelho. Possui, pois, um claro monopólio sobre a obra editada deste autor. Ora, se
a lógica fosse a mesma, ou seja, pura e simplesmente maximizar os lucros, estaria a
editora com o incentivo perfeito para aumentar – e muito - o preço dos livros do
Paulo Coelho, vendendo-os, por exemplo, por R$1.000,00, a unidade. Mas, por que
não vemos isto acontecer? Por que a empresa monopolista não apresenta este
comportamento? Porque esta sabe que se colocar o preço em patamares
exagerados, pode ocorrer que a demanda diminua, e poucos venham a adquirir o
livro. Isto representa um aspecto muito interessante em mercados monopolistas – a
questão da demanda.

Nos mercados de concorrência perfeita, a curva da demanda é uma linha


horizontal em relação ao preço, pois, independentemente da quantidade produzida
por uma empresa, há muitas empresa concorrentes, logo, o consumidor sempre terá
um produto equivalente, oriundo de outra empresa, e ao preço de mercado, posto
que tais empresas são tomadoras de preço.
46

Já a curva de demanda de uma empresa monopolista, esta segue a trajetória


das forças da oferta e da demanda existentes no mercado. Quanto maior o preço,
menor a quantidade de produto demandada; quanto menor o preço, maior a
quantidade de produto demandada.

É claro que para esta percepção há que se ponderar acerca da elasticidade-


preço, ou em sentido oposto, da inelasticidade-preço de um determinado produto.
A elasticidade, em si, é um conceito econômico que mede as variações percentuais,
em relação ao movimento de duas variáveis. No caso da elasticidade-preço mede-se
a variação da demanda, em relação à variação do preço. Nesta hipótese, com um
aumento do preço, a demanda cai; de outra sorte, com a diminuição do preço, a
demanda sobe (PINDYCK e RUBINFELD, 2010).

A elasticidade-preço está muito associada ao efeito da substituição de um


produto. Quando há substitutos no mercado, diz-se haver uma situação elástica da
demanda.

O inverso desta situação é a chamada inelasticidade-preço, aonde não há


substitutos ao produto, acarretando pouca variação da demanda em relação ao
preço. Mesmo com aumento do preço, pouco se altera a demanda.

O gráfico 2 abaixo mostra no painel A uma linha horizontal, representando


graficamente a curva de um mercado perfeitamente competitivo. Isto é, dada a
existência de competição entre as empresas, o preço será um dado fornecido pelo
mercado. Já o painel B representa uma curva de demanda decrescente, típica de
mercado monopolista, aonde a demanda vai variar conforme o preço: preços
maiores quantidades consumidas menores; e preços menores, quantidades
consumidas maiores:

Gráfico 2.

Curvas de demanda
47

Painel A Painel B

Este comportamento da demanda, no caso do mercado monopolista, gera


uma consequência interessante quanto à receita marginal do monopólio, dado que o
incremento de uma produção maior será acompanhado de uma diminuição do preço,
conforme o gráfico acima. A consequência disto é que a receita marginal do
monopolista tende a ser menor do que o preço. Isto porque o preço menor
afetará a toda a produção. A partir desta característica, passa-se à compreensão de
qual seria o ponto correto para a maximização do lucro do monopolista.

Sabe-se que o ponto ótimo para alcançar um lucro maior é quando a receita
marginal coincide com o custo marginal. Vimos, nos mercados competitivos, que a
receita marginal é igual ao preço. Já que o aumento da quantidade produzida não
gera um aumento no preço praticado pelo mercado (lembre-se, aí a empresa é
tomadora do preço).

No caso do agente monopolista, como se viu, o aumento da produção


acarreta uma diminuição do preço do produto ou serviço. Logo, como já se disse, a
receita marginal monopolista é inferior ao preço do produto.

Seguindo a lógica anterior, o ponto ideal da produção do monopolista seria no


qual houvesse igualdade entre a receita marginal e o custo marginal. Mas, dada a
característica da demanda, este agente econômico terá que encontrar na curva da
demanda o ponto ideal que representa a intersecção do custo e receita marginais.

Surge daí uma característica imperiosa e que diferencia bem os mercados


competitivos dos monopolistas: é que o preço, nos mercados de concorrência
48

perfeita, é igual ao custo marginal, mas nos mercados monopolistas o preço é


superior ao custo marginal.

O lucro (L) monopolista segue o mesmo cálculo do lucro competitivo, ou seja,


é receita total (RT) menos os custos totais (CT) – situação 01, abaixo.

Colocada esta mesma equação sob o viés da receita e custo médios


(situação 02, abaixo), portanto relacionados à quantidade produzida (Q), tem-se que
o lucro será a resultante do preço (P), menos o custo total médio (CTMe), em
relação à quantidade produzida (situação 03, abaixo). Em forma matemática a
expressão é a seguinte:

L = RT - CT situação 01

L = (RT/Q – CT/Q) x Q situação 02

L = (P – CTMe) x Q situação 03

Graficamente, esta expressão do lucro monopolista pode ser representada de


seguinte forma, consoante o gráfico 3 abaixo:

Gráfico 3.

Lucro monopolista

Fica claro, portanto, que o preço praticado pelo monopolista (Pm), no gráfico
acima, é superior ao custo médio e ao custo marginal. Para o monopolista esta é
49

uma situação ideal, já que está a proporcionar-lhe uma maximização extremada do


lucro. Em síntese, portanto, o monopolista, em seu comportamento típico no
mercado, acaba por impor um preço acima dos custos médio e marginal, portanto,
acima do ponto de equilíbrio de um mercado competitivo, bem como, o monopolista
impõe, também, uma quantidade inferior de produção.

Como destaca Ivo Gico Júnior (2006, p. 71):

O nível de produção maximizador do lucro do monopolista é inferior ao nível


de produção competitivo. Portanto, em um mercado monopolizado, a
quantidade ofertada tende a ser menor e os preços superiores aos
praticados em um mercado competitivo.

Esta é a lógica que move o comportamento monopolista em um


mercado: produzir menos e a um preço maior. É claro que em específicas
situações o monopólio não é um malefício à sociedade, como no caso dos
monopólios naturais. Como visto, neste tipo de monopólio, o custo da concorrência
é superior ao custo de uma empresa atender exclusivamente à demanda, fato este
que poderia, inclusive, provocar um aumento de preços, caso houvesse um
processo concorrencial.

Afora esta específica hipótese do monopólio natural, o monopólio, de uma


maneira geral, tende a pressionar para cima os preços dos produtos e serviços, o
que, sem dúvida, representa uma perda à sociedade, além de reduzir a quantidade
socialmente desejável de oferta dos produtos.

Como formador de preços e ante a sua posição de domínio e poder de


mercado, o monopolista acaba por adotar comportamento que maximiza seus
ganhos, o que não seria nada de grave, já que é a lógica fundante do sistema,
porém, e aí o monopolista passa a ser deletério (ineficiente), ele o faz por meio de
um pesado custo à sociedade.

Tanto esta percepção é correta e verdadeira, que o grande ganho para o


consumidor, a grande proteção efetiva que este possa almejar, em verdade, traduz-
se em um ambiente econômico concorrencial. É a concorrência que garante ao
consumidor um preço de equilíbrio, bem como um nível de produção
socialmente desejável, além de um correto fluxo informacional.
50

Sobre a relação de direito do consumidor e direito concorrencial, dentro da


linha aqui defendida, ressalta-se a posição de Heloísa Carpena (2005, p. 3), para
quem:

Com efeito, a proteção do consumidor jamais se realizará plenamente sem


a defesa da concorrência. Não há dúvida de que a posição dominante do
fornecedor no mercado, em relação a seus concorrentes, cria condições
para a ocorrência de abusos, não apenas contra esses, mas também contra
os consumidores. Essa ideia é facilmente compreensível, porém a recíproca
também é verdadeira: jamais se alcançará a concorrência efetiva sem a
proteção dos direitos do consumidor.

Esta é a lógica que move o comportamento monopolista em um mercado:


produzir menos e a um preço maior.

2.4. ÔNUS DO COMPORTAMENTO MONOPOLISTA:

Mas para a sociedade, qual o efeito deste comportamento monopolista?


Haveria alguma perda social? Quando o monopolista aumenta o preço do seu
produto para acima dos custos marginal e médio, como antes já salientado, ele
procede a uma transferência de renda do consumidor para si próprio. A transferência
de renda, em si, não é um mal à sociedade.

Existem inúmeras transferências de renda na sociedade, as quais não


causam um empobrecimento social, nem provocam perdas, mas apenas, como o
nome já está a sugerir, fazem com que determinada renda saia de uma mão e vá
para outra, como se observa nos casos dos programas de renda mínima efetivados
pelos governos.

Se o efeito do comportamento monopolista fosse apenas uma transferência


de renda, não haveria que se falar em perda social. Poder-se-ia, neste caso, discutir
se o sentido da transferência é moralmente aceitável – mas aí a discussão passa a
ser de outra magnitude, mais relacionada à valoração das escolhas sociais.

Todavia, a visão da transferência é apenas uma visão parcial da


consequência do comportamento monopolista. Pois, há aí um problema não apenas
distributivo (relativo à mera transferência), mas, sim, alocativo, no sentido de se
51

saber qual o resultado, para o bem-estar social, do comportamento monopolista


(GICO JÚNIOR, 2006).

Já foi dito anteriormente que o monopolista, na obtenção de seu lucro,


estabelece um preço acima das curvas do custo marginal e do custo médio. Isto
porque, como a sua receita marginal é decrescente, este estabelece seu ponto de
maximização do lucro acima do custo marginal. Para tanto há uma redução da
quantidade ótima produzida, gerando, nas palavras de Ivo Gico Júnior (2006), uma
“escassez artificial”.

O resultado concreto desta conduta monopolística é o afastamento de parte


dos consumidores que deixarão de atribuir utilidade ao bem produzido, ou, muito
embora mantenham a função utilidade do bem, não terão preço de reserva (preço
máximo que o consumidor está disposto a pagar) suficiente para pagar o preço
monopolista.

Quando parte dos consumidores deixam de interagir no mercado em razão


destas situações antes descritas, ocorre aí uma perda para a sociedade. A
sociedade se empobrece, o monopólio passa a ser ineficiente. Esta ineficiência
específica recebe o nome de peso morto (deadweight loss).

O gráfico 4 abaixo, mostra a ocorrência deste peso morto. O triângulo colorida


é exatamente a medida deste peso morto. Veja que neste exemplo aleatório, apenas
para criar o gráfico, o ponto de equilíbrio que se dá na intersecção entre a curva da
demanda e a do custo marginal, seria na quantidade 10, com preço 30. Contudo o
monopolista, por ter a sua curva de receita marginal decrescente, reduz
artificialmente a quantidade (de 10 para 6), para alcançar um preço maior (46).

Gráfico 4.

Peso morto

:
52

Com isto, parte dos consumidores, que no gráfico está representada pela
parte do triângulo pintada, ou não possui preço de reserva suficiente para alcançar o
preço fixado pelo monopolista, ou deixa de atribuir utilidade ao próprio bem. Isto é
ineficiente, pois gera uma perda para a sociedade, já que esta riqueza deixou de ser
produzida.

A ineficiência do monopólio não está apenas no peso morto. Analisemos a


seguinte situação, destacada por Robert Pindyck e Daniel Rubinfeld (2010): Em
1996, nos EUA, a empresa ADM conseguiu, por meio de lobby, que o governo Bill
Clinton determinasse que o etanol a ser misturado na gasolina fosse exclusivamente
de origem do milho. E por que? Porque à época esta empresa possuía quase a
exclusividade (monopólio) da produção do etanol do milho. E isto, inobstante não
haver nenhuma diferença qualitativa do etanol vindo de outras fontes.

A este tipo de procedimento, a teoria econômica denomina de rent seeking,


ou captura de renda. Que vem a ser, exatamente, os gastos para a obtenção,
manutenção, ou exercício de um monopólio, e do lado do consumidor os custos da
prevenção deste. E isto, muitas das vezes, supera o próprio custo do peso morto.

Às vezes, a captura de renda não decorre de lobby ou persuasões


administrativo-governamentais, mas de atividades para o exercício do domínio
monopolista do mercado. Por exemplo, instalação e não utilização de capacidade
produtiva, a fim de desencorajar empresas entrantes, dentre outras.

2.5. DO AGENTE MONOPSÔNICO:

Dá-se o monopsônio quando um comprador ou um grupo (cartel) de


compradores, agindo como um só, passam a influenciar no mercado, com o
chamado poder de monopsônio.

Tal como o ofertante, o comprador age procurando maximizar os seus


benefícios. Em outras palavras, o comprador continuará demandando na medida em
que seus benefícios se igualem aos seus custos.
53

Não mais demandará se o custo marginal superar o benefício marginal, bem


como terá incentivos para o consumo quando o benefício marginal for superior ao
custo marginal. Este é o comportamento racional do consumidor.

Como agiria o monopsônio? Tal como o monopolista, o monopsônio passa a


influenciar o mercado, porém o faz alterando a quantidade demandada. Desta feita,
o monopsônio possui incentivo para consumir uma quantidade inferior ao que seria
consumido pela sociedade, bem como forçar a redução do preço, em comparação
ao preço que seria praticado em ambiente concorrencial.

Ora, a redução do preço não é um mal em si. Se um ofertante, mais eficiente,


possui condições para manter-se nesta nova realidade dada pelo monopsônio, não
há uma perda para a sociedade. Contudo, em algumas situações de poder de
monopsônio podem provocar desestímulos à determinadas cadeias produtivas, o
que seria danoso para a economia da sociedade.

Veja, a título de exemplo, um caso interessante ocorrido em 1994, no Brasil.


Produtores de laranja representaram no CADE contra indústrias beneficiadoras da
laranja (esmagadoras), por estas terem estabelecido um preço único, agindo em
cartel (poder monopsônio). O CADE aprovou um termo de compromisso, impedindo
esta coordenação dos preços (GICO JÚNIO, 2006).

Além deste comportamento nocivo ao mercado, pois pode levar à ruína


cadeias produtivas inteiras, o monopsônio, da mesma forma que o monopólio,
acarreta custos sociais, quer custos pela redução artificial dos preços, quer pela
própria captura do poder de monopsônio.

Em resumo, da mesma forma que o monopólio, o monopsônio também é uma


imperfeição do mercado. Dá-se um ajuste de preço às avessas, não pela
concorrência entre consumidores e ofertantes, mas pela imposição de um
consumidor sobre o mercado, muito embora maximizador de ganhos e benefícios,
como qualquer outro, mas que o faz através do controle e da influência sobre o
próprio mercado.
54

CAPÍTULO 3:

DO NEGÓCIO JURÍDICO.

O direito é uma invenção humana. Como tal, retrata, em tempos e forma


diferenciadas, as vontades e interesses humanos. Ao longo da história o direito vem
agregando novos fatos ao rol de suas preocupações. Assim, define-se fato jurídico
como todo evento, ou acontecimento, que, de forma direta ou indireta, traz algum
tipo de consequência jurídica. Em outros termos, provoca a aquisição, modificação
ou extinção de um direito subjetivo.

O cair da chuva, o rolar de uma pedra, a queda de uma árvore, enfim, eventos
naturais, de forma geral, seriam apenas eventos afetos à dinâmica e existência
naturais dos seres, sem quaisquer repercussões na esfera humana. E de fato, ainda,
por óbvio assim o são.

Porém, quando uma chuva torrencial destrói uma propriedade, quando uma
pedra que rola morro abaixo acaba por destruir uma residência e, eventualmente,
matando ou ferindo seus moradores, quando uma árvore cai e provoca a perda de
um automóvel, todos estes eventos, de apenas eventos que a natureza produz em
razão de seus ciclos e desdobramentos naturais, acabam por trazer consequências
jurídicas importantes ao homem, as quais estão disciplinadas pelo direito. Quando
assim se dá, diz-se que são fatos jurídicos.

De outra monta, também, incluem-se nesta ampla categoria de fato jurídico os


eventos produzidos pelo próprio homem: construção de uma casa, confecção de
uma roupa, produção de um espetáculo - todos são atos humanos que possuem, em
maior ou menor grau, consequências jurídicas.

O que define e caracteriza, pois, um fato jurídico, em seu sentido mais amplo
é o porvir, é o seu desdobramento, é a sua consequência. Se esta consequência é
juridicamente relevante, se esta consequência está amparada e albergada em um
sistema jurídico dado, diz-se que há, aí, um fato jurídico, em seu sentido amplo.
55

Pontes de Miranda (1999), no esteio desta compreensão, reforça o conceito


de que o mundo jurídico é o mundo dos fatos que são alçados à condição de jurídico
(ou, jurígeno). Em suas próprias palavras (MIRANDA, 1999, p. 184):

Tudo o que aqui pudéssemos dizer não seria mais do que resumo do que
se expôs na Introdução. O mundo jurídico confina com o mundo dos fatos
(materiais, ou enérgicos, econômicos, políticos, de costumes, morais,
artísticos, religiosos, científicos) donde as múltiplas interferências de um no
outro. O mundo jurídico não é mais do que o mundo dos fatos jurídicos, isto
é, daqueles suportes fáticos que logram entrar no mundo jurídico. A soma,
tecido ou aglomerado de suportes fáticos que passaram à dimensão
jurídica, ao jurídico, é o mundo jurídico. Nem todos os fatos jurídicos são
idênticos. Donde o problema de os distinguir e os classificar.

Daí, portanto, acrescentar-se um elemento a mais à definição e


caracterização de fato jurídico anteriormente dada, qual seja que o fato jurídico não
é apenas aquele que traz consequências juridicamente normatizadas, este também
o é. Mas, para além desta noção inicial, é jurídico, também, o fato que se define
como tal.

As ondas sonoras são elementos físicos e estão presentes na natureza, antes


do direito, inclusive. Poderia o homem ter juridicizado a onda sonora, em razão de
suas consequências, por exemplo, no que tange às interferências causadas em
aparelhos eletrônicos. Mas o direito foi além, e definiu as ondas sonoras em regras
jurídicas específicas, como, por exemplo, nas Leis 4.771/65 e 11.934/09.

A própria velhice é um fato natural, que decorre do passar do tempo. O


conceito que a humanidade dá ao evento natural envelhecimento tem variado ao
longo da história, sofrendo forte influência da cultura da sociedade. Um jogador de
futebol é considerado velho para a profissão com trinta e poucos anos. Em algumas
regiões da Ásia e do Mediterrâneo, com populações longevas, a ideia de velhice
ganha uma outra dimensão.

Pois bem, no meio de toda esta multiplicidade conceitual, o direito pátrio


houve por bem definir o que vem a ser velho. Fixou, por regra jurídica, que idoso é
quem tem idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, conforme disciplina o
Estatuto do Idoso, Lei 10.741/03, em seu artigo 1º: “é instituído o Estatuto do Idoso,
destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior
a 60 (sessenta) anos”.
56

Portanto, o fato jurídico o é pelas consequências que traz, mas, também,


pelas (re)definições que o direito empreende. E aí, ao (re)definir os fatos o conceito
resultante acaba por sofrer uma mediação humana, mais ainda, sofre um processo
legislativo de criação, o que, muitas das vezes cria um distanciamento, um
descompasso, entre o fato em si e as conceituações naturais, ou sociais

A importância do fato e, notadamente, do fato jurídico, está no aspecto de que


este é o requisito (pressuposto) material para a ocorrência de determinado direito
subjetivo. Evidencia e condiciona a existência de uma relação jurídica.

Savigny, citado por Caio Mário da Silva Pereira (2005, [1961]) já definia o fato
jurídico como o “acontecimento em virtude do qual começam ou terminam as
relações jurídicas”. O próprio Caio Mário da Silva Pereira, ao criticar a definição de
Savigny, asseverou que esta teria sido melhor e mais completa se incluísse a
expressão modificar, posto que alguns acontecimentos atuam nas relações jurídicas
não apenas para começá-las, ou findá-las, mas também, ao longo de seu curso,
atuam para modificá-las.

Questões à parte, é certo dizer que os fatos, quer por definição legal, ou quer
realizado por uma conduta humana, voluntária, ou naturalmente ocorrida, em
havendo consequências jurídicas passam a denominar-se como fatos jurídicos (ou
jurígenos – cf. Edmond Picard), constituindo-se como o elemento material do direito
subjetivo e das relações jurídicas.

Nos dizeres, ainda, de Caio Mário da Silva Pereira (2005, p. 457):

A chuva que cai é um fato, que ocorre e continua a ocorrer, dentro da


normal indiferença da vida jurídica, o que não quer dizer que, algumas
vezes estre mesmo fato não repercuta no campo do direito, para
estabelecer ou alterar situações jurídicas. Outros se passam no domínio as
ações humanas, também indiferentes ao direito: o indivíduo veste-se,
alimenta-se, sai de casa, e a vida jurídica se mostra alheia a estas ações, a
não ser quando a locomoção, a alimentação, o vestuário provoquem a
atenção do ordenamento legal.

Compreendido o fato jurídico em sentido amplo, passa-se à sua classificação.


De maneira geral os autores dividem inicialmente o fato jurídico em: (i) fatos jurídicos
em sentido estrito (stricto sensu) ou fatos naturais; e (ii) fatos humanos ou atos
jurídicos (VENOSA, 2003, GONÇALVES, 2010, TARTUCE, 2012, WALD, 2003). Os
57

primeiros são fatos naturais, inclusive os humanos; já os segundos são fatos


humanos oriundos de uma intencionalidade, ou racionalidade humana.

Alguns teóricos do direito (GONÇALVES, 2010; TARTUCE, 2012),


acrescentam, ainda, à classificação dos fatos jurídicos naturais, uma subdivisão.
Incluem, aí, os fatos naturais ordinários, que seriam os fatos naturais humanos:
nascimentos e morte, precipuamente. E os fatos jurídicos naturais extraordinários,
que seriam os fatos naturais (“da natureza”), como chuvas, terremotos, dentre
outros.

Esta subdivisão mostra-se dispensável e equivocada, pois, parte da ideia de


que eventos da natureza, como terremotos, chuvas, nevascas, raios, apenas para
citar alguns, seriam eventos extraordinários, ou seja, que não seguissem uma ordem
natural de acontecimentos (logo, ordinária). Por outro lado, tenta separar o ser
humano, de um ser natural humano. Já que os eventos ordinários mencionados, são
eventos do ser natural humano.

Seguindo na classificação de fatos jurídicos, os atos humanos propriamente


ditos, que carregam intencionalidade e (ir)racionalidades humanas, denominam-se
de atos jurídicos. Têm origem na vontade humana, havendo, ou não, a intenção de
criar consequências jurídicas.

Estes atos jurídicos podem ser lícitos, conforme estejam de acordo com o
ordenamento jurídico; ou ilícitos, caso se choquem com este mesmo ordenamento
jurídico. Os atos jurídicos lícitos, por sua vez, podem ser classificados em grupos
menores, quais sejam: meramente lícitos, negócios jurídicos e ato-fato jurídico.

Os ato jurídicos lícitos, meramente lícitos, são aqueles atos realizados pela
conduta humana, mas que não possuem, aprioristicamente, uma vontade
qualificada, mas, apenas uma intenção, cujos efeitos, inclusive, já estão previamente
definidos em lei. Seriam exemplos destes atos: a tradição (entrega de um bem), a
notificação para constituir alguém em mora, a percepção dos frutos, fixação de
domicílio, interpelação, dentre outros.

Alguns autores, como em Sílvio Venosa (2003), entendem e definem o ato


jurídico meramente lícito, não como ausência da vontade, mas como ausência de
58

uma intenção. Pois entende que não haveria uma intenção prévia de provocar
consequências jurídicas, não havendo, aí, um “intuito negocial”.

Esta classificação, de meramente lícito, encontra respaldo normativo no artigo


185, do Código Civil vigente, que assim determina: “aos atos jurídicos lícitos, que
não sejam negócios jurídicos, aplicam-se, no que couber, as disposições do Título
anterior.”.

O denominado ato-fato jurídico, tipologia apresentada por Pontes de Miranda


(1999), versa sobre a completa ausência de intencionalidade do agente condutor do
ato, quer pela ignorância, quer pela incapacidade, mas cujas consequências acabam
por advir (fato), em razão de legalmente previstas e, muitas das vezes, por tocarem
interesses de terceiros. Estariam aí pequenas compras feitas por crianças (a compra
de um doce, por exemplo), um tesouro que é encontrado por um incapaz, mas que,
por este fato, torna-se seu senhorio, dentre outros.

O negócio jurídico, última subespécie da classificação do ato jurídico lícito,


por ser o objeto do presente capítulo, será tratado em separado.

A classificação aqui apresentada pode ser resumida no seguinte quadro


esquemático, conforme encontrado em Sílvio Venosa, 2003, p. 366:

meramente
lícitos
fato natural (ou
stricto sensu)
lícitos negócios
FATO URÍDICO jurídicos
fato humano ou
ato jurídico
ilícitos ato-fato jurídico

Fonte: VENOSA, 2003.

Por fim, os atos jurídicos ilícitos são aqueles que decorrem de uma conduta
humana, porém o resultado desta conduta humana, e a conduta em si, não são
59

albergados pelo sistema jurídico. Via de regra, a consequência deste ato é a


ocorrência de um dano a outrem.

Independentemente se este dano tenha sido fruto de uma conduta dolosa, ou


culposa, para a esfera de atuação e normatização do direito civil o importante é que
por uma conduta humana, omissiva ou comissiva, haja como resultado um dano
material, que vem a ser a diminuição na função utilidade de um bem. Deste mesmo
ato ou conduta humana, pode gerar um dano moral, também passível de
indenização.

Os atos ilícitos encontram-se na esfera do ressarcimento indenizatório do


dano. A recomposição da função utilidade dá-se pela reparação pecuniária desta.

3.1. DO CONCEITO DE NEGÓCIO JURÍDICO:

O negócio jurídico, como uma espécie de ato jurídico lícito, é fruto de ato
humano e possui como característica marcante a declaração de uma vontade
atinente à promoção de uma relação jurídica, com o fito de produzir efeitos jurídicos
específicos.

Mais do que a vontade em si, é uma vontade declarada. Exteriorizada, com o


propósito prévio de se tornar uma relação jurídica que traga vínculos entre sujeitos,
a fim de produzir determinada consequência jurídica, notadamente para adquirir,
resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.

O Código Civil de 1916 não trazia o conceito específico de negócio jurídico,


tratava-o pelo termo genérico de ato jurídico. À época, o artigo 81 disciplinava tal
instituto como sendo “todo ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar,
transferir, modificar ou extinguir direitos”.

Já o Código Civil de 2002, acolhendo a terminologia mais apropriada e


técnica trouxe o termo negócio jurídico, inaugurando o título I, do livro III (fatos
jurídicos), disciplinando esta matéria do artigo 104, ao artigo 184.

Neste espaço normativo o Código Civil vigente reforçou a ideia do negócio


jurídico como uma declaração de vontade. Esta percepção fica clara ao se analisar o
60

artigo 107 (“a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial,
senão quando a lei expressamente a exigir”), bem como o artigo 112 (“nas
declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem”).

É literal, em ambos os artigos mencionados, a menção expressa à declaração


da vontade.

O negócio jurídico visa a regular relações jurídicas das mais diversas


espécies: contratos, declarações unilaterais de vontade, entre outras. São
modalidades específicas e efetivas que decorrem do conceito de negócio jurídico.
Portanto, o negócio jurídico vai regular, essencialmente, relação entre pessoas com
um propósito negocial.

O negócio jurídico tem sua origem teórica no direito alemão


(Rechtsgeschafte), tendo havido sua primeira formatação normativa no Código Civil
alemão, BGB, de 1900. A teoria alemã, quando das primeiras discussões acerca
deste instituto jurídico, dividiu-se em duas correntes: a teoria da vontade (liderada
por Savigny), em que se considerava o conceito de negócio jurídico, a partir da
manifestação da vontade interna do sujeito (= vontade real); e a teoria da
declaração, pela qual o negócio jurídico se convalida pela mera declaração,
bastando apenas esta para o aperfeiçoamento do instituto jurídico.

Até hoje persiste alguma discussão sobre o tema, consoante Renan Lotufo,
Antônio Junqueira de Azevedo, Maria Helena Diniz, entre outros, mas, digo eu,
melhor razão está com as lições de Miguel Reale (1981) e Caio Mário da Silva
Pereira (2005) para os quais é importante a vontade íntima, ou real, da pessoa, dado
o respeito à autonomia da vontade, porém, esta de nada adiantaria se não houvesse
a exteriorização da própria vontade.

Em outras palavras, uma vontade sem a respectiva exteriorização, e uma


exteriorização que se não se coadune com a vontade interior e anterior, ambas as
situações de nada servem – estarão irremediavelmente inválidas.

Vale, sobre o tema, o registro das palavras de Miguel Reale (1981, p. 206-
207):
61

Negócio jurídico é aquela espécie de ato jurídico que, além de se originar de


um ato de vontade, implica a declaração expressa da vontade, instauradora
de uma relação entre dois ou mais sujeitos tendo em vista um objetivo
protegido pelo ordenamento jurídico. Tais atos, que culminam numa relação
intersubjetiva, não se confundem com os atos jurídicos em sentido estrito,
nos quais não há acordo de vontade, como, por exemplo, se dá nos
chamados atos materiais, como os da ocupação ou posse de um terreno, a
edificação de uma casa no terreno apossado etc. Um contrato de compra e
venda, ao contrário, tem a forma específica de um negócio jurídico.

Em uma visão juseconômica, esta questão é percebida como um falso dilema,


daí as conclusões de Caio Mário da Silva Pereira e Miguel Reale serem mais
lógicas.

O negócio jurídico cria relações jurídicas entre pessoas, com objetivos


negociais. A criação, a manutenção e a extinção de direitos, todas estas
consequências jurídicas e fáticas se originam do negócio jurídico, ocorrem de forma
concreta, em um mundo concreto – notadamente em um mercado.

O mercado, aonde estas trocas ocorrem, necessita de sinais externos que


indiquem, com a maior correção e clareza possíveis, a real vontade das partes
contratantes, a fim de que o bem-estar social seja alcançado, ou, a fim de que a
transação seja cooperativa e eficiente.

Em outras palavras, a exteriorização congruente com uma preferência prévia


(vontade) é uma informação que se presta ao mercado. A plena concorrência
necessita de uma maior fruição informacional, notadamente quando esta informação
influencia a própria constituição das relações jurídicas negociais.

Esta informação e cooperação são necessárias e requisitos para um mercado


mais eficiente, isto porque se aproximam mais do conceito idealizado de mercado
perfeitamente concorrencial (ver sobre o tema no cap 2).

O próprio Código Civil vigente, em seu artigo 110 3, na chamada reserva


mental, ou seja, quando a declaração da vontade não representa, conscientemente,
a vontade primeira do sujeito declarante, salvo se a outra parte conhecia esta íntima
e reservada ideia, deixa claro, a um primeiro sentir, da opção do legislador pela

3
art. 110: a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de
não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento
62

declaração da vontade, como requisito para a validade deste. Contudo, os próprios


defeitos do negócio jurídico, que serão analisados adiante, demonstram que a
vontade real deve ser preservada, gerando anulabilidade, ou nulidade, do negócio
jurídico, caso não seja preservada a declaração real.

Quando se fala na declaração da vontade, não se está a defender a


literalidade desta expressão, posto que, pode se dar esta declaração de várias
formas, como a escrita, a oral, a gestual, e, até, o próprio silêncio.

O Código Civil pátrio, vigente, em seu artigo 111 4, possibilita a formação da


relação jurídica pelo silêncio, desde que a lei, as circunstâncias e os costumes
validarem a constituição do negócio jurídico, mesmo sem qualquer exteriorização
por parte do sujeito contratante. Porém, desde que não haja impedimento, nem a
necessidade de uma declaração expressa.

A título de exemplo do silêncio convalidando o negócio jurídico, em seu artigo


303 5, o Código Civil brasileiro em vigor trata das assunções de dívidas, ou seja, das
transferências ou cessões das dívidas. Neste caso, o adquirente de imóvel
hipotecado pode assumir o pagamento do crédito garantido, se o credor, uma vez
instado a se pronunciar acerca da transferência do débito, não o fizer no prazo
consignado de até 30 dias, mantendo-se inerte, em silêncio.

Assim, a declaração da vontade terá validade, independentemente da forma


que venha a ter, desde não haja forma diversa prevista em lei, ou não haja, também
pela lei, uma vedação expressa qualquer.

Surge aí, do dito no parágrafo anterior, outra questão envolvendo a


declaração da vontade: o que teria prevalência, a vontade declarada pelos privados
cooperantes de um negócio jurídico qualquer, ou a determinação da lei (vontade
geral popular, por representação)?

4
art. 111: o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for
necessária a declaração de vontade expressa.
5
Art. 303. O adquirente de imóvel hipotecado pode tomar a seu cargo o pagamento do crédito
garantido; se o credor, notificado, não impugnar em trinta dias a transferência do débito, entender-se-
á dado o assentimento.
63

Outra falsa questão. A declaração da vontade, núcleo central e definidor do


negócio jurídico, traz consigo o princípio da autonomia da vontade. Os contratos
representam a vontade privada de seus sujeitos.

Se as vontades fossem criadas e declaradas em mercados perfeitamente


competitivos: ausência de barreira de entrada, baixo custo de transação, alta e plena
carga informacional, multiplicidade de ofertantes, homogeneidade entre os produtos,
ausência de externalidades; possivelmente não haveriam muitas incongruências
entre a vontade privada dos sujeitos contratantes e a vontade geral da lei.

Mas este mercado perfeitamente competitivo, como já visto no cap. 2, é


apenas um parâmetro, um mundo idealizado, havendo, assim, mercados mais, ou
menos próximos a este paradigma geral.

Portanto, tanto a lei, quanto a vontade autônoma das partes devem andar
juntas, devem caminhar em sentidos comuns, do contrário o custo de transação daí
decorrente só trará maiores ineficiências às transações negociais.

Corolário desta constatação anterior, é que a autonomia da vontade, que é o


princípio subjacente à declaração da vontade, não é mais plena, posto sofrer
balizamentos impostos pela norma positiva, tais como a boa-fé objetiva e a função
social do contrato.

A boa-fé objetiva é um princípio de conduta. Determina que as partes na


relação contratual, (pré, durante e pós), devem guardar a probidade, a lealdade e a
veracidade, quanto aos seus atos. Trata-se, em sentido prático, de princípio que visa
garantir a correta informação no processo de formação e execução contratuais,
inclusive no pós-contratual, bem como afastar comportamentos oportunistas (free-
rides).

Já quanto ao princípio da função social do contrato, em linhas gerais, há duas


definições mais comuns deste. A primeira, entende que por este princípio o contrato
carrega a função de distribuir direitos: função distributiva (como em Luiz Facchin,
Gustavo Tepedino e Flávio Tartuce). De outra ponta, a função social do contato é
justamente a característica do contrato ser o meio preferencial para a cooperação e
fruição das transações negociais no mercado (como em Luciano Timm).
64

Viu-se até aqui, que o negócio jurídico é uma declaração de vontade com
finalidade negocial, precipuamente para adquirir, conservar, modificar ou extinguir
direitos, isto consoante a própria definição que se dava no Código Civil brasileiro de
1916, conforme a teoria alemã, já antes mencionada.

Considera-se que um direito foi adquirido, quando este direito passar a


integrar a titularidade de alguém, bem como este puder exercer tal direito. Assim, o
define o § 2º, do artigo 6º, da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro –
LINDB 6.

A aquisição pode ser originária ou derivada. A primeira, originária, diz respeito


à aquisição sem a interferência do titular anterior (p. ex., aquisições em leilões,
aquisições por ocupação de terreno sem dono). Nesta modalidade, a história
pretérita do bem não se comunica pelo ato aquisitivo. Na aquisição derivada, há uma
comunicação entre a situação anterior, com a situação nova. É o caso típico do
contrato de compra e venda.

Outra classificação da aquisição, diz respeito à aquisição por ato gratuito


(quando só o adquirente aufere vantagens, sem contraprestação), ou a aquisição
por ato oneroso (quando há contraprestação). Pode, também ser por ato inter vivos
(compra e venda, por exemplo), ou causa mortis (por sucessão), bem como a título
singular (quando específica a um determinado bem do antecessor – por exemplo:
legatário na sucessão, ou o comprador, na compra e venda), ou, por fim, a título
universal (quando o adquirente possui a totalidade dos bens e direitos do antecessor
– por exemplo: o herdeiro).

Quando se fala em aquisição, há que se perquirir se está a tratar-se de


direitos que são atuais, ou futuros. Muito embora o atual e vigente Código Civil
brasileiro não discipline esta questão de forma direta, o que fora feito no Código Civil
de 1916, este tema ainda guarda a sua importância, notadamente para se saber da
existência, ou não, da aquisição de determinados direitos e dos atos de preservação
que se possa ter.

6
Art. 6º, § 2º: Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer,
como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a
arbítrio de outrem.
65

Direito atual é o direito já adquirido e, portanto, exercitável. É o direito que já


integra a titularidade de alguém, podendo este, por si, ou por terceiro representante,
exercer este direito, conforme o § 2º, do art. 6º, da LINDB, como antes já
mencionado e transcrito. O direito futuro diz respeito ao direito que está ainda por
acontecer e se aperfeiçoar. O direito futuro pode ser diferido (quando para a sua
ocorrência só depende de ato do próprio sujeito – por exemplo a aceitação ou
anuência), e não diferido, quando o direito está preso à ocorrência de condições
falíveis, ou seja, condições que não dependem do sujeito (por exemplo: só ganhará
o bem se se casar).

No assim chamado direito eventual, que também é espécie do direito futuro,


muito embora não tenha, ainda, ocorrido a aquisição plena do direito, já há
elementos embrionários suficientes para, ao menos, tomar-se medidas protetivas. O
direito eventual está acima da mera expectativa de direto, esta, sim, configura-se
como sendo, apenas, um sonho, uma projeção, uma mera possibilidade.

Versando quanto à conservação do direito, de se dizer que o que faz com


que um determinado direito seja resguardado, ou conservado, é o comportamento
de seu titular. Quando um negócio jurídico tem por objetivo a manutenção e a
integridade do bem ou do direito, está-se a falar do comportamento de zelo que o
titular deve ter para com seus bens presentes ou em vias de aquisição. A
parêmia res perit domino consagra a ideia de que o bem perece para o seu dono.
Daí recair sobre este, de forma precípua e preferencial, a conservação e zelo do
bem e do direito, respectivos.

De certo que, em determinados negócios jurídicos, como nos contratos de


locação, depósito e estimatório, apenas para citar alguns, quando há a cessão ao
contratante da posse direta do bem, este passa a ter o ônus de bem cuidar, guardar
e zelar pelo bem, ante a contraprestação havida. Além, é claro, da obrigação de
restituir, ao final da relação jurídica formada.

Daí ser possível ao sujeito, a fim de bem conservar e resguardar um


determinado direito, tomar providências preventivas ou repressivas, conforme a
situação, podendo fazê-lo extrajudicialmente, ou em demandas judiciais. Esta
escolha dar-se-á na medida da própria situação e da conjuntura momentânea e
circunstancial que é dada ao caso concreto.
66

Os direitos e os fatos podem sofrer variações, ou modificações, ao longo de


sua existência. É possível que o negócio jurídico tenha por propósito e direção a
ocorrência de situações como estas.

Quando há trocas de credores ou devedores, nas hipóteses de sub-rogação,


cessão de crédito, ou transferência de dívida, há uma modificação de uma situação
jurídica e fática anterior. O proprietário de uma terra ribeirinha, que tem sua
propriedade aumentada por aluvião, tem uma situação fática modificada. Em todos
estes casos está-se falando acerca da modificação de situações anteriores, o que,
como já dito, pode ser uma das finalidades e consequências desejadas do negócios
jurídico.

Por fim, o negócio jurídico pode ter o escopo de extinguir direitos. São
variadas as possibilidades de extinção de um direito: a prescrição, a decadência, a
renúncia, a morte de um titular de direito personalíssimo, enfim, há inúmeras
possibilidades de extinção, as quais, do ponto de vista técnico, dependerão de cada
situação dada.

Quanto aos elementos que caracterizam e ajudam a definir o próprio negócio


jurídico, Washington de Barros Monteiro (2003), resgatando termos do próprio direito
romano, asseverou acerca dos elementos constitutivos do negócio jurídico,
classificando-os da seguinte forma: essentialia negotii (elementos essenciais): diz-se
daqueles relacionados à substância do negócio, como, por exemplo, para os
contratos de compra e venda, seriam a coisa, o preço e o consentimento. Estes
elementos essenciais podem ser gerais, ou seja, quando são elementos que toda
relação jurídica negocial exige, portanto são comuns a todos os negócios jurídicos,
pois tratam da capacidade do agente contratante, bem como da natureza do objeto
que integra a relação jurídica. Para que um negócio jurídico seja considerado por
válido o agente deverá ser capaz para o exercício deste ato da vida civil. Por outro
lado, o objeto deverá ser lícito, possível determinado, ou determinável. De outra
monta, os elementos essências do negócio jurídico podem ser particulares, quando
o são específicos para determinado negócio jurídico. Por exemplo, quando se exige
para a compra e venda de um imóvel, com preço acima de 30 (trinta) vezes o salário
67

mínimo, a confecção deste negócio jurídico em escritura pública de compra e venda


(cf. art. 108, CCB 7).

Além de essenciais, conforme o próprio autor, os negócios jurídicos possuem


elementos denominados de naturalia negotii (elementos naturais). Isto é, são
consequência que “naturalmente” decorrem do próprio negócio jurídico entabulado.
Por exemplo, na compra e venda, há a obrigação do vendedor em responder por
vícios redibitórios.

Ante o princípio da boa-fé objetiva há a chamada obrigação anexa, ou seja,


todo um rol de obrigações que decorrem do ato negocial em si. Vale dizer, os
deveres de probidade, correção e veracidade da informação, sigilo de dados (se o
caso), portanto, são obrigações que decorrem do próprio negócio jurídico.

Por fim, quanto aos elementos do negócio jurídico, há uma terceira categoria,
qual seja, accidentalia negotii (elementos acidentais), que são estipulações que se
adicionam ao ato para modificar e moldar a eficácia do negócio jurídico. A título de
exemplo, pode-se citar a condição, o encargo, e, de forma mais específica, a
exclusão, ou limitação, da evicção. Os elementos acidentais são sempre acessórios,
mas que, uma vez agregados ao negócio jurídico, passam a constituir em obrigação
forte, cogente e geradora de consequências jurídicas.

Os negócios jurídicos podem, ainda, ser classificados da seguinte forma


(Washingtons de Barros Monteiro, 2003):

(i) quanto à manifestação da vontade: podem ser unilateral, quando a vontade


emana de uma única pessoa, ou mais de uma, porém todas em uma direção (ex.
renúncia, promessa de recompensa), que pode se dar de forma receptícia (necessita
da comunicação de outrem – p. ex: notificação para fins de mandato), não receptícia
(p. ex: confissão de dívida, testamento); bilateral, quando concorrem duas, ou mais
pessoas, com manifestações de vontades em sentidos opostos (p. ex. casamento,
contratos em geral), a qual pode ser simples, ou seja vantagens para uma parte e
ônus para outra, ou sinalagmática, quando há vantagens e ônus recíprocos; e

7
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
68

complexo, quando ocorre um conjunto de manifestações de vontade não


antagônicas, por exemplo, nos casos de contrato de sociedade;

(ii) quanto à vinculação: podem ser causais (concreto ou material), ou seja, quando
os negócios jurídicos estão vinculados à uma causa (p. ex: contratos em geral); ou
podem ser abstratos (formais), os quais não estão vinculados à uma causa
determinada (p. ex: títulos de crédito);

(iii) quanto ao objeto: os negócios jurídicos podem ser onerosos, quando há


contraprestação, portanto ganhos recíprocos; gratuitos, quando não impõe
contraprestação; comutativos, quando o negócio jurídico possui prestações certas
e determinadas; e, ainda, podem ser aleatórios, quando as prestações dependem
de acontecimento futuro, por exemplo contrato de seguro;

(iv) quanto ao tempo em que devem produzir seus efeitos: os negócios jurídicos
podem ser causa mortis, quando o feito do negócio jurídico só ocorre após a morte,
ou inter vivos, quando os feitos são produzidos em vida

(v) quanto à formalidade: podem ser solenes (ou formais), portanto possuem uma
forma obrigatória dada pela lei (por exemplo, casamento e o testamento), ou não
solenes, quando não exigem forma certa e previamente disciplinada pela lei, como
por exemplo, venda de coisas móveis e doação verbal.

(vi) quanto à finalidade: os negócios podem ser pessoais, isto é, quando


relacionados às disposições não patrimoniais diretas, como, por exemplo, nas
questões de família; ou patrimoniais, quando relacionados ao patrimônio – bens;

(vii) quanto à transferência de direitos: os negócios podem ser de pura


administração, ou seja que não implicam em transferência de direitos, ou de
disposição, quando, ao contrário, implicam em transferência de direitos.

O negócio jurídico possui um ciclo de vida próprio. A fim de que possa se


desenvolver e, nesta fase, alcançar, realizar e concretizar seus propósitos iniciais,
de forma plena e segura, faz-se necessário, por óbvio, que o surgimento do negócio
jurídico seja cercado de seus requisitos de validade, e que sua existência, de igual
forma, possa garantir as consequências negociais finais, as quais, em síntese,
69

motivaram o próprio negócio jurídico. Pontes de Miranda (1999) estruturou de forma


ímpar estes planos antes mencionados: da existência, da validade e a da eficácia.

O plano de existência está relacionado à própria vontade: do seu surgimento


e da sua declaração. Já se falou, anteriormente, quanto à vontade e à sua
declaração. Mas, como forma uma vontade? Caio Mário da Silva Pereira (2005) diz
que a vontade possui três fases: (i) há uma estimulação exterior; (ii) há um
processamento interno-cerebral; e (iii) há uma exteriorização desta vontade criada.
Em verdade, esta formulação nada, ou quase nada, ajuda na compreensão da
formação das vontades, ou preferências humanas.

As ciências cuidam pouco da formação da vontade em si, como a economia e


o direito, para concentrarem suas atenções nas manifestações externas desta
vontade. Porque alguém, em determinado momento, possui o interesse, ou a
preferência, em realizar uma venda, ao invés de uma locação, este ato da escolha
em si, não faz parte do rol de interesses e estudos, tanto do direito, quanto da
economia. A economia vai cuidar, dada uma certa preferência, acerca da verificação
da eficiência da escolha efetivada. Já o direito vai ter como objeto o valor dado à
escolha, a fim de se saber se há licitude, ou ilicitude neste ato. Pouco ou nada, em
síntese, sobre o processo de formação da escolha, ou da preferência.

Do ponto de vista do negócio jurídico, o foco de preocupação não está na


escolha em si, mas, sim, se esta foi realizada com liberdade e espontaneidade, e,
fundamentalmente, se quando de sua exteriorização, esta converge para a vontade
real, ou interna.

Acrescento eu, à teoria vigente, que a vontade possui três elementos


estruturantes: veracidade, licitude e eficiência.

A veracidade vai dizer acerca da garantia de que a vontade que origina um


negócio jurídico qualquer é a resultante da liberdade de escolha e da
espontaneidade. O oposto deste elemento estruturante é o defeito do negócio
jurídico, notadamente o dolo e a coação.

A licitude é a garantia de que a vontade retrate uma convergência com o


sistema jurídico vigente. Que se coadune com este. A vontade, pelo elemento da
licitude não deve ser fruto de movimentos baseados na má-fé, no locupletamento, e
70

que não retrate movimentos oportunistas, os quais trazem consequências


ineficientes para o próprio mercado.

Há que se perceber que não se está aqui reafirmando conceito, já de muito


conhecido, que trata da licitude do objeto - o que será adiante investigado, por tratar-
se de elemento atinente à validade do negócio jurídico. Aqui está a se referir quanto
à própria vontade, afirmando-se que esta deve ser lícita. A preferência e o propósito
devem ser lícitos, pois do contrário aumentam o grau de desconfiança, gerando
maiores custos de transação. O princípio da boa-fé objetiva respalda esta
concepção teórica.

Por fim, a eficiência é resultado da licitude e da veracidade. Como já dito,


vontades que não são geradas de forma livre e espontânea, bem como não estão
amparadas pelo ordenamento jurídico, geram ineficiência, pois, no mínimo
aumentam os custos de transação.

Além da vontade, que diz espeito ao plano da validade do negócio jurídico,


este deve ser válido. A validade do negócio jurídico, como assentada no artigo 104 8
e incisos do Código Civil brasileiro vigente, diz respeito à capacidade do agente, ao
objeto e à forma.

O negócio jurídico deve ser realizado por pessoas plenamente capazes, sob
pena de ser considerado um negócio jurídico nulo. Portanto, deverá o negócio
jurídico ser realizado por pessoas com idade igual ou superior a 18 anos, ou nas
hipóteses que cessa a incapacidade: (i) emancipação - por instrumento público, ou
por decisão judicial, para menores com 16 (dezesseis anos); (ii) pelo casamento; (iii)
pelo exercício de emprego público efetivo; (iv) pela colação de grau em curso de
ensino superior; (v) pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de
relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos
completos tenha economia própria.

Do contrário, o negócio jurídico deverá ser realizado por representação


(quando o agente for plenamente incapaz), ou deverá ser assistido (quando o

8
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível,
determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
71

agente for relativamente incapaz), consoante o artigo 1.634, inc. V 9, do Código Civil
brasileiro vigente. A realização de um negócio jurídico por representação pode
decorrer da força da própria lei, como já mencionado, ou, também, por ato de
judicial, como no caso, por exemplo, do inventariante, na qualidade de administrador
do espólio nos inventários; ou do síndico na massa falida; e dos tutores e curadores.

De se dizer, ainda, que além da capacidade, que trata o inciso I, do citado e


transcrito artigo 104, CCB, há que se indagar sobre a legitimação, ou legitimidade
para realizar alguns atos específicos. A lei civil vigente, para algumas situações
específicas, cria aptidões próprias e específicas, a fim de conferir validade ao ato
praticado. É o caso, por exemplo, da compra e venda entre ascendentes e
descendentes, em que deverá ter a autorização dos demais descendentes e cônjuge
(artigo 496, CCB 10), também é o caso da impossibilidade de compra e venda de
bens para si, ainda que em hasta pública, quando estes bens estiverem sob a
administração de servidores públicos em geral (cf. art. 497, II, CCB 11). Da mesma
forma, encontra-se ilegitimado o cônjuge, sem que o outro o autorize, alienar ou
gravar de ônus real imóvel (cf. art. 1.647, I, CCB 12), dentre outros exemplos.

Emílio Betti (1969 apud VENOSA, 2003, p. 408), define e diferencia a


capacidade da legitimação, como aqui defendido:

A distinção entre capacidade e legitimidade manifesta-se com toda


evidência: a capacidade é a questão intrínseca da parte para dar vida a atos
jurídicos; a legitimidade é uma posição de competência, caracterizada quer
pelo poder de realizar atos jurídicos que tenham um dado objetivo, quer
pela aptidão para lhes sentir os efeitos, em virtude de uma relação em que a
parte está, ou se coloca, com o objeto do ato”.

9
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: V - representá-los, até aos
dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes,
suprindo-lhes o consentimento;
10
Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o
cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
11
Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: II - pelos
servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam
sob sua administração direta ou indireta;
12
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do
outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
72

Outro aspecto que confere a validade do negócio jurídico diz respeito ao


objeto. O inciso II, do artigo 104, do Código Civil brasileiro disciplina que o objeto há
de ser lícito, possível, determinado ou determinável.

Inicialmente de se dizer sobre o que vem a ser o termo objeto empregado


pelo legislador. O objeto, por óbvio, é o bem em si da relação jurídica negocial que
se inaugura: a grama que se corta em uma prestação de fazer; a casa em uma
compra e venda; o carro em uma locação; enfim, nestes casos há um objeto em seu
sentido mais óbvio, mais concreto, mais mediato.

De outra monta, também se entende por objeto a sua dimensão jurídica, ou


seja, o conteúdo de efetividade que se quer emprestar ao negócio jurídico realizado:
se para criar, para adquirir, para manter, ou conservar, ou para extinguir direitos
(VENOSA, 2003). Este, também, é um objeto do negócio jurídico, porém mais
imediato, e, por óbvio, intrinsicamente ligado à própria vontade.

A crítica que se faz a esta visão última do objeto, em sua perspectiva de


conteúdo jurídico pretendido, é que acaba se confundindo com a própria vontade.

Voltando às determinações legais, como antes mencionadas, o objeto, para


dar validade ao negócio jurídico, deve ser lícito. A licitude é apurada pela
constatação, ou não, da ilicitude. Não sendo ilícito, o objeto será lícito.

Para a compreensão, portanto, da licitude, há que se indagar se o objeto está


em conformidade com o sistema jurídico. A Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro - LINDB, em seu artigo 17 13, assevera que as declarações de vontade,
para terem eficácia no Brasil terão que respeitar a soberania nacional, os bons
costumes e a ordem pública. Muito embora seja um artigo relacionado ao direito
internacional privado, e, portanto, mais relacionado à internalização de atos
estrangeiros, nada obsta, até pela redação ampla dada ao artigo e ao caráter
abrangente desta norma (lex legem) que sejam considerados estes critérios na
percepção da licitude dos objetos dos negócios jurídicos.

13
Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não
terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.
73

Porém, antes de tudo, deve-se mencionar que a LINDB, denominação atual


da antiga Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) é uma lei (originalmente, decreto-
lei), em sentido formal e material, criada e vigente desde 1942 – trata-se do decreto-
lei 4.657, de 04.09.1942. Em plena fase ditatorial e nacionalista de Getúlio Vargas.
Via de regra, os regimes ditatoriais são os que mais se preocupam com a exigência
legal de se coadunar os atos civis à soberania nacional.

De outra sorte, os conceitos de ordem pública e bons costumes são muitos


fluídos e alteram-se com o tempo e as transformações culturais da sociedade, como
de resto para outros conceitos baseados apenas nos valores sociais e subjetivos do
direito – dimensão de valor.

Além de lícito, o objeto deve ser possível. A possibilidade deve ser de ordem
fática e jurídica. Mede-se a possibilidade fática pelas circunstâncias gerais, ou seja,
aquilo que a qualquer um é dado cumprir, bem como por circunstâncias específicas,
vale dizer, um dado objeto que exige competências específicas e habilidades
técnicas próprias para fazer. A possibilidade jurídica decorre da própria licitude do
objeto.

A impossibilidade do objeto do negócio jurídico, sem culpa do devedor, é


causa suficiente para eximir este (o devedor) do inadimplemento, e, por conseguinte,
livrá-lo dos ônus decorrentes do próprio inadimplemento, tais como: correção
monetária, juros de mora, cláusula penal, perdas e danos e honorários advocatício.

A impossibilidade, a fim de retirar do devedor a pecha de mau pagador, deve


ser absoluta, ou seja, em outras palavras, deve ser duradoura e firme, pronta e
suficiente para, por si, afastar o inadimplemento (MONTEIRO, 2003). A
impossibilidade quando circunstancial, momentânea, ou passageira, não afasta o
cumprimento da obrigação decorrente do negócio jurídico entabulado.

Outra característica que decorre do negócio jurídico é o fato deste ser


determinado, ou determinável. O negócio jurídico se mantém válido, mesmo quando
não traz, desde o seu início, o objeto individualizado, certo e definido em suas
características e singularidades. Também, será válido o negócio quando este
mesmo objeto é dado pelo gênero, por exemplo, nos casos das obrigações de dar
74

coisa incerta, ou quando a determinação inicial vá depender da observação de


algum critério previamente estabelecido.

O último critério para a validade do negocio jurídico diz respeito á forma. A


legislação brasileira, distanciando-se da tradição do direito romano, aonde a forma
era a regra, estabeleceu que a solenidade é a exceção. Não dependerá o negócio
jurídico, para fins de validade, de uma forma dada, salvo se a lei assim o determinar
– esta é a dicção do artigo 107 14 do próprio Código Civil brasileiro vigente. Contudo,
quando a lei determinar determinada solenidade para a concretização do negócio
jurídico, esta deverá ser observada, sob pena de nulidade – consoante o inciso IV,
do artigo 166 15, do CCB.

A validade do negócio jurídico, pois, reclama a observância destes


parâmetros aqui tratados: o sujeito; o objeto; e a forma. Indagou-se por tempos se
a causa não seria, também, um critério significativo para conferir a validade ao
negócio jurídico.

Desde o Código Civil de 1916, que a legislação brasileira, seguindo a tradição


normativa alemã, não estabeleceu a causa como um requisito necessário para a
validação do negócio jurídico. Naquele código, em seu artigo 90 16, como no atual
código, em seu artigo 140 17, a causa, neste caso entendida como motivação, só é
importante para o aperfeiçoamento do negócio jurídico se for a motivação
preponderante do próprio negócio jurídico, bem como, e necessariamente, se estiver
expressa no próprio negócio jurídico realizado.

O que leva uma pessoa a realizar determinado negócio jurídico, esta


dimensão subjetiva, encontra-se no rol das vontades e das preferências pessoais,
como já analisadas anteriormente. Daí correta a opção do legislador em acolher a
motivação, como elemento de validação, quando esta for a causa determinante do
negócio em si, bem como estiver expressa na relação que se estabeleceu.

14
art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei
expressamente a exigir.
15
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: IV - não revestir a forma prescrita em lei;
16
Art. 90 (CCB, 1916): só vicia o ato a falsa causa, quando expressa como razão determinante ou sob
a forma de condição;
17
Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão
determinante.
75

Por outro lado, há uma causa, mais objetivamente identificável, que diz
respeito às consequências jurídicas esperadas. Por exemplo, em uma compra e
venda se espera a entrega de um bem, com a transferência da propriedade, e de
outro lado, se espera o recebimento de um determinado valor, em contraprestação.
O que, também, acaba por se confundir com o objeto imediato, e com a própria
manifestação da vontade.

Falou-se até aqui da dimensão, do plano, da validade do negócio jurídico.


Antes, já havia se mencionado acerca do plano da existência do negócio jurídico,
quando fora analisada a questão referente à vontade e sua manifestação.

Resta perquirir sobre a eficácia do negócio jurídico. E esta se relaciona ao


fim último do negócio jurídico, isto é, à concretização efetiva de todo o processo que
se iniciou com uma vontade. Se a vontade é o nascimento do negócio jurídico, a
eficácia é o seu destino final.

Contudo não se deve confundir eficácia com adimplemento de uma obrigação


eventualmente assumida no negócio jurídico realizado. O adimplemento é o
pagamento, no todo ou em parte, da obrigação, com fins à sua extinção. Já a
eficácia é o plano concreto que se pretende com o negócio jurídico, é a repercussão
material do negócio jurídico. Mesmo em negócio jurídicos nulos, ou anuláveis, é
possível identificar e proteger a eficácia do negócio jurídico, notadamente quando
relacionada à terceiros e às consequências jurídicas reais e materiais daí advindas.

A eficácia do negócio jurídico pode ser modulada, o que se dá com três


institutos jurídicos: a condição, o encargo e o termo. Estes três termos são incluídos
no negócio jurídico como elementos acessórios - accidentalia negotii, mas, como
antes assinalado, uma vez inseridos no negócio jurídico devem ser respeitados, ante
as obrigações que acabam por criar.

Pela condição, a eficácia do negócio jurídico se vincula à ocorrência de um


evento futuro e incerto. Assim, inclusive, a define o artigo 121, do CCB, ou seja,
“considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das
partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto”. Estão aí os
três elementos definidores da condição: (i) vontade das partes; (ii) futuridade; (iii)
incerteza. Não há condição por imposição exclusive de um sobre o outro, não há
76

condição que se relacione a evento que já ocorreu, e não há condição que se


relacione a evento certo e determinado.

De um modo geral, todas as condições são lícitas, desde que não colidam
com a lei, à ordem pública e aos bons costumes. Bem como, não privem de todo
efeito o negócio jurídico, nem o sujeitem ao puro arbítrio de uma das partes,
conforme os dizeres expressos do artigo 122 18, do CCB. Como modalidade
acessória, e que modula a eficácia deste, a condição deve guardar respeito ao
requisito do objeto, qual seja, deve ser física e juridicamente possíveis. Pois,
condicionar à eficácia do negócio jurídico à algo impossível, seja física, ou jurídica, é
o mesmo que tornar o próprio objeto física e juridicamente impossíveis.

Neste aspecto da impossibilidade há consequências importantes: quando a


impossibilidade física ou jurídica referir-se à condição suspensiva, tornará inválido o
próprio negócio jurídico. Contudo, caso a impossibilidade, quer física ou jurídica,
seja relativa à condição resolutiva, ter-se-á como inexistente – não escrita – a
própria condição, assim como as de não fazer coisa impossível. Tudo isto consoante
os artigos 123 19 e 124 20, ambos, do Código Civil brasileiro vigente.

Daí surgir uma importante classificação nas condições: condição suspensiva;


e condição resolutiva. A condição suspensiva condiciona a eficácia do negócio
jurídico até a ocorrência do evento futuro e incerto. Farei a doação do carro, se
passar no vestibular. Portanto, o início das consequências reais e concretas do
negócio jurídico fica na dependência de vir a ocorrer o evento que o condiciona. Já
nas condições resolutivas, ao contrário da primeira, há eficácia inicial, porém o
negócio jurídico extinguir-se-á com a ocorrência do evento futuro e incerto: receberá
renda constituída, enquanto tiver carteira de trabalho assinada.

Tanto a condição suspensiva, quanto a condição resolutiva possuem três


estágios: o estágio de pendência (conditio pendet), no qual, ainda, não se verificou o
evento futuro e incerto; o estágio da implementação da condição (conditio existit),
18
Art. 122. São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons
costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico,
ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes.
19
Art. 123. Invalidam os negócios jurídicos que lhes são subordinados: I - as condições física ou
juridicamente impossíveis, quando suspensivas; II - as condições ilícitas, ou de fazer coisa ilícita; III -
as condições incompreensíveis ou contraditórias.
20
Art. 124. Têm-se por inexistentes as condições impossíveis, quando resolutivas, e as de não fazer
coisa impossível.
77

quando este evento futuro e incerto vem a ocorrer de fato; e, ao contrário,


frustrando-se a condição, ou seja, não se adimplindo a condição ocorre o conditio
déficit.

A condição pode ser classificada, também, como lícita, ou ilícita, consoante o


já mencionado artigo 122, CCB, conforme haja convergência, ou não, ao sistema
jurídico.

Importante classificação, também, do negócio jurídico encontra-se nas


chamadas condições potestativas. Como visto anteriormente, com a transcrição do
artigo 122, CCB, o legislador vedou a constituição de uma condição que se
sujeitasse ao puro arbítrio de uma das partes (“entre as condições defesas se
incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro
arbítrio de uma das partes”). Porém, entende-se que esta vedação só ocorre para
as chamadas condições puramente potestativas, ou seja, aquelas em que a
condição fica ao alvedrio de uma das partes, de forma exclusiva. Por exemplo,
condições do tipo “se eu quiser”, “se eu achar que deva”, “se eu assim entender”,
enfim, quando a condição refletir, apenas a vontade de uma das partes.

Já as condições meramente (ou, simplesmente) potestativas, muito embora


o evento futuro e incerto esteja sob a dependência de um ato do outro, tal ato
possui, também, para a sua fluência aspectos externos não controlados por este –
por exemplo: “se eu me casar”, “se eu encontrar um emprego”, etc.

Por fim, dentro destas classificações, há que acrescentar a condição casual,


pela qual o evento futuro e incerto depende de um acontecimento fortuito, como por
exemplo, uma chuva, uma nevasca, dentre outros.

O artigo 129 21, CCB, de forma clara repudia e afasta, como não poderia
deixar de ser, o comportamento de má-fé, ou malicioso, de uma das partes. Isto
porque é dada por válida e adimplida a condição, se a outra parte, conscientemente
e por ardil, age para obstar a ocorrência do evento futuro e incerto. Reforça-se a
boa-fé objetiva, afastando-se o comportamento de má-fé.

21
Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for
maliciosamente obstado pela parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não
verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele a quem aproveita o seu implemento.
78

A teoria jurídica nacional tem discutido acerca da possibilidade de conferir


efeito retroativo à condição. Uma vez ultimada e realizada a condição, desde quando
será esta considerada: desde a conclusão do negócio jurídico, ou, apenas, a partir
da ocorrência e adimplemento do evento futuro?

Não há, diga-se logo, na legislação qualquer norma específica sobre o tema.
Alguns autores entendem pela possibilidade da retroação, dentre estes pode-se citar
Washington de Barros Monteiro (2003). Porém, outros divergem desta posição,
como Caio Mário da Silva Pereira (2005) e Sílvio Rodrigues (2003). A primeira
posição coaduna-se com a escola jurídica francesa, sendo a segunda, que nega a
retroação, salvo se estipulado em lei, ou em convenção própria, coaduna-se à
escola jurídica alemã.

Entendo, digo eu, acerca desta polêmica teórica sobre a possibilidade, ou


não, da retroação, que, de início, deve-se verificar se há norma específica aplicável
que regule a ocorrência da retroação, ou, então, se houve convenção das partes
neste sentido. Isto porque, e por óbvio, caso haja a estipulação legal, ou
convencional, dever-se-á seguir esta determinação. Mas, mais do que isto, para
além desta polêmica eminentemente teórica, o fundamental é dar segurança jurídica
para os atos que tenham sido realizados, notadamente os de conservação, neste
diapasão temporal que vai da conclusão do negócio jurídico, até o adimplemento da
condição. Este é o ponto nodal.

Outra possibilidade de se modelar a eficácia do negócio jurídico é o termo. O


termo é a ocorrência de um evento futuro e certo. Em verdade, o termo é o dia em
vai começar, ou vais se extinguir a eficácia do negócio jurídico.

Assim, o termo pode ser certo, quando se refere a um dia específico de


calendário, ou a um lapso de tempo definido, ou a um evento temporal determinado
(p. ex., a maioridade). Como, também, o termo poderá ser incerto, quando relativo a
um evento temporal futuro, mas cuja data não pode ser precisada – p. ex., a morte
de alguém.

O termo inicial (dies a quo), na forma do artigo 131 22, CCB, suspende o
exercício do direito, até a sua ocorrência. Muito embora se aproxime da

22
Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito.
79

conceituação da condição suspensiva, com esta não pode ser confundida. Primeiro,
porque a condição depende de evento futuro e incerto, bem como, a parte, até o
advento da condição, não adquire o direito. Ao contrário disto, o termo inicial,
depende de evento futuro e certo, e não obsta a aquisição de um direito, conforme a
expressa normatização do mencionado artigo 131, CCB.

Já pelo termo final (dies ad quem), cessa o direito criado pelo ato. Inevitável a
comparação e aproximação com a condição resolutiva. Aliás, o próprio legislador,
não obstante as diferenças conceituais dos institutos aqui tratados, em seu artigo
135 23, CCB, determinou, no que for possível e aplicável a incidência ao termo inicial
e final das regras atinentes à condição suspensiva e resolutiva.

Já o encargo, última modalidade de modulação da eficácia, é aplicável em


negócios jurídicos gratuitos, inter vivos ou causa mortis, como, por exemplo, em
doações, heranças, legados, bem como em declarações unilaterais de vontade e
promessas de recompensa.

O encargo é coercitivo e impõe certa e determinada destinação ao direito


objeto do negócio jurídico. O encargo não obsta a aquisição, nem o exercício do
direito. Normalmente, verifica-se esta hipótese em doações realizadas, porém sob
determinada destinação do bem: faço a doação deste terreno, para que seja
construída uma creche.

A lei, como não poderia deixar de ser, veda o encargo ilícito, ou impossível,
considerando-os como não escritos. Porém, caso seja o motivo determinante da
liberalidade, o negócio, como um todo, é considerado inválido, conforme o artigo
137 24, CCB.

Como já dito, o negócio jurídico possui um ciclo de existência: nasce,


desenvolve-se e extingue-se. Contudo, é possível que em algum momento deste
ciclo, quer no seu início, ou no seu desenvolvimento, possam ocorrer deformações,
defeitos que acabam por contaminar, muitas das vezes, o próprio negócio jurídico
em si. Disto trata a teoria dos chamados vícios do negócio jurídico.

23
Art. 135. Ao termo inicial e final aplicam-se, no que couber, as disposições relativas à condição
suspensiva e resolutiva.
24
Art. 137. Considera-se não escrito o encargo ilícito ou impossível, salvo se constituir o motivo
determinante da liberalidade, caso em que se invalida o negócio jurídico.
80

3.2. DOS VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO:

Como o presente trabalho possui por foco central o estudo da lesão e do


estado de perigo, dois tipos específicos de vícios do negócio jurídico, estes não
sertão tratados neste item, mas, sim, no próximo capítulo.

O negócio jurídico possui por fundamento de sua existência a manifestação


de vontade, a qual, para convalidar o ato, deverá ser válida e ausente de vícios, ou
defeitos. Ou seja, deverá haver perfeita correspondência entre a manifestação
interna e a sua exteriorização (declaração) e entre esta e a ordem legal vigente.
Havendo, pois, uma mácula nesta convergência, estar-se-á diante de vício do
negócio jurídico.

Os vícios do negócio jurídico podem ser classificados como vícios de


consentimento, quando o defeito recai diretamente sobre a vontade, sendo a
hipótese dos seguintes vícios: erro, dolo, coação (ou violência), estado de perigo e
lesão. Podem, também, os vícios refletirem, originarem-se de um descompasso com
a ordem legal, neste caso ter-se-á um vício social, que vem a ser os casos
simulação e fraude contra credores.

O legislador brasileiro listou, em rol específico, os tipos de vícios do negócio


jurídico. São os seguintes: erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão, simulação e
fraude contra credores. A simulação, deve-se observar, saiu do capítulo destinado à
normatização dos vícios do negócio jurídico (capítulo IV), sendo tratada pelo atual e
vigente Código Civil no capítulo que versa sobre a nulidade do negócio jurídico
(capítulo V).

Não obstante este novo espaçamento, não perdeu este instituto a sua
característica de vício do negócio jurídico.

3.2.1 Do erro ou da ignorância:

Este vício encontra-se regulado nos artigos 138 a 144 do código civil
brasileiro em vigor. Entende-se por erro a noção falsa sobre pessoa ou objeto, e por
ignorância o completo desconhecimento sobre o objeto.

Para viciar o negócio jurídico o erro deverá ser substancial (ou essencial).
Considera-se erro substancial quando interessa (afeta): (a) à natureza do negócio
81

(error in ipso negotio, i.e., quando se intenciona praticar algo e realiza outro – ex: “A”
entrega por empréstimo e “B” o recebe por doação); (b) ao objeto principal da
declaração (error in corpore rei, i.e., quando a coisa concretizada não era a
pretendida, ex: compra parafusos e são pregos); (c) ou a alguma das qualidades
essenciais (error in substantia, i.e., quando se supunha existente determinada
qualidade que não existia – ex: compra taça de prata e verifica ser de cobre
prateado) (art. 139, I, CCB); (d) e sobre as pessoas (art. 139 25, II, CCB) – ex.
casamento; contratos infungíveis; (e) erro de direito.

O erro essencial é capaz de tornar anulável o negócio jurídico, isto porque é o


que, efetivamente, afeta e vicia a vontade das partes envolvidas (art. 138 26, CCB).

O erro pode ser classificado como: (a) erro de fato, quando recai sobre as
qualidades essenciais do objeto ou pessoa; e (b) erro de direito, quando diz respeito
à existência da norma jurídica.

A falsa motivação, como exposta no artigo 140, CCB, já analisada


anteriormente, só chega a viciar o negócio jurídico, se fizer constar no próprio
negócio.

Já o erro acidental, não é causa de anulação do negócio jurídico, posto que


se relaciona às qualidades acessórias da pessoa e/ou objeto (ex, valor do objeto
contratado).

Para ser considerado como erro, é preciso que seja escusável, ou seja,
justificável. Tal aferição dá-se caso a caso, em análise das partes envolvidas. O
código asseverou ser escusável o erro em razão da compreensão do homem médio
(homo medius), mas, em verdade, a jurisprudência analisa caso a caso. A título de
exemplo, alegação de erro em razão de ter sido celebrado um contrato de compra e
venda, quando, em verdade, pretendia-se realizar um contrato de locação. Pode-se

25
Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da
declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade
essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de
modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou
principal do negócio jurídico.

26
Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de
erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das
circunstâncias do negócio.
82

entender como escusável se este erro for praticado por uma pessoa de poucas
letras. Mas, é dado por injustificável, ou inescusável, se este erro tenha sido alegado
por um bacharel em direito.

3.2.2. Do dolo:

O dolo está disciplinado no código civil nos artigos 145 a 150. Entende-se por
dolo quando alguém é levado a cometer um erro, ou seja, em outras palavras,
quando há, por ardil, um induzimento à uma falsa percepção da realidade (ao erro).

Pontes de Miranda (2000, p. 389) definia dolo como sendo a “causa de não
validade dos atos jurídicos, é o ato, positivo, ou negativo, com que,
conscientemente, se induz, se mantém, ou se confirma outrem em representação
errônea”.

O dolo pode ser classificado como dolus bonus e dolus malus (ou essencial).
O primeiro, é o dolo tolerável, aonde não há a malícia, o ardil para induzir alguém
em erro. É um jogo de palavras, mesmo que haja certo exagero na apresentação
das coisas, como por exemplo nas retóricas exageradas de vendedores, mas que
facilmente se percebe que não passa de galhofa, sem qualquer intenção para o
induzimento de alguém ao erro.

O dolo essencial, por sua vez, é o que trata o legislador. Este vicia o negócio
jurídico, anulando-o. Ou seja, quando o dolo é causa suficiente para a invalidação da
manifestação da vontade, tem-se o tipo essencial. É o dolo de que trata o artigo 145,
do CCB, a saber: “são os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a
sua causa”.

Já o dolo acidental, conforme o artigo 146 27, CCB, não causa a invalidação do
negócio jurídico, apenas a possibilidade de perdas e danos. Isto porque, no dolo
acidental, o negócio jurídico haveria de se realizar, mesmo sem a ocorrência do
dolo, portanto, não foi o elemento suficiente para a concretização da relação jurídica.

A conduta do agente que induz alguém ao erro, e, portanto, comete o dolo


pode ser omissiva, quando, em negócios jurídicos bilaterais, alguém comete uma

27
Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu
despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo.
83

omissão dolosa, silenciando-se sobre fato ou qualidade que a outra parte deveria
saber, desde que este dado omitido fosse essencial para a realização, ou não, do
negócio jurídico. Pode, também, ser o dolo cometido por terceiro, desde que a parte
que se beneficiou tivesse, ou devesse, ter conhecimento.

Dito isto, para que tenha a ocorrência dolo faz-se necessária a confluência
dos seguintes requisitos: (i) intenção de induzir a prática do negócio jurídico; (ii)
auferir vantagens, decorrendo, daí, prejuízos ao outro; (iii) o artifício fraudulento
deve ser grave, significativo e importante para a causa da declaração de vontade.

Ninguém, via de regra, pode beneficiar-se de sua própria torpeza. Desta


forma, quando ocorrer na conclusão do negócio jurídico um duplo dolo, ou seja, caso
tenha havido dolo praticado pelas duas partes contratantes, ninguém poderá
reclamar a anulação do negócio jurídico, nem perdas e danos.

Há dolo, também, no caso de negócio jurídico realizado por representação.


Nesta hipótese, em caso de representação legal, o outorgante responderá até o
montante que aproveitou. Caso a representação seja convencional, o outorgante
responderá solidariamente ao outorgado.

3.2.3. Da coação:

A coação está disciplinada no código civil nos artigos 151 a 155. Define-se
como “a pressão física ou moral exercida sobre alguém para induzi-lo à prática de
um ato” (MONTEIRO, 2003, p. 238). É, por excelência, o vício da violência.

São requisitos para a ocorrência da coação: (i) causa determinante do ato; (ii)
deve incutir temor justificado (metus); (iii) dano (moral ou patrimonial) iminente,
próximo ou irremediável; (iv) temor considerável (dano superior, igual ou inferior ao
ato extorquido); e (v) dano referir-se à pessoa do paciente, família ou bens. Por
outro lado, exclui-se a coação quando esta decorrer (i) do exercício regular de
direito; e (b) quando resultar do temor reverencial (hierárquico).

Para apreciação da ocorrência da coação, deve-se levar em consideração “o


sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais
circunstâncias que possam influir na gravidade dela”, conforme expressamente
determina o artigo 152, do CCB (teoria abstrata), em denegação à ideia do homem
84

médio (teoria objetiva). Também há coação, quando praticada por terceiros, se dela
tivesse ou devesse ter conhecimento a parte que se beneficiou, neste caso,
responderá a parte de forma solidária como terceiro. Caso a parte não tivesse
conhecimento, o negócio jurídico subsistirá, cabendo ao terceiro responder,
exclusivamente, por perdas e danos – conforme expressamente determinam os
artigos 154 e 155, CCB.

3.2.4. Da simulação:

A simulação está disciplinada no código civil no artigo 167. Por sua definição
entende-se que “é aquele que oferece uma aparência diversa do efetivo querer das
partes. Estas fingem um negócio que na realidade não desejam” (RODRIGUES,
2003, p. 294).

Pode a simulação pode ser absoluta, quando a declaração de vontade


exprime um negócio, não sendo intenção das partes realizar negócio algum – p. ex.,
cônjuge emite cambial para subtrair bens da partilha. Ou, pode a simulação ser do
tipo relativa (incs. I e II do art. 167), quando há interesse de efetuar um negócio,
porém: i) este é de natureza diversa ao que se quer ultimar (ex. doação à
concubina); ii) realiza-se por meio de “laranja”; iii) o negócio contém elementos
inverídicos.

Na vigência Código Civil de 1916, a simulação compreendia, também, a


simulação inocente e a simulação maliciosa. Pela primeira, não havia intenção de
macular ninguém, logo o ato poderia ser convalidado. Já pela segunda hipótese,
havia a intenção dolosa de ferir direito e interesse de alguém, o que gerava, pois, a
invalidação do ato. Pela sistemática do atual, esta diferenciação não é mais
pertinente, ante o fato de a simulação ser caso de nulidade absoluta. Contudo, como
prescreve o caput do artigo 167, mantem-se o que se dissimulou, se válido e lícito
na forma e substância.

São requisitos para a ocorrência da simulação: a) declaração bilateral de


vontade (via de regra); b) há conluio entre as partes interessadas; c) não
corresponde à intenção primária das partes; e d) há o propósito de prejudicar
terceiros, ou ludibriar a Lei. A simulação acarreta a nulidade do negócio jurídico.
85

3.2.5. Da fraude contra credores:

A fraude contra credores está disciplinada no Código Civil vigente nos artigos
158 a 165. Sílvio Rodrigues (2003, p. 228) a define como sendo

diz-se haver fraude contra credores, quando o devedor insolvente, ou na


iminência de tornar-se tal, pratica atos suscetíveis de diminuir seu
patrimônio, reduzindo, desse modo, a garantia que este representa, para
resgate de suas dívidas

Em síntese, há fraude contra credores quando alguém, de forma deliberada,


cria negócios jurídicos, a fim de reduzir sua capacidade de pagamento. Sabendo-se
que a responsabilidade obrigacional (haftung) é de cunho patrimonial, esvaziar o
patrimônio é retirar a garantia de alguém vir a receber por dívida contraída.

A fraude contra credores, como elemento estruturante possui um critério


objetivo (eventus damni), que diz respeito a todo negócio jurídico realizado para
prejudicar o credor; e um elemento subjetivo (consilium fraudis), que diz respeito ao
o intuito de prejudicar o credor, a má-fé.

São formas de negócios jurídicos suscetíveis de fraude: (a) transmissão


gratuita de bens; (b) remissão de dívida; (c) contratos onerosos; (d) pagamento
antecipado de dívida; (e) outorga de direito patrimoniais

Por fim, por meio da ação pauliana, ou revocatória, pode o credor reaver o
patrimônio do devedor, fraudulentamente desviado, restituindo-se ao status quo
ante.

3.2.6. Das consequências jurídicas:

Qual o tratamento dado pelo legislador frente à ocorrência dos vícios do


negócio jurídico? Que consequências jurídicas estes vícios proporcionam?

Consoante o que determina o artigo 171, II 28, do CCB, o ato que se encontra
viciado em razão do erro, dolo, coação, lesão, estado de perigo e fraude contra
credores é passível de anulação.

28
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II - por
vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
86

O prazo para requerer a anulação, de natureza decadencial, é de 04 (quatro)


anos, a contar da data do negócio jurídico, para os vícios do erro, do dolo, da lesão,
do estado de perigo e da fraude contra credores. Já o vício da coação, o prazo
decadencial é o mesmo, iniciando-se, contudo, no dia em que cessar a coação.

Por ser uma nulidade relativa (anulabilidade) deverá ser requerida em Juízo,
já que não opera de pleno iuris, havendo, inclusive, a possibilidade da confirmação
do ato, desde que haja a manifestação expressa, e que a convalidação contenha a
substância essencial do ato.

De outra monta, o legislador reservou à simulação uma consequência mais


severa, dado que de forma única à mesma recai a nulidade absoluta, conforme
artigo 166 29, caput, CCB.

Na simulação, o ato simulado será nulo, porém, a depender do caso, aquilo


que se dissimulou poderá ser conservado, desde que contenha os requisitos de
validade preservados.

3.3. DA INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO:

Muito embora a interpretação do negócio jurídico possa guardar alguma


aproximação com a interpretação dada às normas gerais emanadas do Estado, o
certo é que, enquanto na interpretação da norma geral e universal busca-se o
sentido e alcance desta, a fim de regular situações que, em princípio, não estão
descritas no texto normativo, na interpretação dos negócios jurídicos, por emanarem
da vontade das partes, o processo interpretativo visa alcançar a intenção primeira e
real, e que tenha ensejado o próprio negócio jurídico.

Como o negócio jurídico, tal como foi definido anteriormente, é uma espécie
de ato jurídico lícito, resultante de vontade humana com propósito certo de produzir
efeitos jurídicos específicos, a interpretação deste, portanto, quando necessária,
deverá buscar esta vontade inicial.

29
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
87

Tanto isto é verdade, que o próprio Código Civil, em seu artigo 112 30, pugna
que no processo de interpretação, buscar-se-á mais a intenção das partes, do que a
literalidade da linguagem. Do ponto de vista teórico, este artigo faz todo sentido, pois
se coaduna com a própria definição de negócio jurídico que é a declaração da
vontade com propósito específico.

Porém, do ponto de vista prático, nem sempre é fácil ao intérprete alcançar


esta vontade primeira e real. Normalmente, alcança-se o dizer do artigo 112, CCB,
por meio da logicidade interna do próprio negócio jurídico, posto que uma das regras
básicas da interpretação do negócio jurídico, oriunda das regras de Pothier, é que
este deve ser harmonioso e lógico.

Outro aspecto fundamental no processo de interpretação, consoante o artigo


114 31, CCB, diz que nos negócios jurídicos gratuitos (ou benéficos), bem como na
renúncia a interpretação deve ser restritiva.

Ora, tanto a renúncia, quanto os negócios gratuitos partem da ideia da


liberalidade, da ausência de contraprestação, e, portanto de um processo deliberado
de empobrecimento, o que, em tese, seria este comportamento altruísta irracional.
Muito embora exista a perspectiva de que há ganhos de médio e longo prazos,
como, por exemplo, a boa reputação. Isto à parte, por haver uma liberalidade, a sua
compreensão e interpretação deve estar adstrita, rigorosamente, ao que fora objeto
da própria liberalidade, sob pena de enriquecimento sem causa da outra parte.

De se mencionar, também, o teor do artigo 113 32, CCB, em que se disciplina


o fato de que na interpretação deverá o operador do direito levar em consideração a
boa-fé objetiva, os costumes do local da celebração. Acrescente-se aí, o fato de que,
na interpretação, deverá o intérprete levar em consideração a função social do
contrato, consoante o artigo 421 33, CCB.

Da boa-fé objetiva e da função social do contrato, anteriormente já se


pronunciou, contudo, quanto aos costumes do local da celebração, melhor seria se o

30
Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que
ao sentido literal da linguagem.
31
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
32
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de
sua celebração.
33
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
88

legislador tivesse optado pelo local da execução, o que se coaduna melhor com o
fim concreto almejado pelo negócio jurídico.

Robert Joseph-Pothier foi um importante jurista francês do século XVIII, e que


marcou o direito civil, como, inclusive, um dos mais influentes na confecção do
Código Napoleônico, de 1804. Pothier criou algumas regras interpretativas para os
negócios jurídicos, notadamente para os contratos, e que, até os dias atuais são
merecedoras de atenção, consoante citado por Sílvio Venosa (2003):

1) busca-se a intenção comum das partes, do que a mera literalidade das


palavras;

2) busca-se sempre, em cada cláusula, o entendimento que faça sentido e


harmonize-se com as demais;

3) quando no contrato uma palavra possuir duplo sentido, deve-se buscar


aquele que se harmonize com as demais cláusulas do contrato;

4) deve-se interpretar pelos usos do local da celebração;

5) o uso deve ser levado em consideração, ainda que não expresso;

6) as cláusulas devem ser interpretadas em conjunto com as demais;

7) deve-se interpretar, na dúvida, favoravelmente àquele que não redigiu o


contato;

8) o contrato não deve ser ampliado para além de seu objeto;

9) sendo o objeto do contrato uma universalidade de coisas, compreende-se


abrangidos, também, as coisas particulares;

10) a utilização de exemplos no contrato não o limita ao próprio exemplo (salvo


quando expresso numerus clausus);

11) como regra de interpretação gramatical, os plurais se estendem às várias


hipóteses do contrato, cabendo ao intérprete se essa foi a real intenção;

12) como regra de interpretação gramatical, a parte fina de uma frase, se aplica à
frase e ao parágrafo como um todo, desde que tenha sentido e harmonia.
89

CAPÍTULO 4:

APLICAÇÃO HERMENÊUTICA DA TEORIA DO MONOPÓLIO AOS VÍCIOS DA


LESÃO E DO ESTADO DE PERIGO.

“além da metade do justo preço, poderia


desfazer a venda per bem do dito engano,
ainda que o engano não procedesse do
comprador, mas somente se causasse da
simpleza do vendedor” (Ordenações
Filipinas, Livro IV, Título XIII).

O texto acima reproduz a disciplina legal dada ao instituto da lesão por parte
das Ordenações Filipinas. Historicamente, segundo Sílvio Venosa (2003), registra-se
o instituto da lesão desde o período romano, co0nsoante fora instituído pela lex
secunda (ano de 285, d.C), por esta haveria lesão sempre que o preço pago fosse
inferior à metade do valor da coisa, o que implicava no desfazimento do negócio, ou
a complementação do preço.

Desde a sua normatização inicial, por meio da lesão tentava-se coibir a


realização de negócios, cujo preço pago fosse a metade do preço praticado pelo
mercado, dito, justo. Comumente entendia-se por preço justo o preço praticado por
todos (communis aestimatio), ou seja, o preço de mercado.

Na idade média, à esta lesão inicial, denominada de lesão enorme (laesio


enormis), somou-se uma outra lesão, denominada de lesão enormíssima, pela qual
o contrato era anulado quando o preço do negócio, ao invés de inferior à metade, o
era em relação a dois terços (2/3) do valor de mercado. As Ordenações Filipinas
possuíam estes dois tipos.

O nosso primeiro Código Civil, de 1916, não acolheu nenhuma destas duas
possibilidades, não tendo esta norma nenhuma disciplina própria e específica sobre
o tema. Para Sílvio Rodrigues (2003), a opção de Clóvis Beviláqua à época, teria
sido em razão da visão mais liberal acerca do contrato, e, primordialmente, ante a
90

percepção do legislador do início do século XX de dar mais primazia ao princípio da


autonomia da vontade. Posto que, por esta visão, uma vez formulado o contrato, não
haveria que se falar em uma ruptura posterior, ante a inoponibilidade das cláusulas
acordadas.

Por outro lado, acrescento eu, para os juristas do início do século XX os erros
nominados pelo Código Civil à época eram suficientes para dar cabo às situações
que pudessem provocar a anulação, ou nulidade do negócio jurídico em si.

O instituto foi reintroduzido no cenário normativo nacional com a Lei de


Economia Popular (Lei 1.521, de 26.12.1951), que em seu artigo 4º, do ponto de
vista penal, mas com desdobramentos civis, tipificou a conduta da usura real (ou
pecuniária), seguindo os modelos alemão, suíço e italiano, em razão da abordagem
subjetivista (lesão qualificada), ao determinar que:

obter ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente


necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial
que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou
prometida

Além da legislação acima mencionada, o Código de Defesa do Consumidor


(Lei 8.078/90), mesmo que de forma não direta, acolheu a ideia da lesão em seu
artigo 39, ao vedar ao fornecedor do produto ou serviço “prevalecer-se da fraqueza
ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou
condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

Por fim, dentro deste histórico normativo da lesão e do estado de perigo, só


com o atual Código Civil, nos seus artigos 156 e 157 é que o legislador, de forma
direta, passou a normatizar estes dois institutos, a seguir analisados.

4.1. DA VISÃO TRADICIONAL DA LESÃO E ESTADO DE PERIGO:

Necessária uma preliminar de definição. Chamo aqui de “visão tradicional” a


análise teórica do direito que não seja juseconômica. Apenas para diferenciar uma
linha de abordagem da outra. Feito o esclarecimento, prossigo.
91

Como antes afirmado, no novo e vigente Código Civil, o estado de perigo e a


lesão estão disciplinados nos artigos 156 e 157, a saber:

Do Estado de Perigo

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da


necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do


declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

Da Lesão

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade,
ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional
ao valor da prestação oposta.
o
§ 1 Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
o
§ 2 Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento
suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.

Da análise e compreensão da norma reguladora, pode-se perceber que


haverá que se cogitar da incidência destes vícios do negócio jurídico, quando
retratarem dois aspectos: (i) um objetivo, qual seja, preço excessivamente oneroso
(no caso do estado de perigo), ou manifestamente desproporcional (para a lesão); e
(ii) um subjetivo, vale dizer, a necessidade de salvar-se a si ou outrem próximo (para
o estado de perigo) e a inexperiência, ou premente necessidade (para a lesão).

Inicio pelo vício do negócio jurídico da lesão.

Caio Mário da Silva Pereira (2005) definiu a lesão tomando-se em conta os


critérios subjetivo e objetivo, a saber (p. 546):

Segundo a noção corrente, que o nosso direito adotou, a lesão qualificada,


ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela
inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que
proporciona a outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante
da normalidade

Na chamada condição subjetiva do instituto, segundo a definição clássica do


direito, ocorre o chamado dolo de aproveitamento, quando o outro contratante
92

aproveita-se das condições em que se encontra a outra parte, e dela aufere alguma
vantagem. O dolo de aproveitamento refere-se à uma situação contratual em que um
contratante se beneficia, em detrimento de outro que se encontra em situação de
inexperiência, ou premente necessidade, porém em relação ao próprio negócio
jurídico realizado, nada importando a condição anterior do contratante lesado, quer
em relação ao nível social, ou pessoal (VENOSA, 2003, PEREIRA, 2005,
RODRIGUES, 2003, MONTEIRO, 2003). Segundo estes autores, há um
aproveitamento consciente por parte de um dos contratantes, o qual se beneficia da
situação que o outro se encontrava, em relação ao negócio jurídico.

Em sentido oposto, há autores (ALVES, 1986, GONÇALVES, 2010) que


defendem a ideia de que não há a necessidade de atuação consciente por parte do
beneficiário do vício da lesão, pois, segundo estes autores o instituto visa à proteção
do prejudicado, não a punição do ofensor. Neste sentido vale a citação desta
concepção dissonante de Moreira Alves (1986, p. 109-110):

Não se preocupa em punir a atitude maliciosa do favorecido – como sucede


no direito italiano e no português, e que, por isso mesmo, não deveriam
admitir se evitasse a anulação se, modificado o contrato, desaparecesse o
defeito – mas, sim, em proteger o lesado, tanto que, ao contrário do que
ocorre com o estado de perigo, em que o beneficiário tem que conhecê-lo,
na lesão o próprio conhecimento é indiferente para que ela se configure.

Inobstante este dissenso, estes autores entendem que a apuração da


necessidade e da inexperiência, que se referem apenas a contratos comutativos 34,
restringem-se ao contrato, ou ao negócio jurídico em si. Apura-se, portanto, sob esta
percepção, tão somente se na formação daquele negócio jurídico específico, alguém
o fez premido por uma necessidade ou inexperiência contratuais. Logo, é uma
inexperiência em relação aquele contrato específico, bem como é uma necessidade
afeta àquele contrato dado.

Corroborando esta hipótese, a V Jornada de Direito Civil, realizada pelo


Conselho da Justiça Federal (CFJ), editou o enunciado 410, no qual, de forma
expressa, adota esta posição de que a inexperiência, para fins de lesão, é episódica

34
Contrato comutativo – contratos em que as prestações e as obrigações são certas e determinadas na
conclusão do contrato. Opõe-se aos contratos aleatórios.
93

ao negócio jurídico em si, consoante citação feita por Flávio Tartuce (2012, p. 378-
379):

A inexperiência a que se refere o artigo 157 não deve necessariamente


significar imaturidade ou desconhecimento em relação á prática de negócios
jurídicos em geral, podendo ocorrer também quando o lesado, ainda que
estipule contratos costumeiramente, não tenha o conhecimento específico
sobre o negócio em causa.

Aliás, acrescente-se, este mesmo núcleo de estudos de direito civil, porém em


sua III Jornada de Direito Civil, aprovou o enunciado 150, o qual tentou dirimir a
controvérsia teórica antes mencionada, acerca da necessidade, ou não, de o
lesionador ter o conhecimento da fragilidade do lesionado no ato da conclusão do
contrato, ao afirmar que: “a lesão que trata o artigo 157 do Código Civil não exige
dolo de aproveitamento”. Portanto, por este enunciado, o qual não possui qualquer
aspecto coercitivo, mas apenas é o resultado de estudos de especialistas na área do
direito privado, não havendo a figura do dolo de aproveitamento, não haveria a
intencionalidade prévia do lesionador, sendo irrelevante o conhecimento, ou não, do
estado de inexperiência ou fragilidade do lesionado.

Pelo aspecto objetivo, qual seja o preço, a norma disciplinadora exige que
este seja manifestadamente desproporcional, mensurando-se este requisito à época
da conclusão do contrato. Mas, como medir a desproporcionalidade?

Ao contrário de normas anteriores, como por exemplo, na Lei de Economia


Popular, bem como nas próprias Ordenações Filipinas, aonde se fixavam os
balizamentos do preço, o legislador atual evitou isto, deixando a fixação do que vem
a ser manifestadamente desproporcional ao crivo do julgador.

Por se tratar de norma aberta, o julgador terá que se fixar em alguns


parâmetros, neste caso o mais óbvio é o próprio mercado. Será, portanto,
desproporcional, quando à época da feitura do contrato, o preço se mostrar
manifestadamente acima, ou manifestadamente abaixo daquilo que o próprio
mercado praticava. A dificuldade, entretanto, será a prova disto, já que a parte
possui até 4 (quatro) anos para reclamar este vício (cf. art. 178, caput e inciso II,
CCB), o que é tempo suficiente para apagar determinados dados objetivos.

Trato agora do estado de perigo.


94

Tal como na lesão, possui o estado de perigo um elemento subjetivo e um


elemento objetivo. O elemento subjetivo decorre da necessidade de um contratante
salvar-se a si, ou a pessoa de sua família, de um grave dano. Porém, o fundamental
deste elemento subjetivo é que a outra parte tenha conhecimento deste fato e dele
tire proveito, locuplete-se. Este aspecto, o conhecimento por parte do outro
contratante, é elemento essencial para a configuração do estado de perigo.

Sílvio Rodrigues (2003) em longo arrazoado traça a história da construção


teórica deste elemento subjetivo, notadamente pelo aspecto de que aquele
contratante que se beneficia não gerou o dano. Daí concluir que, do ponto de vista
da construção conceitual, só se justifica a peculiaridade do estado de perigo ante a
situação de que o beneficiário, ao ter conhecimento da situação do periclitante, e
dela se aproveitar passa a agir de má-fé na questão contratual, já que, como dito,
não fora ele o causador do dano eminente. E, a partir daí, possibilita a interferência
estatal para regular esta situação de locupletamento, quer com a anulação do
próprio negócio jurídico, ou quer com a possibilidade de se aproveitar o negócio
realizado, porém com o ajuste do preço.

Por outro lado, o dano a que a vítima está se submetendo, ou alguém de sua
família, deve ser real e importante, a ponto de deixá-la vulnerável frente à situação
contratual que se realiza.

Quanto ao elemento objetivo, há a mesma desproporção entre o preço


praticado pelo mercado, e o preço que se entabulou no negócio jurídico, à época da
realização deste. E, da mesma norma que a lesão, esta apuração, por tratar-se de
norma aberta, ficará ao crivo do julgador.

4.2. DA VISÃO JUSECONÔMICA DA LESÃO E DO ESTADO DE PERIGO:

Este trabalho iniciou-se com a ideia de um encontro possível entre o direito


e a economia. Porém, após esta provocação inicial fez-se a apresentação estanque
das teorias econômica e jurídica, separadamente. Portanto, faz-se imprescindível,
neste momento, verificar acerca da plausibilidade da proposta inicial, promovendo o
diálogo ente estes dois campos teóricos apresentados.
95

Mas há, aí, um método. Entendo que para esta aproximação, para que o
diálogo entre áreas distintas do conhecimento possa de fato ser profícua e densa o
suficiente para produzir uma nova maneira de pensar o fato social faz-se imperioso
que, primeiro, entenda-se a teoria que vai servir de suporte – a economia -, depois
perquire-se pela atual compreensão do outro campo teórico – no caso o direito -,
para, só a partir daí, promover a junção de ambas as áreas. O que faço agora.

Inicialmente de se entender o por que da escolha da lesão e do estado de


perigo, dentre os diversos defeitos do negócio jurídico. A questão está em um
aspecto comum aos dois institutos jurídicos, melhor explicando, como visto
anteriormente, estes dois vícios do negócio jurídico possuem como elemento
definidor e caracterizar, dentre outros aspectos, a questão objetiva do preço. Tanto
um quanto o outro, para além de suas situações peculiares próprias e inerentes, tem
no preço o elemento que os distingue dos demais defeitos do negócio jurídico.

Não é exagero dizer, e a própria teoria tradicional assim também o diz, o


preço é que confere ao fato o aspecto de defeito. Não haveria que se falar em
defeito do negócio jurídico se não houvesse preço manifestadamente
desproporcional (para o caso da lesão, ou onerosamente excessivo (para o caso do
estado de perigo).

E é pelo preço que faço o encontro e promovo o diálogo entre estes dois
campos teóricos – da economia e do direito.

Os fatos descritos pela norma, em seus artigos 156 e 157, ambos do CCB, já
transcritos anteriormente, não deixam margem à qualquer dúvida de que nas duas
situações o preço está sendo determinado por um dos lados contratantes. Não se
trata aqui daquela situação que se verifica quando o consumidor está numa loja, ou
em uma lanchonete. Ao entrar nestes estabelecimentos, o preço já está fixado por
uma das partes – o fornecedor. Mas tanto na loja, quanto na lanchonete a situação é
outra. Primeiro, trata-se de um preço indistinto (é o mesmo para qualquer um que
entrar no estabelecimento comercial), por outro lado, caso o consumidor não
concorde com o preço, ou pode barganhar um desconto, ou, então e simplesmente,
pode este se levantar e procurar outro estabelecimento. Pois é um preço, apesar de
unilateralmente estabelecido, porém o foi em um ambiente concorrencial. Pode até
não ser perfeitamente concorrencial, mas se aproxima deste ideal de mercado.
96

Aliás, o artigo 489 35, CCB, para contratos de compra e venda, já deixava claro
que é nulo o contrato, quando o preço for estabelecido exclusivamente por uma das
partes. Só é possível entender o verdadeiro sentido e alcance desta norma em uma
leitura juseconômica. Ou seja, é um artigo que claramente está a coibir uma situação
de alguém que está agindo como fornecedor de preço. Portanto, uma situação de
poder de mercado, em outras palavras de comportamento monopolista.

Volto ao estado de perigo. Haveria aí uma situação de monopólio? Já foi


definido que o estado de perigo (art. 156, CCB) é a situação em que alguém, para
salvar-se, ou a alguém de sua família, ou alguém muito próximo afetivamente, se
submete a um contrato, com preço exorbitante, sendo que o fornecedor do produto
(ou serviço) tem o conhecimento da situação de risco que o comprador/consumidor
está.

Ora, se alguém está numa situação de risco de vida, ou de grande perigo,


para si, ou para alguém que lhe é verdadeiramente próximo, não vai procurar no
mercado para barganhar o preço e saber do preço de equilíbrio praticado por este
mesmo mercado. E como o próprio fornecedor sabe desta situação (aliás, isto é
requisito para a caracterização do estado de perigo, como já enfatizado), tem-se aí,
claramente, uma situação em que o fornecedor do produto é o único fornecedor
deste serviço ou produto. Há aí o chamado monopólio bilateral (ZANITELLI, 2011).

Dentro da terminologia proposta por Shavell (2007, p. 326) em que trabalha a


ideia de holdup contratual, ou seja, alterações contratuais em razão de uma
premente necessidade, a qual acarreta uma situação desvantajosa, há a distinção
entre situação de necessidade engendrada (SNE), e situação de necessidade não
engendrada (SNN), por um dos contratantes. Em outras palavras, este autor faz uma
diferenciação se a necessidade foi criada por uma das partes contratantes (SNE), ou
não fora criada por uma das partes contratantes (SNN).

Ante esta terminologia, de se concluir que no estado de perigo há uma


situação de necessidade não engendrada (SNN) por uma das partes contratantes,
posto que, do contrário, estar-se-ia diante de uma típica coação.

35
Art. 489. Nulo é o contrato de compra e venda, quando se deixa ao arbítrio exclusivo de uma das
partes a fixação do preço.
97

Portanto, o estado de perigo revela uma situação de monopólio bilateral (um


único comprador para um único fornecedor), e de monopólio situacional (gerado por
uma circunstância específica, porém momentânea), mas cuja necessidade não fora
engendrada por um dos contratantes (SNN).

Nascem aí algumas indagações: seria eficiente uma intervenção judiciária?


De que tipo? Ou poderia delegar à órgãos de controle da concorrência? Qual o
fundamento para a intervenção?

Ao responder estas questões, acompanho o pensamento de Trebilcock (1993,


p. 95 apud ZANITELLI, 2011, p. 123), para quem a intervenção judiciária só se
justifica em monopólios situacionais. Isto porque, dado o caráter específico e
temporário deste tipo de monopólio, não se justificaria a atuação de agências
reguladoras de monopólios para dirimir casos tão específicos, em razão do custo
operacional que isto envolve. É claro, que isto não significa que tais órgãos não
possam se estruturar para atender a tal demanda, porém, para o caso brasileiro
haveria que ter toda uma reformulação das agências, a fim de suportar este ônus.

Todavia, no Poder Judiciário, muito embora este órgão já possua estrutura


para estas demandas individuais, ocorrem alguns problemas. A busca pelo Poder
Judiciário, a fim de provocar a revisão contratual, ou até mesmo a anulação deste,
acaba por gerar um aumento do custo de transação – advogados, custas do
processo, tempo da demanda, etc. Por outro lado, nem sempre os Juízes possuem
informações corretas para prolatar decisões precisas, notadamente quanto ao
restabelecimento, no caso das ações revisionais, do preço de mercado, ou do preço
de referência. O que pode acarretar em incentivos incorretos – ao decidir por preços
muito acima do preço de mercado (gera aumento do custo de prevenção), ou ao
decidir por preço muito abaixo do preço de mercado (gera desincentivo ao
salvamento).

Definida a possibilidade da intervenção judiciária, há que se perquirir quanto


ao tipo desta intervenção. Para esta situação, Shavell (2007, pp. 333-334) propõe
que para os casos em que a necessidade decorre de atos engendrados por uma das
partes, haveria o caso de anulação do contrato. Quando do contrário, isto é para
situações não engendradas (SNN), como é o caso do estado de perigo, poder-se-ia
falar em revisão do contrato, desde que possível encontrar o preço ótimo.
98

Entendo que esta última conclusão é a mais pertinente. Muito embora o


legislador brasileiro não tenha adotado a possibilidade de revisão contratual para os
casos de estado de perigo, dando a entender, em uma leitura mais literal, tratar-se,
apenas, de circunstância de anulabilidade contratual, logo causa de extinção do
contrato. Porém, pelas razões econômicas aqui expostas, faz-se interessante que,
por analogia, o intérprete se valha da possibilidade de revisão contratual, presente
no artigo 157, § 2º, CCB, que é artigo destinado à lesão, a fim de, também,
promover a readequação do contrato, ao invés de pura e simplesmente anulá-lo.

Assim, justifica-se a intervenção judiciária nestes casos, a fim de minorar o


preço cobrado, alcançando o preço de equilíbrio (mercado), ou o preço de
referência, isto é, o preço que o próprio fornecedor cobraria em situação normal
(sem o monopólio circunstancial), proporcionando, principalmente, uma diminuição
no custo da prevenção ex ante do consumidor, bem como mantendo o incentivo
necessário a um comportamento de salvamento.

Qual o fundamento econômico para esta assertiva?

Viu-se anteriormente que parte do custo social e ineficiência impostas pelo


monopólio está no chamado peso morto, qual seja, a perda que a sociedade tem em
razão da diminuição da quantidade ofertada e do aumento de preço provocados pelo
comportamento monopolista. Assim, ante a ocorrência do peso morto consumidores
tendem a deixar de consumir, ou tendem a não mais conferir à coisa ofertada a
função de utilidade que poderia ter, retirando-se do mercado – o que gera uma
perda (ineficiência) ao mercado.

Contudo, ao contrário do que se possa imaginar, mas no estado de perigo,


não há a ocorrência do peso morto. Isto porque, como é uma situação bilateral, não
haverá a exclusão de outros consumidores do mercado, que é um pressuposto
definidor do peso morto, como antes já anotado.

No caso concreto deste específico tipo de defeito do negócio jurídico, há a


incidência de outro custo social atribuído ao monopólio, o chamado custo de
captura, que, como já visto, também se refere aos custos de prevenção que
incorrem os consumidores (GICO JÚNIOR, 2007). O estado de perigo, pois, não
só sugere uma maior expropriação por parte do fornecedor da totalidade, ou quase
99

totalidade, do excedente do consumidor – mas aí haveria apenas uma questão de


transferência de renda. Há, fundamentalmente, um aumento de custo generalizado
por parte dos agentes econômicos para a captura, ou a prevenção (custo de
prevenção) desta situação.

Leandro Zanitelli (2011) critica as conclusões de Shavell por entender que o


conceito de perda utilizado por este, e do qual decorre o conceito de necessidade
premente, é muito fluído. Já que a necessidade definida como perda, não inclui
contratos em que apenas iria se auferir ganhos com a situação futura, não havendo,
pois, propriamente uma perda, mas uma ausência de ganho. Por outro lado, a crítica
recai, também, ao conceito de custo utilizado por Shavell, na medida em que
entende este autor (Zanitelli) que o custo de captura ou prevenção estaria baseado
em meras suposições, por não levar em consideração as preferências dos
consumidores, nem o preço de reserva destes.

Não procedem essas críticas ao meu sentir. Primeiro, quanto ao conceito de


necessidade, não há muita dificuldade em perceber que se relaciona ao objeto (=
prestação) dos contratos (já existentes, ou por ainda existir), logo a necessidade se
refere à função utilidade que o contratante traz àquele objeto. A depender das
preferências, que são particulares haverá, de certo, maior ou menor reserva de
preço do consumidor, mas isto não retira a ocorrência dos custos de precaução, de
transação, enfim, decorrentes das possibilidades de problemas que possam a
ocorrer. Na crítica, Leandro Zanitelli confunde o custo de precaução e de transação,
com o preço de reserva do consumidor.

Passo a análise juseconômica da lesão.

Qual a diferença entre lesão e estado de perigo? Seriam estes dois conceitos
um único defeito do negócio jurídico, sendo desnecessária a distinção dada, ou
haveria algo intrínseco que os separa?

Em verdade, penso eu, a distinção feita pelo legislador foi desnecessária,


sendo certo que ambos os institutos poderiam ter sido tratados em um único
dispositivo legal: o da lesão. Mas, quis o legislador qualificar e criar uma gradação
entre os elementos subjetivos dos defeitos aqui tratados, razão pela qual, acabou o
legislador, de forma desnecessária, criando uma distinção conceitual e normativa.
100

Como vimos antes, a distinção criada pelo legislador encontra-se


essencialmente na qualificadora do aspecto subjetivo. Enquanto que no estado de
perigo o elemento subjetivo é evitar a ocorrência de um grave dano, para si, para um
familiar, ou para alguém próximo; na lesão o elemento subjetivo é a inexperiência,
ou a premente necessidade. Isto porque, no plano objetivo ambos os defeitos tratam
de preço acima do preço de mercado – “onerosamente excessivo” (para o estado de
perigo) e “manifestamente desproporcional” (para a lesão).

A inexperiência é um estado de ignorância (no sentido de desinformação)


frente ao contrato, quer em relação às obrigações criadas, quer em relação ao
objeto. Portanto, está relacionada a uma questão de assimetria informacional. Já a
premente necessidade só pode ser entendida como aquela, obviamente relacionada
ao contrato, que procure evitar uma perda da função de utilidade de um determinado
objeto, porém em grau menor ao do estado de perigo – o que já cria uma séria
dificuldade.

Dito isto, apresenta-se a questão afeta à presença, ou não, do denominado


dolo de aproveitamento. Fiz anotar anteriormente, no estudo tradicional destes
institutos que parte da teoria jurídica inclina-se para a existência deste tipo de dolo,
parte da teoria caminha em sentido oposto. Mas, tanto uma como outra não
apresentam razões mais estruturantes para tal.

Filio-me aos que entendem (VENOSA, 2003, PEREIRA, 2005, RODRIGUES,


2003, MONTEIRO, 2003) que a presença do dolo de aproveitamento, ou seja o
conhecimento da outra parte da situação de inexperiência, ou premente
necessidade, é condição para a existência da lesão, tal qual formulada pelo
legislador brasileiro.

Isto pelos seguintes argumentos: (1) a lesão resulta de um contexto de


monopólio, ou monopsônio – porque tanto em um caso, quanto no outro, o agente
econômico age como formador de preço, com poder de mercado; (2) trata-se de um
tipo de monopólio bilateral e circunstancial; e (3) a circunstancialidade do monopólio
só ocorre diante do conhecimento e identificação das qualificadoras subjetivas. Do
contrário poderíamos ter outras figuras jurídicas, como onerosidade excessiva, mas
não a lesão.
101

No mais, repetem-se as mesmas assertivas já ditas acerca do estado de


perigo, notadamente quanto à possibilidade de revisão contratual, a fim de se buscar
o preço de mercado, ou o preço de referência.

De se acrescentar, ainda, que não se apresenta possível a aproximação


conceitual dos vícios aqui tratados da lesão e do estado de perigo, frente à
onerosidade excessiva, conforme disciplina constante do 478 36, CCB. Isto porque, o
instituto da onerosidade excessiva de que fala este artigo 478, CCB, é resultado da
teoria da imprevisibilidade, o que afasta, por si, qualquer comparação com os
institutos aqui tratados.

36
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se
tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da
sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
102

CAPÍTULO 5:

ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

A escolha do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para a análise da


jurisprudência acerca da lesão e do estado de perigo decorre da competência legal
dada pela Constituição Federal, em seu artigo 105 37, inciso III e alíneas, a este
Tribunal Superior. Ou seja, cabe ao STJ a precípua finalidade de uniformizar o
direito infraconstitucional. Portanto, nada mais lógico do que verificar a posição
deste, a fim de que se saber que tipo de compreensão o Poder Judiciário está a
fazer sobre os institutos aqui versados e seus desdobramentos.

Inicialmente analiso a jurisprudência acerca do estado de perigo (art. 156,


CCB). Para esta análise buscou-se o site do próprio STJ (www.stj.jus.br),
procedendo a busca pelo número do artigo do Código Civil. Assim, em relação ao
artigo 156, CCB, foram localizados 07 (sete) acórdãos. Destes, porém, em apenas
dois as questões aqui tratadas foram de fato analisadas.

O primeiro recurso em que o tema foi tratado foi o Recurso Especial n.º
1.361.937/SP, da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, oriundo da Terceira Turma,
julgado em 15/10/2013, publicado no e-DJ de 18/10/2013, em julgamento unânime,
cuja ementa segue abaixo:

DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DO


DEVEDOR. EXECUÇÃO DE NOTA PROMISSÓRIA. GARANTIA.
AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO. NEGÓCIO SUBJACENTE. VÍCIOS DE
CONSENTIMENTO. ESTADO DE NECESSIDADE. ARTIGOS
ANALISADOS: 17 DO DEC. 57.663/66; 156 DO CC/02.

1. Embargos do devedor opostos em 2/2/2009, do qual foi extraído o


presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 28/1/2013.

2. Discute-se a exequibilidade de nota promissória emitida em garantia de


pagamento por serviços médicos, prestados em regime de emergência a
paciente acometido de infarto do miocárdio, diante da alegação de vício de
consentimento.

37
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei
federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
103

3. A autonomia e abstração dos títulos de crédito manifestam-se nas


relações cambiais com terceiros de boa-fé, portadores dos títulos.

4. Perante o credor originário da nota promissória, o devedor se obriga por


meio de uma relação estritamente contratual, a qual se aplica à
integralidade o Código Civil.

5. O desequilíbrio latente na relação constituída em momento de grave


angústia e fragilidade da parte devedora, em que se busca pronto-
atendimento de emergência, caracteriza o elemento subjetivo exigido pelo
art. 156 do CC, devendo-se verificar a existência de excessiva onerosidade,
a fim de configurar o estado de necessidade.

6. Imprescindível se oportunizar a dilação probatória às partes, a fim de


demonstrar ou afastar o equilíbrio entre os valores executados e os serviços
efetivamente prestados e, por conseguinte, reconhecer ou afastar o vício de
consentimento alegado.

7. Recurso especial provido.

(REsp 1361937/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA,


julgado em 15/10/2013, DJe 18/10/2013)

Em sua origem, trata-se de embargos à execução em que a recorrente teve


seu esposo internado em hospital da rede particular, em estado de emergência,
decorrente de um infarto do miocárdio. Quando da entrada do paciente o hospital
exigiu notas promissórias como garantia do preço dos serviços realizados. Estas
notas promissórias foram posteriormente executadas, e a discussão processual
travou-se em sede de embargos à execução.

No que tange às questões pertinentes ao presente trabalho, o acórdão do STJ


assim se pronunciou:

4. Vícios de consentimento

[...] 15. É notória a condição de inferioridade em que se encontrava a


recorrente quando da emissão das notas exequendas – e momento
desespero e fragilidade, sem qualquer espaço ou tempo hábil para
negociações diante da impossibilidade de sair em busca do tratamento
necessário em outros hospitais. Ademais, a situação de desespero era de
pleno conhecimento pelo recorrido. Essa situação, por si só, denota o
desequilíbrio entre as partes litigantes, amoldando-se, em tese, aos
elementos subjetivos legalmente exigidos para fins de reconhecimento de
estado de perigo.

16. Desse modo, reconhecido manifesto desequilíbrio intrínseco à situação


descrita, resta investigar-se a causa debendi e o exato valor devido, a fim
de caracterizar ou afastar o elemento objetivo do estado de perigo – a
excessiva onerosidade da obrigação garantida. Nesse sentido: REsp
796.739/MT, Rel. Min.Humberto Gomes de Barros, 3ªTurma, DJ
07/05/2007.
104

18. Assim, tem-se por imprescindível o exame específico e concreto das


alegações da recorrente, seja quanto ao estado de perigo, seja quanto à
alegação de defeito na prestação do serviço, possibilitando-se a ampla
dilação probatória às partes, a fim de se apurar correspondência entre o
quantum devido e o executado. Ademais, tendo em vista que o presente
processo foi julgado antecipadamente, sem qualquer oportunidade para a
produção de provas, a despeito de requerimento da recorrente para tanto,
processo deverá retornar às vias ordinárias.

Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para


determinar baixa do processo para o1º grau de jurisdição, a fim de se
oportunizar a regular dilação probatória, na esteira do devido processo
legal.

Interessante notar que, quando a relatora deste recurso, como transcrito


acima, foi definir as circunstâncias que cercam o estado de perigo, a primeira
questão ressaltada por ela foi da ausência de concorrência, ao dizer “sem qualquer
espaço ou tempo hábil para negociações”, ou ainda “da impossibilidade de sair em
busca do tratamento necessário em outros hospitais”, portanto, situações claras de
ausência de possibilidade de barganha geradas por uma situação de risco iminente,
qual seja, a real possibilidade de morte do marido – “notória a condição de
inferioridade”. Este quadro claramente denota um monopólio circunstancial.

A par deste quadro, surge a discussão acerca da existência, ou não, da


onerosidade excessiva – elemento objetivo do vício. Em razão da ausência de
informação processual suficiente, determinou-se o retorno do processo à instância
originária, para fins de apuração do preço, por perícia técnica, buscando-se saber da
existência deste elemento objetivo – distorção do preço. Confirmando, assim, da
necessidade da informação acerca do preço, a fim de se estabelecer a incidência do
instituto do estado de perigo.

O segundo acórdão que menciona a questão do estado de perigo é o Recurso


Especial n.º 918.392/RN, tendo por relatora a mesma Ministra Nancy Andrighi,
oriundo, também, da Terceira Turma do STJ, julgado em 11/03/2008, e publicado no
e-DJ de 01/04/2008, em julgamento por unanimidade, cuja ementa foi assim
exarada:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SEGURO SAÚDE ANTERIOR À LEI


9.656/98. SUBMISSÃO DO SEGURADO À CIRURGIA QUE SE
DESDOBROU EM EVENTOS ALEGADAMENTE NÃO COBERTOS PELA
APÓLICE. NECESSIDADE DE ADAPTAÇÃO A NOVA COBERTURA, COM
VALORES MAIORES. SEGURADO E FAMILIARES QUE SÃO LEVADOS A
105

ASSINAR ADITIVO CONTRATUAL DURANTE O ATO CIRÚRGICO.


ESTADO DE PERIGO. CONFIGURAÇÃO. É EXCESSIVAMENTE
ONEROSA O NEGÓCIO QUE EXIGE DO ADERENTE MAIOR VALOR POR
AQUILO QUE JÁ LHE É DEVIDO DE DIREITO. DANO MORAL
CONFIGURADO. - O estado de perigo é tratado pelo Código Civil de 2002
como defeito do negócio jurídico, um verdadeiro vício do consentimento,
que tem como pressupostos: (i) a necessidade de salvar-se, ou a pessoa de
sua família; (ii) o dolo de aproveitamento da outra parte (grave dano
conhecido pela outra parte); e (iii) assunção de obrigação excessivamente
onerosa.

- Deve-se aceitar a aplicação do estado de perigo para contratos aleatórios,


como o seguro, e até mesmo para negócios jurídicos unilaterais.

- O segurado e seus familiares que são levados a assinar aditivo contratual


durante procedimento cirúrgico para que possam gozar de cobertura
securitária ampliada precisam demonstrar a ocorrência de onerosidade
excessiva para que possam anular o negócio jurídico.

- A onerosidade configura-se se o segurado foi levado a pagar valor


excessivamente superior ao preço de mercado para apólice equivalente, se
o prêmio é demasiado face às suas possibilidades econômicas, ou se sua
apólice anterior já o assegurava contra o risco e a assinatura de novo
contrato era desnecessária.

- É considerada abusiva, mesmo para contratos celebrados anteriormente à


Lei 9.656/98, a recusa em conferir cobertura securitária, para indenizar o
valor de próteses necessárias ao restabelecimento da saúde.

- Impõe-se condições negociais excessivamente onerosas quando o


aderente é levado a pagar maior valor por cobertura securitária da qual já
gozava, revelando-se desnecessária a assinatura de aditivo contratual.

- O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de


forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua. Assim, se determinado
procedimento cirúrgico está incluído na cobertura securitária, não é legítimo
exigir que o segurado se submeta a ele, mas não instale as próteses
necessárias para a plena recuperação de sua saúde.

- É abusiva a cláusula contratual que exclui de cobertura a colocação de


stent, quando este é necessário ao bom êxito do procedimento cirúrgico
coberto pelo plano de saúde. Precedentes.

- Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja


causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem
reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da
injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação
de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que,
ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor,
de abalo psicológico e com a saúde debilitada.

Recurso Especial provido. (REsp 918.392/RN, Rel. Ministra NANCY


ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 01/04/2008)

Pela leitura do acórdão e da própria ementa, nota-se que a onerosidade


excessiva não decorreu de um critério objetivo de preço desconectado com o preço
de equilíbrio do mercado, mas, sim, por ter a parte assinado contrato desnecessário
106

– “configura-se, assim, a onerosidade excessiva, pois, embora seu contrato anterior


assegurasse contra o risco da cirurgia, os autores foram levados a contratar nova
apólice desnecessariamente”.

Para este caso específico, a Magistrada presumiu a onerosidade do preço,


ante a exigência de assinatura de aditivo contratual, quando o anterior contrato já
assegurava a realização dos procedimentos médicos necessários.

Quanto ao vício da lesão, a busca no site do STJ, já mencionado, pelo artigo


157, CCB, apontou a existência de 10 (dez) acórdãos. Destes, em apenas um foi
desenvolvido o tema. Isto ocorreu no Recurso Especial n.º 1.155.200/DF, tendo
como relator original o Ministro Massami Uyeda, e relatora designada para o
acórdão a Ministra Nancy Andrighi, oriundo da Terceira Turma, tendo sido julgado
em 22/02/2011, e publicado no e-DJ de 02/03/2011, por maioria, cuja ementa foi a
seguinte:

DIREITO CIVIL. CONTRATO DE HONORÁRIOS QUOTA LITIS.


REMUNERAÇÃO AD EXITUM FIXADA EM 50% SOBRE O BENEFÍCIO
ECONÔMICO. LESÃO.

1. A abertura da instância especial alegada não enseja ofensa a Circulares,


Resoluções, Portarias, Súmulas ou dispositivos inseridos em Regimentos
Internos, por não se enquadrarem no conceito de lei federal previsto no art.
105, III, "a", da Constituição Federal. Assim, não se pode apreciar recurso
especial fundamentado na violação do Código de Ética e Disciplina da OAB.

2. O CDC não se aplica à regulação de contratos de serviços advocatícios.


Precedentes.

3. Consubstancia lesão a desproporção existente entre as prestações de


um contrato no momento da realização do negócio, havendo para uma das
partes um aproveitamento indevido decorrente da situação de inferioridade
da outra parte.

4. O instituto da lesão é passível de reconhecimento também em contratos


aleatórios, na hipótese em que, ao se valorarem os riscos, estes forem
inexpressivos para uma das partes, em contraposição àqueles suportados
pela outra, havendo exploração da situação de inferioridade de um
contratante.

5. Ocorre lesão na hipótese em que um advogado, valendo-se de situação


de desespero da parte, firma contrato quota litis no qual fixa sua
remuneração ad exitum em 50% do benefício econômico gerado pela
causa.

6. Recurso especial conhecido e provido, revisando-se a cláusula contratual


que fixou os honorários advocatícios para o fim de reduzi-los ao patamar de
30% da condenação obtida.
107

(REsp 1155200/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão


Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011,
DJe 02/03/2011)

Os aspectos monopolistas não foram levados em consideração pelo julgador.


Adentrou, apenas, na configuração da premente necessidade, deferindo-a em razão
de penúria que a parte já se encontrava. E mais, ampliando a lesão para contratos
aleatórios, distanciando-se, aí, da teoria tradicional, que entende pela possibilidade
deste vício somente para contratos comutativos.

Porém, pode-se concluir que, apenas na análise do estado de perigo é que as


circunstâncias e características monopolistas foram levadas em consideração.
108

CONCLUSÃO:

O propósito desta dissertação foi apresentar um exemplo concreto e efetivo


da interdisciplinariedade entre o direito e a economia. Dizer, em síntese, que este
encontro é, sim, possível.

Para tanto a dissertação propôs um método para alcançar esta


interdisciplinariedade. Entendeu que seria necessário o estudo, incialmente em
separado destas duas áreas do conhecimento: a economia e o direito. Para,
somente depois proceder a reunião destes segmentos de forma estruturada e
densa, mas, obviamente, não definitiva.

A opção pelo estudo da teoria microeconômica do monopólio resultou como


necessária, ante o fato jurídico a ser pesquisado: os vícios do negócio jurídico da
lesão e do estado de perigo.

A partir daí fez-se um estudo comparativo, mas, ao invés de proceder à


comparação entre sistemas jurídicos distintos, como é comum ao estudo do direito
comparado, fez-se um estudo comparativo de campos teóricos distintos: de um lado,
o que chamei de estudo tradicional do direito; de outro lado, o estudo juseconômico
do direito. Por óbvio, no estudo denominado por tradicional, apresentou-se a
hermenêutica comum às academias jurídicas atuais, sem a interdisciplinariedade.

Ao assim proceder, a ideia não foi comparar estas escolas jurídicas com
algum tipo de propósito valorativo: ou seja, dizer que uma é pior, ou melhor, em
relação à outra. Nada disto. Até porque, proceder de tal forma é apequenar qualquer
tipo de discussão acadêmica, sendo, até, diga-se, incompatível com um estudo sério
de hermenêutica.

O que se quis, apenas, foi deixar mais claro os alcances que cada escola
hermenêutica pode ter. Se a hermenêutica é a ciência que estuda a interpretação,
dando às normas sentido e alcance (MAXIMILLIANO, 1992), a comparação foi
proposital para se perceber quais os limites que estas escolas acabam por se impor.

Na análise juseconômica verificou-se que, tanto o estado de perigo, quanto a


lesão, são exemplos de consequências resultantes de monopólios bilaterais e
109

situacionais. Dentro desta interpretação, não há muito sentido na diferenciação


destes dois institutos da lesão e do estado de perigo – posto ser possível trata-los
em um instituto apenas.

Por outro lado, decorrente destas classificações, tais defeitos do negócio


jurídico pedem uma intervenção judicial, como melhor mecanismo para rever a
abusividade do preço que surge em razão da situação monopolista existente, não
obstante as dificuldades e imperfeições que esta intervenção judiciária pode ter –
aumento do custo de transação e imperfeição das decisões judiciárias, ante a
ausência de informação perfeita nos processos.

De se dizer, ainda, que as outras regras existentes de intervenção e controle


dos monopólios (Lei da Defesa da Concorrência) e da onerosidade excessiva não
conseguem responder às peculiaridades inerentes à lesão e ao estado de perigo,
ante o caráter situacional do monopólio que a origina.

Por fim, viu-se, ainda, que o poder judiciário não tem acolhido as teses
juseconômicas aqui desenvolvidas.

A interdisciplinariedade deveria ser uma realidade no estudo jurídico pátrio.


Fomentá-la, em estudos concretos, como o aqui proposto, impõe-se como forma de
romper barreiras: a barreira do desconhecimento e, principalmente, a barreira do
preconceito acadêmico.
110

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