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Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Ciências Sociais – Ics


Departamento de Sociologia - Sol
Curso: Estrutura e Mudança Social - 134899
Docente: Vladimir Ferrari Puzone
Discente: Ludmila Oliveira Matos Brasil Fernandes
Matrícula: 14/0026517

Uma análise do sonho rooseveltiano do Partido do Trabalhadores


“Lula de 2002 a 2010: o metalúrgico que aperta a mão do capital”

Brasília, 05 de julho de 2019.


Por décadas, a crescente desigualdade social brasileira demonstrada na
metáfora da pirâmide, foi objeto de reflexão por profissionais das ciências sociais,
é plenamente conhecido que a sociedade brasileira tem sérios problemas em seus
métodos de distribuição de rendas. No final dos anos 2000, o governo em conchavo
com a grande mídia alarmava a sociedade brasileira que a expansão da classe C
representava na realidade o surgimento de uma nova classe média, o que seria
resposta ao dinamismo econômico do País. E de fato, houve a expansão da classe
média, em números, cerca de 40 milhões de pessoas passaram a ser consideradas
parte da classe, sendo esse o estrato predominante no país.
Porém uma avaliação de como essa classe trabalhadora, a “nova classe
média”, surgiu, e também como os elementos que a motivaram, mostram que na
realidade houve o fortalecimento da renda dos segmentos que integram a base da
pirâmide social, os trabalhadores com remuneração de até dois salários mínimos.
Como um primeiro passo, para entender o “pulo do gato de Lula”, ou seja,
a constituição de políticas de promoção do mercado interno destinando aos mais
pobres, renda o suficiente para que o fortalecimento do consumo ocorra, é de
máxima importância avaliar os impactos sobre o nível de bem-estar da população
que a implementação dessas mesmas políticas públicas tivera sob essa população.
A emergência do metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva ao poder em sua 4ª
eleição presidencial no ano de 20021 foi uma lufada de ar puro nos pulmões irados
da esquerda política brasileira, crítica fervorosa desse processo desigual instalado
no país desde os tempos de colonização e perpetuado pelos processos da
colonialidade2. Porém, o primeiro mandato de Lula, foi marcado por uma
surpreendente política conservadora que essencialmente reproduziu o que era
posto por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Fazendo isso, o então

1
Concorreu pela primeira vez em 1989 a presidente da República contra Fernando Collor de Mello,
perdendo no segundo turno. Também foi candidato em 1994 e 1998, perdendo ambas as vezes em primeiro
turno para Fernando Henrique Cardoso.
2
Enquanto o colonialismo diz respeito ao processo e aos mecanismos que garantem a exploração do
trabalho e das riquezas das colônias em benefício do colonizador, a colonialidade se estende até os dias
atuais. Esta se refere a um padrão de poder que opera pela naturalização de hierarquias territoriais, raciais,
culturais e epistêmicas, que possibilitam a reprodução de relações de dominação em escala mundial
(RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamentos. 2010,
p. 17).
presidente, apoiou-se no crescimento do PIB3 e do número de exportações para
assim, assumir o pagamento da dívida como bandeira oficial de governo e derrubar
a desconfiança do mercado financeiro e atrair de volta o capital financeiro ao país.
Assim, mesmo levando a cabo a rigidez do primeiro mandato do governo
do petista, principalmente a partir da leitura da “Carta ao Povo Brasileiro”,
produção que entrelinhas passava a mensagem direta aos capitais financeiros
internacionais de que a política macroeconômica seguiria a do governo anterior,
houve no desfecho da missão de Lula, o fim do primeiro mandato, o início da
construção das políticas públicas, que em consonância com a manutenção da
estabilidade econômica se fez de ponte para a chegada de “um completo programa
de classe, ou fração de classe”, como chama Singer o subproletariado4.
A implementação de medidas que subvencionaram diretamente a qualidade
de vida das classes de baixa renda, passou a assegurar uma renda fixa mínima e
para famílias sem condições de se manter ou em condições extremas, como foram
os programas Bolsa Família e Fome Zero, indo ainda além, a política de
valorização real do salário-base, que foi iniciada no ano de 2005, fez com que o
poder de compra se incrementa-se de acordo com a inflação, aumentando o poder
de consumo da população. Essas medidas de de crescimento da renda das classes
baixas se tornou um índice de que esse governo faria mudanças prioritárias focadas
nas classes menos abastadas, do que até então estava centrada na prestação de
políticas ortodoxas de contenção de gastos públicos e regulação da inflação.
Com a reeleição de Lula a “alma radicalista” do partido dos trabalhadores é
domesticada e se apequena, tornando-se um leão sem juba. Para Singer, o
realinhamento eleitoral acontecido entre 2002 e 2006 no lulismo, teria calhado um
processo de verdadeira popularização do partido, fazendo com que o PT se
repartisse em dois: por um lado a “nova cara” dos pobres brasileiros e, de outro, a
conexão entre classe e ideologia radical que resiste no partido, constituiria a alma

3
PIB – Produto Interno Bruto é a some em valores de todos os bens e serviços produzidos pelo país durante
um determinado período.
4
Este conceito, respaldado em Paul Singer, teria como articulador aqueles que oferecem sua força de
trabalho no mercado, mas não têm como retorno uma remuneração que assegure sua reprodução em
condições encontradas pela “classe trabalhadora organizada”, já que nesta fração “estão os empregados
domésticos, assalariados de pequenos produtores diretos e trabalhadores destituídos das condições mínimas
de participação na luta de classes”
que ainda influencia o PT. Logo, os governos Lula representariam a valsa dessas
duas personas, a política que beneficia o capital financeiro e a que realiza a
ampliação do poder de compra dos mais pobres.
O realinhamento eleitoral se confirmava ao redor da figura de Lula, o sonho
rooseveltiano5 tornara-se o ponto regulatório da política brasileira estendendo-se
por um longo período. Já em 2007, coma aceleração do crescimento, geração de
emprego, valorização do mercado brasileira e a instalação do mecanismo de
combate à pobreza se instala uma nova dinâmica no imaginário do brasileiro, para
André Singer, esse processo é que:

“o lulismo introduziu o New Deal6 no imaginário nacional,


funcionando como sintoma ideológico”.
(SINGER, André. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto
conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.)

Assim, é latente a constatação de que a pobreza monetária apresentou


verdadeira redução, obviamente que isso não significa sua eliminação ou até
mesmo a redução das desigualdades sociais. Essa redução apresenta mudanças
para a parte mais pobre do Brasil, tanto por parte do Bolsa Família, com acréscimo
da oferta de empregos, valorização do salário mínimo e ampliação do acesso ao
crédito.
Porém, um imbróglio acontece nas análises referente a dados quanto a
quantificações da pobreza com relação a faixa de renda domiciliar em estratos,
com as denominações de classes A, B, C, D, etc., e que acaba se agravando ainda
mais quando está ainda é alcunhada como “classe média”, “nova classe média”7, e
aparecendo também como “classe trabalhadora”8.

5
“O sonho rooseveltiano do segundo mandato” aparece também como nome do terceiro capítulo do livre
de André Singer, “Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador”.
6
Nome dado à série de programas implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob o governo
do presidente Franklin Delano Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-
americana, e auxiliar os prejudicados pela grande depressão norte-americana.
7
O ponto defendido pelo então governo e endossado pelo economista Marcelo Neri era de que no País
havia surgido uma nova classe média em decorrência do fenômeno de crescimento da classe C.
8
“Entretanto, outros economistas como Márcio Pochmann têm uma interpretação divergente desse fato,
pois uma análise criteriosa dos fatores que motivaram essa expansão da classe C revela que estes não
Tudo isso porque um elevado número de cidadãos está variando dentre os
níveis de renda e consumo que a distância da denominada “classe baixa”, dos
“pobres”, nesse ponto, de acordo com Juarez Guimarães conceitua a formação de
“um novo proletariado”, onde “a grande maioria dos empregos gerados no governo
Lula oferecia baixa remuneração (90% dos novos empregos formais nos últimos
anos pagam até três salários mínimos)” sendo constituído em sua maior parte por
proletário do que por membros de uma classe emergente de fato. Em resumo,
destaca-se dois processo concomitantemente, a redução do número de indivíduo
em situação de pobreza e a o aumento do estrato intermediário de renda, ambos
relacionados diretamente com a diminuição e não superação da desigualdade social
no Brasil, pois há também um aumento populacional daqueles considerados como
mais ricos, que também estão ficando cada vez mais ricos.
Tende-se destacar que, não se pode tipificar aumento do poder de compra,
ou seja, melhoria no padrão de consumo com mudança de classe, um gera a
qualificação de bem-estar social dentre a classe em que já se vive, outro combate
a desigualdade social.
Em 2008, após a “marolinha”9 de Lula, o Brasil consegue ampliar o
consumo popular através do aumento do salário mínimo, transferência de renda,
desonerações fiscais e alongamento do crédito, nesse ponto, conformamos que a
gigantesca massa que o capitalismo brasileiro tentava acomodar começara a ser
sugada e absolvida dentre a dinâmica da economia formal e tudo isso sem o desafio
do confronto direto diante o capital, ou seja, o plano de Lula, de conciliar a valsa
das duas personas, aparentemente surtira efeito.
Deste modo, compreende-se que, o lulismo enquanto movimento que
constitui-se a partir de um “reformismo fraco”, agarrado na raízes da plataforma
de defesa dos interesses da “base social subproletária” ou com a capacidade de
seguir com o aumento dos postos de trabalho e da capacidade de consumo sem o
confronto com o capital. Isso, em suma, quer dizer que a consolidação do lulismo

estavam vinculados à mudanças estruturais como postos de trabalho melhor remuneradas, e sim a políticas
conjunturais de incentivo ao consumo e à melhoria da renda das classes baixas, com destaque para a
ampliação do crédito pessoal e os aumentos reais do salário mínimo.”
9
Diante entrevista concedida a meio de comunicação, o então presidente Lula afirma que a crise financeira
que assolava o mundo seria apenas uma “marolinha” no Brasil.
implica necessariamente no “reordenamento das relações de classe”, com saídas
que criam, simultaneamente, uma despolarização e uma repolarização da política,
onde o Executiva arbitra os conflitos de classe, cumprindo o papel de juiz.
Nesse contexto que compreende-se a política lulista como a que vai mediar
a cada conjuntura os pontos de equilíbrio entre os fatores, capital e trabalho, para
que de modo a usar a arbitragem do Executivo, o capital não seja o preferido:

“o projeto lulista não é o de resolver as contradições em favor


de uma das coalizões, e sim mantê-las em relativo equilíbrio,
cujo patamar é determinado pela necessidade de favorecer o
subproletariado com crescimento médio e inflação baixa”.

Assumindo o ditado popular, “mudar para manter”, os governos petistas


passaram a acreditar no papel humanizador do capital. Deixando um hiato
reflexiavo onde uma questão paira no ar “Seria o reformismo fraco capaz de
proteger o trabalho da tirania do mercado num mundo dominado pelo capitalismo
neoliberal?”.
Uma reflexão morna que é caminho de migalhas para questionarmos como,
por exemplo, no governo Lula foram criados cerca de 10,5 milhões de postos de
trabalho formais, mas mesmo tendo sido criados sob a “proteção da lei” são
empregos precarizados, calcados na superexploração do trabalho como no
telemarketing, ou na construção civil, aproveitadores da exploração da mais valia
do trabalhador. Assim, “o lulismo aceita certa ‘flexibilização’, na prática, das
condições de trabalho”. Mas como, teme o conflito, junta todas essas questão a
poeira, empurra por sob o tapete e fingem que ali não estão.
Culminaram por todo o país greve e movimentações sindicais, no segundo
mandato de Lula e no de Dilma, em obras do PAC10, como nas usinas hidrelétricas
de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte,na Amazônia brasileira, não podendo
esquecer que o Estado não humaniza e nem doma o capital.

10
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cujo objetivo era intensificar o ritmo de progresso
econômico do país e torná-lo sustentável ao longo do tempo, com a realização de grandes obras de
infraestrutura urbana, social, energética e logística.
Porém, para Singer, “é melhor pingar do que secar”, pois tendo em vista as
condições do subproletariado no Brasil, o “reformismo lento” seria “rápido”, ao
contrário do ponto de vista da totalidade da classe trabalhadora11.
O entendimento de que o lulismo tendo um sentido de pertencimento de
classe específico com a diminuição da pobreza e não do combate a desigualdade,
sustentados pelo subproletariado atua em prol do equilíbrio de classes, entre
proletariado e capital, já que a arbitragem ali está para que nenhuma das forças
tenha ganho para realizar seu desígnio: nem o reformismo forte e nem o
neoliberalismo voraz. Foi isso a supressão do conflito e erro de lula, o erro na não
centralidade de classe, com o realinhamento ocorreu uma nova polarização entre
ricos e pobres que substituiu a antiga polarização entre direito e esquerda.
A partir de todo o expostos e do acreditar na centralidade do trabalho e da
expressão territorial da luta, pontua-se a necessidade do combate as crescentes
desigualdades social do país, não pode-se continuar permitindo que sejamos o país
da miséria e dos milionários, onde o reformismo fraco acredite no conto do sapo e
do escorpião.

11
Vejamos o poder da retórica a respeito: “Para quem está se libertando do inferno do desemprego, a
precariedade com carteira assinada é um patamar superior, ainda que prenhe de novas contradições, como
as revoltas nas grandes hidrelétricas em construção – Jirau, Santo Antônio e Belo Monte – explicitam. Em
suma, o reformismo fraco, por ser fraco, implica ritmo tão lento que, por vezes, parece apenas eternizar a
desigualdade. [...] Mas o fato de ser reformismo provoca mudanças expressivas onde o atraso deixava a
pobreza intocada. Por isso, não deve ser confundido nem com o reformismo forte, que ele arquivou por
quem sabe quanto tempo, nem com o neoliberalismo, que ele brecou, abrindo processo de transformação
no outro sentido” (p. 199-200).
Referência Bibliográficas

RESTREPO, Eduardo; ROJAS, Axel. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y


cuestionamentos. 2010, p. 17
SINGER, André. Os sentidos do Lulismo: reforma gradual e pacto conservador.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012
José Maurício Domingues, “Identodades e dominação, solidariedade e
projetos”. In: América Latina e Modernidade Contemporânea: Uma interpretação
sociológica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009
Verónica Gago, “Prólogo” e “Introdução”. In: A Razão Neoliberal.
Economias barrocas e pragmática popular. São Paulo, Elefante, 2018

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