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ISSN 2179-4545

EDIÇÃO ESPECIAL
Revista do Observatório Brasil
da Igualdade de Gênero

TEMA:
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
E IGUALDADE DE GÊNERO

Junho/2012
Edição Especial

REVISTA DO
OBSERVATÓRIO BRASIL
DA IGUALDADE DE GÊNERO

Tema

Desenvolvimento Sustentável
e Igualdade de Gênero
Dilma Rousseff
Presidenta da República

Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres

Lourdes Maria Bandeira


Secretária-Executiva

Vera Lucia Lemos Soares


Secretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas

Tatau Godinho
Secretária de Avaliação de Políticas e Autonomia Econômica das Mulheres

Aparecida Gonçalves
Secretária de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres

Linda Goulart
Chefe de Gabinete

Sônia Malheiros Miguel


Assessora Especial
© 2012. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres

Elaboração, distribuição e informações


Secretaria de Políticas para as Mulheres – Presidência da República
Via N1 Leste s/nº, Pavilhão das Metas, Praça dos Três Poderes
Zona Cívico-Administrativa
70150-908 – Brasília-DF
Fone: (61) 3411-4246
Fax: (61) 3327-7464
spmulheres@spmulheres.gov.br
www.spmulheres.gov.br

Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher

Equipe Técnica do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero


Filipe Hagen Evangelista da Silva
Guaia Monteiro Siqueira
Mariana Mazzini Marcondes

Revisão e Edição
Guaia Monteiro Siqueira

Projeto Gráfico e diagramação


Gráfica e Editora Movimento
Setor Hoteleiro Sul, Quadra 01, Loja 42 - Galeria do Hotel Nacional - Asa Sul
Tel.: 61 3248-2771

Agradecimentos
Julia Simões Zamboni

Distribuição gratuita
1ª Tiragem: 1000 exemplares em agosto de 2012.
5000 exemplares da Revista foram publicados em CD em junho de 2012

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade das autoras e
autores, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da Secretaria de Políticas para as
Mulheres.

É permitida a reprodução parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte.

Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)

Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mulheres.


Edição Especial da Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. 1ª Impressão. Brasília: Secretaria
de Políticas para as Mulheres, 2012. 112p.

1. Desenvolvimento sustentável. 2. Igualdade de gênero. 3. Feminismo. 4. Justiça Ambiental


2. Observatório Brasil da Igualdade de Gênero. II. Secretaria de Políticas para as Mulheres. III. Brasil
Índice
Apresentação 07
Ministra Eleonora Menicucci

Editorial 09
Equipe Técnica do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero

Parte 1 – As políticas públicas para as mulheres e o desenvolvimento


sustentável em debate

Sustentabilidade e políticas públicas para a igualdade 15


de gênero rumo à Rio +20
Ministra Eleonora Menicucci
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos 22
caminhos do empoderamento das mulheres
Emma Siliprandi
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul 31
Andréa Butto
Karla Hora
A contribuição da economia solidária para a autonomia das mulheres 46
Paul Singer
Coluna – A economia solidária e as mulheres 51
Vera Lucia Ubaldino Machado
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE 52
Albaneide Peixinho

Parte 2- A participação social e as políticas para o desenvolvimento


sustentável e igualdade de gênero: as experiências do CONSEA
e do CNDM

Participação social: a experiência do CONSEA 59


Francisco Menezes
Índice
Depoimento – Igualdade de gênero e agroecologia 69
Maria Emília Lisboa Pacheco
Depoimento – Desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero 72
e participação social
Justina Cima

Parte 3 – Feministas em movimento

Feminismo e soberania alimentar 77


Miriam Nobre
Bate-papo - A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos 83
Schuma Schumaher e Joluzia Batista
Coluna – Mulheres Negras por Justiça Socioambiental 87
Lúcia Xavier
Entrevista – As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável 89
Carmen Foro
Mulheres indígenas e a Rio +20 99
Tânia Mara Almeida

Mural: o que está acontecendo e o que acontecerá... 103


Equipe Técnica do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero

Anexos 106

1. Programação do Curso Formação em Políticas Públicas para a


Igualdade de Gênero com ênfase em Políticas para as Mulheres
Rurais e Segurança Alimentar

2. Informação sobre os países participantes

Glossário de instituições 111


Apresentação
É com orgulho que a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM/PR) apresenta
esta edição especial da Revista do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, com foco
no desenvolvimento sustentável e a igualdade de gênero.

Essa edição especial da revista busca dialogar com o contexto geral em que se
encontra o mundo e mais precisamente o Brasil, que receberá no Rio de Janeiro, em
junho de 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável
(Rio +20). A cidade será palco também da Cúpula dos Povos na Rio +20 por Justiça Social
e Ambiental.

Esse diálogo busca pautar-se pela pluralidade que deve estar presente no debate
sobre o desenvolvimento sustentável e a igualdade de gênero. Pluralidade de temáticas:
a realidade dos meios urbanos e rurais, a política para as mulheres, a agroecologia,
a inclusão produtiva, a segurança alimentar e nutricional e a economia solidária,
consideradas nos níveis local, nacional e internacional.

Pluralidade na compreensão de quem são as mulheres: urbanas, rurais e de


comunidades e povos tradicionais, brancas, negras e indígenas, heterossexuais, lésbicas
e bissexuais, além de tantas outras identidades que devem ser consideradas para a
reflexão proposta nas páginas seguintes.

Pluralidade, ainda, de visões e perspectivas, trazendo vozes que representam os mais


diversos espaços de construção da igualdade entre mulheres e homens, como dirigentes
e técnicos/as governamentais, acadêmicos/as e militantes de movimentos feministas
e de mulheres. Por fim, pluralidade de abordagens, apresentando artigos, colunas,
entrevistas, depoimentos e bate-papo.

Esperamos que o material apresentado possa provocar o debate e estimular a


reflexão sobre modos de vida verdadeiramente sustentáveis, e sem qualquer forma de
discriminação, contribuindo para a construção em curso de uma sociedade mais justa para
todas as pessoas. Justiça social que só se torna possível se articulada ao desenvolvimento
econômico, ambiental, político e cultural. E que deve, para se materializar no dia a dia
das pessoas reais, considerar as desigualdades de gênero, raça, classe e outras formas de
desigualdade, que estruturam os desafios que desejamos superar.

7
A SPM/PR assume, por meio de iniciativas como o Observatório Brasil da Igualdade
de Gênero, seu compromisso com a participação e o controle social, que se fortalece por
meio da produção e disseminação de dados, estudos e estatísticas sobre as desigualdades
que as mulheres vivenciam. Mas também de como o Governo e a sociedade civil vêm
planejando, atuando e avaliando políticas para as mulheres concretizando o compromisso
com a igualdade de gênero para tornar possível uma sociedade mais democrática e
igualitária.

Eleonora Menicucci
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres
Presidência da República

8
Editorial
A oportunidade de contribuirmos participaram de um rico intercâmbio
para o debate sobre o desenvolvimento sobre a inclusão produtiva nos meios
sustentável e a igualdade de gênero, urbano e rural, a segurança alimentar
pautado em 2012 especialmente em e a igualdade de gênero, que envolveu
decorrência da realização da Conferência 28 palestrantes com as mais diversas
da Rio +20 (Conferência das Nações Unidas trajetórias – representantes de Governo,
sobre Desenvolvimento Sustentável), foi acadêmicos/as, movimento feminista,
a razão que moveu o Observatório Brasil demais movimentos sociais, conselheiros/
Igualdade de Gênero a realizar essa edição as de diversas instâncias participativas,
especial de sua revista anual. dentre outros.

O curso Formação em Políticas Públicas para a Igualdade de Gênero com


ênfase em Políticas para as Mulheres Rurais e Segurança Alimentar foi realizado
pela SPM, em parceria com o CONSEA, o MDA e a ABC, entre os dias 27 de fevereiro
e 9 de março, para representantes de 29 países da Ásia, África, América Latina e
Caribe.
Teve como objetivo oferecer conteúdo teórico e prático de políticas transversais
de igualdade de gênero, com base na experiência brasileira na institucionalização
de programas e políticas coordenados pela Secretaria de Políticas para as Mulheres,
especialmente nas políticas desenvolvidas para as mulheres no âmbito rural e
aquelas relacionadas à segurança alimentar.

Mais informações: Vide Anexo.

A proposta surgiu de uma iniciativa Nesse contexto de intensas trocas, a


bastante inovadora, que foi o Curso Equipe Técnica do Observatório Brasil
Internacional de Formação em Políticas Igualdade de Gênero compreendeu a
Públicas para a Igualdade de Gênero, relevância de traduzir aquele processo
com ênfase em Políticas para as Mulheres em uma publicação que permitisse
Rurais e Segurança Alimentar. Ocorrido disseminar seus resultados, para
em Brasília, de 27 de fevereiro a 9 de além das pessoas que estiveram
março, o curso foi resultado de uma envolvidas no curso. A proposta
parceria da SPM/PR com o CONSEA, seria um panorama sobre políticas
MDA e ABC. Representantes de 29 países públicas inovadoras sobre os temas,

9
Editorial
a importância da participação social nas edição especial é prestar sua contribuição
mais diversas instâncias, a cooperação para que representantes de Governos,
regional e, ainda, o protagonismo dos movimentos sociais, acadêmicos/as e
movimentos de mulheres e feministas cidadãos/ãs em geral possam trazer
para que toda essa trajetória fosse, de para o seu cotidiano a reflexão sobre o
fato, uma realidade. desenvolvimento sustentável e gênero.

A temática do “desenvolvimento Muitas vozes e muitas mãos:


sustentável e gênero” já vinha em um apresentação dos textos, depoimentos,
percurso de assimilação pelas políticas entrevistas e informações da Edição
do Governo Federal. Além disso, o tema Especial - Desenvolvimento Sustentável e
estava em discussão no contexto do Igualdade de Gênero.
debate político mais amplo e as reflexões
acadêmicas já vinham se debruçando A Revista do Observatório Brasil da
sobre a importância dessa convergência. Igualdade de Gênero – edição especial,
Entretanto, em 2012, a agenda traz artigos, entrevistas, depoimentos e
internacional garantiria uma oportunidade colunas que expressam diversas vozes
única para que todos/as essas vozes se do debate sobre o desenvolvimento
encontrassem para debater o futuro: A sustentável e igualdade de gênero:
Rio +20. A Conferência, que ocorrerá em representantes do Governo, acadêmicos/
junho de 2012 no Rio de Janeiro, projeta- as, conselheiros/as de diferentes
se como uma oportunidade única para Conselhos, movimentos feministas e
que o desenvolvimento sustentável seja de mulheres. Isso porque entendemos
discutido na perspectiva da igualdade que a complexidade do debate proposto
de gênero, e que, ainda, a luta pela pressupõe uma pluralidade de reflexões e
igualdade entre mulheres e homens trocas sobre seus mais diversos aspectos.
afirme, definitivamente, a incorporação
O primeiro texto desta Revista,
do desenvolvimento sustentável na sua
Sustentabilidade e Políticas Públicas para
plataforma política emancipatória.
a Igualdade de Gênero Rumo à Rio +20,
É nesse ponto que convidamos alguns/ de autoria da Ministra de Estado Chefe da
mas dos/as palestrantes do curso para Secretaria de Políticas para as Mulheres
integrarem a nossa proposta de disseminar da Presidência da República, Eleonora
os resultados do Curso Internacional. A Menicucci, resgatando os antecedentes
essa proposta inicial, somaram-se outros do processo de construção da agenda
debates que vinham sendo pautados em política nacional e internacional em
diversos espaços, e o resultado segue prol da igualdade de gênero. Destaca
nas próximas páginas. O objetivo dessa a importância da criação da Rede de

10
Editorial
Mulheres Líderes pela Sustentabilidade as mulheres rurais, como nos mostram
que, em diálogo com a Política Nacional as autoras Andréa Butto e Karla Hora no
para as Mulheres e com o processo artigo Políticas para as Mulheres Rurais
de conferências nacionais de políticas no Mercosul, que analisa a experiência
para as mulheres, insere na agenda da da Reunião Especializada de Agricultura
Conferência das Nações Unidas sobre o Familiar (REAF) no Mercosul.
Desenvolvimento Sustentável, a discussão
de estratégias que possibilitem articular os Novas alternativas vêm sendo
temas ambientais à garantia dos direitos construídas ao modo de produção
das mulheres. dominante. A economia solidária vem,
na atualidade, projetando-se como um
Convergindo com a Política Nacional caminho possível para a construção da
para as Mulheres, importantes autonomia das mulheres, como argumenta
programas e políticas públicas vêm sendo Paul Singer, no artigo A contribuição da
implementados pelo Estado brasileiro, economia solidária para a autonomia
permitindo uma visão combinada entre das mulheres. Trazendo informações
a produção e o consumo de alimentos. sobre os principais elementos da
Nesse contexto, Emma Siliprandi economia solidária – como a autogestão,
analisa, no artigo Pobreza Rural, a democratização das decisões sobre a
Agricultura e Segurança Alimentar: os produção e a socialização dos ganhos – o
muitos caminhos do empoderamento artigo aponta oportunidades para que as
das mulheres, a realidade das mulheres mulheres possam assumir o protagonismo
rurais, na articulação entre as esferas em empreendimentos que se pautem
produtivas e reprodutivas, identificando pela solidariedade e não pelo lucro. Ainda
os desafios e avanços em relação à no contexto da economia feminista, Vera
promoção da autonomia das mulheres. Lucia Ubaldino Machado assina a coluna
A autora destaca, ainda, as experiências A Economia Solidária e as Mulheres,
dos movimentos de mulheres rurais e trazendo dados sobre a realidade atual e
as experiências de políticas públicas apontando caminhos para uma economia
brasileiras, especificamente os solidária comprometida com a agenda
incentivos às organizações produtivas feminista.
das mulheres rurais, esforços para
erradicação da pobreza e o Programa de Definir novos paradigmas para o
Aquisição de Alimentos – PAA. conceito da sustentabilidade é, contudo,
uma tarefa que deve ser (e vem sendo)
A integração regional é um caminho assumida pelo Estado, por meio de
imprescindível para a construção e equipamentos sociais e políticas que
implementação de políticas públicas para respondam às necessidades de cuidado

11
Editorial
e da educação infantil, diminuindo a mais dessa experiência, a equipe técnica
responsabilização das famílias e, dentro do Observatório Brasil de Igualdade de
delas, das mulheres. O texto Política Gênero conversou com Maria Emília
Social de Alimentação e Nutrição: PNAE, Lisboa Pacheco, presidenta do CONSEA
de Albaneide Peixinho, apresenta essa e representante da Associação Nacional
importante política pública, que deve ser de Agroecologia – ANA, que nos deu um
compreendida como um caso exemplar de depoimento sobre os avanços e desafios
convergência entre a produção sustentável para a incorporação das demandas das
da agricultura familiar, a alimentação mulheres na agenda da agroecologia e da
saudável das crianças em fase escolar e a sustentabilidade, como é possível conferir
assunção da responsabilidade pelo cuidado nas próximas páginas.
pelo Estado, através do oferecimento das
refeições realizadas nas escolas. O CNDM, criado em 1985 e tendo
sempre atuado de forma pioneira na
O desenvolvimento sustentável e mobilização para as pautas de igualdade
a igualdade de gênero não podem ser de gênero e garantia de direitos das
concretizados sem a garantia da participação mulheres, não fez diferente no processo da
social, o que torna essencial conhecermos Rio + 20, tendo sido espaço de importantes
as experiências dos Conselhos, tais como o debates entre as conselheiras e os/as
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Ministros/as Eleonora Menicucci (SPM/
Nutricional – CONSEA e o Conselho Nacional PR), Isabela Teixeira – MMA e Antonio
de Direitos da Mulher – CNDM. No texto Patriota – MRE, no dia 30 de maio (vide
Participação social: a experiência do CONSEA, Mural). Conversamos com a conselheira
Francisco Menezes explicita as experiências Justina Cima. Ela nos falou sobre a sua
do CONSEA, desde 2003, abordando a sua participação no CNDM e sua trajetória
participação em diversas políticas públicas como militante camponesa, destacando
de relevo para a inclusão produtiva e a conquistas e desafios para um projeto de
segurança alimentar e nutricional, tais como Estado e de sociedade que incorpore o
o Fome Zero, o PNAE, o PAA, o PBF e o Um desenvolvimento, a igualdade de gênero
milhão de cisternas. Além disso, projeta e a pauta de luta das mulheres rurais. E
elementos para pensarmos na importância ainda vai além. Seu depoimento para a
da democracia participativa na construção nossa Revista está disponível nas próximas
do Estado Democrático de Direito. páginas.

O CONSEA vem sendo palco de Na seção Feministas em movimento,


importantes avanços na reflexão Miriam Nobre, no texto Feminismo e
sobre desenvolvimento sustentável e Soberania Alimentar, discute a economia
igualdade de gênero. Para conhecer feminista e a importância da reprodução

12
Editorial
social para a sustentabilidade da vida por Justiça Socioambiental.
humana, enfatizando os diferentes
projetos para o campo, e a sua articulação Carmen Foro, Secretária da Comissão
com a cidade. Por fim, contextualiza a Nacional de Mulheres Trabalhadoras
luta do movimento feminista em relação Rurais da CONTAG e conselheira do CNDM,
a esses aspectos, destacando que o nos concedeu uma entrevista e contou
movimento assume a tarefa de questionar sobre sua inserção no movimento de
o próprio funcionamento da sociedade, mulheres do campo e da floresta e sobre
por estar ela calcada na desigualdade, na as proposições feministas em relação ao
exploração e na opressão. desenvolvimento sustentável.

Para conversar sobre a mobilização Finalizando esta seção, apresentamos o


feminista para a Cúpula dos povos e artigo de Tânia Mara Almeida, Mulheres
as pautas que estarão em debate nas indígenas e a Rio+20, que traz aspectos
atividades no Rio – e para além delas – relevantes para o debate sobre a realidade
o Observatório Brasil da Igualdade de da mulher indígena, além dos principais
Gênero recebeu Schuma Schumaher e desafios em relação ao reconhecimento
Joluzia Batista. Na oportunidade, elas nos de identidade política desse grupo de
explicaram como estão sendo organizadas direitos, e sua convergência com a questão
as Caravanas que rodarão o país, além da gestão ambiental e territorial em nosso
de nos contar um pouco mais sobre país.
as expectativas, avaliações e desafios
Por fim, na seção “Mural”, apresentamos
para o debate sobre o desenvolvimento
algumas informações sobre eventos e
sustentável e a agenda das mulheres.
atividades relevantes que aconteceram ao
Ainda no contexto da Cúpula dos longo desse período e que ocorrerão na Rio
Povos, mas com especial atenção à +20 e na Cúpula dos Povos.
perspectiva das mulheres negras sobre
o desenvolvimento sustentável, Lúcia
Xavier assina a coluna Mulheres Negras

13
Parte 1 As políticas públicas para as mulheres e o
desenvolvimento sustentável em debate

Sustentabilidade e políticas públicas para a igualdade de


gênero rumo à Rio +201
Ministra Eleonora Menicucci²

Inicio este texto destacando a produção. Por este compromisso, desde


importância da criação da Rede o primeiro momento, a Rede contou com
Brasileira de Mulheres Líderes pela o apoio da Secretaria de Políticas para as
Sustentabilidade, lançada em 8 de Mulheres da Presidência da República –
novembro de 2011 pela Ministra do SPM/PR.
Meio Ambiente – MMA, Izabella Teixeira.
Acredito que devemos aproveitar as
Essa iniciativa prevê ações em parceria oportunidades, tais como a realização
que possam contribuir para a elaboração da Conferência das Nações Unidas sobre
de uma agenda pragmática que una Desenvolvimento Sustentável (Rio +20),
esforços, tanto na efetivação de ações que colocam diante de nós, mais uma
que promovam a equidade de gênero, vez, a possibilidade de articularmos
quanto em relação à sustentabilidade. os temas ambientais aos direitos das
Essas ações devem causar impacto mulheres.
em três diferentes agendas: o
empoderamento das mulheres; o Acordos internacionais e regionais
incentivo aos negócios sustentáveis; e sobre os direitos das mulheres já vêm,
mudanças nos padrões de consumo e tradicionalmente, indicando essas linhas

1. Este texto é resultado da apresentação da Ministra Eleonora Menicucci – SPM-PR – no encontro da Rede
Brasileira de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade, organizada pelo Ministério do Meio Ambiente, ocorrido no dia
31 de maio no Auditório Tom Jobim/Jardim Botânico – Rio de Janeiro/RJ.

2. Ministra de Estado Chefe da SPM/PR, nomeada e empossada em fevereiro de 2012. É Professora Titular
licenciada em Saúde Coletiva no Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (1974), mestrado em
Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba (1983), doutorado em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(1990), pós-doutorado em Saúde e Trabalho das Mulheres pela Facultá de Medicina della Universitá Degli Studi Di
Milano (1994/1995) e livre docência em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo
(1996).

14
Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

de articulação. A Plataforma de Ação da da terra, assim como ao acesso à água,


IV Conferência Mundial sobre a Mulher bosques e biodiversidade em geral, é
(Beijing, 1995) incluiu um item específico mais restrito para as mulheres que para
sobre a mulher e o meio ambiente, com os homens; que o uso desses recursos
três objetivos estratégicos: naturais está condicionado pela divisão
sexual do trabalho; que a poluição
a) Envolver a participação da mulher ambiental tem impactos específicos sobre
na adoção de decisões relativas ao meio as mulheres na cidade e no campo, e
ambiente; que é preciso que o Estado reconheça o
aporte das mulheres à conservação da
b) Integrar a perspectiva de
biodiversidade, implemente políticas de
gênero nas políticas e programas do
ação afirmativa e garanta o exercício de
desenvolvimento sustentável;
seus direitos neste âmbito.
c) Fortalecer ou estabelecer
Para enfrentar os desafios para a
mecanismos, em nível nacional, regional
promoção da autonomia das mulheres e
ou internacional, para avaliar o impacto
da igualdade de gênero os países reunidos
das políticas de desenvolvimento e
na XI Conferência Regional sobre a Mulher
ambientais na vida das mulheres.
adotaram uma série de acordos para
Seguindo esta linha, o Consenso de a ação. Entre esses, os que objetivam
Brasília, aprovado em 2010, quando da conquistar maior autonomia econômica
realização da XI Conferência Regional e igualdade na esfera do trabalho, tais
sobre a Mulher da América Latina e Caribe como:
destaca em seu preâmbulo a significativa
A valorização social e o reconhecimento
contribuição das mulheres, em toda sua
do valor econômico do trabalho não
diversidade, à economia nas dimensões
remunerado realizado pelas mulheres na
produtiva e reprodutiva. Prioriza,
esfera doméstica e do cuidado.
ainda, o desenvolvimento de múltiplas
estratégias para enfrentar a pobreza e A garantia do acesso das mulheres a
preservar os conhecimentos, incluindo os ativos produtivos incluindo a terra e os
conhecimentos científicos, e as práticas recursos naturais, e o acesso ao crédito
fundamentais para a sobrevivência e a produtivo, tanto urbano como rural.
sustentação da vida, especialmente no que
se refere à saúde integral e à segurança A promoção da autonomia econômica
alimentar e nutricional. e financeira das mulheres por meio
da assistência técnica, do fomento da
O Consenso chama a atenção para capacidade empresarial, do associativismo
o fato de que o direito à propriedade

15
Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

e do cooperativismo, mediante a das assimetrias baseadas em relações de


integração de redes de mulheres a poder discriminatórias e desigualdades
processos econômicos, produtivos e de - são articuladas sob os aspectos
mercados locais e regionais. econômicos, políticos, sociais, culturais e
ambientais.
Em relação ao Estado brasileiro, a
Política Nacional para as Mulheres define Considerando essa perspectiva, as
as diretrizes políticas de ação, enfatizando discussões e temas da Conferência Rio +
o desenvolvimento sustentável no meio 20 se enquadram, para nós, nos marcos
rural e nas áreas urbanas, com garantia de dos compromissos do Governo brasileiro
justiça ambiental, soberania e segurança com a inclusão da perspectiva de gênero
alimentar. em todo o processo de sustentabilidade
econômica, política, social, cultural, em
A sustentabilidade tem profunda que as mulheres urbanas, rurais, indígenas,
conexão com as políticas estabelecidas ribeirinhas, quilombolas, das florestas e
pelos planos nacionais de políticas para negras estruturam este processo.
as mulheres³, em que a justiça social e a
equidade - referenciais para a eliminação

3. São dois os planos nacionais de políticas para as mulheres. O I PNPM, publicado em 2005, construído com
base nos resultados da I Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, e o II PNPM, aprovado pela II Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2007.

16
Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

Desde 2005, a SPM/PR vem eleger mais mulheres para as Câmaras


desenvolvendo uma importante ação Municipais e Prefeituras, além de pautar
diretamente ligada à primeira agenda da o tema da igualdade e das políticas para
Rede - o empoderamento das mulheres as mulheres nas campanhas e em todo o
- o “Programa Pró-Equidade de Gênero processo eleitoral.
e Raça”. Esse programa busca promover
a igualdade de oportunidades e de A segunda agenda da Rede – o
tratamento entre homens e mulheres incentivo aos negócios sustentáveis –
nas organizações públicas e privadas e nos coloca outros importantes desafios
instituições por meio do desenvolvimento e, associando-o com o desafio de
de novas concepções na gestão de pessoas empoderar as mulheres, destaco um foco
e na cultura organizacional. O Programa importante de atuação: a articulação com
Pró-Equidade é uma iniciativa do Governo as organizações das trabalhadoras rurais.
Federal que conta com o apoio da ONU
O empoderamento econômico das
Mulheres e da OIT e está em sua 4ª edição.
mulheres rurais em nosso país ainda
O Programa tem como objetivos: enfrenta muitos desafios: a maioria
conscientizar empregadores/as e estimular delas trabalha predominantemente para
as práticas de gestão que promovam a o autoconsumo e sem auferir renda
igualdade de oportunidades entre homens monetária – em um trabalho que é
e mulheres; reconhecer publicamente essencial para a segurança alimentar e
o compromisso das organizações com a que gera riquezas não contabilizadas.
equidade de gênero e raça no mundo do Elas são as principais responsáveis pela
trabalho; criar a rede pró-equidade de preservação dos bens da natureza e
gênero e raça; e construir um banco de guardiãs de conhecimentos tradicionais,
dados de boas práticas de gestão. A SPM/ mas permanecem minoritárias no acesso
PR vem reafirmando a cada edição os as terras, aos serviços rurais e a outros
desafios colocados pelo Programa, para as recursos produtivos.
81 organizações atualmente participantes,
Mas a realidade acima descrita vem
pautando o tema da sustentabilidade
se transformando, em especial a partir
como fundamental para essa nova cultura
de 2003, a política de desenvolvimento
organizacional.
implementada no Brasil nos últimos
Ainda em relação ao empoderamento anos foi responsável pela retirada de
das mulheres, destaco mais uma 28 milhões de pessoas da pobreza, das
grande oportunidade de ação para o quais 4 milhões no meio rural. O Governo
fortalecimento dessa agenda: as eleições brasileiro investe cada vez mais para que as
de 2012, que mais uma vez possibilitarão políticas públicas para o desenvolvimento

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Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

rural e a segurança alimentar prezem pela que integra políticas para as mulheres
igualdade de gênero e incluam as questões rurais e as articula com o II Plano
étnico-raciais e de origem geográfica, Nacional de Políticas para as Mulheres – II
considerando a autonomia das mulheres PNPM4. São ações conjuntas de distintos
em suas distintas facetas – econômica, ministérios, concentradas em especial no
social, cultural e pessoal – como um Ministério do Desenvolvimento Agrário –
dos pilares centrais do novo ciclo de MDA e na SPM/PR. 
desenvolvimento. Várias destas ações são
executadas a partir da implementação de Os compromissos com a Agenda 215 e a
medidas afirmativas, como cotas, além de Carta da Terra6 elegeram como princípios
garantir financiamentos específicos para as orientadores de consensos, a necessidade
organizações econômicas e investimentos de se efetivarem mudanças nos padrões
na capacitação dos/das gestores/as para de produção e consumo, de se garantir
atuar com mulheres. o pleno exercício dos direitos humanos
e a inclusão das mulheres em todas as
O país vem consolidando uma agenda dimensões da cultura e da política, e em
de promoção de desenvolvimento rural especial, de se promover o combate à

4. No II PNPM é importante destacar o Capítulo 1 (Autonomia Econômica e Igualdade no Mundo do Trabalho),


Capítulo 6 (Desenvolvimento Sustentável no meio rural, na cidade e na floresta, com garantia de justiça ambiental,
soberania e segurança alimentar) e Capítulo 7 (Direito à terra, moradia digna e infra-estrutural social nos meios rural e
urbano, considerando as comunidades tradicionais). A importância dessas temáticas foi reafirmada na III Conferência
Nacional de Políticas para as Mulheres. Vide http://www.sepm.gov.br/destaques/documentos/resolucoes-da-3a-
cnpm.

5. A Agenda 21 foi um dos principais resultados da conferência Eco-92 ou Rio-92, ocorrida no Rio de Janeiro,
Brasil, em 1992. É um documento que estabeleceu a importância de cada país refletir e se comprometer, global e
localmente, sobre a forma pela qual os governos, empresas, organizações não-governamentais e todos os setores da
sociedade poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas sócio-ambientais. Cada país desenvolve a sua
Agenda 21 e no Brasil as discussões são coordenadas pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da
Agenda 21 Nacional (CPDS).

6. A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção, no século 21, de
uma sociedade global justa, sustentável e pacífica. O projeto da Carta da Terra começou como uma iniciativa das
Nações Unidas, mas se desenvolveu e finalizou como uma iniciativa global da sociedade civil, divulgada em 2000 como
a “Carta dos Povos”.

18
Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

pobreza, o que dialoga com a terceira que desenvolverão, próximas ao local


agenda da Rede – as mudanças nos onde vivem as mulheres rurais, ações de
padrões de consumo e produção. prevenção, acolhimento e tratamento às
vítimas de violência familiar e doméstica,
Para além do combate à pobreza, o além de disseminarem informações sobre
enfrentamento a todas as formas de os direitos previstos na Lei Maria da Penha.
violência é condição necessária para No caso das mulheres das florestas, a SPM
um mundo efetivamente sustentável, ainda estuda estratégias que possibilitarão
sendo imprescindível que o projeto de o acesso aos serviços itinerantes, com
sustentabilidade em discussão repudie a a perspectiva de atendimento do maior
violência contra as mulheres. número possível de mulheres.
A Lei Maria da Penha, sancionada em Da mesma forma, os processos de
2006, reconhecida como marco histórico desenvolvimento devem ser combinados
de enfrentamento à violência doméstica com a superação das dificuldades e
e familiar contra as mulheres, já tem precariedades no acesso aos serviços
significativo alcance nos espaços urbanos públicos de saúde, garantindo o pleno
das cidades. Mas a garantia aos direito exercício dos direitos sexuais e reprodutivos,
previstos na Lei ainda é um grande desafio como o planejamento familiar, a gestação,
para as mulheres do campo e da floresta. parto e puerpério com uma assistência com
Além disso, cabe ressaltar que a violência qualidade. O projeto de sustentabilidade
contras as mulheres do campo e da floresta com recorte de gênero deve enfrentar
ultrapassa e muito a esfera doméstica e com firmeza a redução da morte materna
familiar, sendo considerado como um dos independente da causa que leve ao óbito,
maiores desafios o combate à exploração pois é inadmissível que mulheres morram
sexual e tráfico de mulheres. por causas evitáveis.
Um importante exemplo para a superação O direito à educação é um ponto
desses desafios foi o estabelecimento em central para o debate do desenvolvimento
2011 dos princípios, diretrizes e ações sustentável, o que torna intolerável uma
nacionais para o enfrentamento a violência educação discriminatória, sexista e racista.
contra as mulheres do campo e da floresta7.
Dentre elas, podemos citar a implantação, E não é possível, ainda, conceber um
ainda neste ano, de 54 Unidades Móveis mundo sustentável que conviva com a

7. Os princípios, diretrizes e ações para o enfrentamento citados podem ser acessados em http://www.sepm.
gov.br/publicacoes-teste/publicacoes/2011/campo-e-floresta.

19
Sustentabilidade e políticas públicas para a
igualdade de gênero rumo à Rio +20

diferença salarial existente entre mulheres e O engajamento de Governos e sociedade


homens, pois apesar da entrada de milhões civil em uma agenda de desenvolvimento
de mulheres no mercado de trabalho sustentável repercutirá, seguramente, para
nos últimos 30 anos, a diferença salarial que os debates da Conferência possam
permanece. O que demonstra a urgência efetivar uma pauta que, além dos temas
da superação das chamadas “barreiras indispensáveis, tais como os modelos
de gênero”. Essa presença no mundo energéticos, associem o desenvolvimento
do trabalho traz à tona a urgência da com a distribuição da riqueza e as propostas
participação das mulheres em termos de de um futuro com igualdade.
acesso a oportunidades e distribuição de
poder, decisões, responsabilidades, bens Ao mesmo tempo, a ativa participação
e riquezas.  das mulheres e de entidades
representativas em favor da igualdade de
Pensar o desenvolvimento sustentável gênero é um componente que pode fazer
com a inclusão das mulheres significa a diferença nessa Conferência.
reconhecer o trabalho doméstico, como
trabalho decente - como qualquer Assim, reafirmo em nome da
outro trabalho. Também reconhecer Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff,
a ação de cuidado e o autoconsumo, nosso compromisso com as mulheres
ainda concentrados nas mulheres, em contribuir para que o debate
como elementos de sustentação da vida sobre o desenvolvimento econômico
cotidiana que devem ser compartilhados considere as dimensões ambiental, social,
pelos homens e por toda a sociedade. cultural e política da igualdade entre
mulheres e homens. Para que possamos
Para nós isso se vincula a um novo viver numa sociedade mais justa e
paradigma de desenvolvimento, em que verdadeiramente sustentável.
sustentabilidade, e desenvolvimento
econômico se associam de forma
estrutural à igualdade, à distribuição
da riqueza e a uma igual distribuição do
trabalho e dos bens. 

As alternativas a serem construídas


precisam levar em conta o compartilhamento
do trabalho e das riquezas, de forma
que o uso dos bens naturais deixe de ser
concentrado social e geograficamente, no
mundo e no interior dos países.

20
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os
muitos caminhos do empoderamento das mulheres¹
Emma Siliprandi²

Como solicitado pela organização deste produtiva e onde o acesso dos produtores
painel, comentarei algumas experiências e das produtoras rurais – no que se
em curso no Brasil, procurando apontar refere às informações, financiamentos,
tanto os avanços alcançados como alguns assistência técnica, mercados – é
desafios que permanecem em pauta, do bastante precário. Mesmo nas regiões
ponto de vista de promoção da autonomia mais dinâmicas, as condições de vida
das mulheres rurais. da população são muito diferenciadas,
em função da concentração da terra e
Como é sabido, o Brasil é um da renda. Ademais, o modelo produtivo
país de grande extensão territorial baseado na grande propriedade traz
e é um grande produtor agrícola, conseqüências gravíssimas do ponto
participando do mercado internacional de vista ambiental, que recaem sobre
como exportador de vários produtos. toda a população, pela perda da
As condições de produção no biodiversidade, pelo desmatamento e
campo brasileiro são, no entanto, pela contaminação dos solos, da água
bastante diferenciadas. e do ar com os produtos químicos
utilizados nas lavouras. Vale lembrar
Por um lado, temos regiões de
que o Brasil é o campeão mundial no
agricultura intensiva, onde predominam
uso de agrotóxicos, muitos dos quais
as monoculturas, estruturadas em
proibidos em seus países de origem, o
grandes propriedades, com uso de
que tem provocado reações críticas de
tecnologias de ponta e com altos índices
vários segmentos da sociedade.
de produtividade; mas temos também
regiões deprimidas economicamente, Convivemos, por outro lado, com um
com deficiências em infra-estrutura grande contingente de famílias que vivem

1. Este texto foi preparado para o Painel “O empoderamento das mulheres rurais e seu papel na erradicação da
fome e da pobreza”, parte da 55ª. Sessão da Comissão sobre o status das Mulheres (CSW) da UN Women, ocorrida na
Sede da ONU, em Nova York, em 24 de fevereiro de 2011. O texto em inglês pode ser obtido em http://www.un.org/
womenwatch/daw/csw/csw55/panels/CSW56-theme-panel-Siliprandi,Emma.pdf.

2. Pesquisadora, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (NEPA), Universidade Estadual de Campinas


(UNICAMP), Brasil. E-mail: emma.siliprandi@gmail.com ou emma@unicmap.br.

21
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

e trabalham no meio rural e não tem acesso A realidade das mulheres dentro
a terra; assim como com um número da agricultura familiar é de muito
significativo de comunidades étnicas trabalho e pouco reconhecimento.
(indígenas, comunidades negras rurais As agricultoras brasileiras ainda hoje
– “remanescentes de quilombos”) que sofrem de invisibilidade social como
lutam para poder manter as suas tradições trabalhadoras e como cidadãs. Seu
culturais, inclusive no que diz respeito à trabalho é considerado uma “ajuda”
forma de produzir e de comercializar seus dentro da família, enquanto o homem
produtos. Situações diferenciadas também é considerado o verdadeiro “produtor
são vividas por famílias de pescadores rural”; conhecimentos e experiências
artesanais, moradoras das margens das mulheres, principalmente no que
dos rios na Amazônia (“ribeirinhos”) e se refere à produção de alimentos,
muitos outros produtores e produtoras são menosprezados; a representação
que combinam a produção agrícola de pública da família é outorgada ao
subsistência e voltada para o mercado homem, esperando-se que as mulheres
com o extrativismo florestal, a criação de permaneçam restritas ao mundo
pequenos animais e o artesanato. doméstico.

Esse conjunto de produtores que Ainda elas, têm menor acesso a terra e
trabalham em pequenas extensões aos instrumentos de produção; é comum
de terra com base na mão de obra da que não recebam remuneração por seu
família constitui a “agricultura familiar”, trabalho, pois os ganhos são somados à
e é sobre essa categoria de produtores renda familiar, cujo uso será decidido, na
que vou me referir neste texto. Segundo maioria das vezes, pelo chamado “chefe
o Censo Agropecuário de 2006 (IBGE), a da família”, sem a sua participação direta.
agricultura familiar brasileira é constituída A maioria das mulheres não tem poder
por 4,3 milhões de estabelecimentos de decisão sobre aspectos produtivos ou
rurais (84,4% do total de produtores sobre a comercialização dos produtos
agrícolas em nível nacional), que ocupam da unidade familiar, embora contribuam
24,3% da área, são responsáveis por 38% como força de trabalho nas lavouras e
do valor bruto da produção agropecuária, criações de animais, e, sobretudo, nas
por 74,4% do total das ocupações rurais, e atividades de manutenção da família.
respondem pela maior parte da produção Agricultoras ainda sofrem com a falta de
dos principais alimentos consumidos no documentos civis e profissionais, sem
país (feijão, arroz, milho, carne de frango, os quais não podem obter benefícios
entre outros). sociais e previdenciários.

22
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

Dentro das famílias as mulheres estão sua organização em grupos produtivos e à


permanentemente sobrecarregadas comercialização dos seus produtos. Essas
pelo acúmulo do trabalho doméstico com medidas são respostas a reivindicações
as tarefas agrícolas; além disso, muitas históricas e à ação política de vários
vezes, realizam atividades extras para movimentos de mulheres rurais, que,
obtenção de renda, trabalhando como desde a década de 1980, vêm conquistando
assalariadas em outras propriedades visibilidade social por meio de marchas
ou dedicando-se à transformação dos e manifestações massivas, articulando-
produtos agrícolas e ao artesanato. se com sindicatos, igrejas, organizações
não-governamentais, partidos políticos
Por todas essas razões, o acesso das e setores da extensão rural. No entanto,
mulheres às políticas de apoio à agricultura ainda hoje agentes de instituições
é bastante dificultado. Embora o sistema como bancos, empresas de assistência
jurídico brasileiro reconheça plenamente técnica e instituições públicas relutam
a igualdade entre mulheres e homens em reconhecer as mulheres agricultoras
e condene quaisquer discriminações como beneficiárias diretas das políticas,
baseadas no sexo, dentro das famílias, nas dificultando ou mesmo impedindo que
comunidades, e em muitas instituições, tenham acesso aos programas existentes.
persiste a visão patriarcal de que o homem
é o chefe da família. Essa visão é reforçada Vou apresentar aqui dois conjuntos
por práticas institucionais sexistas que, de experiências que estão em
muitas vezes, apoiadas em normas legais andamento no Brasil e que considero
e regulamentos pretensamente neutros, relevantes para se pensar políticas de
mas, na prática, omissos com relação ao erradicação da pobreza centradas no
gênero, contribuem para a manutenção empoderamento das mulheres rurais.
de uma cultura excludente com relação Comentarei brevemente cada uma
às mulheres. das experiências, apontando algumas
dificuldades enfrentadas pelas mulheres
Desde 2003, o Governo federal na busca do seu reconhecimento social,
brasileiro tem se empenhado fortemente e também sugestões de soluções para
em mudar essa situação, reconhecendo superação desses entraves.
as agricultoras como sujeitos de direitos,
e implantando políticas de incentivo à O primeiro conjunto de experiências
sua autonomia. Entre essas, podemos é uma iniciativa de organizações da
citar medidas para facilitar a obtenção de sociedade civil. Trata-se de grupos de
documentos, linhas de financiamentos mulheres que trabalham coletivamente,
específicas para as mulheres, assistência dentro de assentamentos de Reforma
técnica diferenciada, políticas de apoio à Agrária e em comunidades rurais, na

23
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

produção agroecológica de hortaliças, pioneiras na produção ecológica em


frutas e produtos processados (queijos, suas regiões.
doces, sucos de frutas, biscoitos e pães).
Cito como exemplos os grupos “Mulheres As mulheres desses grupos
Decididas a Vencer”, do Assentamento enfrentaram muitas dificuldades para se
Mulungunzinho, no município de Mossoró, consolidarem enquanto produtoras rurais
no Estado do Rio Grande do Norte; e o autônomas. Em primeiro lugar, porque
Coletivo de Mulheres do Assentamento os maridos não concordavam que elas
Dandara dos Palmares, no município tivessem uma atividade em separado,
de Camamu, no Estado da Bahia; a que não estivesse sob coordenação deles
Associação de Mulheres Agroecológicas próprios. Em segundo lugar, as mulheres
do Assentamento Vergel, no município tiveram que convencer as associações dos
de Mogi-mirim, no Estado de São Paulo, assentamentos a ceder uma área de terra
entre muitos outros, espalhados por para que plantassem coletivamente. Note-
várias regiões do país. se que as mulheres não tinham o direito
a voto nas assembléias das associações,
Esses grupos foram formados há cerca porque somente poderiam ser associados
de dez anos, por iniciativa das próprias os titulares do lote – no caso, os maridos.
mulheres, com o apoio de sindicatos, de Somente em 2003 criou-se uma norma
setores da igreja e de organizações não- federal (Portaria 981 do INCRA) que
governamentais; mais recentemente, estabelece que todos os títulos de terra
têm obtido também o apoio de algumas em assentamentos de Reforma Agrária
políticas estatais. São grupos relativamente devem ser emitidos em nome do casal
pequenos (cerca de vinte integrantes), mas, (homens e mulheres).
ao longo do tempo, foram aumentando
em tamanho e em abrangência territorial. As mulheres enfrentaram também
Foram criados com o objetivo de buscar dificuldades para obter financiamentos
alternativas de produção de alimentos e assistência técnica adequada. O fato
para as famílias e também para gerar de decidirem produzir ecologicamente,
renda para as suas participantes. A por outro lado, apareceu para as
preocupação das mulheres com a comunidades como se fosse um desafio
qualidade da alimentação e com a aos maridos, que trabalhavam de forma
sustentabilidade da produção ao longo convencional (não ecológica). Em alguns
do tempo fez com optassem por produzir casos, as atitudes dos homens foram
ecologicamente, cultivando uma maior além do simples descrédito, tentando
variedade de produtos na mesma área, impedir as mulheres de levarem
sem a utilização de agrotóxicos. Foram adiante suas iniciativas, chegando
mesmo a casos de violência: destruição

24
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

das plantações e dos instrumentos de o entendimento de que as dificuldades


trabalho, proibição das mulheres irem que sentiam não eram especificas
às reuniões, espancamentos. de cada uma, ou de sua família – fez
com que se apoiassem mutuamente,
Esses grupos se consolidaram e favorecendo o crescimento de cada
atraíram novas integrantes, multiplicando- uma dentro do grupo. A assessoria
se em diferentes municípios. Em muitas de organizações não-governamentais
regiões, se articularam com grupos mistos feministas e sensíveis às questões de
(formados por homens e mulheres). gênero também foi apontada como
Criaram redes de produtores e produtoras um dos fatores fundamentais para dar
ecológicas e de economia solidária o suporte necessário à consolidação
em escala regional e nacional, e suas dessas experiências.
representantes participam de eventos
em nível nacional e internacional. Alguns Em segundo lugar, vou comentar
grupos conseguiram formalizar-se e uma política governamental federal de
iniciaram experiências de venda de seus apoio à comercialização dos pequenos
produtos para mercados institucionais, agricultores, o Programa de Aquisição
tais como o Programa de Alimentação de Alimentos, criado em 2003, como
Escolar. Hoje essas mulheres são parte do Programa Fome Zero. Através
lideranças respeitadas nas comunidades desse Programa, o Governo compra
onde atuam, e participam politicamente alimentos diretamente de agricultores
de fóruns sobre saúde, educação, meio familiares (homens e mulheres) e de
ambiente e desenvolvimento rural de suas organizações, para serem doados
forma ampla. para instituições sociais (hospitais,
entidades assistenciais, escolas). Seus
Depoimentos das lideranças mostram objetivos são, por um lado, incentivar
a importância da organização coletiva a produção de alimentos na agricultura
de mulheres como fator essencial para familiar, permitindo a comercialização
a superação dos impasses enfrentados para o mercado institucional. Por
em nível familiar e institucional. A outro, contribuir para o acesso aos
organização de grupos de mulheres alimentos em quantidade, qualidade
favoreceu as atividades de formação e de e regularidade pelas populações em
capacitação, a melhoria da autoestima situação de insegurança alimentar e
das suas participantes e a capacidade nutricional, e colaborar na formação de
de resistir às adversidades, como por estoques. Está presente em todo o país
exemplo, a falta de experiência para e atinge cerca de 100 mil agricultores
atuar além dos mercados locais. Também anualmente.
a consciência da opressão de gênero –

25
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

O Programa de Aquisição de Alimentos casos em que o Programa cria (ou recria)


vem sendo avaliado positivamente por formas de escoamento para produtos
agentes estatais e pelo público atendido tradicionais que estavam sendo deixados
(produtores e entidades que recebem de produzir devido à homogeneização
os alimentos) em função dos seguintes da alimentação moderna, como é o
fatores: contribui para a diversificação caso de vários tipos de tubérculos e
da produção de alimentos nas unidades raízes, substituídos pela batata (Solanum
familiares e para a melhoria da renda e do tuberosum). O Programa tem absorvido
consumo das famílias de agricultores; ajuda mais de 300 produtos diferentes em
na estruturação (planejamento, gestão) nível nacional, com muitas variações
das unidades de produção familiares e regionais. As entregas dos produtos
de suas entidades associativas, servindo podem ser em pequenas quantidades e
como um estímulo para que participem de com periodicidade negociada entre os
novos mercados; melhora a alimentação produtores e as entidades recebedoras.
de setores vulneráveis da população e
promove o fortalecimento de redes de Esse Programa abre ainda uma
solidariedade, pela articulação em torno importante perspectiva para venda de
das políticas de segurança alimentar; e produtos processados, que permitem
promove o desenvolvimento local, uma agregação de valor aos produtos da
vez que, por sua concepção e forma de agricultura familiar, assim como para um
execução, proporciona o envolvimento conjunto de produtos do extrativismo,
de vários segmentos da sociedade e a que também estão sob responsabilidade
circulação de recursos financeiros dentro das mulheres.
do próprio município ou região.
No entanto, a participação formal das
Um das características do Programa mulheres agricultoras como fornecedoras
que o torna atrativo para as mulheres é ainda é bastante reduzida (menos de
o fato de que permite a comercialização 30% dos contratos). Vários fatores
de produtos tradicionalmente vinculados concorrem para essa situação, sendo
à esfera feminina, cultivados em áreas os mais importantes: as dificuldades
próximas à moradia ou em áreas não enfrentadas pelas mulheres para serem
aproveitadas para cultivos comerciais, que reconhecidas pelos agentes públicos e
normalmente seriam utilizados apenas dentro das famílias como responsáveis
para o autoconsumo. Alguns desses pela comercialização dos seus próprios
produtos já eram vendidos pelas mulheres, produtos; a falta de documentação
porém em escala menor, como as aves e os pessoal; e a fragilidade das organizações
ovos, as hortaliças e as frutas. Há, ainda, produtivas das mulheres. Pode-se afirmar
que, embora as mulheres se beneficiem

26
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

com o Programa, muitas vezes a sua interior. Muitas políticas e programas que
participação se dá de forma “anônima” e são dirigidos genericamente às famílias
subordinada, pois mesmo que os produtos acabam sendo apropriados somente pelos
estejam sob sua responsabilidade direta, homens, desequilibrando ainda mais as
os contratos, na maioria das vezes, são relações de poder entre os homens e as
firmados em nome dos maridos, que, mulheres. É preciso que haja recursos
com isso, mais uma vez podem ter o financeiros, humanos, institucionais e
controle sobre a renda obtida. É verdade vontade política para permanentemente
que, muitas vezes, o reconhecimento monitorar se os programas existentes
público de que aquela produção é estão promovendo ou não melhorias na
responsabilidade das mulheres ajuda vida das mulheres agricultoras.
a pressionar para que mudem também
relações no interior da família. As experiências comentadas mostram
que a formação de grupos produtivos de
Em que medida essas experiências mulheres que contem com o apoio de
nos ajudam a pensar políticas de instituições e de políticas públicas pode
superação da pobreza que, ao mesmo ser uma ferramenta importante para o
tempo, promovam a melhoria da seu fortalecimento e para a sua inserção
segurança alimentar das famílias e o nos mercados de produtos agrícolas,
empoderamento das mulheres rurais? melhorando a renda das mulheres, sua
autoestima e seu acesso a recursos e
Existem demandas históricas das oportunidades. No entanto, o caminho
mulheres rurais que ainda precisam ser em direção à sua autonomia dentro das
equacionadas, tais como o acesso aos famílias rurais ainda é longo. Passa também
recursos produtivos, as mudanças na por mudanças no espaço ocupado pelas
divisão sexual do trabalho e a valorização mulheres rurais no conjunto da sociedade
social das mulheres. Nas políticas assim como nas instâncias de decisão
existentes, no entanto, é preciso que política.
se criem mecanismos que garantam
explicitamente o acesso igualitário entre Hoje os movimentos de mulheres rurais
mulheres e homens às oportunidades estão chamando a atenção também para a
e aos benefícios gerados. Um dos estrutura produtiva na agricultura e suas
principais problemas enfrentados pelas implicações sobre os temas de segurança e
mulheres agricultoras para terem acesso soberania alimentar dos países. Os grandes
a essas políticas, por exemplo, é a visão conglomerados transnacionais da área de
prevalente entre os agentes de diversas alimentação controlam a produção de
instituições de que a agricultura familiar é sementes, de agrotóxicos, a distribuição
um todo homogêneo, sem tensões no seu dos alimentos, cerceando a liberdade

27
Pobreza Rural, agricultura e segurança alimentar: os muitos caminhos do
empoderamento das mulheres

dos agricultores familiares, colocando de plantas medicinais, por exemplo. São


em risco ao mesmo tempo a saúde das atividades de resistência àquele modelo
pessoas e do ambiente e comprometendo produtivo baseado na monocultura e no
a capacidade dos países de implantar uso intensivo de tecnologias e combustíveis
políticas autônomas. As mulheres vêm fósseis. Nem sempre essas atividades são
denunciando que essas mesmas empresas valorizadas socialmente, consideradas
progressivamente vêm induzindo a apenas “atividades marginais” aos cultivos
práticas mercantis e à dependência a comerciais, considerados “principais” e
medicamentos como a única forma de se sob responsabilidade dos homens.
cuidar da saúde das pessoas, impondo às
mulheres, por exemplo, contraceptivos Os movimentos de mulheres rurais
invasivos, hormônios sintéticos para a vêm dando visibilidade a essas questões,
menopausa, além de medidas de controle por um lado, valorizando as experiências
forçado da população – sem que os fatores concretas das mulheres, nos lares, nas
de risco para a saúde das pessoas sejam comunidades, buscando fortalecê-
suficientemente avaliados. las como sujeitos dessas experiências;
e, ainda, propondo a valorização da
Ao mesmo tempo, os movimentos de alimentação saudável e das questões da
mulheres vêm construindo experiências saúde das pessoas e do ambiente como
alternativas de produção e distribuição parte de um debate político mais geral
de alimentos, tais como as que foram sobre os sistemas agroalimentares. É
descritas aqui, baseadas em tecnologias preciso reconhecer esses movimentos
limpas, ecológicas, e orientadas pela como interlocutores legítimos do Estado
economia solidária e feminista. Nessas na elaboração e no monitoramento das
experiências, resgatam os conhecimentos políticas públicas, respeitando o direito
e aportes históricos das mulheres na das mulheres de apresentarem suas
alimentação e no cuidado dos demais, em próprias propostas para o conjunto da
uma perspectiva emancipatória e coletiva. sociedade, ou seja, valorizando-as como
sujeitos políticos.
Muitos grupos de mulheres, de fato,
focalizam a sua atuação na produção de
alimentos (in natura ou transformados);
na criação de pequenos animais; na
preservação e na adaptação de espécies
(por meio de bancos de sementes ou
de conservação de material genético
nas propriedades); na transmissão de
conhecimentos sobre a produção e o uso

28
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul
Andrea Butto 1
Karla Hora2

1. Introdução da agricultura familiar. Por intermédio de


recomendações às instâncias superiores do
Mercosul, da coordenação de programas e
Este artigo analisa aspectos da da promoção de iniciativas de intercâmbio
experiência recente de formulação e e cooperação sobre políticas diferenciadas
implementação de políticas para as e específicas para este segmento, a REAF
mulheres rurais em âmbito regional, a contribui para a superação das assimetrias
partir da atuação da Reunião Especializada entre os países, condição para uma efetiva
sobre Agricultura Familiar (REAF) no integração solidária.
Mercosul. Trata-se de uma versão resumida
e focada exclusivamente no Mercosul, de Trata-se de uma experiência recente,
artigo mais amplo publicado pela Agencia mas que desde seu início incorporou,
de Cooperação Espanhola AECID. como uma de suas prioridades, a
promoção dos direitos das mulheres no
A REAF é uma instância formal mundo do trabalho. Uma prioridade que
consultiva do Mercosul que congrega se expressa na Agenda de Gênero da
representantes de órgãos federais REAF, cujo principal objetivo é edificar um
vinculados ao desenvolvimento rural – novo desenho institucional e implementar
ministérios de Economia, Agricultura, políticas de promoção da igualdade e da
Desenvolvimento Agrário e Institutos de autonomia das mulheres rurais da região.
Terra – e representações da sociedade
civil dos países que conformam o bloco. As ações em curso desta Agenda
Criada em 2004, a partir de iniciativa do avançam para além dos compromissos
Governo brasileiro, a REAF constituiu-se internacionais assumidos em conferências
rapidamente em um espaço de discussão, internacionais do sistema da Organização
definição e coordenação de políticas de das Nações Unidas (ONU) e dialogam
caráter regional em temas relacionados com novos temas, impulsionados por
às formas de reprodução social e material fóruns internacionais da sociedade civil e

1. Diretora de Políticas para Mulheres Rurais – DPMR (MDA) e conselheira do Conselho Nacional dos Direito da
Mulher (CNDM).

2. Arquiteta-Urbanista, Mestre em Geografia, Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela


Universidade Federal do Paraná (UFPR). karlaemmanuela@gmail.com.

29
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

nos países e que começam a repercutir


no Mercosul.

Embora existam processos anteriores


de integração regional na América Latina
e Caribe – como a Comunidade Andina de
Nações e a Comunidade e Mercado Comum
do Caribe – o foco na experiência da REAF
decorre das possibilidades abertas para o
Mercosul a partir de um novo ambiente
institucional na região.

Para analisar a experiência recente da


REAF de políticas para as mulheres rurais,
além do recurso à bibliografia, recorreu-
se a documentos e informes produzidos
no âmbito da REAF e à própria experiência
das autoras na coordenação do Grupo de
Trabalho de Gênero da Seção Nacional
dos movimentos de mulheres em defesa brasileira, na participação nas sessões
da soberania alimentar. Avanços que se regionais da REAF e nas atividades da
materializam, com participação social, na Reunião Especializada da Mulher – (REM/
internalização destes compromissos nos Mercosul)3.
âmbitos nacionais, nas ações de garantia O artigo descreve a experiência da
do acesso a terra, na “lei regional” da REAF, abordando a institucionalização de
agricultura familiar, e, mais recentemente, políticas públicas de gênero na agricultura
em um programa regional de inclusão das familiar e nos assuntos fundiários, em
mulheres rurais e do feminismo na própria âmbito regional e dos países. Ao final são
agenda da integração e dos processos de feitas considerações finais retomando
desenvolvimento nacional. Avanços com aspectos dos temas tratados.
tempos e intensidades diferenciadas

3. A Reunião Especializada da Mulher do MERCOSUL (REM), criada em 1998 a partir de reivindicações do


movimento de mulheres da região, adquiriu, em 2012, status ministerial, com a decisão n° 24 do Conselho do
MERCADO COMUM de dezembro de 2011, que criou a Reunião de Ministras e Altas Autoridades da Mulher do
MERCOSUL (RMAAM).

30
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

2. A agenda de gênero da REAF Mundial do Comércio e que ocupava um


lugar subordinado nas dinâmicas agrícolas,
A Reunião Especializada sobre especialmente, a partir da intensificação
Agricultura Familiar4 foi criada pelo das diferenciações internas no setor
Mercosul em 2004, a partir de proposta agrícola com a implantação de Governos
do Governo brasileirojá como expressão ditatoriais e dos diferentes processos
de uma nova orientação na sua política de modernização agrícola (BRUMER e
externa, e de demandas da sociedade civil WEISCHEIMER, 2006). Revela-se um setor
para tratar de aspectos da reprodução com importância econômica e social, pois
da agricultura familiar afetados pelas a agricultura familiar na região representa
assimetrias e desigualdades da região5. “22,7 milhões de pessoas distribuídas
em 5,4 milhões de estabelecimentos
Este tipo de estrutura, previsto pelo
familiares”, sendo responsável pela
Tratado de Assunção, tem por objetivo
produção de aproximadamente 60% dos
analisar os acordos alcançados nos
alimentos consumidos nos países do bloco
temas de sua competência e propor
e por 10% do PIB da região(BRADY, 2008).
recomendações a serem adotadas pelos
“Estados Partes”. A REAF constitui-se com A definição das ações da Agenda
a finalidade de promover o comércio intra- de Gênero da REAF partiu de
bloco de produtos da agricultura familiar situações nacionais diferenciadas de
e ampliou seu escopo de atuação para as institucionalização das políticas para as
políticas de fortalecimento da agricultura mulheres rurais e do reconhecimento da
familiar, de promoção da igualdade e de sua urgência diante da situação econômica
desenvolvimento rural. e social das mulheres rurais da região.
A iniciativa contribuiu para dar 2.1. Diferentes arranjos
visibilidade institucional para um setor institucionais pré-existentes
que vinha sendo desconsiderado nos
acordos comerciais sobre agricultura no As políticas para as mulheres da
âmbito do GATT e, depois, na Organização agricultura familiar, que é um dos 5 temas

4. Para uma sistematização do histórico, metodologia e registros dos primeiros anos da REAF conferir “Primer
Ciclo REAF”, MDA/MRE/FIDA Mercosur, Brasília, 2006.

5. Conferir “Carta de Montevidéo” da Confederacion de Organizaciones de Productores Familiares del


Mercosur Ampliado (Coprofam, 2003).

31
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

da pauta da REAF, são tratadas pelos governamentais responsáveis pelas


países em um ambiente institucional políticas de promoção da igualdade de
mais geral das políticas de gênero com gênero, com variadas interfaces com as
forte influência do modelo europeu, demais áreas de Governo. Há, na maioria
inserindo-as em planos de promoção dos países, mecanismos de diálogo com
da igualdade de oportunidades, como os movimentos sociais e organizações de
assinala RIGAT-PFAUN (2008). Uma mulheres rurais. Entretanto, são poucos os
influência reforçada pela Cepal e pelas programas e políticas dirigidas às mulheres
agências de cooperação dos países rurais e os que existem são, em geral,
europeus, em particular da Espanha. insuficientes, sendo raras as estruturas
governamentais específicas.
Há distinções nos arranjos
institucionais de cada país do Mercosul, As iniciativas nacionais de aplicação
na experiência acumulada, na duração, das recomendações da ONU para a criação
no grau de detalhamento dos planos e de políticas para as mulheres ocorreram
do conteúdo das ações propostas6. Em em momentos distintos. Inicia-se pela
geral, a coordenação das políticas para Argentina, na década de 80, seguindo-se
as mulheres é feita predominantemente do Chile, nos anos 90. O Brasil é um caso
por autarquias vinculadas a ministérios da tardio de institucionalização, pois até o
chamada área social, com exceção do Brasil inicio da atual década a opção foi por um
e do Paraguai, onde existem secretarias modelo misto de ação - governamental
vinculadas diretamente à Presidência da e da sociedade civil-, e sem distinguir
República. Os planos apesar de, em geral, papéis, ambos assumiam responsabilidade
serem instituídos por lei vinculam-se aos pela implementação de políticas para as
mandatos dos Governos. A Venezuela mulheres. Estratégia que promoveu uma
é o único país que conta com uma lei neutralização da ação política de setores
de igualdade de oportunidades para as dos movimentos sociais de mulheres. Esta
mulheres, mas não conta com um plano é a experiência dos chamados conselhos
de ação, como nos demais países. dos direitos das mulheres (GODINHO,
2007). A Secretaria Especial de Políticas para
Apesar das diferenças, todos os as Mulheres foi criada em 2002, mas só
países da região contam com organismos

6. Butto e Hora estão em fase de conclusão de outro trabalho que aborda uma análise detalhada dos diferentes
arranjos institucionais das políticas para as mulheres nos países do Mercosul.

32
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

adquire status de ministério e se vincula à promoção da igualdade e a autonomia


Presidência da República em 20037. econômica das mulheres rurais nos
ministérios responsáveis por políticas
Na Argentina, o Conselho Nacional da de desenvolvimento rural, além de
Mulher não incorpora ações específicas prever ações nos planos de igualdade
para a área rural. Neste caso e no Uruguai daqueles países 8.
as ações voltadas para as mulheres rurais se
restringiam ao âmbito da cooperação com o No âmbito sub-internacional do
Fundo Internacional para Desenvolvimento Mercosul há, desde 1998, uma estrutura
e Alimentação - FIDA No Chile, em 1997, específica voltada para a análise da
na vigência do primeiro Plano de Igualdade situação da mulher, das legislações e das
foi elaborada uma proposta de política políticas públicas dos Estados-Partes sob
de igualdade de oportunidades para as o ponto de vista da igualdade, a Reunião
mulheres rurais e foi constituída a Mesa Especializada da Mulher (REM). A REM
de Trabalho da Mulher Rural, espaço concentrava, até recentemente, sua
de participação social das políticas do atenção nos temas da violência contra
Ministério da Agricultura. a mulher e do fortalecimento de uma
institucionalidade de gênero na região.
No caso venezuelano, a Fundação Temas relativos à economia apareciam
“CIARA – Capacitação e Inovação para vinculados a um debate mais geral, como
Apoiar a Revolução Agrária”, criada em por exemplo, na avaliação da forma de
1996 com a finalidade de propiciar a inserção das mulheres no mercado de
participação das comunidades rurais na trabalho, na qualificação do trabalho
promoção do desenvolvimento endógeno, não remunerado e, de forma residual, no
reconhece o tema gênero como transversal debate sobre o livre comércio e sobre o
e prevê ações de estímulo e valorização empoderamento econômico das mulheres
do trabalho produtivo das mulheres (RODRIGUES; TAVARES, 2006).
rurais. O Brasil e o Paraguai são os
únicos países da região que contam A pauta das mulheres rurais entra
com estruturas específicas dirigidas à na REM com potencial para ampliar

7. Em 2002 foi instituída a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher – SEDIM, vinculada ao Ministério
da Justiça. Em 2003 foi criada, por meio da Medida Provisória 103, a então Secretaria Especial de Políticas para
as Mulheres da Presidência da República (SEPM/PR) com status de ministério. Em 2010 a SPM/PR torna-se órgão
essencial da Presidência da República (MP 483), deixando de ser “especial”.

8. No Brasil, essa instância era a Assessoria de Gênero, Raça e Etnia do Ministério do Desenvolvimento Agrário –
MDA, criada em 2003. Em 2010 a Assessoria foi transformada na Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais – DPMR.

33
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

o seu próprio protagonismo, a partir ao seu trabalho e à falta de perspectiva no


de propostas da REAF de iniciativas acesso e herança da terra.
conjuntas para fortalecer a harmonização
e interiorização de políticas especificas. Apesar das particularidades inerentes
a cada país observam-se elementos
Este cenário, de ausência e fragilidade comuns, dentre os quais o não
de referências institucionais previamente reconhecimento do trabalho produtivo
consolidadas nos países e na estrutura de desempenhado pelas mulheres rurais e
integração regional, evidencia a dimensão o predomínio em atividades produtivas
dos desafios para a constituição de uma não remuneradas da agricultura familiar,
agenda de gênero dirigida à promoção da como o cultivo para o auto-consumo e
igualdade e a autonomia econômica das as atividades reprodutivas.
mulheres rurais.
A invisibilidade do trabalho realizado
2.2. Uma agenda necessária pelas mulheres nas atividades de
produção na unidade familiar evidencia-
Apesar destas dificuldades institucionais
se na ausência de informações sobre
há o reconhecimento de que esta agenda
isso nas estatísticas oficiais nos países
além de necessária, é urgente, em
do Mercosul. Isto reflete no caráter das
decorrência das próprias condições de vida
políticas públicas em curso que enxergam
e trabalho das mulheres rurais da região,
a unidade familiar como um todo
que compartilham um contexto histórico
homogêneo, sem distinguir as relações
similar e, que mais recentemente foram
de hierarquia e desigualdade de gênero e
impactadas pelas reformas neoliberais.
geração existentes no seu interior. De tal
Agravou-se a situação, que já era frágil, sorte que as mulheres são duplamente
dos estabelecimentos familiares e das afetadas. Primeiro pelas restrições no
mulheres rurais, que, destituídas de uma acesso aos recursos produtivos no interior
série de direitos sociais básicos são as da família, principalmente em relação
principais vítimas do processo migratório, à transmissão do patrimônio familiar, e
gerando um processo de masculinização segundo por dificuldades decorrentes da
do campo. A saída das mulheres jovens própria ação do Estado, que não favorece
das zonas rurais é explicada, em grande o acesso das mulheres às políticas
medida, pela sua inserção desfavorável públicas, como os programas de reforma
na agricultura familiar, relacionada à agrária, crédito, assistência técnica e
sua restrita autonomia econômica na comercialização.
gestão e acesso aos recursos produtivos,
Este diagnóstico pode ser
na ausência de políticas públicas
problematizado à luz da economia
direcionadas, na desvalorização atribuída

34
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

feminista e de sua crítica ao modelo interna das mulheres na organização


econômico hegemônico. Como definindo a pauta e a representação desta
assinala FARIA (2008), na economia articulação, tendo em conta a agenda
clássica o trabalho reprodutivo passa feminista e a participação das mulheres.
a ser considerado não trabalho e só há
reconhecimento do trabalho realizado A COPROFAM definiu recentemente
na esfera mercantil. Ao priorizar o temas prioritários: a relação das
indivíduo como consumidor desconhece- mulheres com a agricultura familiar e o
se o acesso desigual aos recursos, as desenvolvimento sustentável, a soberania
diferenças de gênero e de classe e alimentar, a ação de seguimento da FAO,
ao consolidar a separação entre uma o mercosul e a REAF. A respeito da REAF
esfera pública – da produção – e outra as mulheres integrantes da COPROFAM
privada – da reprodução –, reforça-se a definem pela atuação nas políticas
idéia equivocada de um suposto destino públicas para as mulheres rurais, no
biológico para a inserção das mulheres, Programa Regional para o Fortalecimento
ignorando a importância econômica do Institucional das políticas de igualdade de
trabalho doméstico e a noção de que a gênero na Agricultura Familiar do Mercosul
reprodução é parte da economia. e nas demais iniciativas do GT Gênero da
REAF, descritas a seguir.
2.3 O GT de Gênero na REAF
Coube ao Grupo de Trabalho de
É neste cenário que a igualdade entre Gênero9 (GT Gênero) elaborar um plano
homens e mulheres na área rural integrou- de ação, sustentado por um diagnóstico
se à agenda da REAF como tema transversal. sobre a situação das mulheres rurais
A referida agenda conta com a participação e das institucionalidades de gênero e
de representantes dos Governos e de suas interfaces.
organizações da sociedade civil, dentre
elas movimentos de mulheres autônomos, Como visto anteriormente, embora
instâncias de mulheres de movimentos existam organismos nacionais e
sociais mistos e de representação de alguns instrumentos de internalização
articulação regional sindical: a COPROFAM. de políticas públicas dirigidas às
Esta última organização vem, desde 2006, mulheres rurais, sua efetividade é
constituindo um processo de articulação baixa, revelando um frágil ou ausente
tratamento dado ao tema pelos

9. Participam deste GT representantes dos governos nacionais e dos movimentos sociais, dentre os quais os
movimentos de mulheres trabalhadoras rurais e organizações de mulheres existentes em movimentos sociais mistos.

35
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

ministérios com competência para temas, em particular, o marco jurídico


implementar tais políticas. e normativo e as políticas públicas
voltadas para a promoção da igualdade,
Um dos primeiros resultados da bem como os instrumentos para sua
atuação do GT Gênero, e da própria efetivação. Esforço que foi fundamental
REAF, foi a aprovação pelo Grupo para organizar a intervenção nos demais
Mercado Comum (GMC) – a segunda temas tratados pela REAF e para dialogar
instância deliberativa do Mercosul –, com as demandas da sociedade civil.
a partir de uma resolução da REAF,
de uma recomendação para que os A análise construída, objeto de uma
Estados-membros promovam o acesso publicação específica (MDA/NEAD 2006),
igualitário das mulheres à terra, revelou a importância dos temas do acesso
atuem para diminuir a ausência de à terra, financiamento, assistência técnica,
documentação civil e trabalhista e comércio e participação social para a
implementem uma política especial de superação das desigualdades impostas às
crédito para as mulheres na agricultura mulheres rurais. Outra frente de atuação
familiar e na reforma agrária. priorizada foi a incorporação do recorte
de gênero no tema da facilitação do
A estruturação da Agenda de Gênero comércio, com a realização de estudos
da REAF buscou assentar-se num sobre a participação da agricultura familiar
mútuo aprendizado sobre as diferenças nas cadeias produtivas10, e na discussão
existentes entre os países, resultantes sobre a implementação e harmonização
de suas formações sociais e econômicas dos registros da agricultura familiar11.
e de diferentes trajetórias políticas e
institucionais. Além do intercâmbio 2.3.1 Acesso à terra
possibilitado pelo funcionamento
O reconhecimento do papel central do
regular dos espaços da REAF o GT Gênero
acesso à terra na promoção da igualdade e
buscou sistematizar informações sobre a
da autonomia econômica das mulheres rurais
situação e os direitos das mulheres rurais
fez com que o tema ganhasse centralidade na
nos casos nacionais, priorizando alguns
agenda de gênero da REAF. Assim, uma das

10. Estudos iniciados nas cadeias produtivas do tomate e da carne suína que analisam a inserção das mulheres,
a organização do trabalho reprodutivo e a participação das mulheres na produção e na comercialização.

11. Aprovada em 2007, uma resolução do GMC recomenda que os registros a serem adotados ou que estão em
fase de elaboração em cada país considerem a titularidade conjunta obrigatória para homens e mulheres em situação
de casamento ou união estável.

36
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

primeiras iniciativas do GT foi a proposição da terra nos planos de igualdade ou em


de instrumentos legais e administrativos que suas legislações, mas não contam com
facilitassem o acesso à terra e a integração instrumentos para efetivar o ordenamento
deste tema na pauta do GT sobre “Políticas jurídico e não contam com informações
Fundiárias, Acesso à Terra e Reforma suficientes sobre a condição das
Agrária”, associando-se a outros, como a mulheres de proprietária da terra. Nesta
estrangeirização das terras, concentração e situação estão o Uruguai e da Venezuela,
uso da terra e a função social da propriedade. países que contam com programas de
colonização, regularização e outorga de
A importância do tema se deparava com terras públicas13.
um quadro em que os planos de igualdade de
oportunidade para as mulheres, referências Mais recentemente, a Constituição
nacionais para as políticas de gênero, da República Bolivariana reconheceu o
abordavam de forma genérica o acesso tema gênero como eixo transversal do
das mulheres a terra. Estudo feito pelo GT ordenamento jurídico e a Lei de Terras,
de Gênero da REAF analisou o marco legal de 2001 ao estabelecer as bases para
existente na região para garantir o direito o desenvolvimento rural integrado
das mulheres a terra, às demais políticas de e sustentado e os direitos dos/as
desenvolvimento rural e os dados disponíveis camponeses/as faz menção à inclusão
sobre o acesso efetivo à terra e constatou uma das mulheres rurais. Entretanto, os dados
situação bastante diversa12. sobre as “cartas agrárias” – instrumento de
acesso à terra – não permitem qualificar o
Alguns países incluíram o direito acesso das mulheres à terra e a efetividade
igualitário ou a melhoria das condições do marco legal (REAF/SN Brasileira, 2008b;
de acesso das mulheres à propriedade HORA, 2008).

12. Para uma análise detalhada do marco legal e dos instrumentos de acesso igualitário a terra nos países do
Mercosul ver REAF/SN Brasileira, 2008b e HORA, 2008 e REAF/SN Brasileira, 2008c.

13. No caso uruguaio a previsão está na Lei 31 do Plano de Igualdade de Oportunidade e a responsabilidade
para adoção de medidas é do Ministério de Pecuária, Agropecuária e Pesca. No caso da Venezuela a previsão consta
da Lei de Igualdade de Oportunidades para a Mulher de 1999.

37
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

No Brasil e no Paraguai14 há programas Brasil, Venezuela e Paraguai de análise dos


de reforma agrária, de regularização procedimentos dos programas de reforma
fundiária e de financiamento para a compra agrária e regularização fundiária voltada
da terra (este último apenas no Brasil), para efetivação de medidas legislativas
além de legislações específicas que tratam e da garantia do direito das mulheres
do direito da mulher à terra. Entretanto, à terra.
apenas no Brasil o direito reconhecido na
2.3.2 Acesso ao crédito
lei conta com os instrumentos necessários
e está sendo efetivamente aplicado No tema do acesso das mulheres
(BUTTO; HORA, 2008)15. ao crédito para o financiamento da
produção há, também, um quadro
Já a Argentina apresenta uma situação
bem diferenciado e com poucas ações
peculiar decorrente das características
concretas. As situações existentes podem
próprias da estrutura administrativa
ser assim ilustradas: compromissos de
do país. O Governo nacional não atua
ampliação do acesso assumido, mas nada
no tema do acesso à terra, pois são
foi implementado; medidas restritas à
as províncias, com suas respectivas
difusão de informações e à capacitação
legislações, que implementam as políticas
para acessar o crédito geral dirigido à
fundiárias. Não há informações nacionais
agricultura familiar, consideradas de
sobre o acesso das mulheres a terra, mas
caráter neutro; existência de linha especial
apenas estudos de caso recentemente
de crédito acompanhada de mecanismos
realizados com o apoio do Governo
de superação dos obstáculos e de difusão
Nacional (FERRO, 2008).
e ampliação do acesso, mas que ainda
No âmbito da Agenda de Gênero da não resultaram em uma grande escala
REAF está em curso uma ação conjunta do de beneficiárias. Esta última situação

14. No Paraguai há um novo marco legal a partir de 2002 que se associa ao Plano de Igualdade de
Oportunidades, que já previa o acesso igualitário à propriedade da terra. Em 2003, com a criação do Instituto Nacional
de Desenvolvimento Rural e da Terra – INDERT, observa-se a aplicação da Lei Nº 1863 de 30 de janeiro de 2002 – Novo
Estatuto Agrário – que reconhece as mulheres como beneficiárias das políticas agrárias e desenvolvimento rural,
dando preferência aos assentamentos de mulheres chefes de família e facilitações de pagamento para o caso de
mulheres titulares de lote.

15. Um marco neste sentido é o II Plano Nacional de Reforma Agrária. O Plano de Políticas para as Mulheres
do Brasil prevê a garantia do direito igualitário à terra (titulação conjunta obrigatória, acesso preferencial a mulheres
chefes de família), ações de apoio à organização produtiva das mulheres (crédito, capacitação e assistência técnica) e
à participação nos espaços de controle social das políticas públicas.

38
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

corresponde ao caso brasileiro, que conta crédito que, ao ser outorgado ao homem,
com uma linha específica para as mulheres restringe o acesso das mulheres, cujas
no sistema de crédito do Programa de necessidades de crédito (pequenas
Fortalecimento da Agricultura Familiar indústrias, artesanato, cuidado de
– o PRONAF Mulher - e no crédito de pequenos animais e horticultura familiar)
instalação dos projetos de assentamento não são necessariamente interessantes
da reforma agrária – Apoio Mulher; além para o sistema formal de crédito
de um programa de apoio à organização (CABALLERO, 2009).
produtiva das mulheres, que envolve
capacitação, intercâmbio de experiências Na Venezuela a Fundação CIARA atua
e assistência técnica especializada e um também no apoio a atividades produtivas
amplo programa de documentação civil e das mulheres, contando com linhas de
trabalhista. financiamento público, em particular, do
“Banmujer”.
No Chile a ênfase está em iniciativas
2.3.3 Assistência Técnica
voltadas para eliminar barreiras que
impedem o acesso igualitário de homens Nos países do Mercosul os sistemas
e mulheres rurais aos instrumentos de assistência técnica contam com
e programas gerais voltados para a instrumentos legais e normativos de
agricultura familiar, como é o caso do órgãos especializados ou de projetos
Programa de Formação e Capacitação especiais de extensão rural voltados para
para Mulheres Rurais, desenvolvido promover a igualdade, mas a cobertura
pelo Instituto de Desenvolvimento destes serviços ainda é muito baixa,
Agropecuário - INDAP e a Fundação inclusive para o conjunto da agricultura
PRODEMU. Esta iniciativa destina-se a familiar. Observam-se esforços recentes
apoiar grupos de mulheres de famílias para alterar a orientação dos serviços
que tenham interesse em desenvolver de assistência técnica e a formação
atividades produtivas para melhorar a dos profissionais como condição para a
sua renda (REAF/SN Brasileira, 2008b). democratizar o acesso e contribuir com a
autonomia econômica das mulheres rurais.
No Paraguai há iniciativas de difusão
e outras dirigidas ao setor financeiro As situações dos países são, também,
para ampliar a concessão de crédito, bem diferenciadas neste tema. No Uruguai
e o compromisso de flexibilizar as o sistema de extensão rural e assistência
garantias exigidas no caso das mulheres técnica do MGAP incorpora de forma débil
rurais e urbanas de micro, pequenas e a dimensão de gênero nas suas ações
médias empresas. Um dos obstáculos e o Projeto Uruguai Rural sinaliza para
identificados é a individualidade do

39
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

avanços, pois conta com uma unidade pelas instâncias de direção do Mercosul,
específica de assessoramento para o voltado para consolidar nos países, com
enfoque de gênero. No Brasil, há uma ação participação social, as orientações e
específica no âmbito da política nacional diretrizes comuns aprovadas. É a primeira
de assistência técnica dirigida às mulheres, iniciativa conjunta de caráter regional,
integrando a disponibilização de recursos envolvendo Argentina, Brasil, Chile,
públicos para a contratação deste serviço, Paraguai e Uruguai16.
a capacitação de agentes de extensão
rural e das agricultoras e a articulação com Representa um esforço de articulação
outras políticas de desenvolvimento rural. da REAF com a REM para a internalização de
políticas públicas de gênero na agricultura
Observam-se, ainda, iniciativas voltadas familiar e na reforma agrária e de
para a comercialização da produção organismos especializados de promoção
de grupos de mulheres, mas com uma de políticas de gênero nos Ministérios
abrangência ainda mais restrita. Apenas da Agricultura e de Desenvolvimento
no Brasil e no Paraguai existem ações Agrário. As ações conjuntas dos países
de promoção comercial e de inclusão abarcam a realização de estudos sobre
de mulheres em instrumentos de a realidade das mulheres, de oficinas de
comercialização, como a criação de espaços análise das políticas públicas de apoio à
para oferecer seus produtos, a realização de produção e comercialização, a capacitação
feiras e de ações de capacitação. para agentes e gestores públicos e
representantes dos movimentos de
2.3.4 O Programa Regional de
mulheres, o intercâmbio entre as mulheres
Gênero da REAF da sociedade civil e de Governos, a difusão
Além de coordenar a inserção das sobre as políticas de gênero no Mercosul e
mulheres rurais nos diferentes assuntos o monitoramento e avaliação da Agenda
tratados pela REAF, o GT Gênero elaborou, de Gênero da REAF17.
a partir da experiência acumulada nas
O Programa tem potencial para superar
sessões nacionais e regionais, o “Programa
a dinâmica inicial da REAF de impulsionar
de Fortalecimento Institucional de Políticas
ações implementadas autonomamente
de Igualdade de Gênero na Agricultura
em cada país, estruturando iniciativas
Familiar do Mercosul”, já aprovado

16. A Venezuela não participa do Programa por não ser formalmente um país membro do Mercosul.

17. MERCOSUL/VI REAF/DT Nº 02/06, anexo VII.

40
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

de caráter regional de planejamento, de Fortalecimento Institucional de Políticas


produção e comércio, combinadas de Igualdade de Gênero na Agricultura
com uma maior articulação entre os Familiar e as ações de democratização da
movimentos de mulheres, entre órgãos terra também para as mulheres.
governamentais e, principalmente,
nos espaços comuns da integração A REAF já tomou várias iniciativas que
regional. demonstram a sua capacidade de desdobrar
debates da integração regional em ações
3. Considerações finais concretas. As prioridades eleitas indicam
a necessidade de atender às demandas
A institucionalidade existente
de inclusão econômica das mulheres e de
no Mercosul para buscar efetivar
assegurar a integralidadade da ação na
compromissos internacionais e responder
área da produção e da comercialização. A
às demandas sociais dialoga pouco com a
estratégia adotada para tal fim (realização
agenda das mulheres rurais, não sendo
de estudos, oficinas sobre políticas
respaldadas por institucionalidades
públicas e capacitação de gestores, e
internas aos ministérios e demais órgãos
participação social) indica também que
responsáveis pela implementação de
não se busca apenas acumular informação,
ações finalísticas, e não foram objeto de
mas criar ambiente necessário para
análise necessária para a sua reformulação
rever a institucionalidade e envolver as/
com vistas a assegurar a implementação
os distintos personagens que podem
de compromissos firmados (sejam os
transformar a relação das mulheres com o
nacionais ou internacionais).
Estado e a economia.
A Reunião Especializada da Agricultura
A exceção do Brasil que já conta com uma
Familiar – REAF, nos últimos cinco
maior elaboração e efetivação de políticas
anos, promoveu esforço integrado para
na área, pode-se concluir que existem
diagnosticar estes problemas e construiu
organismos centralizados de coordenação
medidas efetivas para avançar nesta agenda.
de políticas para as mulheres na região que
Consideramos que através desta integração
dialogam com a agenda das mulheres rurais,
solidária, as fortalezas existentes em alguns
mas a sua efetivação é baixa. São os órgãos
países foram convertidas em insumos para
específicos voltados para o desenvolvimento
construir agendas coletivas de superação
rural e criam espaços de diálogos, ou
dos limites vivenciados pelos Estados-
iniciativas ainda que pontuais vinculadas
Partes e foi através deste esforço comum
a autarquias ou a projetos de cooperação
que se dá início a um cenário de maior
internacional, na área da assistência técnica,
inclusão da agenda das mulheres rurais na
ou do fomento à economia, voltadas para
região. É o que aponta o Programa Regional
as mulheres rurais. O que demonstra que a

41
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

intenção do Programa Regional de analisar CABALLERO V. Manual de Practicas


de forma crítica as políticas de apoio Alimentarias y Nutrición Básica. ACH-MAG,
à produção e comercialização à luz da 2009) in: Campos C.. Situación de la Mujer
institucionalidade existente é pertinente e Rural en Paraguay. 2007. FAO
necessária já que a análise destas políticas
por si só não garante a sua incorporação COPROFAM. Carta de Montevideo:
no cotidiano da gestão pública. Propuesta de la Coprofam al Consejo
del Mercosur. Montevideo/Uruguay
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42
Políticas para as Mulheres Rurais no Mercosul

Programa Regional de Fortalecimento Ley de Igualdad de Oportunidades


Institucional de Gênero na Agricultura para la Mujer. mimeo.
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MERCOSUL. MERCOSUL/GMC/P. REC. de Agricultura. Transversalización del
Nº 01/08. Encaminha solicitação para enfoque de género en la institucionalidad
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de gênero em políticas públicas para a 2000-2006. Santiago de Chile, abril de
agricultura familiar 2007

MERCOSUL. MERCOSUL/IX REAF REC. REAF. Primer Ciclo: REAF – Reunión


N° 01/08 – Diretrizes para a igualdade Especializada sobre Agricultura Familiar
de gênero em políticas públicas para a Mercosur. Brasília: MRE / MDA, 2006.
agricultura familiar
REAF/SN Brasileira. Programa
MERCOSUL. Resolução MERCOSUR/ Regional de Fortalecimento Institucional
GMC/RES Nº 11/04. Instituí a Reunião de Políticas de Igualdade de Gênero
Especializada da Agricultura Familiar. na Agricultura Familiar no Mercosul.
(versão de nov/2008 aprovada pelo CCT/
MERCOSUL. Tratado de Assunção – Mercosul). 2008. (mimeo).
Paraguai. 1991.
REAF/SN Brasileira. Análise da seção
MERCOSUL/REAF. MERCOSUL/VI REAF/ nacional brasileira sobre a situação
DT Nº 02/06. Aprova o Programa Regional atual do acesso das mulheres à terra:
de Fortalecimento Institucional de Gênero análise dos informes apresentados pelos
na Agricultura Familiar no Mercosul. países sobre as mulheres rurais. 2008b.
(mimeo).
PRIMER PLAN NACIONAL DE IGUALDAD
DE OPORTUNIDADES Y DERECHOS. REAF/SN Brasileira. Análise da seção
Políticas públicas hacia las mujeres 2007- nacional brasileira sobre a situação
2011/ Uruguay. Ministério de Desarrollo atual do acesso das mulheres à terra:
Social, Instituto Nacional de las Mujeres apresentação dos países-membros da
MATRIZ sobre o MARCO LEGAL referente
II PLAN NACIONAL DE IGUALDAD DE
ao Acesso à Terra para as Mulheres. 2008c.
OPORTUNIDADES ENTRE MUJERES Y
(mimeo).
HOMBRES 2003-2007. Secretaria de la
Mujer – Presidencia de la República. Fondo
de Población de las Naciones Unidas,
Asunción, Septiembre del 2005

43
Foto Cecília Bastos

A contribuição da economia solidária para a autonomia


das mulheres
Paul Singer 1

A economia solidária constitui hoje distribuído entre os sócios e quanto deve


uma importante alternativa ao modo ser colocado em reserva para futuros
de produção dominante: o capitalismo. investimentos; quanto deve ser o valor da
Este tem como motor a competição retirada mensal e anual de cada categoria
generalizada nos mercados de capitais, de de trabalhadores. Esta última decisão
bens e serviços e de trabalho. Os capitais obedece a critérios de justiça distributiva
são propriedade privada de pessoas, adotados por consenso ou por maioria
famílias, mas principalmente de fundos, de votos. Cada sócio tem uma quota do
bancos de investimento e congêneres, capital; os sócios mais antigos têm a quota
todos visando maximizar lucros a serem integral ao passo que os mais recentes
realizados nos menores prazos. Esta ainda estão adquirindo suas quotas em
disputa entre capitais se realiza mediante prazos fixados pela assembléia. Mas,
o acirramento da competição entre os ninguém é remunerado pelo valor da
trabalhadores pelos melhores empregos e sua quota do capital, que quando estão
entre os fornecedores de bens e serviços integralizadas são iguais. Por isso, o
aos conglomerados globalizados, que empreendimento de economia solidária
dominam a inovação científica e as é uma cooperativa de trabalho associado
marcas mais prestigiadas nas principais e não de capitais associados, como são os
praças do mundo. empreendimentos capitalistas. Os seus
donos são remunerados exclusivamente
A economia solidária está organizada em pela quantidade e qualidade do trabalho
empreendimentos que são propriedade que cada um realiza no empreendimento.
coletiva dos seus trabalhadores, que os
administram em autogestão, ou seja, com A cooperativa ou associação solidária
a participação de todos nas decisões em não distribui e nem acumula lucros,
igualdade de poder, cada sócio dispondo que são por definição a remuneração
de um voto. A receita do empreendimento dos capitalistas. Como na cooperativa
tem sua destinação decidida deste modo: não há capitalistas, mas apenas
os trabalhadores reunidos em assembléia trabalhadores, a categoria lucro não
resolvem quanto da receita deve ser existe e, portanto não é o objetivo desta

1. Graduado em Economia e Administração pela Universidade de São Paulo e doutorado em Sociologia pela
Universidade de São Paulo. É, atualmente, Secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) e professor titular da Universidade de São Paulo.

44
A contribuição da economia solidária para a autonomia das mulheres

espécie de empreendimento. O seu mais força e mais conhecimentos e sabe-se


objetivo é garantir aos seus sócios uma lá que outras qualidades em comparação
paga justa pelo seu trabalho, havendo com as femininas, a mulher é tida como
em geral em seu estatuto um limite naturalmente dependente do homem ao
máximo para a diferença entre a maior qual deve obediência, devoção e lealdade.
e a menor retirada dos trabalhadores. Estas noções são internalizadas por homens
Este limite varia geralmente entre 4 e 6 e mulheres, que as apreendem desde cedo
vezes, o que é menos de um centésimo observando os comportamentos dos pais e
da diferença que vigora usualmente nas outros membros da família.
grandes empresas capitalistas.
No mundo contemporâneo, em
Isso explica porque não há que os valores democráticos estão
competição, mas cooperação entre os amplamente difundidos, as tradições são
sócios das cooperativas de trabalho. freqüentemente desafiadas, sobretudo
Numa cooperativa, o trabalho é dirigido quando são manifestamente injustas
por coordenadores, escolhidos pelos como as conquistas do feminismo
sócios, que decidem livremente como demonstram mediante as novas práticas
seu trabalho é alocado entre pessoas e e hábitos fartamente exibidos na vida
equipes e como devem agir para que os cotidiana. A luta das mulheres contra a
objetivos econômicos decididos possam opressão machista já vem sendo travada
ser realizados. A ajuda mútua prevalece pelo menos desde a Revolução Francesa,
naturalmente, em contraste com o que mas conquistou vitórias significativas nos
ocorre nas empresas capitalistas em campos profissionais e políticos apenas
que pessoas e equipes são levadas a desde o século XX e só não conseguiu uma
competir por prêmios, promoções e vitória definitiva porque a competição
outros incentivos. desvairada, que o capitalismo neoliberal
promove nos últimos decênios, acaba por
A subordinação das mulheres aos penetrar no seio da família, aguçando a
homens decorre de preconceitos seculares rivalidade entre cônjuges, irmãos e irmãs,
contra a capacidade e a inteligência das colegas de estudo e de trabalho e tornando
mulheres em comparação com os homens. a prática da solidariedade cada vez mais
Tradições, freqüentemente alicerçadas rara e difícil.
em normas religiosas, destinam as
mulheres às atividades domésticas ao Em sua fase presente, o capitalismo
passo que aos homens, supostamente tende a elevar o individualismo ao máximo
mais aptos, cabe prover a subsistência como justificativa eficaz da crescente
dos integrantes da família. Como as desigualdade que a competição não para de
tarefas masculinas supostamente exigem produzir. As estratégias dos que comandam

45
A contribuição da economia solidária para a autonomia das mulheres

o capital partem do pressuposto de que a oportunidade de se emancipar e por isso


humanidade se divide em duas espécies está condenada a continuar a ser oprimida
distintas: os que pelos seus esplêndidos e sujeita a um sofrimento redobrado pela
predicados estão predestinados a vencer humilhação decorrente de seu aparente
e os demais que pelas suas fraquezas e fracasso em ascender quando tantas de
insuficiências estão destinados a fracassar, suas irmãs o conseguem.
a não ser que se limitem desde o começo
de suas vidas a tarefas que seus poucos O avanço da economia solidária no
predicados lhes permitem realizar. Para Brasil e em outros países da América Latina
obter do trabalho assalariado tudo o que propicia a um número crescente de mulheres
ele pode render, cabe ao empreendedor oportunidades de se emancipar, simplesmente
distinguir - o quanto antes melhor - quem porque em cooperativas não prevalece
pertence ao grupo dos capazes e quem em regra a discriminação e muito menos o
tem que ser relegado ao agrupamento antagonismo, tão freqüente em empresas
dos demais e alocar oportunidades e capitalistas, mas também em repartições
incentivos aos primeiros e o que sobra de públicas, nas quais diferenciações hierárquicas
trabalho simples, repetitivo e ainda não e discriminações por gênero, idade, raça etc.
automatizado aos demais, que tendem a continuam sendo praticadas.
ser a maioria.
O Brasil se caracteriza pela cordialidade
A luta das mulheres permite que uma do povo como já foi observado por
parte crescente delas possa demonstrar Sérgio Buarque de Holanda e outros
sua capacidade, principalmente mediante estudiosos. Aqui o racismo não é quase
o êxito escolar em graus de ensino cada praticado abertamente, como ocorre em
vez mais elevados. De modo que as outros países. E o machismo torna-se
novas gerações femininas estão cada prática menos difundida à medida que a
vez menos sujeitas à subordinação a escolaridade da população se eleva e o
outros ou outras, ou seja, a homens ou ambiente escolar começa a ser penetrado
a mulheres. É claro que a ascensão de por valores democráticos. Este é o pano
mulheres a cargos cada vez mais elevados de fundo do florescimento da economia
na política, na economia, na cultura e solidária no Brasil desde os últimos
na arte destrói o tradicional preconceito decênios do século XX. As políticas sociais,
contra a inteligência, a força e o empenho com destaque para o Bolsa Família,
do gênero feminino, o que tem por efeito premiam as mães que chefiam famílias
a efetiva emancipação de uma parte cada pobres e lhes abrem oportunidades de
vez mais significativa das mulheres. Mas, se emancipar. São exemplos brilhantes
uma parcela provavelmente majoritária os Programas “Mulheres Mil” e “Elas”, o
das mulheres não tem tido ainda a primeiro desenvolvido pelo Ministério da

46
A contribuição da economia solidária para a autonomia das mulheres

Educação e o segundo criado por esta a emprega pode lançá-la de volta à


instituição notável que é o Banco Palmas, disputa insegura dum novo emprego
um banco comunitário inventado pela num mercado de trabalho sujeito ao
Associação de Moradores do Conjunto desemprego em massa por fatores
Palmeiras, uma ex-favela de Fortaleza. aleatórios, que ocorrem em algum ponto
O Programa “Elas” oferece a mães de do globo e se irradiam aleatoriamente a
famílias amparadas pelo Programa outros pontos de uma economia mundial
Bolsa Família, que exercem atividades cada vez mais globalizada.
econômicas, meios de se conhecer e
organizar em empreendimentos de Fatalidades desta espécie também
economia solidária. atingem cooperativas, mas elas não
capitulam facilmente. Cooperativas tendem
O Programa Mulheres Mil, em boa hora a se organizar em redes e federações,
importado do Canadá, oferece a mulheres visando seu progresso, assim como mais
pobres a possibilidade de se matricular segurança contra vicissitudes de mercado
em Institutos Federais de Educação, que podem atingi-las. Experiências
Ciência e Tecnologia e desta forma elevar recentes de fortes crises atingindo
sua escolaridade (que algumas vezes cooperativas federadas em amplas
é nula) e apreender uma profissão. Só corporações, como a de Mondragón,
isso não garante que as mulheres que no país basco espanhol, revelaram que
participam do programa efetivamente este tipo de arranjos autogestionários
se emancipem, pois um bom número apresenta surpreendente capacidade
delas - em vez de aproveitar o ensejo de reação diante do encolhimento de
de se associar e partir para a luta contra seu mercado. A surpresa se explica pela
a pobreza em conjunto - preferem um solidariedade das comunidades em que os
emprego assalariado, o que a formação empreendimentos de economia solidária
profissional adquirida deve viabilizar. É se situam, somada à solidariedade
claro que para uma mulher pobre obter oferecida por outros empreendimentos de
um emprego com carteira assinada é economia solidária, menos atingidos pela
inegavelmente um grande avanço em crise e pelos movimentos de economia
relação à sua situação anterior, mas não solidária do próprio país e eventualmente
é em si emancipador. Como empregada, de outros países.
a mulher se sujeita às vicissitudes da
competição intracompanhia, que até A integração das mulheres na
pode ser ganha por ela, mas nada economia solidária não as emancipa
garante. Qualquer mudança no mercado apenas pela maior segurança econômica,
ou no alto comando da empresa que que passam a usufruir, mas porque
se tornam efetivamente iguais aos

47
A contribuição da economia solidária para a autonomia das mulheres

outros trabalhadores em direitos, do empreendimento são discutidos e


independentemente de gênero, etnia, soluções são adotadas, o que faz com que
idade e outras características dos seres se capacitem para participar plenamente
humanos que os diferenciam e por isso como membros ativos da autogestão. Este
podem ser motivo ou pretexto para a aprendizado faz com que possam superar a
prática da discriminação. Sendo donas alienação em que homens e mulheres que
dos seus empreendimentos coletivos, as meramente vendem sua capacidade de
mulheres ganham autonomia, podendo produzir ao capital são mantidos. É neste
agir de acordo com suas inclinações e sentido que se pode considerar que o
desejos sem receio de colocar em risco o resgate da pobreza de mulheres tanto
seu lugar na cooperativa de trabalho que quanto de homens por meio da inserção
lhes pertencem. Como sócias, as mulheres na economia solidária é efetivamente
têm a oportunidade de participar emancipador.
das reuniões em que os problemas

48
COLUNA
A Economia Solidária e as Mulheres
Por Vera Lucia Ubaldino Machado

A Economia Capitalista só considera como digno em uma perspectiva melhor em relação


trabalho válido o que produz lucro até um nível ao mercado de trabalho, no qual persiste a
de rentabilidade dado. As “necessidades não- presença feminina na informalidade.
rentáveis” ou a “parte da vida inválida de viver
do ponto de vista capitalista” são relegadas Muitas das experiências de economia
ao trabalho não-remunerado das mulheres. O solidária são animadas por mulheres e destinadas
trabalho invisível das mulheres é um recurso às mulheres. Em face à delicada conciliação
inesgotável do sistema, assim como a natureza. entre a vida familiar e a vida profissional, de
responsabilidades materiais crescentes, das
A Economia Feminista questiona o dificuldades de acesso à propriedade e ao
paradigma da economia dominante, crédito, as mulheres muito frequentemente são
capitalista, seus métodos, a centralidade do as primeiras a se auto-organizarem ou receberem
mercado no consumo e a divisão sexual do incentivos para organização nas comunidades em
trabalho. Ela propõe que o ser humano e o seu que vivem.
bem viver estejam no centro de toda atividade
econômica. Que se mudem as relações de Dados extraídos na análise do mapeamento
trabalho e de produção e se coloque como realizado pela SENAES apontam que 68%
um instrumento de superação das relações de dos grupos são especificamente formados
exploração e opressão. por mulheres.

A Economia Solidária é uma alternativa ao Hoje, no Brasil, são aproximadamente 30.000


sistema econômico em que vivemos por ser um empreendimentos de Economia Solidária:
jeito diferente de produzir, vender, comprar Cooperativas ou Associações de trabalhadores/
e trocar o que é preciso para viver. A sua as no campo ou na cidade, lojas de consumo,
prática é regida pelos valores da autogestão, empresas recuperadas administradas pelos
democracia, cooperação, solidariedade, operários, agências de turismo, cooperativas de
respeito à natureza, promoção da dignidade e psicólogos, redes de artesãs (aos) e tantos outros
valorização do trabalho humano. empreendimentos, onde em vez da exploração
do trabalho há a cooperação e respeito pela mãe
A Economia Solidária é uma das estratégias de natureza em lugar da destruição do ambiente.
enfrentamento à exclusão social e à precarização
do trabalho que afetam majoritariamente as Na Economia Solidária, o mais importante é a
mulheres. Trabalha com formas coletivas, justas vida das pessoas.
e solidárias de geração de trabalho e renda,
Ela é uma realidade presente, que abre
tendo em vista um projeto de desenvolvimento
perspectivas de um futuro diferente, incluindo as
sustentável, global e coletivo.
pessoas, principalmente as mulheres excluídas do
Juntas, as mulheres buscam as mudanças mercado de trabalho e que conformam a cara da
possíveis de serem feitas no seu cotidiano e pobreza e da miséria em nosso país.
nos seus espaços de trabalho.
É necessário, para nós feministas, que a Economia
O trabalho solidário se apresenta como Solidária assuma a agenda feminista de romper com
uma possibilidade de geração de trabalho a separação entre produção e reprodução.

49
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE
Albaneide Peixinho 1

“Um dia, a alimentação deixou o segurança alimentar e nutricional, a partir


espaço exclusivo do lar e entrou no Estado, de lutas dos movimentos sociais. O conceito
tornando-se um problema público”, de SAN está em permanente construção,
dito por Josué de Castro, graduado em é multidisciplinar e está relacionado aos
medicina pela Universidade do Brasil (hoje diferentes interesses de diversos segmentos
Universidade Federal do Rio de Janeiro), em da sociedade, mudando de acordo com a
1929. Foi um cientista de figura marcante organização social e as relações de poder.
que dedicou boa parte de sua vida para
chamar a atenção para o problema da O conceito de SAN ganhou força a partir
fome e da miséria que desde aquela época do final da Segunda Guerra Mundial (1939-
já assolavam o mundo. Em 1946, Josué de 1945), com a constituição da Organização das
Castro lança o livro “Geografia da Fome”, Nações Unidas (ONU) em 1945, apesar de ser
em que afirmava que as ações da natureza discutido desde a Primeira Guerra Mundial
não eram responsáveis pela miséria e pela (1914-1918). Passou-se a entender que era
fome, mas o homem, que gerava impactos necessária uma larga produção de alimentos
de acordo com a forma como este conduzia capaz de matar a fome de todos os cidadãos,
economicamente seu país. Não obstante, independente da forma da produção.
Josué de Castro contribuiu expressivamente
Surge então a Revolução Verde, que
para a formulação da política de alimentação
estimulou a produção de alimentos, usando
escolar, pois entendia dos males que uma
sementes de alto rendimento, fertilizantes,
nutrição deficiente poderia acarretar em
pesticidas entre outros que eram dependentes
crianças. E defendia a reforma agrária
de insumos químicos. O fato é que, além
propagando que a agricultura familiar era a
de não ser ecologicamente sustentável, o
melhor forma de fixar o homem no campo e
aumento da produção de alimentos não foi
melhorar sua alimentação.
suficiente para o extermínio da fome. De
Nesse sentido, o Estado Brasileiro vem acordo com a Organização das Nações Unidas
desenvolvendo, desde então, sua política de para Alimentação e Agricultura (FAO), a cada

1. Mestranda em nutrição; Coordenadora-Geral do Programa Nacional de Alimentação Escola (PNAE/


FNDE/MEC).

50
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

ano morrem de fome 5 milhões de crianças continua em evidência, envolvendo as


(2004). A resposta mais apropriada, de acordo diferenças de cada segmento da sociedade
com o relatório “Cómo alimentar al mundo en contemporânea, e apoiando-se nas
2050”, seria trabalhar a distribuição da terra raízes históricas de cada grupo. Hoje o
e da água, desenvolvendo a agricultura de conceito engloba que cada nação tem o
maneira sustentável. direito de garantir a Segurança Alimentar
e Nutricional de seu povo, assegurando
No Brasil o conceito afirmado pelos práticas de produção e alimentares
movimentos sociais e reafirmado em Mali, tradicionais de cada cultura. Este conceito
durante o Fórum Mundial de Soberania foi reafirmado na 2º Conferência Nacional
Alimentar (2007), diz o seguinte: de SAN, em Olinda, Pernambuco. E, de
acordo com a Lei Orgânica de SAN (2006):
(...) a Soberania Alimentar é o direito
dos povos de decidir seu próprio sistema (...) a Segurança Alimentar e
alimentar e produtivo, pautado em Nutricional consiste na realização do
alimentos saudáveis e culturalmente direito de todos ao acesso regular
adequados, produzidos de forma e permanente a alimentos de
sustentável e ecológica, o que coloca qualidade, em quantidade suficiente,
aqueles que produzem, distribuem e sem comprometer o acesso a outras
consomem alimentos no coração dos necessidades essenciais, tendo como
sistemas e políticas alimentares, acima base práticas alimentares promotoras
das exigências dos mercados e das de saúde que respeitem a diversidade
empresas, além de defender os interesses cultural e que sejam ambiental, cultural,
e incluir as futuras gerações. econômica e socialmente sustentáveis.
Cada aspecto incorporado ao conceito
de SAN foi arduamente debatido, e

51
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

O conceito de SAN está embasado em diferentes elementos que


se complementam:

Gráfico 1: Elementos de sustentabilidade de SAN.

Avanços no Brasil • Reforma Agrária e regularização


fundiária;
Desde 2003, quando lançada a
Estratégia Fome Zero, o Brasil fortaleceu e • Mecanismos de garantia de preços
criou políticas públicas que se mostraram mínimos – PGPM;
efetivas para a melhoria das condições
sociais e de alimentação dos grupos • Medidas frente às crises
sociais mais vulneráveis. E, nesse sentido, alimentares;
tem realizado grandes avanços no campo • Transferências de renda – Bolsa
de SAN. Dentre os destaques das ações e Família;
dos programas sociais podemos citar:
• Acesso à água – Programas
• Fortalecimento da Agricultura Cisternas;
Familiar – PRONAF;
• Programa Luz para todos;
• Aquisição de alimentos da
Agricultura Familiar, povos e • Alimentação e nutrição para a
comunidades tradicionais – PAA; saúde – SISVAN;

52
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

• Educação para Segurança Alimentar O Programa Nacional de


e Nutricional - SAN e o Direito Alimentação Escolar
Humano à Alimentação Adequada
– DHAA; O Programa Nacional de Alimentação
Escolar instituído pelo Governo Federal
• Oferta de alimentos a trabalhadores desde 1955, e alterado por diversas
e pessoas em vulnerabilidade legislações, foi novamente regulamentado
alimentar- PAT; pela Lei nº 11.947/2009, construída de
forma intersetorial, envolvendo diversos
• Oferta universal de alimentos aos
ministérios do Governo (Ministério da
estudantes – PNAE.
Educação, da Saúde, do Desenvolvimento
Gráfico 2: Intersetorialidade do PNAE

Agrário, do Planejamento e Fazenda, do conter ações que contemplem


Desenvolvimento Social, da Agricultura, a disponibilidade, a produção,
entre outros setores) e a sociedade civil, por a comercialização, o acesso aos
meio do Conselho Nacional de Segurança alimentos, bem como o aspecto
Alimentar e Nutricional – CONSEA. nutricional, que está relacionado a
práticas alimentares e a utilização dos
Para que a Política de Alimentação alimentos, baseado na conceituação
Escolar seja eficiente, deve de SAN. Dessa forma, a interação e

53
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

articulação de diversos setores do atingindo cerca de 46 milhões de


Governo e da sociedade civil se fazem estudantes (2011).
necessários.
A participação da sociedade no
Baseado no conceito de Segurança acompanhamento da execução da
Alimentar e Nutricional e da política política pública é organizada por
educacional vigente, o PNAE passa a meio do Conselho de Alimentação
ter como objetivo contribuir para o Escolar, composto por dois pais de
crescimento e o desenvolvimentos alunos, dois integrantes da sociedade
biopsicossocial, a aprendizagem, o civil, dois trabalhadores da educação,
rendimento escolar e a formação docentes ou discentes e um membro
de hábitos alimentares saudáveis do executivo.
dos alunos, por meio de ações de
educação alimentar e nutricional e da O atendimento do PNAE tem
oferta de refeições que cubram as suas valores diferenciados para indígenas
necessidades nutricionais durante sua e quilombolas – R$ 0,60 por dia letivo,
permanência em sala de aula. com vistas a assegurar que este grupo
esteja protegido da insegurança
Baseia-se nos eixos da (i) iniciativas alimentar. Isso ocorre devido a
educacionais em alimentação e fatos históricos demonstrarem que
nutrição; (ii) participação social estes grupos estiveram expostos
(iii) alimento de qualidade e por muitos anos a tal fenômeno,
em quantidade suficiente e (iv) além das creches – R$ 1,00 real e
compra de gêneros alimentícios dos alunos que aderem ao Programa
que promovam a economia local. Mais Educação.
E, pautado pelos princípios da
universalidade, da equidade, do Outro fator sustentável e inclusivo
Direito Humano à Alimentação da Política do PNAE é que do total
Adequada, da responsabilização dos de recursos repassados para a
Entes Federados, do respeito aos alimentação escolar pelo Fundo
hábitos alimentares saudáveis e da Nacional de Desenvolvimento
sustentabilidade. da Educação, no mínimo, 30%
desse valor deve ser utilizado
O Programa atende 165 mil para a compra direta de gêneros
escolas públicas, em todo o Brasil, alimentícios oriundos da agricultura
contemplando a pré-escola, a creche, familiar ou empreendedor familiar
o ensino fundamental e médio, e rural ou suas organizações, com
a educação de jovens e adultos, prioridade para os assentamentos

54
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

da reforma agrária, as comunidades para a disponibilidade da alimentação


tradicionais indígenas e comunidades escolar, que estão alinhadas com as
quilombolas. Incluem-se nestes recomendações do Guia Alimentar para
grupos as mulheres camponesas, a População Brasileira e com a Estratégia
reconhecidas por desempenharem Global para a Alimentação Saudável,
papel essencial na produção agrícola Atividade Física e Saúde, quais sejam:
e na alimentação, de acordo com a
Via Campesina (2003). Oferta mínima obrigatória de três
porções de frutas e hortaliças por semana
A compra pode ser feita de forma (200g/semana);
direta, ou seja, dispensando-se a o
procedimento licitatório, desde que Proibição da aquisição de bebidas
atendidas às exigências que dispõe a com baixo teor nutricional, tais como
Lei 11.947/2009. refrigerantes, refrescos artificiais e
outras bebidas similares;
Em 2010, foi realizada pelo FNDE uma
pesquisa que discorre sobre a aquisição Restrição a alimentos com elevado
de gêneros da agricultura familiar por teor de açúcar, gorduras e sal;
parte das Entidades Executoras do
Em 2011, de acordo com a pesquisa
Programa Nacional de Alimentação
realizada pelo FNDE, foram avaliados
Escolar, ou seja, pelas Secretarias
1064 cardápios de escolas do Brasil, com
estaduais e municipais de educação do
vistas a avaliar a composição nutricional
país. Por meio desta, foi revelado que
da alimentação oferecida aos alunos nas
primeiro ano de implantação da Lei,
escolas públicas. A pesquisa ressaltou a
cerca de 54% dos Estados, municípios e
importância do estímulo à melhoria da
DF compraram da Agricultura Familiar.
qualidade dos cardápios por meio da do
Os que não adquiriram relatam as
aumento da oferta de produtos saudáveis,
seguintes dificuldades: organização dos
como frutas, hortaliças, cereais integrais
agricultores familiares, regularidade na
e peixes, por conseguinte a melhora do
entrega e falta de documentos fiscais.
panorama adequado de nutrientes e o
Já em 2011, de acordo com a incentivo ideal à compra de produtos da
pesquisa realizada nos estados do Agricultura Familiar.
Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
No campo da Educação Alimentar e
Goiás, relata que 84% dos municípios
Nutricional, o Programa propõe ações
compraram da Agricultura Familiar.
educativas que perpassem pelo currículo
O PNAE estabelece ações estratégicas escolar, abordando o tema alimentação e
nutrição e o desenvolvimento de práticas

55
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

Gráfico 3: Percentual de Municípios que apresentaram no cardápio escolar, pelo menos uma vez por semana, frutas
e polpas de frutas. Brasil e regiões, 2011.

Fonte: CECANE UFRGS, 2011

saudáveis de vida, na perspectiva da (PAES), auxiliando na construção de marco legal,


segurança alimentar e nutricional. O Projeto estruturação da política e capacitação para a
Educando com a Horta Escolar foi uma implementação, execução e monitoramento de
dessas ações, que prevê a aproximação PAES.
do estudante a terra, à produção e
aos alimentos saudáveis, por meio de Colabora com o Centro de Excelência contra
estratégias pedagógicas abordadas de forma a Fome, do Programa Mundial de Alimento das
interdisciplinar. Nações Unidas, que mantém cooperação com
países da África, Ásia e Oceania. E também, com
Como forma de integração e disseminação a execução do Projeto GCP/RLA/180/BRA, da
das ações de segurança alimentar o PNAE utiliza FAO, que atua no fortalecimento de políticas de
a Rede Brasileira de Alimentação e Nutrição do alimentação escolar na América Latina. Além dos
Escolar – REBRAE. projetos de ação bilaterais, envolvendo apenas o
Brasil e o Estado que recebe a cooperação.
Tendo em vista o êxito do Programa, seu
atendimento universal, sua intersetorialidade, a Referências Bibliográficas
aquisição de gêneros da agricultura familiar e seus
BRASIL. Lei nº 11346, de 15 de setembro de
aspectoseducacionais,oPNAEtemsidodemando
2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança
por cooperação internacional. Atuando por meio
Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em
da Coordenação-Geral de Ações Internacionais
assegurar o direito humano à alimentação
de Combate à Fome (CGFOME) e da Agência
adequada e dá outras providências. Diário
Brasileira de Cooperação – ABC do Ministério das
Oficial da República Federativa do Brasil,
Relações Exteriores, junto ao Programa Mundial
Brasília, DF, n. 179, 18 de setembro de 2006.
Alimentar - PMA e a Organização das Nações
Seção I, p.1 – 2.
Unidas para a Alimentação e Agricultura – FAO,
em atividades de troca de experiências em BRASIL. Lei nº 11.947, de 16 de junho
programas de alimentação escolar sustentáveis

56
Política Social de Alimentação e Nutrição: PNAE

de 2009. Dispõe sobre o atendimento da FORO DE EXPERTOS DE ALTO NIVEL SOBRE


alimentação escolar e do programa dinheiro CÓMO ALIMENTAR AL MUNDO EN 2050. 2009,
direto na escola aos alunos da educação básica; Roma, Itália.
altera as leis 10.880, de 9 de junho de 2004,
11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de FÓRUM MUNDIAL DE SOBERANIA
20 de julho de 2007; revoga dispositivos da ALIMENTAR. 2007, Sélingué, Mali.
medida provisória 2.178-36, de 24 de agosto de
MAGALHÃES, Thamires. O
2001, e a lei 8.913, de 12 de julho de 1994; e da
reconhecimento das mulheres trabalhadoras
outras providencias. Diário Oficial da República
rurais. Edição 387. Rio Grande do Sul: 2012.
Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 113, 17 de
Disponível em: < http://www.ihuonline.
junho de 2009. Seção I, p.2 – 4.
unisinos.br/index.php?option=com_content
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento &view=article&id=4319&secao=387> Acesso
Social e Combate à Fome. Fome Zero: Uma em: 20/05/2012.
História Brasileira. Brasília, DF: MDS, Assessoria
Fome Zero, V. 1, 2 e 3, 2010. 190 p.

57
Parte 2 A participação social e políticas para o
desenvolvimento sustentável e igualdade de gênero:
as experiências do CONSEA e do CNDM

Participação social: a experiência do CONSEA¹


Francisco Menezes²

Antecedentes proposta de enfrentamento da fome e um


programa de segurança alimentar para o
A chegada do Presidente Lula à país, contou com a participação de alguns
Presidência da República, em 2003, da daqueles que estiveram mais engajados
mesma forma que o processo anterior no processo antes descrito de formulação
de construção e consolidação de uma e ação incidente sobre as políticas
proposta de Governo democrático-popular públicas relacionadas com a Segurança
não se deu pelo mero acaso. Foi fruto da Alimentar e Nutricional. Representantes
mobilização e organização da sociedade de ONGs, acadêmicos, pesquisadores e
brasileira na direção de transformações integrantes de movimentos sociais, entre
indispensáveis para um Brasil mais justo e outros, empenharam-se desde 2001
soberano. Da mesma forma, a elaboração em um rigoroso esforço de pesquisa,
e aplicação da proposta do Projeto Fome debates e construção de propostas
Zero, representou a culminância de todo para o enfrentamento da fome e o
um processo anterior, de formulações estabelecimento de uma política de
e práticas na luta contra a fome e pela segurança alimentar e nutricional.
segurança alimentar e nutricional no
Brasil, experimentadas por Governos Ficou claro na proposta então
(nos níveis municipal e estadual) e engendrada que a preocupação com
organizações sociais. O Projeto Fome a participação social constituiu-se em
Zero, que foi elaborado pelo Instituto elemento importante em sua constituição.
da Cidadania a partir de 2001, visando Assinale-se que no documento que
oferecer ao Presidente da República apresentava a proposta, a recriação do
que seria eleito no final de 2002 uma CONSEA está mencionada, o que soa natural

1. Este texto é parte do artigo “Mobilização Social e Participação da Sociedade Civil” publicado no livro “Fome
Zero: Uma história brasileira” - Brasília, DF; MDS, Assessoria Fome Zero, v. 1, 2010.

2. Francisco Menezes é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e foi presidente
do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) de 2004 a 2007.

58
Participação social: a experiência do CONSEA

na medida em que vários integrantes do Conselho Nacional de Segurança Alimentar


Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar, e Nutricional. O Conselho foi instalado em
formado por diferentes organizações da 30 de janeiro de 2003, sendo formado por
sociedade civil, participavam do grupo
59 conselheiros, sendo 17 ministros de
que elaborou o Projeto Fome Zero.
Estado e 42 representantes da sociedade
Participação Social no Governo Lula civil. Manteve-se, a proporção de no
Eleito presidente, Luís Inácio Lula da mínimo dois terços da composição oriunda
Silva não apenas assumiu a disposição da sociedade, tal como já houvera sido no
de aplicar aquilo que estava proposto primeiro CONSEA. Da mesma maneira,
no Programa Fome Zero, como declarou seu presidente como um representante
o combate à fome como uma grande da sociedade civil e o Conselho situado
prioridade de seu Governo. E, no primeiro na Presidência da República serviram para
ato expedido após sua posse, junto a demonstrar o significado do espaço de
diversas medidas estabelecidas, recriou o participação conferido à sociedade, junto
a um programa da importância já referida.

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) é um instrumento de


articulação entre Governo e sociedade civil na proposição de diretrizes para as ações na área da
alimentação e nutrição.
Instalado em 30 de janeiro de 2003, o Conselho tem caráter consultivo e assessora a Presidenta
da República na formulação de políticas e na definição de orientações para que o país garanta o
direito humano à alimentação.
Pela sua natureza consultiva e de assessoramento, o Conselho não é, nem pode ser, gestor nem
executor de programas, projetos, políticas ou sistemas.
Inspirado nas resoluções da Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o
Consea acompanha e propõe diferentes programas, como Bolsa Família, Alimentação Escolar,
Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar e Vigilância Alimentar e Nutricional, entre
muitos outros.
O Consea estimula a participação da sociedade na formulação, execução e acompanhamento
de políticas de segurança alimentar e nutricional. Considera que a organização da sociedade é uma
condição essencial para as conquistas sociais e para a superação definitiva da exclusão.

Fonte:http://www4.planalto.gov.br/consea/consea-2. Acesso em 04/06/2012.

59
Participação social: a experiência do CONSEA

Observe-se que isto refletiu a disposição e proposição de outros conselhos, em


do novo Governo dentro de seu projeto seus aspectos específicos. Dessa maneira,
“Democrático-Participativo”, criando não se o CONSEA delibera e faz executar
determinadas decisões, estas podem estar
apenas o CONSEA, mas outros tantos
gerando áreas de atrito e sobreposição nas
conselhos nacionais de direitos e políticas
decisões de instâncias setoriais. A segunda
públicas, bem como o apoio à realização de considera o fato de que o CONSEA é um
conferências nacionais correspondentes a órgão de aconselhamento do Presidente
diferentes temas e setores. da República, não podendo ser impositivo
sobre ele em suas resoluções. Ou seja,
No caso do CONSEA, vale examinar e ele emite pareceres ou opiniões sobre
discutir sua trajetória a partir da retomada determinada ação do Governo, mas não
em 2003. Um aspecto preliminar a ser têm poder de decisão sobre a diretriz
considerado é sua própria definição, da política em questão. A argumentação
enquanto um instrumento de articulação daqueles que criticam seu caráter
entre Governo e sociedade civil na deliberativo é que sendo consultivo, seu
proposição de diretrizes para as ações poder político fica muito diminuído. O
na área da alimentação e nutrição. A contra-argumento é de que aquilo que
compreensão desta definição é importante, define realmente sua capacidade de fazer
pois ela enfrenta um debate polêmico valer suas resoluções é a força política
sobre o caráter do conselho, se consultivo que respalda seus posicionamentos
ou deliberativo. O CONSEA foi definido e a consistência de suas propostas,
no decreto que detalhou sua criação como foi demonstrada na trajetória do
como consultivo, devendo assessorar o CONSEA. Para outros conselhos, que são
Presidente da República na formulação deliberativos, por diversas vezes suas
de políticas e na definição de orientações posições não são aplicadas, se não estão
para a garantia do direito à alimentação. respaldadas por uma mobilização maior
Isto em contraposição a outros conselhos, da sociedade.
como o Conselho Nacional de Saúde, de
caráter deliberativo. Duas razões principais Esclarecido este ponto, cabe examinar
são apresentadas para que o CONSEA seja a efetividade do CONSEA na construção e
consultivo. A primeira é que a temática monitoramento de algumas das políticas
da segurança alimentar e nutricional, públicas a ele afetas, procurando atentar
sendo intersetorial, terá as políticas a para os processos de participação
ela relacionadas referentes a diferentes social que eles ensejaram e outros que
setores, dizendo respeito a diferentes desencadearam. Nada mais próprio do
ministérios e secretarias e, também, que iniciar este exame com o resgate
sendo muitas das vezes campo de análise

60
Participação social: a experiência do CONSEA

do processo que gerou o Programa de O PPA é considerado pelos especialistas


Aquisição de Alimentos da Agricultura que o estudam, o melhor exemplo
Familiar (PAA) pelo Governo Federal. de política pública que exercita a
intersetorialidade, tão recomendada na
Na primeira reunião do CONSEA, segurança alimentar, pois vai da ponta da
logo após a posse dos conselheiros e produção até a outra ponta do consumo
quando o Programa Fome Zero também daquelas populações mais carentes. O
era iniciado, foi argumentado que com CONSEA não foi apenas a instância aonde
o maior acesso à alimentação por parte foi gerado o programa, mas permanente
de um contingente da população que espaço de acompanhamento e formulação
até então se alimentava precariamente, de propostas para seu aperfeiçoamento.
havia que se garantir uma capacidade de
oferta adicional de alimentos, de forma a Outro programa sobre o qual o
prevenir uma potencial escassez e ainda a CONSEA teve um papel protagonista nos
decorrente elevação de preços. avanços conquistados foi o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Além dessa preocupação, trabalhou-se Em 2004, após debate em plenária do
com o fato de que parte da pobreza, na Conselho sobre medidas necessárias para
área rural, é de agricultores familiares com a recuperação do programa, foi levada ao
dificuldades severas de acesso ao crédito e Presidente da República a reivindicação
à assistência técnica, bem como não tendo da correção do per capita da alimentação
capacidade de assegurarem mercado para escolar do ensino básico, que não sofria
sua produção. Ou seja, a oferta adicional a qualquer reajuste há dez anos e que
ser gerada, frente ao aumento da demanda representou uma recuperação ao longo
provocada pelo Fome Zero, deveria vir da dos anos seguintes de 130%. Na mesma
agricultura familiar, apoiada por políticas medida, os outros níveis de ensino
públicas que enfrentassem as dificuldades (creche, pré-escola, educação para jovens
desses agricultores, de forma a superá- e adultos, educação indígena e para
las. Daí criou-se um Grupo de Trabalho no populações quilombolas) também foram
CONSEA, com representantes do Governo beneficiados por gradativas correções do
e da sociedade civil, que construiu a valor repassado. Considerando, ainda, a
proposta do Plano de Safra da Agricultura necessidade de medidas para que fossem
Familiar, abrigando o crédito para essa efetuadas outras melhorias no PNAE,
modalidade de produtores, fortalecendo o Conselho apresentou a proposta de
a assistência técnica e a extensão rural, projeto de Lei para a Alimentação Escolar,
bem como o seguro da produção e, por propondo entre vários pontos inovadores,
fim, criando o PAA. a extensão do programa para o ensino

61
Participação social: a experiência do CONSEA

médio, ampliando o público de 36 para O Governo reconheceu a importância


46 milhões de alunos; a obrigatoriedade do Programa e passou a promover um
de que a agricultura familiar forneça no apoio mais substantivo, acelerando sua
mínimo 30% dos alimentos adquiridos implantação. O CONSEA foi um espaço
em cada município, abrindo considerável importante na legitimação desta parceria,
mercado para esses agricultores; exigência entre Governo e ASA, demonstrando sua
de alimentos saudáveis e nutritivos na capacidade de fortalecer iniciativas dessa
composição da alimentação, entre outras. modalidade.
A mobilização coordenada pelo CONSEA
foi decisiva para que a nova lei fosse Mas não foram apenas através
aprovada, em 2009, embora tenham da construção, fortalecimento ou
ocorrido modificações na proposta inicial, aperfeiçoamento de programas que o
face à resistência de alguns setores do CONSEA demonstrou sua efetividade no
Congresso Nacional, reduzindo os ganhos estabelecimento de um novo patamar
que o Programa obteria. para a participação social. Foi também no
desenvolvimento de ações estratégicas
Também importante foi a contribuição fundamentais para a própria constituição
do CONSEA ao programa Bolsa Família. do sistema e da política nacional de
Diversas propostas foram encaminhadas, segurança alimentar e nutricional.
sempre no sentido do seu aprimoramento.
Destaquem-se aquelas concernentes ao Nesse sentido, um processo que já foi
programa junto à indígenas e quilombolas. aqui mencionado e que deve anteceder
as demais análises, diz respeito à
Mais uma iniciativa que demonstra a realização da segunda, da terceira e
integração experimentada entre o Governo da quarta conferências nacionais. A
Federal e as organizações da sociedade II Conferência Nacional de Segurança
civil, está no forte impulsionamento do Alimentar e Nutricional, que ocorreu
Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), em março de 2004, em Olinda, antes de
a partir do Fome Zero. Este programa tudo, teve o significado do resgate de um
foi uma construção absolutamente processo que foi interrompido por dez
própria da sociedade civil, por meio da anos, após a realização da Conferência.
Articulação do Semi-Árido (ASA), rede de
mais de setecentas organizações do semi- Com a retomada do ciclo de
árido. A proposta do projeto consiste na conferências, desencadeia-se um
construção de cisternas para captação processo em todo o Brasil, com
de água da chuva, a baixo custo e na conferências municipais e estaduais,
educação, para o bom uso da água, das até seu ápice na Conferência Nacional,
famílias que têm as cisternas construídas. em que o exercício da democracia

62
Participação social: a experiência do CONSEA

participativa expressou-se, deixando estadual. Ocorreu-se uma dissintonia entre


claras as contradições existentes, mas os temas planejados e demandados, a III
revelando também a capacidade de Conferência notabilizou-se pela força de
geração e legitimação de propostas, participação que ela desencadeou desde
por uma maioria. Assim foi com a os estados. Estados que estavam no limiar
resolução principal, que apontou de sua mobilização se surpreenderam
para a consolidação do marco legal com a resposta da sociedade, ao chamado
da segurança alimentar e nutricional. para a Conferência. O evento nacional
Esta proposta surgiu no processo da III Conferência refletiu toda essa
de conferências estaduais, vindo a diversidade e a força que dela emana. E
tomar forma definitiva na Conferência deu a oportunidade de aprendizado para
Nacional. Seus desdobramentos serão se saber extrair de um vivo processo de
discutidos adiante, na descrição do participação os conteúdos que expressam
processo que resultou na Lei Orgânica essa vontade coletiva.
de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN). Outras diretrizes, apontadas A IV Conferência realizada em Salvador,
na II Conferência, serviram de base em novembro de 2011, repetiu o vigor
para o trabalho que seria realizado na das anteriores, agora experimentando
gestão 2004-07 do CONSEA. uma metodologia em que no processo
desencadeado desde os municípios já iniciou
A III Conferência Nacional realiza- o estabelecimento das bases das propostas
se em julho de 2007, em Fortaleza, a serem definidas no evento nacional.
como uma continuidade natural do
processo participativo desencadeado Outro processo que demonstra a
pela proposta do Fome Zero. Seu tema presença da participação social, enquanto
central foi “Por um desenvolvimento elemento decisivo para sua realização
sustentável com soberania e segurança foi aquele que gerou a Lei Orgânica
alimentar e nutricional”. de Segurança Alimentar e Nutricional
(LOSAN). Foi a primeira experiência
A escolha desse tema seguiu a lógica do CONSEA na geração, negociação e
de que uma primeira etapa fora cumprida, aprovação de um projeto de lei. Também
a do estabelecimento do marco legal neste caso, a participação da sociedade
da segurança alimentar, e que a disputa civil foi decisiva e realizada das mais
deveria ser travada com a discussão diversas formas, seja por abaixo-assinados,
do modelo. No entanto, o processo teleconferências, eventos no Congresso
da III Conferência mostrou uma ênfase Nacional e audiências públicas.
maior nas questões relacionadas com a
construção do sistema nos planos local e

63
Participação social: a experiência do CONSEA

Três anos depois, no segundo semestre de segurança alimentar e nutricional.


de 2009 e início de 2010, ocorreu outro Assinale-se, também, a importância de
importante processo para o CONSEA, encontros promovidos pelo CONSEA
de aprovação da Proposta de Emenda nacional, trazendo conselheiros
Constitucional da alimentação como estaduais, como foi aquele que avaliou o
direito humano. A questão do direito cumprimento das diretrizes indicadas pela
humano à alimentação já se consolidara III Conferência, dois anos depois.
para todo o movimento da segurança
alimentar e o apelo à mobilização para Também devem ser mencionadas
a aprovação da PEC, evidentemente, situações em que as posições majoritárias
não encontrou resistência. Novamente, do Conselho não conseguiram prevalecer
ocorreu uma série de iniciativas dentro nas decisões tomadas no âmbito
do campo da participação social, para governamental. As indicações do CONSEA
pressionar e convencer os deputados a quanto aos cuidados que julgou necessários
votarem por essa alteração constitucional, em relação à produção e consumo
como abaixo-assinados, ruidosas de alimentos transgênicos, ao uso de
manifestações, publicidade na televisão agrotóxicos na agricultura e às restrições
com artistas de grande reconhecimento ao uso de agrotóxicos ou ainda contrário
popular e participação em audiências aos estímulos concedidos ao agronegócio,
públicas. não lograram medidas ou novas políticas
que reorientassem o modelo hegemônico
Evidentemente, é no plano local que na agricultura. Teria faltado pressão social
se realizam os programas e ações de respaldando esses posicionamentos? Ou
segurança alimentar e nutricional. Assim, tratava-se de questões já decididas, que
a relação do CONSEA nacional com os não permitiam espaço para a interferência
CONSEAs estaduais e municipais, quando da participação social?
existem, é fundamental. Esta relação,
Limites e desafios
por vezes é difícil, dada a diversidade de
situações em que se encontram aqueles O processo que está sendo vivido,
CONSEAs, alguns com razoável grau de de construção do sistema e da política
atuação e outros bastante desmobilizados. de segurança alimentar e nutricional,
O terceiro mandato do CONSEA nacional relaciona-se diretamente com um
tomou a iniciativa de implantar uma processo maior, ao mesmo tempo em que
comissão, composta pelos presidentes o reforça, com a experiência forjada por
dos CONSEAs estaduais, que se reúne ganhos e conquistas, mas também com
a cada dois meses e discute questões e o conhecimento dos limites e grandes
encaminhamentos referentes ao sistema desafios que precisa enfrentar e que

64
Participação social: a experiência do CONSEA

também podem significar possibilidades que a política de segurança alimentar e


para novos avanços. nutricional tem que ser pensada em toda
sua abrangência, para ser conseqüente e
As carências nas políticas sociais, poder se realizar. Trata-se, assim, de que
sobretudo as insuficiências orçamentárias todos compreendam e sejam convencidos
para seus programas e ações, geram da importância desta abrangência e, mais
continuamente uma sensação de ainda, consigam articular iniciativas, ações
insatisfação nas organizações sociais e programas em prol desse sentido. É a
representadas no CONSEA, que pode natureza intersetorial do tema que justifica
se transformar rapidamente em tensão o fato de que o CONSEA deve localizar-
entre elas e o Governo. De alguma se, obrigatoriamente, na Presidência
maneira, essa situação é inevitável, dados da República. Porém, a atuação dos
os papéis diferentes exercidos por cada conselheiros, quer da sociedade civil,
parte. A experiência do CONSEA mostrou quer do Governo, com uma perspectiva
que situações como essas devem ser intersetorial não é algo que se obtém
enfrentadas com transparência por parte intempestivamente. É um lento processo,
do Governo e capacidade de avaliação do cujo acerto é demonstrado com resultados.
contexto, por parte das representações da Certamente, os avanços do CONSEA nessa
sociedade, que vai além do foco sobre a perspectiva significam e significarão uma
segurança alimentar. contribuição relevante para o exercício
das políticas públicas no país.
Outra questão colocada é que a
segurança alimentar e nutricional, em A atuação em conselhos dessa
sua essência, é um tema intersetorial. No natureza requer capacidades políticas
entanto, a cultura política prevalecente que não se apresentam prontas em cada
no Brasil é setorial. A estrutura de conselheiro. Enfatiza-se, nesse caso, o fato
Governo divide-se por setores e o de que a própria vivência no Conselho é
orçamento é disputado por setores. A um aprendizado gradativo, que também
sociedade, por sua vez, organiza-se por ocorre no Governo e na sociedade. Para o
setores. No amplo espectro da segurança primeiro, a sensação mais imediata pode
alimentar e nutricional apresentam- ser a de que os conselhos apresentam-se
se os representantes da produção e como um obstáculo a mais a ser superado
dos produtores rurais, da saúde e de na implementação da política, obrigando
seus profissionais, da educação e de Governos genuinamente eleitos a
seus profissionais, do consumo e dos negociarem. Para a sociedade, que no
consumidores, dos grupos populacionais largo período anterior pouco conheceu
e de outros tantos empenhados na defesa sobre a oportunidade de participação
de seus interesses específicos. Acontece

65
Participação social: a experiência do CONSEA

em instâncias de formulação e controle conselho exige. O esforço das iniciativas


social e concentrou suas práticas nas de criação de espaços entre os CONSEAs
denúncias e nos protestos, sofre agora da nos três níveis, na forma como já está
dificuldade em conseguir formular com ocorrendo, parece o caminho melhor para
consistência e viabilidade suas propostas. a correção dessas disparidades.
E mais, vê-se obrigada a ter capacidade
de negociação, para a conquista de Não há quem possa afirmar que se trata
ganhos para aqueles que ela representa. de uma construção simples a participação
É mais um processo longo e inovador, social nas políticas públicas. Fala-se aqui
que desafia os participantes a renovarem de um processo que é dinâmico, mas que
suas antigas práticas e a experimentarem carrega consigo contradições, na medida
o que realmente significa o exercício da em que é formado por sujeitos e interesses
democracia participativa. diversos, de uma sociedade complexa e
com problemas complexos. A experiência
Por fim, como a proposta vigente no do CONSEA é muito estimulante, apesar
Brasil é a de construção de um sistema de todas as dificuldades aqui relatadas.
nacional de segurança alimentar e Contribui para a construção de uma
nutricional há que se conseguir criar vasos democracia com participação. E prova
comunicantes entre os diferentes entes, que o processo de busca de uma proposta
nos planos federal, estadual e municipal comum, embora árdua, é sempre mais
e, mais ainda, impulsionar aqueles que se efetivo em seus resultados e mais próximo
tornam mais lentos e fracos. O problema das demandas sociais.
é que, na medida em que a proposta
parte do Governo Federal – e não poderia
deixar de ser assim – o ritmo acelera-
se na parte superior da pirâmide e não
responde, ou responde pouco na base. No
sistema dos Consea´s federal, estaduais,
do Distrito Federal e municipais o mesmo
acontece. Neste caso, o mais freqüente é
a dissonância entre Governos estaduais
ou municipais que rejeitam a idéia da
existência do CONSEA e a disposição
da sociedade em tê-los. Mas também
acontece, sobretudo nos municípios, a
incipiência da organização da sociedade,
ainda incapaz de dar conta do que o

66
Depoimento
Igualdade de gênero e agroecologia
Por Maria Emília Lisboa Pacheco1

Maria Emília Pacheco (Presidente Alimentar e Nutricional, no decorrer da


do CONSEA e membra da Articulação 4ª Conferência de SAN. A Carta integra o
Nacional de Agroecologia - ANA) concedeu relatório final da Conferência.
depoimento à Equipe Técnica do
Observatório Brasil da Igualdade de Gênero Nossa perspectiva é de dar continuidade
no dia 24/05/2012, acerca da experiência do a esse GT, a partir do acúmulo já alcançado,
CONSEA e da ANA em discutir a questão da e avançar ainda mais no debate sobre as
agroecologia e a particular ênfase na análise relações de gênero e segurança alimentar e
feminista sobre esse tema. nutricional. Uma das estratégias firmemente
defendida na Carta é justamente o
O Conselho Nacional de Segurança aperfeiçoamento do monitoramento de
Alimentar e Nutricional (CONSEA), em programas e políticas públicas de segurança
2011, criou um Grupo de Trabalho alimentar e nutricional que tenham
(GT) para contribuir com o avanço da impactos diretos na vida das mulheres.
perspectiva da segurança alimentar e Uma reivindicação importante é o acesso às
nutricional sob o ponto de vista das políticas públicas por meio de instrumentos
mulheres. Um fator decisivo para a criação adequados às mulheres, uma vez que alguns
do GT foram indicadores sociais que instrumentos excluem ou dificultam sua
demostram que as mulheres, em muitos participação.
contextos, ainda vivem uma situação de
insegurança alimentar maior do que os A Declaração de Aptidão ao Programa
homens. Em face às desigualdades entre Nacional de Agricultura Familiar (DAP/
homens e mulheres na sociedade, nem PRONAF), por exemplo, um instrumento
sempre observadas nas políticas públicas, criado para o acesso a crédito e que passou
uma das responsabilidades desse a ser utilizado quase como uma carteira
Grupo foi fomentar a discussão sobre de acesso a diversas políticas, incluindo
a interseção entre gênero e segurança as políticas de aquisição de alimento,
alimentar e nutricional na 3ª Conferência não contempla a participação ativa das
Nacional de Políticas para as Mulheres e mulheres, já que a Declaração é registrada
na 4ª Conferência de Segurança Alimentar por família.
e Nutricional. Como produto desse grupo,
Essa necessidade de revisão da DAP para se
foi elaborada a Carta Política Mulheres
adequar às demandas das mulheres já vinha
Construindo a Soberania e a Segurança
sendo apontada pela Articulação Nacional

1. Antropóloga possui formação em Serviço Social e mestrado em Antropologia Social. É Presidenta do


Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) para o biênio 2012-2013.

67
Depoimento Igualdade de gênero e agroecologia

de Agroecologia – ANA, organização de que muitas vezes as domesticadoras das espécies.


faço parte, que apoia a luta pela autonomia Elas têm se responsabilizado por manter
econômica e a auto-organização das mulheres. a variedade das espécies, especialmente
No CONSEA, nós temos acompanhado de perto aquelas destinadas à alimentação. A
essa demanda. Nós fomos co-organizadores sociedade atribuiu às mulheres essa função,
de seminários nacionais de avaliação do no entanto, lamentavelmente, elas não têm
Programa de Produção de Alimentos (PAA), sido reconhecidas nesse papel.
nos quais pautamos o debate das mulheres
sobre o acesso ao Programa. Embora em algumas situações, o trabalho
doméstico seja distribuído de forma mais
Outro tema importante, destacado na equânime, no geral, são as mulheres as
Conferência de SAN por uma Conselheira responsáveis pela gestão dos alimentos,
indígena, foi o fato de que situações de conservação da biodiversidade.
insegurança alimentar vêm comprometendo
a saúde das mulheres, especialmente das Em nossa proposta de política de
mulheres indígenas, que vêm apresentando agroecologia - eu digo nossa porque a proposta
alta prevalência de obesidade, diabetes, dessa política vem sendo negociada pela ANA
pressão alta e outras doenças relacionadas. - nós temos como uma das metas a garantia
Nós estaremos atentos ao monitoramento das de, no mínimo, 30% de mulheres no acesso
políticas de seguranças alimentar em interface às ações previstas. Além disso, propomos
com a saúde. um programa específico de “Mulheres e
Agroecologia”, considerando a importância
Queremos também, cada vez mais, de meios necessários para a sua participação
associar o debate da soberania e segurança ativa e seu reconhecimento como sujeitos
alimentar e nutricional e das mulheres à dessa política.
questão da sustentabilidade ambiental. É
nossa preocupação a crescente apropriação No contexto da RIO + 20, o CONSEA espera
privada da natureza, que vai na contramão trazer à tona esse debate sobre a visibilidade
da sustentabilidade. Na última plenária do trabalho das mulheres e também dos
do CONSEA (em 23 de maio de 2012), direitos das mulheres e explicitar algumas
discutimos uma proposta de política de iniciativas e propostas políticas que fazem
agroecologia. Falar de agroecologia e de essa relação entre o desenvolvimento
sistemas agrícolas sustentáveis é afirmar sustentável e o reconhecimento do papel
que nesse lugar as mulheres têm um papel das mulheres. Embora se saiba que as
fundamental. mulheres representam 47,8% da população
do campo, apenas 16% tem o título da terra.
Historicamente, as mulheres têm sido A titulação conjunta instituída em 2003 foi
guardiãs da produção, e, mais do que isso, são um avanço, assim como a ampliação do

68
Depoimento Igualdade de gênero e agroecologia

acesso à documentação civil pelas mulheres, os movimentos de mulheres estiveram


embora permaneçam desafios imensos presentes, também o movimento de justiça
para a igualdade entre homens e mulheres ambiental, da agroecologia, da economia
no campo. solidária, da soberania e segurança alimentar
e nutricional, da saúde, e foi muito importante
No âmbito da Rio+20, a associação entre perceber isso. Uma nova economia, do nosso
a soberania alimentar, segurança alimentar ponto de vista, deve relacionar uma visão de
e nutricional e agroecologia, em diálogo com sustentabilidade humana em que as mulheres
o debate da plataforma feminista é crucial, sejam reconhecidas como sujeito político,
e nos desafia a encontrar novos caminhos. com sua auto-organização, e questionando a
Não queremos repetir os mesmos caminhos divisão sexual do trabalho que desvaloriza e
e as falsas soluções, em que o mercado separa trabalho das mulheres em relação ao
continua como princípio organizador da dos homens, assim negando a contribuição
produção e do consumo. Como proposta, econômica da atividade doméstica de cuidados
defendemos ativamente a atuação regulatória e a produção para o autoconsumo. Essa é a
do Estado, incorporando a perspectiva da perspectiva que nos move para a construção
sustentabilidade socioambiental. de novo paradigma para a agricultura baseado
nos princípios da agroecologia, em diálogo
Essa é uma proposta, no âmbito da
com a plataforma feminista. Esse é o exercício
agroecologia, da pauta feminista. Nós
político, de cidadania, que nós estamos e
realizamos uma agenda de diálogos e
vamos continuar fazendo.
convergências no ano passado em que

Mais informações, vide publicação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar


e Nutricional (CAISAN): Caderno SISAN 01/2012 - Agroeocologia e o Direito Humano à
Alimentação Adequada: Tradução do Relatório de Olivier de Schutter, Relator Especial
para o direito à Alimentação da ONU.

Para visualizar o Relatório:


http://www.mds.gov.br/saladeimprensa/noticias/2012/maio/
arquivos/LIVRO_SISAN2_web.pdf

69
Depoimento
“Desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero
e participação social: a experiência do CNDM”
Por Justina Cima1

A Equipe Técnica do Observatório participação política das mulheres na


Brasil da Igualdade de Gênero esteve sociedade, nos mais diferentes espaços.
em contato com Justina Cima, que, Uma luta importante também pela
em depoimento, nos falou sobre sua ampliação da Previdência Social, já que
participação no Conselho Nacional de não havia para as trabalhadoras rurais
Direitos da Mulher e no Movimento de direitos previdenciários garantidos,
Mulheres Camponesas de Santa Catarina, até porque elas eram vistas como
elucidando aspectos da agenda feminista dependentes. O MMC, na época de
e da luta no campo. seu surgimento, acompanhou as lutas
pela redemocratização do país, com a
O Movimento de Mulheres Camponesas aprovação da Constituição Federal de
(MMC) é um dos poucos no Brasil que, 1988 e, após sua aprovação, as lutas
além de ser um movimento social, foram no sentido de regulamentar os
popular, autônomo, tem como missão direitos assegurados pela Constituição.
a emancipação das mulheres de toda Assim, a partir daí, iniciou-se um período
forma de opressão e de discriminação. de regulamentação de diversos direitos
Como é um movimento camponês, é sua às mulheres. O salário maternidade,
missão também o projeto de agricultura por exemplo, foi regulamentado, o que
agroecológica. Além disso, o MMC se eu acredito que é um dos passos mais
assume também como um movimento importantes, porque junto com ele
que luta pela transformação da sociedade; veio o reconhecimento da profissão de
ele vai além das políticas públicas. O trabalhadora rural. E junto com ele veio
movimento existe no Brasil desde 1983, também a conquista da aposentadoria
tendo se iniciado de diversas maneiras para as mulheres, o que dá uma certa
em todo o país. Eu, por exemplo, sou de segurança para as mulheres a partir de 55
Santa Catarina, e lá ele surge forte a partir anos, e 60 anos para os homens. Inclusive
de 83. O MMC foi se consolidando a partir esse é um ponto bem interessante da
dessa missão desde o seu início, e teve, luta das mulheres: as mulheres fazem a
desde então, um olhar muito forte sobre luta, mas elas fazem para a transformação
o gênero e a classe, pois as duas questões da sociedade e também para a luta pelos
se entrelaçam. direitos de modo geral, na verdade. E
isso identifica o movimento feminista,
O MMC teve lutas históricas
principalmente no campo.
importantíssimas no sentido da

1. É Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e integrante do Movimento de Mulheres
Camponesas (MMC).

70
Depoimento “Desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero e
participação social: a experiência do CNDM”

O MMC também teve uma contribuição Na nossa avaliação, o Conselho precisa


importante no sentido de fazer o debate avançar para o debate das questões
da valorização do trabalho das mulheres, estratégicas e estruturais da sociedade,
não só do trabalho na agricultura, mas inclusive de forma que apareçam as
também do trabalho doméstico. E, nesse diferentes posições. Por exemplo, da
sentido, teve todo um trabalho para criar questão da Reforma Agrária. O que é o
uma proposta de crédito para a mulher, modelo de sociedade? O modelo agrícola?
independente do PRONAF, para que ele O Conselho teve um papel bastante
fosse direcionado para as mulheres. Essa importante na luta contra a violência,
bandeira de luta ainda está de pé até na discussão da descriminalização do
hoje, porque ela não avançou totalmente, aborto e do papel da mulher na sociedade
já que temos o PRONAF-MULHER, mas como um todo. Mas é necessário que
ele ainda é atrelado ao núcleo familiar. esse debate seja relacionado ao debate
Então na verdade ele não está cumprindo estrutural da sociedade, pois, caso
totalmente o papel de dar autonomia contrário, nós corremos o risco de fazer
para as mulheres. o debate, por exemplo, da violência, e
não fazer o debate da concentração da
O CNDM acaba sendo um espaço de renda, da concentração da terra, da não
debate de todas essas questões. Porém, valorização do trabalho das mulheres, de
o Conselho é um espaço composto não diferenciar o projeto da agricultura do
por representações do Governo e da agronegócio da agricultura camponesa, o
sociedade civil. E é necessário entender debate da alimentação saudável, enfim,
o espaço da sociedade civil como são essas grandes questões que o CNDM
bastante amplo, em que a sociedade precisa com urgência avançar.
civil também tem enfrentamentos entre
si, porque diferentes interesses são E eu acho que o Conselho precisa
apresentados. Por exemplo, a questão reconhecer as diferenças presentes no
da agricultura envolve o interesse do guarda-chuva que é a sociedade civil,
agronegócio, em oposição ao debate para trabalhá-las de forma tranqüila,
de alguns movimentos ligados ao eco- gerando debates e proposições. Afinal,
feminismo. É necessário entender esse nós estamos num momento em que temos
espaço como democrático, e reconhecer uma presidente mulher, e não é por acaso
as contradições inerentes a ele, já que ela se elege. Ela se elege por toda
que existem diversos e divergentes uma luta popular pela redemocratização
interesses. Mas é um espaço em que a do Brasil. Que se elege com todo o avanço
gente consegue colocar o debate e que do movimento feminista no campo e na
ajuda a construir oposições. cidade. E, paralela a essa luta, a sociedade

71
Depoimento “Desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero e
participação social: a experiência do CNDM”

espera uma resposta. E com isso eu responsabilidades para os países ricos,


não pretendo negar as conquistas que para todos os países, na verdade. E para
tiveram. Porém é necessário que a gente nós a Rio+20 é o espaço de cobrança
mantenha uma análise crítica em relação da execução real desses acordos.
a tudo aquilo que seja necessário, tendo Até que ponto os países cumpriram,
a tranqüilidade de reconhecer aquilo que medidas tomaram em prol do
que não se conseguiu avançar ainda. desenvolvimento sustentável. E nós
Nesse contexto, faz-se urgente discutir temos uma preocupação muito grande
a violência que acontece nos grandes em relação ao Brasil, pois, ainda que se
projetos no país, vide, por exemplo, a faça muitas coisas pelo meio-ambiente,
construção da hidrelétrica de Belo Monte, é necessário prestar contas sobre ser o
que resulta na violência e prostituição de maior consumidor de veneno agrotóxico
indígenas, mulheres e crianças. do mundo. Que qualidade de vida isso
vai garantir? Que saúde será garantida
Na verdade eu acho que aí entra o para nós e para as futuras gerações?
papel que tiveram as três Conferências
Nacionais de Políticas para as Mulheres. Outro ponto de preocupação para nós
Foi no debate das conferências e diz respeito à agricultura camponesa.
na incorporação das mulheres na Quando comparamos os números,
construção do Plano de Políticas percebemos que 74% das melhores terras
para as Mulheres que essas questões brasileiras estão nas mãos do agronegócio,
começaram a avançar. entretanto o agronegócio só produz
30% do alimento que vai para a mesa do
Em relação a minha participação como brasileiro e da brasileira, o restante da
Conselheira no Conselho Nacional dos produção é exportado. Invertendo, nós da
Direitos da Mulher (CNDM), o que posso agricultura camponesa é que produzimos
dizer em relação à temática específica 70% do consumo interno do país. E se
da perspectiva feminista e a Conferência for analisado o montante de crédito, ele
Rio+20, tema desta Revista, é que ela está ainda vai à mesma lógica da desigual
em debate no Conselho e na Secretaria de distribuição, favorecendo o agronegócio. E
Políticas para as Mulheres (SPM) tem um último detalhe: 50% desse veneno
é utilizado pelo agronegócio na produção
No entanto, enquanto participante do
de soja que é dita como biocombustível,
MMC, é importante dizer que uma das
mas que para nós é agrocombustível. Não
nossas principais preocupações é se a
é nada de bio porque bio é vida.
Rio+20 vai cumprir o seu papel. Para nós,
qual seria esse papel? Tivemos a Eco- Para além dos questionamentos sobre
92, onde foram estabelecidos acordos e o agronegócio, é necessário que se faça o

72
Depoimento “Desenvolvimento sustentável, igualdade de gênero e
participação social: a experiência do CNDM”

debate do ponto de vista da perspectiva ganhando menos, quando trabalham-;


feminista, de análise e de enfrentamento o direito de mandar e decidir sobre seu
da cultura patriarcal e da organização das corpo, porque (homens) continuam
instituições, seja família, banco, Governo. mandando no seu corpo; a participação
Na roça a cultura patriarcal ainda é muito nos espaços de poder e de decisão; e, por
forte, e por mais que se tenha avançado ultimo a luta contra a violência.
no discurso, na prática ainda não ocorre
na mesma medida. Então eu acho que Por fim, é importante ressaltar a
é um grande desafio nosso, enquanto importância de potencializar e fortalecer
movimentos de mulheres e movimentos a organização, a formação e a capacitação
feministas, avançar no enfrentamento da das mulheres, e não só as mulheres rurais,
cultura patriarcal. E trabalhar em cima mas principalmente das mulheres mais
de quatro pilares centrais: autonomia pobres, para construir a plena cidadania
econômica - pois as mulheres continuam para as mulheres e para toda a sociedade.
sendo as mais pobres, e continuam

73
O Conselho Nacional de Direitos da Mulher – CNDM

O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher – CNDM foi criado


pela Lei n° 7.353/ 1985, inicialmente vinculado ao Ministério da
Justiça. Em 2003, com a criação da SPM/PR, o CNDM passou a
fazer parte da sua estrutura básica, com a finalidade de formular
e propor diretrizes para as ações governamentais de promoção
de direitos das mulheres, além de se constituir em importante
instância de participação e controle social, estabelecendo-se como
um imprescindível canal de diálogo do Governo com os movimentos
feministas e de mulheres.
O CNDM é um órgão colegiado, de natureza consultiva e
deliberativa, composto de 40 conselheiras, sendo que 21 representam
a sociedade civil, 16 representam o Governo e 3 são conselheiras de
notório conhecimento.
Cabe ao CNDM o papel fundamental de articulação com órgãos
e entidades públicas e privadas, visando a incentivar e aperfeiçoar o
relacionamento e o intercâmbio sistemático sobre a promoção dos
direitos da mulher, além de promover o diálogo com os movimentos
de mulheres e feministas, conselhos estaduais e municipais dos
direitos da mulher e outros conselhos setoriais. Apoiando a SPM/
PR na articulação com outros órgãos da administração pública
federal e os Governos estaduais, municipais e do Distrito Federal,
o CNDM assegura o estabelecimento de estratégias comuns de
implementação de ações para a igualdade de gênero.

74
Parte 3
Feministas em movimento

Foto Joane Mc Dermott


Feminismo e soberania alimentar
Miriam Nobre1

O feminismo é um movimento político relacionada ao masculino) e da reprodução


e um marco teórico que questiona as (a produção material e afetiva das pessoas
bases da opressão das mulheres e da e das relações entre elas, esfera associada
desigualdade entre mulheres e homens ao feminino).
e o funcionamento de nossas sociedades
organizadas pelo patriarcado, capitalismo, Em tempos de hegemonia neoliberal
racismo e colonialismo. Denuncia que oscilamos entre a negação da reprodução
o corpo, o trabalho e os desejos das – como a parte da vida inválida de ser
mulheres são considerados apenas em vivida3 - ou que esta seja absorvida pela
função do outro, os homens. intensificação e/ou extensão do tempo
de trabalho realizado pelas mulheres.
A divisão sexual do trabalho estrutura A reprodução como responsabilidade
nossas sociedades e como descreve das mulheres está naturalizada porque
Danièle Kergoat2, mesmo que suas formas se associa à gestação, à identidade das
sejam instáveis no tempo e no espaço, mulheres como cuidadoras do outro e
permanecem os princípios da separação da natureza, ou como uma manifestação
(o trabalho do homem é distinto do da concreta do amor que a mulher sente
mulher) e da hierarquia (o trabalho do pelos seus próximos.
homem “vale” mais do que o da mulher).
Estes princípios se reproduzem na A economia feminista já demonstrou
separação entre as esferas da produção que esta separação é mais ideológica do
(a produção de mercadorias, esfera que real e que os nexos entre produção

1. Militante feminista. Integra a equipe de SOF-Sempreviva Organização Feminista desde 1993 e atualmente
coordena o Secretariado Internacional da Marcha Mundial das Mulheres. Agrônoma e mestre pelo Programa de
Estudos em Integração da América Latina da USP.

2. Danièle Kergoat: Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. In: http://www.scielo.br/scielo.


php?pid=S0101-33002010000100005&script=sci_arttext consultado em 01 de junho de 2012.

3. Robert Kurz: Não rentáveis do mundo uni-vos! in http://obeco.planetaclix.pt/rkurz134.htm, consultado em


01 de junho de 2012.

75
Feminismo e soberania alimentar

e reprodução são cuidadosamente foi proposto pela economia feminista em


ocultados e são sempre uma variável de diálogo com o ecofeminismo. Amaia Pérez
ajuste na relação capital-trabalho. Por Orozco5 propõe o conceito de cuidadania
exemplo, as mulheres trabalham em suas para reunir o direito de todas e todas a serem
casas para que as e os trabalhadores cuidados, o reconhecimento e a valorização
estejam alimentados ou vistam roupas do trabalho de cuidado bem como sua
limpas sem que isto seja um custo para distribuição entre mulheres e homens, e a
seus empregadores. Ou mesmo o fato cidadania como voz política na organização
de que muitas trabalhadoras assumem da sociedade.
tarefas extras de limpar seus locais de
trabalho (a oficina, o ônibus,...) sem Os paradigmas da sustentabilidade da vida
remuneração extra por ser considerado humana e da cuidadanía tornam evidente
natural que as mulheres o façam. a maneira insustentável de organização
de nossa sociedade. No feminismo há
A economia feminista amplia a noção de vertentes radicalmente críticas ao modelo
trabalho incluindo a reprodução biológica de desenvolvimento hegemônico. Este tem
e social, quer dizer o trabalho doméstico, como referência as sociedades industriais
comunitário e de cuidado. Há que se do norte, que assim se constituíram
inventar novos conceitos para se referir ao devido a relações de exploração com o
conjunto de atividades e à disponibilidade sul, ao colonialismo, e a um pensamento
permanente das mulheres que mantém esquizofrênico: “a obcecada esperança
nossas sociedades em funcionamento. do Norte, mesmo uma convicção, de que
Ana Bosch, Cristina Carrasco e Elena Grau4 poderia ter tudo sem renunciar a nada, mais
propõem o conceito de sustentabilidade comida rápida e alimentos industrializados,
da vida humana e o definem como uma mais alimentos exóticos importados e ao
“relação dinâmica e harmônica entre mesmo tempo poderia gozar de boa saúde
humanidade, natureza e entre humanas e conseguir resolver o problema do lixo” 6
e humanos”. É importante notar que o Esta ilusão encontra-se agora a toda prova
termo “sustentabilidade da vida humana” com a crise financeira e econômica que se

4. Ana Bosch, Cristina Carrasco e Elena Grau: Verde que te quiero violeta. Encuentros y desencuentros entre
feminismo y ecologismo, in Enric Tello (org): La historia cuenta. El Viejo Topo, Barcelona, 2005.

5. Amaia Pérez Orozco: Amenaza Tormenta: La crisis de los cuidados y la reorganización del sistema económico,
in Revista de Economía Crítica nº 5, 2006.

6. Maria Mies: El mito de la recuperación del retraso en el desarrollo. In Maria Mies y Vandana Shiva:
Ecofeminismo. Icaria, Antrazyt, Barcelona, 1997.

76
Feminismo e soberania alimentar

articulam à crise de cuidados, ambiental e corporações transnacionais que atuam no


de legitimidade das instituições políticas. setor agrícola, de alimentos e farmacêutico.
O acesso aos alimentos para os que não
Ainda assim, o desenvolvimento das têm recursos se dá por mecanismos de
forças produtivas habita o imaginário de ajuda alimentar que reforçam o controle
parte significativa da esquerda. O aumento sobre Estados e povos.
da produtividade do trabalho pela tecnologia
– maquinário e gestão desenhados no Este projeto tem custos ambientais,
capitalismo – seriam prévios às demandas sociais e econômicos. A destruição
para sua repartição na forma de salário ou ambiental se dá pela contaminação da
políticas de bem estar. Esquecem que as água e do solo ou pela emissão de gases
tecnologias, formas de gestão e mesmo de efeito estufa, já que este modelo
novas mercadorias são concebidas no é dependente do petróleo devido à
capitalismo patriarcal e racista com objetivos mecanização, aos aditivos químicos e às
de controle, obsolescência e acumulação. grandes distâncias que percorrem seus
Um exemplo disto é o modelo de produção produtos. O uso intensivo de agrotóxicos
e reprodução social do agronegócio. tem graves conseqüências para a saúde
das mulheres, mas são muitas vezes
O agronegócio como modelo
negligenciadas. As mulheres têm contato
O agronegócio é uma forma de produção com o veneno porque lavam as roupas
e comercialização corporativa que se dos trabalhadores que os aplicaram, nas
organiza pela busca da maximização dos pulverizações aéreas que afetam toda a
lucros. O modelo tecnológico de produção, comunidade ou em resíduos nos alimentos,
conhecido como “revolução verde” todas formas que se tenta ocultar. As
tem no pacote sementes modificadas pesquisas sobre os riscos têm o corpo
geneticamente para responder a aditivos dos homens como referência acrescido
químicos – os transgênicos, mecanização daqueles relativos à má-formação fetal
e monocultura. A comercialização se e amamentação, o que não responde
dá, sobretudo, em circuitos longos de à complexidade dos efeitos no sistema
exportação e os preços se definem nas hormonal ou dos efeitos acumulativos no
bolsas de valores e em mercados futuros corpo das mulheres7.
sujeito a especulações. Os insumos de
Este modelo de produção gera um
produção (sementes, adubos, venenos) e
grande desperdício e só se mantém
os produtos finais comercializados estão
porque conta com altos subsídios do
concentrados em poucas empresas,

7. The Boston Women’s Health Book Collective: Our Bodies, Ourselves. Toucshtone, 1998.

77
Feminismo e soberania alimentar

Estado. Subsídios diretos, como a anistia estão nos postos mais qualificados, como
de dívidas de financiamento, ou indiretos motorista ou mecânico, enquanto que
com a construção de infra-estruturas as mulheres se encarregam dos serviços
que os favorece. Isto significa que a de apoio, como limpeza e cozinha. Em
riqueza produzida pelo trabalho humano compensação nos setores que demandam
é transferida para a manutenção de um intensivamente força de trabalho (frutas,
modelo que contribui para a concentração flores, hortaliças) as mulheres, em especial
de renda e do território. as jovens, são contratadas por baixos
salários, sem direitos, e sua habilidade para
A expansão do agronegócio desloca o manejo delicado (como a embalagem de
comunidades camponesas, indígenas e de frutas) é naturalizada sem o proporcional
pastores, ou seja, aqueles que produzem reconhecimento econômico.
alimentos. Assim, diminui a produção
local e se produzem grandes migrações. Poucas empresas concentram e
A compra de grandes extensões de controlam desde a produção até a
terras por empresas e Governos comercialização. E pior ainda, reforçam
para produção de agrocombustível modelos autoritários de sociedade. Seus
ou alimento para exportação foi interesses se refletem na política, na
denominada pelas moçambicanas como estrutura do Estado e na forma de ocupação
um açambarcamento de terras. Na do território, seja pelas grandes áreas de
África é cada vez mais comum a expulsão monocultivo no campo ou pelas cidades que
das mulheres camponesas viúvas ou se organizam em função do abastecimento
separadas e a pressão para que casem por hipermercados. Na alimentação
com o cunhado. Comunidades que já também se expressa a polarização da
haviam abandonado a prática do levirato sociedade. Alimentos industrializados e
voltam a fazê-lo, assim como a caça às produzidos em massa para os pobres –
feiticeiras, o que não deixa de ser uma que são tratados como máquinas que
maneira de expulsar mulheres, muitas devem repor suas necessidades biológicas
idosas e consideradas não produtivas, calculadas – e alimentos carregados de
de suas comunidades e liberar terras experiência e cultura para os ricos – como
para especulação. produtos orgânicos e com denominação
de origem. É um modelo autoritário que
O agronegócio se baseia em uma favorece o monopólio e se mantém graças
exploração intensiva do trabalho das pessoas a uma ofensiva ideológica e repressiva.
e se caracteriza por baixos salários, ausência Um exemplo trágico disto foram os
de direitos trabalhistas, além de que muitas conflitos em torno ao aumento dos preços
vezes se utiliza trabalho escravo. O trabalho dos alimentos nos anos 2008 (food riots).
se organiza a partir de uma divisão sexual. Entre janeiro e abril de 2008 18 países da
Nos setores intensamente mecanizados África, América Latina e Caribe, Ásia e Meio
como a soja ou a cana de açúcar os homens
78
Feminismo e soberania alimentar

Oriente conheceram grandes mobilizações soberania alimentar. Mulheres na Turquia


contra o aumento de preços que foram se mobilizaram contra a Cargill, mulheres
duramente reprimidas com várias prisões da Índia denunciaram a Syngenta pela
e assassinatos por forças policiais. Pelo contaminação que provoca em pequenas
menos em Burkina Faso, Peru e Zimbábue comunidades, nos Estados Unidos triunfaram
o protagonismo das mulheres nestas ações contra acordos que permitiam à Nestlé
foi reconhecido, mas pode se imaginar bombear água para venda em garrafas.
sua forte presença nas mobilizações dos
trabalhadores têxteis de Bangladesh e As transnacionais do agro (sementes,
do Egito, estas últimas já anunciando a venenos) são também farmacêuticas, ou têm
primavera árabe de 2011. com elas acordos de pesquisa, produção,
comercialização. O movimento feminista
Os mecanismos de ajuda alimentar questiona estas empresas e sua promoção
reforçam esta estrutura autoritária e de contraceptivos que fogem do controle das
destroem a economia local pela entrada mujeres (doses hormonais subcutâneas ou por
massiva de alimentos, em sua maioria, injeção) e da adição de hormônios sintéticos
estranhos aos costumes alimentares e indiscriminadamente prescrita a mulheres na
muitas vezes transgênicos. As instituições menopausa. Nos anos 1990 muitas campanhas
multilaterais como a ONU e o Banco de denúncia foram feitas, especialmente
Mundial na distribuição dos alimentos na Ásia, associando este uso ao controle
instrumentalizam o trabalho das mulheres de populações. Há muitas semelhanças
e seu esforço para manter as comunidades entre a medicalização e industrialização
coesas frente a situações de conflito do corpo das mujeres e a industrialização
armado ou emergências sócio-climáticas. da agricultura.

Depois das emergências as políticas se Outra expressão da resistência são as


seguem restritas a como inserir os pobres experiências coletivas de mulheres na preparação
no mercado global. E como melhorar seus e distribuição de alimentos. A maioria delas é
rendimentos partindo de níveis muito intermitente e associada a momentos de crise,
baixos (1US$ por dia) e sem reverter os mas outras tantas permanecem no tempo, como
termos de distribuição da renda, do poder os comedores populares do Peru, e mobilizam a
e do controle sobre o território. muitas mulheres.
As mulheres em resistência São mulheres em situações limite que buscam
resolver a reprodução de maneira coletiva,
A resistência a este processo
mas que muitas vezes não são considerados
concentrador e autoritário vem se dando
movimentos políticos. Parte das feministas as
concretamente através das lutas contra as
considera prisioneiras de seu papel de mães, de
transnacionais, um ponto de convergência
reprodutoras. Os homens as vêem como símbolo
cada vez maior entre feminismo e luta por
da impotência masculina, da super exploração da

79
Feminismo e soberania alimentar

classe operária que não consegue nem mesmo agrícolas e alimentares e proteger sua produção
sustentar sua família. e sua cultura alimentar.

No entanto, mesmo que existam poucos Este princípio articula lutas pelo acesso à terra,
registros, muitas greves de trabalhadores se água, sementes e condições de produção, usando
mantiveram graças ao trabalho de mulheres nas práticas agroecológicas. Amplia-se no diálogo com
cozinhas coletivas. Na história do movimento povos indígenas que aportam a noção de território,
operário há uma história paralela de mulheres compescadoreseribeirinhosquedefendemmares,
organizadas em cooperativas de consumo e rios e mangues, e tantas outras. Para nós da Marcha
mobilizadas contra a carestia e alta no preço Mundial das Mulheres, a Soberania Alimentar nos
dos alimentos. As mulheres reuniram alimentos instiga a construir una agenda política em torno
e os preparam em mutirões que alimentaram ao tema da reprodução, concebida como um
longas jornadas do movimento piquetero da assunto de todos, não somente das mulheres8.
Argentina no início dos anos 2000 ou no rechaço Amplia nossas perspectivas no debate sobre
ao golpe de Estado em Honduras em 2009. Esta estratégias para mudar a situação das mulheres
economia política da resistência se sustenta no mundo.
e se recria nas ocupações das praças no
Estado Espanhol e nos Estados Unidos. Estas Algumas feministas pensam que o centro
ocupações denunciam as causas das crises da estratégia é reconhecer o que é próprio
financeira e econômica, as péssimas soluções das mulheres e, portanto invisibilizado e/
propostas por seus Governos e se propõem ou considerado inferior por uma sociedade
a vivenciar na prática as alternativas dos machista e patriarcal. Outras dizem que a luta
povos. A Soberania Alimentar é uma delas. prioritária é a redistribuição da riqueza entre
mulheres e homens, superando as bases de
Soberania alimentar sua desigualdade que resulta de uma divisão
sexual do trabalho e do poder. Em longo
A Soberania Alimentar é um princípio
prazo, superar a divisão sexual do trabalho
construído pela Via Campesina na luta contra os
implicaria em dissolver o que é trabalho das
tratados de livre comércio na agricultura e pela
mulheres e a identidade de gênero construída
afirmação dos modos camponeses de organizar
na experiência de realizá-lo. No entanto, há
a produção e a vida. É o direito dos povos, países
que se articular as ações aparentemente
ou união de Estados de definir suas políticas

8. Marcha Mundial das Mulheres: El bien común y los servicios públicos in http://www.marchemondiale.
org/actions/2010action/text/biencomun/ese MMM, Via Campesina e FOEI: Construyendo alianzas en torno a la
Soberanía Alimentaria y en contra a la violencia hacia las mujeres. Carta abierta a nuestros movimientos, in http://
www.marchemondiale.org/themes/biencommun/vcatmmm072010/es consultada em 01 de junho de 2012.

80
Feminismo e soberania alimentar

contraditórias de reconhecimento e A Soberania Alimentar implica mudar não


redistribuição como estratégia para seguir só o modelo de produção, mas também o
adiante e conquistar justiça9. modelo de consumo. Isto implica ter tempo
para preparar o alimento, compartilhar as
O princípio da Soberania Alimentar cada refeições, mas também para que as mulheres
vez mais reconhece a contribuição das façam o que quiserem ou não façam nada. Esta
mulheres na produção de alimentos desde mudança não pode ter como base o aumento
a agricultura até seu preparo e conservação do trabalho das mulheres que já estão mais do
em cada casa mas também em grupos que sobrecarregadas. Para ter mais tempo o
comunitários e cantinas escolares. E não só o caminho não é nem fast-food, nem enlatados,
trabalho realizado, mas o conhecimento que mas políticas públicas de apoio à reprodução
este implica, desde a conservação e troca de social com alimentação de qualidade nas
sementes até experimentações de receitas escolas, restaurantes populares e compartilhar
e uso da alimentação para garantir saúde o trabalho de cuidado entre todas e todos.
e bem estar. Ao mesmo tempo contempla
a necessidade da redistribuição de terras e Mudar o modelo de produção e consumo
condições de produção e comercialização de é uma tarefa não só daqueles que produzem
maneira igualitária entre mulheres e homens, alimentos, mas de toda a sociedade. Isto
superando tradições culturais excludentes implica considerar as pessoas que vivem nas
e as novas formas de exclusão criadas pelo cidades não só como consumidoras, mas ter
agronegócio. em conta suas identidades políticas como
trabalhadoras, participantes de movimentos
É necessário dar um passo a mais e incluir que lutam por moradia digna, feministas,
com peso na agenda política a redistribuição entre outras.
do tempo realizado pelas mulheres no cuidado
de toda a família – inclusive a preparação das Há uma série de lutas emergentes nas
refeições – entre todos os que convivem. Em cidades e com elas podemos construir outras
todo o mundo, seja no campo ou na cidade, formas de organizar a vida, a economia, a
as mulheres e as meninas realizam jornadas sociedade. Partindo do feminismo podemos
de trabalho mais extensas do que os homens fortalecer os vínculos, relacionar as
quando se consideram as horas que dedicam experiências e a vontade de transformação
ao trabalho remunerado ou o trabalho para que move mulheres do campo, da floresta
produção vendida no mercado e o trabalho e da cidade.
doméstico. Elas são as primeiras a acordar e as
últimas a irem dormir.

9. Nancy Fraser: Iustitia Interrupta. Reflexiones críticas desde la posición post-socialista. Uniandes, Siglo de los
hombres ed., 1997.

81
Bate-papo
A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos
Com Schuma Schumaher1 e Joluzia Batista2

O Observatório Brasil da Igualdade de nós dos movimentos sociais estivemos


Gênero recebeu na tarde do dia 28/05, as durante dois anos nos preparando para
integrantes da Articulação de Mulheres nossas atividades no aterro do Flamengo,
Brasileiras: Schuma Schumaher (REDEH- que foi aquele grande Fórum da Sociedade
Rede de Desenvolvimento Humano), Civil. A movimentação e a diversidade
e Joluzia Batista (Coletivo Leila Diniz). de pessoas influenciaram os Governos
Durante o bate-papo, elas nos contaram embora eles tivessem em outro espaço.
sobre a organização das Caravanas que Mas o eco era tão grande, tão uníssono,
percorrerão o país até a Cúpula dos Povos e tão diverso que bateu lá, reverberou.
no Rio de Janeiro em junho de 2012. E desta vez queremos estar de novo
Falaram sobre os desafios que estão organizadas, fortes, representativas
enfrentando nesse processo, e sobre de várias regiões brasileiras. E assim
as contribuições das Caravanas para a construímos a estratégia das Caravanas
implementação das pautas feministas e o de Mulheres que sairão de vários Estados
desenvolvimento justo e sustentável. para a Cúpula dos Povos que acontecerá
entre os dia 15 e 23 de Junho, no Aterro
Observatório: Vocês podem contar do Flamengo.
um pouco para a gente como está sendo
a organização das Caravanas para a Joluzia Batista: A idéia da Caravana
Cúpula dos Povos? é justamente criar um processo de
mobilização que parta mesmo da
Schuma Schumaher: Toda essa realidade dos grupos que vivem algumas
mobilização nacional da AMB está sendo situações de conflitos socioambientais. E
construída em parceria com a Articulação desse processo está se constituindo num
de Mulheres Negras Brasileiras – AMNB – processo de problematizar o seu território
que se uniram para pensar uma estratégia e consoar com essa agenda, com esse
que possibilite juntar muitas mulheres - debate da Cúpula dos Povos, que tem a
mulheres de outras realidades, de outros ver com uma agenda global. Então toda
territórios, mulheres que a partir de suas a mobilização é feita para isso. E eu acho
vivências tem outras perspectivas do que que tem sido uma experiência muito
significa a questão socioambiental. Se interessante porque, na verdade, já foi
pensarmos no processo de 20 anos atrás,

1. Pedagoga, Coordenadora Executiva do Projeto “Mulher: 500 Anos Atrás dos Panos” e da ONG Rede de
Desenvolvimento Humano (Redeh).

2. É representante da Articulação de Mulheres Brasileiras e do Coletivo Leila Diniz.

82
Bate-papo A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos

um trabalho de organização e mobilização criminalização das mulheres em relação


de mulheres, de lideranças, as mulheres ao aborto.
negras, pescadoras, as mulheres do
norte, ribeirinhas, indígenas, e mulheres Schuma Schumaher: Essa Caravana
também em situação urbana, vivendo vai sair de Cuiabá/MT, com mulheres
também a questão dos conflitos - os mega urbanas, quilombolas e indígenas, a partir
eventos, como a Copa 2014-, direito à de um trabalho de mobilização feito pelas
moradia etc. Então a caravana tem toda integrantes da AMB da região e passará
essa característica ampliada hoje do que por Campo Grande/MS, cidade palco de
são conflitos socioambientais. E essa perseguição das mulheres em relação aos
demanda por justiça socioambiental, direitos sexuais e reprodutivos.
que é o que a gente insere e coloca no
Joluzia Batista: A idéia é fazer atos
debate da Cúpula, porque na verdade a
políticos em cada passagem dessa
grande questão dentro dessa Conferência
Caravana. No entanto, talvez o ato político
é a questão da igualdade. E discutir
dessa Caravana é intitulado “Nosso
o enfrentamento às desigualdades,
Corpo, nossa história”, não acontecerá
sobretudo de gênero e raça. Em relação às
em Campo Grande, e sim no Distrito
Caravanas, têm uma vindo do Norte, que
Federal, justamente por esse processo
cobre uma parte do que é o Norte: algumas
de criminalização e pela dificuldade de
mulheres vêm do conflito de Xingu Vivo e
se incorporar direitos no contexto de
Belo Monte. Têm as quebradeiras de coco
Mato Grosso e Campo Grande, até pelo
do Maranhão. Têm mulheres do Amapá.
peso das forças conservadoras que estão
Há outras vindo do Nordeste, com essa
presentes nessa região. Então eu acho
perspectiva de quebradeiras, mulheres
que essa é uma pauta muito importante,
pescadoras, marisqueiras, mulheres
e a gente está visibilizando. Ou seja, a
negras, dos conflitos dos mega projetos,
Conferência, que traz essa idéia de meio-
que é uma realidade em Pernambuco e
ambiente, mas que na verdade é uma
no Rio Grande do Norte, e especulação
conferência ampliada, porque tem a
imobiliária pro turismo. Tem uma questão
perspectiva do desenvolvimento. E pensar
muito interessante que a gente colocou
o desenvolvimento sem a possibilidade
e que faz muita consonância com aquele
da realização dos direitos é, para nós
primeiro descaminho, vamos dizer assim,
do movimento feminista, impossível.
da Rio+20, em relação a não incorporar
Também porque a gente faz uma crítica.
a agenda de direitos. A gente já tinha
Por isso que a nossa Caravana é por justiça
pensado numa caravana a partir de
sócio-ambiental. Justamente para a
Mato Grosso, justamente pelo foco na
ampliação dessa perspectiva. Então você

83
Bate-papo A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos

não pode enxergar as pessoas afastadas Observatório: Na verdade, não existe


dos territórios, das suas realidades, sendo a pauta feminista para a cúpula dos
necessário ver a luta por direitos na sua povos, mas sim várias pautas e temas,
integralidade. E isso está expresso em todos que são abordados dentro da grande
os nossos documentos, como, por exemplo, pauta que é incluir o debate sobre todas
na nota que vai sair dia 18/06, que é o dia as desigualdades, certo?
da passeata das mulheres. E também é
necessário desvendar um pouco o que Schuma Schumaher: Exatamente.
é essa conversa sobre economia verde. Porque nós da AMB estamos batendo
Obviamente que eu não vou descartar o muito firme na defesa dos direitos. Não
debate sobre o consumo, porque essa é só os direitos sexuais e reprodutivos e o
uma questão séria, dentro do processo de direito a não violência contra as mulheres.
acumulação do capitalismo como a gente Nós estamos falando, também, da não
vive. Mas a discussão é muito maior do que violação dos direitos das pessoas e de seus
isso. O que está embutido é a desigualdade territórios, estamos falando do direito à
no mundo, que começa pelos Governos água. Está na centralidade da nossa ação,
e pelos processos multilaterais. Então eu neste momento, nosso olhar feminista
acho que não se pode cair nas armadilhas contra a mercantilização da vida e dos
ambientalistas, os grandes jargões. É bens comuns, contra a chamada economia
importante desenvolver uma consciência verde, as verdadeiras causas da crise
crítica de que existe uma disputa entre socioambiental e o que nós entendemos
Governos, entre paises, e que a gente, na por modelo de desenvolvimento.
Cúpula dos Povos, quer colocar isso a vista.
Joluzia Batista: Porque, na verdade,
Schuma Schumaher: Uma questão a nossa pauta é sobre a manutenção da
importante para o feminismo é a luta vida; da manutenção dos modos de viver.
contra o racismo ambiental, presente no Até porque a centralidade disso tudo está
processo de desenvolvimento (moradia, no sistema capitalista, que a gente vivência
saneamento, água potável, desastres hoje em seu extremo. Então, como a
ambientais). Quando você olha para as lógica da economia capitalista atinge
pessoas que estão gritando por moradia diretamente a todos/as esses sujeitos que
digna, que estão lutando por direito a gente defende - as mulheres, sejam elas
a terra/território, que estão sendo quilombolas, ribeirinhas, dentre outras
removidas pelos mega-eventos, que são mulheres que estão nesse grande cenário
vítimas dos desastres ambientais elas da biodiversidade. E por isso que a pauta
tem cor e tem sexo. São, na sua maioria, feminista é hoje ampliada, é que ela vai
as mulheres negras. Essa é uma questão na raiz do que é hoje a vida das mulheres,
muito delicada e precisa ser visibilizada. com todas as suas dificuldades e seus

84
Bate-papo A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos

enfrentamentos, além de tudo aquilo que Joluzia Batista: Na verdade, todos os


tem de bom. Porque uma parte da Cúpula processos dentro da Cúpula dos Povos são
dos Povos vai ser para a gente visibilizar para incidir sobre os debates que não vão
e debater as alternativas e soluções. A ser realizados, que não vão estar pautados
gente falou antes dos modos de viver. na Rio+20.
E os diferentes modos de viver dentro
dessas comunidades apontam soluções Schuma Schumaher: Quando foi
e alternativas, modos de viver muito proposto a realização da Rio+20, a ideia
equilibrados, sustentáveis, ainda que era que fosse feito uma avaliação dos
ameaçados pelo que a gente chama de Governos e da sociedade civil sobre
“arquitetura econômica mundial”. E dentro o que foi implementado nesses vinte
desse contexto há as ameaças que vão, anos que se passaram. Infelizmente
digamos, a uma segunda camada, como essa possibilidade foi completamente
os direitos sexuais e reprodutivos, que é descartada e não está na pauta oficial.
uma pauta mais clássica do feminismo. E Nesse sentido a metodologia da Cúpula
que tem tudo a ver com a vida também, dos Povos vai investir no entendimento
e a capacidade de gerar a vida e de das causas estruturais e nas nossas
cuidar. Então eu acho que a centralidade propostas e soluções para enfrentar o
do nosso debate é pela manutenção capitalismo e reverter essa situação. E
da vida em toda a sua dimensão, o por fim, é importante destacar que nem
que inclui o que estamos chamando a Rio+20 e nem a Cúpula dos Povos são o
de ancestralidade, de espiritualidade, fim desse processo. Na verdade queremos
e que tem a ver com comunidades sair unidas e mais fortes desse processo
negras, indígenas, quilombolas. E que para juntas com outros segmentos
está ameaçada por uma idéia, digamos, continuarmos nossa luta.
hegemônica, do que é religiosidade.
Na Cúpula dos Povos nós temos um
Acho que isso também é muito sério.
espaço chamado “Território Global das
Veja, essa conferência é emblemática,
Mulheres”, onde várias redes nacionais e
porque ela está falando do conjunto de
internacionais vão discutir suas propostas e
tudo, da nossa vida, da nossa existência.
estabelecer convergências e, certamente,
Observatório: E tem algum debate que pactuar questões importantes para
seja específico para a crítica e diálogo chegarmos nas plenárias empoderadas,
com a Rio+20, e que esteja em pauta na com propostas coletivas.
Cúpula dos Povos? Porque a Conferência
Observatório: E há um desafio que vocês
e a Cúpula serão no mesmo período, na
identificam como central? Como é que
mesma cidade.
vocês encaram a questão de apresentar

85
Bate-papo A mobilização feminista para a Cúpula dos Povos

o debate feminista dentro dessa grande México, dois dias antes da Rio + 20, seja
Conferência, considerando o conjunto do palco de decisões longe da sociedade.
desenvolvimento sustentável, para além
do feminismo? Joluzia Batista:...É, lá estarão reunidos
os países que dão as cartas do negócio.
Schuma Schumaher: Na Conferência
quem estará são os Governos, porque Schuma Schumaher: A questão da
a Cúpula dos Povos não participará governabilidade mundial está na mão
desse espaço oficial. Cada organização desses 20 países. E alguns presidentes/
ou rede têm completa autonomia para as que estarão lá não virão para a
acompanhar e incidir nesse processo. Conferência. E a gente tem medo de que a
Acreditamos que um dos temas mais discussão quando chegar aqui já tenha um
polêmicos que vamos enfrentar será “pacote” acertado, dois dias antes.
o da economia verde. Embora ainda
Joluzia Batista: Esse é um grande
seja um conceito em construção, tem
risco. Contudo, já vai ser uma grande
sido usado pelas grandes corporações
movimentação termos movimentos
como uma saída para o capitalismo em
sociais do mundo inteiro discutindo
crise que precisa se renovar e continuar
essas pautas nesse momento de crise, de
acumulando recursos. E tem muita
retomada de Governos socialistas, de uma
gente iludida com isso, como se fosse
outra tentativa de redesenhar o poder e,
a salvação do planeta. Outra questão é
assim, de discutir o próprio capitalismo.
o modelo de desenvolvimento e seus
Vai ser um momento interessante. O G20
modos de produção e consumo. Lutamos
vai discutir a crise no México, mas a gente
por um modelo de desenvolvimento
também vai falar disso aqui, de como
que respeite as pessoas, os territórios, a
o cenário mundial está impactando na
natureza que supere as desigualdades, o
vida da gente. E a gente já está vivendo
racismo, o patriarcalismo e a homofobia.
a economia verde. Ela vem se instalando
São poucos os países - como há alguns
aos pouquinhos, por meio dos créditos
na América Latina-, que conseguem se
de carbono, dos mecanismos de redução
posicionar de forma mais crítica. O Brasil
do desmatamento. Nas caravanas, as
tem se comportado bem nas conferências
mulheres que vem do norte já vêm com
internacionais, assumindo posturas mais
todo esse depoimento para colocar
avançada do que outros países. Esperamos
essas questões nas plenárias. Vai ser
que desta vez o Governo brasileiro possa
um momento muito importante, muito
liderar algum processo que faça a diferença
bacana, mesmo com todas as dificuldades
e não aceitar que o encontro do G20, no
que estamos enfrentando.

86
Mulheres Negras por Justiça
COLUNA
Socioambiental
Por Lúcia Xavier1

De 15 a 23 de junho de 2012, diferentes movimentos sociais


estarão reunidos na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social
e Ambiental  para avaliar as injustiças socioambientais e propor
outros instrumentos em defesa da humanidade e do meio ambiente.
Além de marcar os 20 anos de injustiça socioambiental e de falsas
soluções desde a realização pela ONU da Conferência das Nações
Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992 (Eco 92).
Nós mulheres negras da cidade e do campo e de todas as
partes estaremos presentes nesse processo para dar um basta
às desigualdades promovidas pelo modelo de desenvolvimento
vigente, baseado na exploração e expropriação da natureza e das
mulheres. Modelo que tem promovido para as mulheres violência e
violação dos seus direito. Fome, sede, falta de acesso a água potável,
não reconhecimento dos territórios quilombolas, intolerância às
religiões de matrizes africanas, depósito de lixo nas áreas onde estão
assentadas a população negra, pobreza, são alguns dos exemplos
da degradação humana e ambiental que vivemos.
Chamamos de racismo ambiental2 essa situação de iniquidade
vivida pela população negra em diferentes lugares do Brasil e do
mundo, produzidas pelas catástrofes naturais ou pelas deliberadas
ações de violência e violação dos direitos da população negra.

1. Coordenadora da Criola, assistente social e membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial
representando a Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) da qual é secretária-executiva.

2. O conceito racismo ambiental se refere a qualquer política, prática ou diretiva que afete ou prejudique, de
formas diferentes, voluntária ou involuntariamente, a pessoas, grupos ou comunidades por motivos de raça ou cor.(...) Este
conceito institucionaliza a aplicação desigual da legislação; explora a saúde humana para obter benefícios; impõe a exigência
da prova às “vítimas” em lugar de às empresas poluentes; legitima a exposição humana a produtos químicos nocivos,
agrotóxicos e substâncias perigosas; favorece o desenvolvimento de tecnologias “perigosas”; explora a vulnerabilidade
das comunidades que são privadas de seus direitos econômicos e políticos; subvenciona a destruição ecológica; cria uma
indústria especializada na avaliação de riscos ambientais; atrasa as ações de eliminação de resíduos e não desenvolve
processos de prevenção contra a poluição como estratégia principal e predominante. A tomada de decisões ambientais e o
planejamento do uso da terra em nível local acontecem dentro de interesses científicos, econômicos, políticos e especiais,
de tal forma que expõem às comunidades de cor a uma situação perigosa.

87
Mulheres Negras por Justiça Socioambiental

Em outras palavras, racismo ambiental é a degradação da vida


da população negra, a partir da falta do acesso às oportunidades
e riqueza de um país. Os benefícios produzidos por todos são
apropriados por um grupo enquanto o fardo vai para outro.
Determinadas áreas recebem investimentos públicos que melhora
a condição de vida de um grupo social e outras não. Queremos
dizer com isso, que a principal ação contra o racismo ambiental
é o respeito aos direitos humanos econômicos, sociais, culturais
e ambientais; a valorização da diferenças expressas nas culturas,
práticas sociais, nos meios de vida e convivência que também
morrem quando o meio ambiente é degradado.
A Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental 
pretende ser um espaço de convergência sobre as ações que visem
garantir os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais para
os diferentes grupos sociais que enfrentam de modo desigual as
injustiças socioambientais.
Nós mulheres negras queremos definir novos rumos para o
nosso país e para o mundo.

Referência Bibliográfica:
BULLARD, Robert. Ética e racismo ambiental. Revista Eco 21, ano XV,
Nº 98, janeiro/2005.

88
!
ENTREVISTA
As trabalhadoras rurais e o
desenvolvimento sustentável
Com Carmen Foro1

A Secretária da Comissão Nacional de Já em 88/89 nós tivemos uma luta no


Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG município – o Sindicato era dirigido por
e conselheira do CNDM, Carmen Foro, gente da Prefeitura. Em 88, os trabalhadores
recebeu a equipe técnica do Observatório se organizaram em uma disputa bem pesada
Brasil da Igualdade de Gênero em sua sala com pessoas da Prefeitura e nós ganhamos o
em Brasília e nos contou sobre sua inserção Sindicato. Então, eu acompanhei e participei
no movimento de mulheres do campo muito de leve, e era, verdadeiramente, uma
e da floresta e quais são as proposições tomada do Sindicato da mão da Prefeitura,
feministas em relação ao desenvolvimento porque ele era um braço da Prefeitura. Ele
sustentável. servia exatamente para fazer convênio para
médico, dentista, creche escolar, e foi nessa
Observatório: Conte-nos um pouco época que eu passei a participar mais da vida
sobre a sua história de vida e a sua inserção do Sindicato e participava com a carteirinha
na luta das mulheres rurais. De que forma a amarela do meu pai, de dependente.
sua vida, a luta sindical e a pauta feminista
se cruzaram? Depois que comecei a participar um
pouco mais, eu fui me interessando. E foi em
Carmen Foro: Eu sou agricultora 91 que eu comecei a fazer parte da direção
familiar do Estado do Pará, do município do Sindicato.
de Igarapé-Miri, na Amazônia. A história é
comprida, mas resumindo: desde o início da Em 1996, eu vim para a direção da
década de 90 que eu sou militante sindical, Federação. Então, naquele momento,
começando pela igreja. Como a grande final da década de 80 e início da
maioria das lideranças, passei pela Pastoral década de 90, tinha todo um processo
da Juventude; depois, fui para o Sindicato, de mobilização social no país e, nessa
mais influenciada pelo meu pai. Naquele época, a CUT era a grande referência
momento, sem uma visão feminista porque para nós – e continua sendo uma grande
o sindicato era um lugar importante para referência. Então, tudo que a gente
gente. Mas naquela época do meu pai, o tinha de leitura sobre as questões das
Sindicato era importante para arrancar mulheres era o que vinha da CUT. Então,
dente e pra fazer consulta médica. Não nesse momento, nós começamos a
tínhamos o entendimento tão claro de que organizar as mulheres.
era para fazer luta.

1. É Secretária de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), coordenadora da Comissão
Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional de Trabalhadoras da Agricultura (CONTAG) e
conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM).

89
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

A CUT foi pioneira no debate de cotas, da não oferecia mais os benefícios que eles/as
participação das mulheres. Logo em seguida, queriam: creche, dentista, médico.
teve um processo importante de mobilização
na CONTAG, pela aprovação da cota de Daí, em outro momento, eu já estava
mulheres na direção da Confederação. Isso envolvida em um processo da minha região,
foi em 96/97/98, quando nós tivemos uma que se chama Região Tocantina, uma região
campanha nacional. Então, eu comecei a com sete municípios onde a gente, naquela
participar dessa questão. época, teve uma luta grande por crédito,
por audiências públicas nos municípios –
Eu vim a Brasília, pela primeira vez, em que era uma situação bem mais difícil do
1995. Já era nesse ambiente de participação, que agora.
de cota das mulheres e também de
mobilização nacional, que ocorreu no final Então, fiquei na Região Tocantina
da década de 80 e início de 90. A minha coordenando um movimento chamado
participação começou assim. MODERT, chamado Movimento em
Defesa da Região Tocantina e, em 1996,
Então eu fui pro Sindicato, fui a primeira eu vim para a Federação.
mulher presidenta, em 1991. Em 1992,
por uma série de questões do município – Naquele momento de discussão das
lideranças saíram candidatos/as a prefeitos/ mulheres, nós fomos para a Federação para
as e vereador/a por região no município -, fazer essa discussão e criamos, em 1996,
aí eu virei presidenta. E virei presidenta em uma secretaria, e eu fui a primeira pessoa a
um período difícil, porque nós tínhamos um assumir a Secretaria de Mulheres da minha
Sindicato que era totalmente governado Federação no Pará. Mas eu não sabia o que
como um braço da Prefeitura. fazer porque era algo absolutamente novo.

Quando a gente ganhou em 1988, o Por um lado, alguns movimentos


Sindicato caiu porque ele não tinha mais essa tentaram me puxar para somar a eles,
oferta que a Prefeitura fazia. Começamos a mas eu sabia que tinha uma tarefa política
discutir com os/as trabalhadores/as outra de organizar as mulheres do campo e
agenda. Estávamos vivendo um momento da floresta. Até este momento, a gente
muito difícil porque havia, na cabeça dos/as não as denominava como mulheres da
trabalhadores/as, a idéia de que o Sindicato floresta, apenas como mulheres rurais.
seria para isso. Mudar isso foi uma crise. Eu Então, construímos alguns caminhos: um,
assumi interinamente por 8 meses, em um de garantir a presença de mulheres nas
período muito crítico, em que a gente não coordenações regionais; o outro foi de
tinha dinheiro porque os associados não aprovar a cota porque, em 1996, nós não a
queriam mais pagar o Sindicato, porque ele aprovamos, porque o Congresso foi contra.

90
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

E fomos construindo a estruturação da atual, uma crítica profunda ao modelo de


Secretaria de Mulheres no Sindicato. desenvolvimento, uma crítica profunda
ao lugar em que as mulheres estão, e
Nesse processo eu saí, fui para outra uma crítica profunda – quando eu falo da
secretaria da Federação e voltei. E quando plataforma da Marcha das Margaridas – às
voltei, já tinha mais clareza do que políticas públicas que acabam retratando
precisava ser feito. Foi na época da Marcha toda a sociedade brasileira e os seus
das Margaridas, em que eu já me envolvi diversos espaços.
a partir do meu estado, quando fizemos o
debate sobre a cota. Eu tenho certeza que Eu vim para a CONTAG em 2005, dez
as mulheres estão no movimento sindical anos após eu ter vindo para Brasília pela
do campo há muito tempo, mesmo antes primeira vez, e a CONTAG já tinha um
de termos uma organização política bem trabalho: a luta pela cota, a realização
consolidada. Mas era uma luta do tipo: “A de duas Marchas das Margaridas, uma
gente quer terra, quer crédito” junto com plataforma que a cada dia se amplia, que
o conjunto da pauta geral. Não havia uma tem uma capacidade maior de crítica e
pauta específica. de proposição. Em 2007, se realizou a 3ª
Marcha e, agora, em 2011, realizamos a
Eu acho que não havia um grau 4ª Marcha.
de consciência, uma leitura com viés
feminista. Era algo da necessidade de Eu posso dizer que a reflexão política das
viver – “terra pra viver. A gente quer mulheres do campo e da floresta ampliou
terra pra viver”, mas a gente sabe bastante. Ampliou e nós realizamos a Marcha
fazer o recorte de por que as mulheres com um leque grande de organizações
estão na terra; o que é preciso; o feministas e do movimento de mulheres,
papel das mulheres. Então, a gente regionais e nacionais – isso, obviamente,
fazia, anteriormente, uma discussão qualifica muito e coloca outros olhares sobre
mais geral. Quando nós construímos a pauta. Acredito que nós temos uma das
uma organização específica é que nós pautas mais bem consolidadas.
conseguimos ter consciência de o porquê
termos essa organização específica. O nosso tema da Marcha é na perspectiva
A década de 90 foi muito forte nisso. do desenvolvimento sustentável, com
A gente marcava a diferenciação da justiça, com autonomia, com igualdade
organização específica. e com liberdade, que são elementos
fundamentais para se construir qualquer
Hoje, eu acredito que temos uma plataforma de desenvolvimento. Se
plataforma feminista que tem como não estiver colocada a perspectiva da
base uma crítica profunda à sociedade autonomia das mulheres nesse ambiente e

91
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

todas as políticas públicas que fortaleçam gente olha a partir de outras mudanças que
isso – creche, direitos à aposentadoria, precisam ser feitas.
crédito, previdência, educação –, não
haverá autonomia para as mulheres. A Acredito que a CONTAG é uma das
gente pode ter o melhor modelo, mas se as organizações, no Brasil, que tem uma
mulheres não tiverem onde deixar os filhos plataforma clara voltada para o enfrentamento
para trabalhar e estudar, a autonomia das das desigualdades de um público que, se a
mulheres não estará fortalecida. gente olhar o campo, nós vivemos por muito
tempo fora de qualquer política do Estado.
Nós vivemos, infelizmente, em um
país absolutamente desigual. Nós Eu posso afirmar que nos últimos
comemoramos bastante ter uma mulher 10, 12 anos é que a gente tem uma
Presidenta, mas não mudaram as luta. Quando falamos do nosso Projeto
desigualdades. É preciso muito ainda para Alternativo de Desenvolvimento Rural
que a gente possa não inverter, mas ter Sustentável, ele nasce em um momento
um patamar de igualdade. na década de 90 de um aprofundamento
do projeto neoliberal, onde a desgraça
Observatório: Em relação à Marcha total é implementada. É o momento que
das Margaridas, como a pauta do os trabalhadores fizeram uma reflexão,
desenvolvimento sustentável e a agenda uma pesquisa nacional, um projeto que
feminista rural se cruzaram? O que é o nós chamamos até hoje de Projeto CUT-
Projeto Alternativo de Desenvolvimento CONTAG, que foi uma pesquisa em todas
Rural Sustentável Solidário? as regiões do Brasil sobre a situação rural:
como enfrentar esse momento diante da
Carmen Foro: Nossa plataforma é o nosso situação caótica de pobreza e ausência
eixo de mobilização; nós nos mobilizamos em do Estado.
torno dela e temos feito isso há um bom tempo.
É importante dizer que a estamos qualificando Temos certeza de que só um novo
porque não é nossa idéia termos uma nova modelo nos coloca em condição de
pauta a cada Marcha. A cada Marcha, nós enfrentar a atual realidade. E não é só uma
temos uma pauta mais qualificada, com muito realidade de pobreza, é uma realidade de
mais reflexão, com muito mais proposição e enfrentar o capitalismo na sua versão do
com o desejo de transformar o país, um país campo: o agronegócio, o trabalho escravo,
em que tenhamos uma nação de iguais. a degradação ambiental. Enfrentar tudo
isso, além de ter que enfrentar a pobreza
As políticas públicas são muito importantes extrema – infelizmente, ¼ dela está no
nesse contexto. Nós não olhamos a vida campo. Quando fazemos a estratificação
somente a partir das políticas públicas, a disso, você olha para as mulheres e as

92
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

jovens e negras estão no topo da pirâmide. própria construção da pauta da Marcha das
A gente reconhece várias conquistas Margaridas, no movimento sindical como
como fruto de nossa pressão social, da um todo dentro da CONTAG, é um momento
sociedade civil, mas ainda precisamos de muito tensionamento. Tensionamento
caminhar bastante. do jeito de fazer, tensionamento com
o nosso olhar, com as críticas que nós
E a plataforma da Marcha das Margaridas fazemos, com a percepção nossa ao olhar
2011 é atual e é ela que nós queremos para o projeto de desenvolvimento e para
apresentar no debate internacional da uma organização que é mista, composta
Rio+20. A nossa plataforma tem 30% majoritariamente de homens. Então, ela
dela voltada para questões ambientais é feita, desde a sua construção, com um
e não é possível discutir um projeto nível de tensionamento.
de desenvolvimento se não estiverem
tratando das questões ambientais, sociais, Eu não considero esse tensionamento
econômicas, culturais e tantas outras. ruim. Acho que ele é absolutamente
Então, nossa plataforma dialoga sobre positivo, porque as mulheres acabam,
todas essas questões de forma articulada com esse tensionamento, colocando
e não de forma segmentada. E a gente dá questões que, na maioria das vezes, estão
bastante trabalho ao Governo porque, invisibilizadas. A nossa pauta sempre
quando queremos falar sobre um tema, teve e sempre terá questionamentos,
chamamos outros dois para conversar tensionamento interno.
junto. É uma crítica que sempre fazemos
porque o Governo, às vezes, faz políticas Todas as construções cotidianas e
absolutamente segmentadas. E tem de ser de uma plataforma política são duras,
integrada, articulada, em uma perspectiva mas as mulheres têm uma visão e a
transversal, numa perspectiva de gente acaba tensionando e colocando. O
interface, porque, se assim não for, você desafio é esse.
vai construir caminhos que se sobrepõem
Outras grandes questões não
ou não funcionam.
têm tensionamento. Nós temos um
Observatório: Carmen, como tem sido posicionamento contra transgênicos;
discutir e apresentar as pautas feministas temos feito uma crítica profunda sobre
dentro do âmbito institucional? Há o uso dos agrotóxicos; nesse debate
divergências? da construção da Política Nacional de
Agroecologia, nós achamos que não
Carmen Foro: O tema do feminismo, dá para criar um programinha para os
em todos os lugares, gera tensão. E uma reclamantes do atual modelo. É necessário
tensão natural. Aqui não é diferente. A um programa arrojado que redirecione

93
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

a política de produção agrícola no país de verde e não mudarem suas práticas e


e, não só de produção agrícola, mas continuarem contaminando. Ou em uma lógica
também da produção de comida, pois as de ter pequenos pacotes verdes no Governo
mulheres cumprem um papel estratégico, ou nas próprias grandes empresas. Ou, ainda,
reconhecido pelo mundo, da produção em uma lógica de maior apropriação dos bens
de alimentos e a gente tem feito um comuns da humanidade.
tensionamento da produção de alimentos
com agroecológicos ou de produção Aqui na nossa região da América Latina e
orgânica. Não dá para ter esse modelo que Caribe, está concentrado o maior número de
está aí. Aliás, esse modelo, infelizmente, terras boas para produzir, água, ar, floresta,
é hegemônico. Nós estamos sempre em então a gente vai ter de fazer o nosso trabalho
um movimento de contraposição a esse de crítica e de proposição. Eu não acredito que,
modelo, e não só de contraposição, mas na construção dos debates internacionais,
também de apresentar alternativas, haverá grandes compromissos na Rio+20 –
experiências concretas de resistência, de compromissos arrojados, sociais, ambientais e
preservação das sementes e uma série de econômicos. Estão falando em processo. Vinte
questões que as mulheres cumprem com anos depois, ainda vamos fazer um processo.
essa tarefa aqui e no mundo inteiro.
Eu tenho acompanhado a trilha da
Nós temos um conjunto de preocupações discussão da Conferência das Partes sobre
com o documento que está sendo construído o Clima (COP) e, nas três últimas, há uma
pela ONU porque ele não consegue chegar decadência de avanços. Os compromissos
a essa perspectiva das mulheres e não se dos Governos vêm decaindo e os impactos
reconhece o papel que as mulheres têm disso não podem ser tratados só como
na produção de alimentos. Só se fala, mas impacto. O impacto é o desabamento dos
não se assumem compromissos. E esse morros e a política emergencial trabalha na
tensionamento nós faremos na Rio+20. lógica de resolver o impacto e não trabalha
Primeiro, pela idéia da ONU de que a economia na lógica estrutural, de prevenção.
verde resolve o problema do mundo – e
Países desenvolvidos não assumem
se sabe que a Revolução Verde, que estava
os compromissos. Querem que
colocada na década de 70, não resolveu o
países em desenvolvimento assumam
problema da fome no mundo e fez os mais
compromissos de países desenvolvidos.
ricos ficarem mais ricos, e muita gente não ter
Não há possibilidade.
o que comer.
Nós temos muitos desafios na Rio+20,
Será que uma economia verde vai resolver
e também pós Rio+20, para pressionar os
o problema dos pobres do planeta? Em uma
Governos. Os Governos podem ter linhas de
lógica das grandes empresas de se pintarem

94
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

compromisso vinculados nacionalmente, e se dissolvendo no trabalho rural, de


internacionalmente, em que todos têm que forma a nos colocar ainda uma jornada de
assumir, mas, do ponto de vista das nações, trabalho muito maior e uma invisibilidade
os países têm que assumir compromisso do reprodutivo nesse aspecto.
com suas populações.

Pesquisa do IPEA que será lançada esse ano traça o perfil das Margaridas

Uma parceria entre o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Confedera-


ção Nacional dos Trabalhadores (CONTAG) traz um estudo sobre o perfil socioeconômico
das trabalhadoras do campo e da floresta, realizada no contexto da 4a Marcha das Mar-
garidas (2011).
A pesquisa teve como objetivo levantar informações sobre o que pensam, o que de-
mandam e qual é a vivências das mulheres que integram o movimento. A apresentação
dos resultados foi realizada no dia 14 de junho de 2012 em Brasília (Brasil). O lançamen-
to oficial do relatório ocorrerá ainda este ano.

Fonte: www.ipea.gov.br

Observatório: O desenvolvimento A divisão do trabalho doméstico no meio


sustentável rural incorpora o trabalho rural é algo ainda mais gritante. Todo esse
reprodutivo e o cuidado? De que forma? caminho que a gente tem trilhado tem
Qual é a realidade das mulheres rurais em sido para dar visibilidade às coisas boas e
relação às combinações entre os trabalhos também ao que é ruim, para poder enfrentar
ditos produtivos e reprodutivos? enquanto mudança e não naturalização.

Carmen Foro: Isso é bem complexo O IPEA realizou uma pesquisa muito
porque, no meio rural, há uma dificuldade interessante, ainda não publicada, na Marcha
em separar o produtivo e reprodutivo. das Margaridas, sobre vários assuntos que
Então, as mulheres acabam levantando às das mulheres. Havia uma pergunta sobre
cinco, seis horas da manhã e incorporando a caracterização de cor e é interessante
o que é externo, de produção, e o que de ver o quanto as nossas companheiras
é da reprodução. E isso tem sido um se identificaram como negras (77%); além
grande desafio para nós – a perspectiva de afirmarem viver situações de violência,
do produtivo e do reprodutivo que acaba muitas vezes desde crianças. Falaram ainda

95
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

sobre o fato de que o tamanho da terra Ou mudam esses instrumentos ou não


que as mulheres têm para produzir é muito teremos creches nunca, pois os critérios
pequeno em nosso país. Essa pesquisa foi A estabelecidos não nos incluem. São
voz das mulheres. voltados para os meios urbanos.

Observatório: Nós sabemos que uma As mulheres não têm como deixar
das pautas de reivindicação da Marcha das os filhos, os assentamentos ficam
Margaridas, em 2011, foi à demanda por amontoados de crianças. A ministra
creches e pré-escolas para o meio rural. Eleonora se comprometeu a dialogar com
De que forma vocês compreendem essa o Governo para que o grupo de trabalho
demanda na agenda feminista e de garantia seja instituído, incluindo Governo e
de direitos das trabalhadoras rurais? O que sociedade civil, para que se possa estudar
se espera do Grupo Interministerial para as o que seria a creche adequada para a
creches da zona rural, que surge no Grito realidade do campo.
da Terra? Quais são as prioridades?
Nós continuamos insistindo nessa
Carmen Foro: A Presidenta Dilma lógica porque esse é um instrumento
anunciou algumas questões, por exemplo, estratégico muito importante, da luta
em relação a creches, que será constituído histórica feminista, que é importante
um grupo de trabalho interministerial, para fortalecer a autonomia, para garantir
para pensar o que seria uma creche em um o direito das crianças e para garantir e
assentamento. No PAC o Governo Federal fortalecer a possibilidade das mulheres
anunciou a construção de 6.000 creches se deslocarem, estudarem, trabalharem
para o Brasil. e poderem deixar os filhos em um local
seguro.
Nós sempre falamos que gostaríamos
de ter uma cota dessas creches para as Observatório: De que forma os espaços
mulheres que moram nos assentamentos, institucionalizados de participação
em áreas distantes dos meios urbanos. social, como o CNDM e o CONDRAF,
nos quais você é conselheira, tem
O grupo de trabalho não aconteceu até agora, permitido vocalizar as demandas sobre
e foi assunto de nossa conversa com a ministra o desenvolvimento rural sustentável e a
Eleonora Menicucci na semana passada. As igualdade de gênero?
regras estabelecidas pelo MEC indicam vários
critérios para implementar uma creche e, dentre Carmen Foro: O Conselho Nacional
elas, a creche deve ter população residente em dos Direitos da Mulher vem evoluindo.
um raio de 500 metros. Em um assentamento Em um primeiro momento, quando eu
essa não é a realidade. comecei a participar, eram bastante

96
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

fluidos os debates. Mas o Conselho veio não acredito que será um momento que vá
consolidando entendimento sobre um resolver todas as coisas. Naquele momento,
conjunto de temas sobre a realidade das nós vamos precisar pressionar os/as Chefes/
mulheres brasileiras, como creche, como as de Estado para que eles/as saibam que a
a questão das trabalhadoras domésticas sociedade não vai ficar calada, que vamos
e seus direitos, como o tema do aborto. apresentar nossas plataformas, que vamos
Nas duas últimas reuniões, muito movidas criticar o modelo que nós achamos que é
também pela questão da sustentabilidade, um modelo fracassado, já que a crise está
nós fizemos um debate e está previsto instalada no mundo inteiro. Eu acho que nós
outro essa semana sobre a Rio+20 e o temos essa oportunidade.
desenvolvimento sustentável.
Pós-Rio+20, nós não temos outra
Fazer esse debate no CNDM, que é alternativa a não ser continuar fortalecendo
um ambiente representativo possibilita as lutas sociais, as lutas feministas, as lutas
que as mulheres possam cercar todas as dos povos que sofrem muito mais do que
possibilidades, tanto no Conselho quanto qualquer outro com as decisões nacionais e
em outros espaços de atuação, como o internacionais. Eu acho que é a nossa tarefa:
Governo e a sociedade civil. pressionar, mobilizar, dar visibilidade à nossa
plataforma. As mulheres, os trabalhadores e
Nós estamos construindo a nossa as trabalhadoras rurais e todos os setores da
participação enquanto conselheiras na economia, do nosso país. Eu acho que a gente
Rio+20, mas também enquanto movimento precisa dar visibilidade à nossa plataforma.
de mulheres, como CONTAG, como CUT, Essa é uma tarefa para apresentar aos/as
como Marcha Mundial de Mulheres, AMB, Chefes/as de Estado.
dentre outros movimentos de mulheres
nacionais e regionais. Nós também estamos Após isso, nós vamos continuar. Nós,
construindo um debate mais voltado para por exemplo, da Marcha das Margaridas
uma reflexão política e crítica. estamos construindo a possibilidade de
ter um Observatório – talvez não usemos
Observatório: Como você avalia a esse mesmo nome, mas já estamos em
Conferência da Rio+20, em relação ao debate. Em agosto, nós estaremos de
debate do desenvolvimento sustentável e a volta com várias mulheres para recomeçar,
igualdade de gênero? recolocar no Grito da Terra vários pontos
que estavam na pauta da Marcha que a
Carmen Foro: Eu penso que a Rio+20 é
Presidenta Dilma anunciou e que ainda não
um momento muito importante. Tenho dito
implementou. O que for implementando,
que é um momento para darmos visibilidade
nós estaremos acompanhando, o que
àquilo que a gente acredita. Mas eu também
não for implementando, nós estamos

97
As trabalhadoras rurais e o desenvolvimento sustentável

pressionando no Grito da Terra para que estudar, propor, fazer plataforma e recolocar
seja implementado. a nossa plataforma. É permanente essa
nossa pauta porque seguiremos em Marcha
Passado o Grito da Terra, entraremos até que todas sejamos livres.
em um processo de eleição e isso é muito
importante para nós e vamos nos dedicar a

Grito da Terra apresenta pauta de reivindicação ao Governo Federal

Principal evento da agenda do movimento sindical do campo, o Grito da Terra reúne


milhares de trabalhadores e trabalhadoras rurais de todo o país em Brasília. Neste ano,
o evento foi realizado em 30 de maio.
O Grito da Terra é uma mobilização promovida pela Confederação Nacional dos Tra-
balhadores na Agricultura (Contag) e apoiada pelas Federações dos Trabalhadores na
Agricultura (Fetags) e pelos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STRs) e
possui um caráter reivindicatório. É por essa razão que a manifestação pode ser consid-
erada como uma espécie de data-base dos agricultores familiares, dos/as trabalhadores/
as sem-terra e dos assalariados e das assalariadas rurais brasileiras.
A pauta do Grito da Terra Brasil é ampla e reúne reivindicações relativas às políticas
agrícolas (assistência técnica, crédito), à reforma agrária (desapropriação de terras e cri-
ação e manutenção de assentamentos), às questões salariais (cumprimento e ampliação
das leis trabalhistas) e às políticas sociais (saúde, previdência, educação e assistência
social). A mobilização também defende os interesses das mulheres trabalhadoras rurais
e da juventude rural.
O Grito da Terra Brasil se transformou em instrumento de fundamental importância
para a implementação do projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentado (PA-
DRS), desde sua formulação e após sua aprovação, em 1998.

Fonte: www.contag.org.br

98
Mulheres Indígenas e a Rio+20
Tânia Mara Almeida 1

Às vésperas da Conferência das etapa preliminar ou no marco de preparação


Nações Unidas sobre Desenvolvimento das ações e dos projetos, podem-se identificar
Sustentável, a “Rio +20”, a reflexão sobre problemas concretos, objetivos esperados
mulheres indígenas e a gestão ambiental e recursos de mulheres e homens para
e territorial de suas comunidades se faz empreenderem novas situações de igualdade
premente. Afinal, a abundância de recursos de direitos entre si.
naturais encontradas em muitas dessas
Contudo, várias dessas ações de
localidades e o profundo conhecimento
desenvolvimento, em especial aquelas
milenar, fortemente presente nas práticas
voltadas à preservação, manejo e gestão
cotidianas das mulheres indígenas, em
de recursos naturais, ao redistribuírem
relação ao seu manejo e a proteção
papéis, responsabilidades e novas formas
são fatores que chamam a atenção de
de trabalho, obtêm um tipo de impacto não
todo o planeta quando se busca a sua
antecipado no momento de sua concepção,
sustentabilidade.
pois acabam por romper – nas comunidades
Atentos à questão de gênero entre grupos indígenas, com as modalidades tradicionais
sociais, comunidades e povos aos quais se de interação e convivência entre os
dirigem suas ações, as Nações Unidas, demais gêneros e, por conseguinte, desestruturam
Organismos de Cooperação Internacional e o as relações tradicionais e fragilizam
Governo Brasileiro geralmente recomendam certa unidade em que os grupos sociais
requisitos básicos para se realizar análises indígenas se encontravam. Logo, é também
sobre o assunto, tendo especificidades para importante refletir sobre os pressupostos
o olhar sobre as relações entre homens e do dito desenvolvimento e os seus reais
mulheres. As análises de gênero serviriam benefícios para os povos indígenas, tanto
para se fazer um diagnóstico dessas relações para as relações de gênero como para
em diferentes níveis (específicos do setor, do outras estruturas sociais. Nesse contexto
país/da região, das organizações e localidades de sustentabilidade do meio ambiente, são
em foco), constituindo a base para uma as mulheres indígenas, com suas tradições,
participação eqüitativa de mulheres e homens suas próprias linguagens, dinâmicas e
nos processos de desenvolvimento. A partir estratégias de organização e participação
dessas análises, que devem iniciar-se já na na vida comunitária das aldeias, que têm

1. É pesquisadora e professora adjunta da Universidade de Brasília (UnB), atuando no Departamento de


Sociologia, bem como é membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEPeM) da mesma universidade.

99
Mulheres Indígenas e a Rio+20

legitimidade para avaliar, em cada caso e em têm o discurso mais prestigiado fora de
um longo e complexo processo, o que vale seus grupos, ao terem ampliado seu papel
a pena preservar da estrutura tradicional mediador em relação ao Estado Nacional, à
e quais aspectos que podem mudar sem sociedade local e às agências internacionais.
colocar em risco seu povo. Essa forma genérica não dá visibilidade ao
coletivo de mulheres, uma vez que este tem
A questão de gênero pode ser pensada
sido invisibilizado por de trás dos marcos
como posta de modo espontâneo no decorrer
legais e dos direitos preconizados de modo
das políticas de gestão ambiental e territorial
amplo e irrestrito aos povos indígenas, do
indígena, uma vez que é comum haver a
mesmo modo que tem sido praticamente
indicação explícita em documentos e projetos
inexistente sob o olhar de agentes públicos
do reconhecimento, respeito, garantia e
e órgãos externos nas ações de intervenção
valorização das crenças, usos, costumes,
ou nos diálogos interculturais.
tradições, organizações sociais e políticas, bem
como das expressões particulares a cada povo. Observa-se, nos discursos e nas
Isso, para leitores/as não participantes das políticas a respeito do meio ambiente e em
reflexões de gênero, pode parecer suficiente específico da gestão ambiental e territorial
para contemplar as mulheres indígenas. Em em terras indígenas brasileiras, brechas para
uma primeira leitura, acaba-se por pensar que se entremear ações voltadas à promoção
não há como negar a inclusão de qualquer da equidade entre homens e mulheres
integrante ou visão de mundo particular das indígenas, uma vez que a presença das
populações indígenas nessas afirmações, mulheres está em suas entrelinhas. Cabe,
o que indiretamente está se referindo ao por fim, explicitá-las em programas, projetos
fundamento existencial e de sociabilidade e planos de atividades, realizando a sua
de cada grupo internamente e, também, apropriação por uma perspectiva transversal
com a sociedade envolvente. Conclui-se, de gênero.
apressadamente, que está se referindo a
Embora a preocupação com o tema
gênero no entendimento anteriormente
gênero e sua transversalidade no que se
apresentado.
refere à gestão territorial e ambiental em
Infelizmente, a partir de leituras mais terras indígenas sejam um marco bastante
atentas e sensíveis à questão, chega-se relevante para o reconhecimento, a
a perceber que as mulheres indígenas garantia e o avanço da participação das
acabam por se diluir no contingente geral mulheres indígenas nessa questão, deve-
dos povos indígenas representados. Por se ter atenção com alguns pressupostos.
inércia da linguagem e vício do hábito, Ou seja, um tipo de orientação integrada e
as mulheres tornam-se silenciadas pelos universal das Nações Unidas e Organismos
homens indígenas, sendo estes os que de Cooperação Internacional para a questão

100
Mulheres Indígenas e a Rio+20

de gênero deve ser relativizado a partir partir das posições próprias de cada coletivo
da realidade dos coletivos das mulheres de mulheres indígenas.
indígenas brasileiras, uma vez que há uma
De modo paralelo, a definição de planos de
profunda particularidade em cada uma das
gestão baseados em diagnósticos dos recursos
centenas de etnias e, delas, para os demais
naturais, da produção local e das relações
grupos de mulheres na sociedade brasileira
socioculturais pode apresentar-se como
(por exemplo, de zonas rurais, urbanas,
uma mudança de paradigma nas relações
negras e de diferentes classes sociais) e, por
entre Estado e povos indígenas, para que o
conseguinte, para as demais mulheres do
protagonismo seja exercido pelos indígenas
globo terrestre. Logo, orientações integradas
e as ações considerem a concepção cultural
e universais precisam ser permanentemente
de cada povo. Logo, essas ações concretizar-
revisadas e mesmo autocriticadas, para se
se-iam em interface com a saúde, a
possibilitar a elaboração de referências que
formação de recursos humanos em diversas
abordem e apoiem os diferentes coletivos
esferas governamentais e indígenas, a
de mulheres indígenas dentro de suas
conservação e o uso sustentável dos
respectivas alteridades. Na mesma direção,
recursos, a fiscalização e vigilância das terras,
se faz necessário nominar cada grupo étnico
o fortalecimento cultural das comunidades
de mulheres indígenas, não apenas pela
e da sua autonomia.
sua inclusão genérica no discurso, mas,
sobretudo, pelo reconhecimento de sua Por outro lado, obstáculos para a
presença e alteridade. elaboração e execução dos referidos
planos de gestão são reconhecidos de
Do mesmo modo, deve-se ter atenção à
antemão. Dois deles seriam: a) o fato da
operacionalização de ações particularmente
categoria “gestão”, acrescida dos adjetivos
voltadas para a questão de gênero, quando
“ambiental e territorial”, ainda estar em
orientadas por diretrizes e padrões ditos
processo de apropriação pelos povos
internacionalmente reconhecidos. Afinal,
indígenas e mesmo a sociedade nacional;
tais padrões podem não ser adequados
b) o fato de estar envolvida nesse
para se acompanhar e avaliar processos que
processo a realização de várias ações
envolvam os diversos grupos de mulheres
conjuntas e articuladas entre instituições
indígenas brasileiras. Haja vista que são poucas
governamentais, sociedade regional e
as etnografias sobre o tema gênero em terras
povos indígenas.
indígenas no país, assim como poucos os
relatórios e documentos que tratam desse Diante do grau de complexidade e de
tema. Portanto, tais projetos devem se pautar abrangência que envolve os planos em
por identificar e monitorar impactos positivos todas as suas fases e em todos os seus
verificáveis sobre a igualdade de gênero dentro possíveis resultados, que interferirão
do contexto cultural em que se encontram e a forte e incisivamente na vida cotidiana

101
Mulheres Indígenas e a Rio+20

e no futuro dos povos indígenas, a coletiva, não individual nem esporádica.


participação intensa e ativa das mulheres
Não se pode apontar para as mulheres
indígenas de cada terra nesse assunto faz-
indígenas como indivíduos isolados,
se imprescindível. Contudo, mal se tem
unos, resultado do processo moderno
investido sobre o tema gênero ou mulheres
de individuação, o qual se atrela ao
indígenas brasileiras no seu conjunto ou
dimorfismo sexual2 e à ideologia do
em experiências específicas. A referência
individualismo dominante. Trata-se
a essas questões são secundárias, não
de mulheres enquanto coletividades,
havendo uma centralidade delas nas
enquanto conjuntos de pessoas intrínseca
premissas e não se evidenciando se houve
e fundamentalmente ligadas ao seu
tratamento específico a seu respeito na
povo particular. Vê-las apenas do mesmo
empiria. Essas indicações são insuficientes
modo que as ditas mulheres modernas
para o propósito de se conhecer como
se apresentam é posicionar-se em uma
e em que grau se deu a participação
nova forma de discriminação frente à sua
das mulheres indígenas na elaboração
alteridade, invisibilizando-as nas diversas
e definição dos já existentes planos
esferas de contato a que estão submetidas
ambientais e territoriais de algumas
e em suas interseccionalidade étnica e de
terras, até mesmo se elas eram uníssonas,
gênero.
ou não, em relação a eles.
Por isso, trazer explícita a expressão
Além disso, é importante pensar em
“mulheres indígenas” é um dos primeiros
formas de proteger os conhecimentos
passos para se definir o perfil desses sujeitos
milenares sobre o meio ambiente desses
de direito, assim como se reconhecer a
povos e de suas mulheres da apropriação
identidade política para quem se volta
ilegal e indevida por parte de terceiros,
uma ação ou se pretende participação,
bem como a autoria dos mesmos e o
desenvolvendo mecanismos de inibição
fato de não se voltarem necessariamente
de discriminações essencializadas e de
para o mercado, para a produção em
medidas afirmativas de promoção da
larga escala ou para o comércio. A autoria
igualdade, a iniciar-se pela letra dos textos
desse tipo de saber, em especial, deve
e das falas referentes aos povos indígenas
ser considerada em sua longa tradição
na Rio +20 e dela decorrentes.

2. Esse processo ocidental, material e simbólico, de classificação e definição da realidade, baseia-se em dois
polos hierarquicamente definidos em termos de poder e prestígio, o “masculino” e o “feminino”, bem como se associa
a eles, respectivamente, corpos com genitália de macho e corpos com genitália de fêmea. A essa bipolaridade é
dado o nome de dimorfismo sexual, o qual se projeta sobre outros povos e outras experiências sociais devido a seu
empreendimento colonizador e imperialista.

102
Mural: o que está acontecendo
e o que acontecerá...

O Prêmio Almirante Álvaro Alberto foi criado em 1981, como parte das comemora-
ções dos 30 anos do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico, com o primeiro título de Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia. Este Prêmio
foi concedido 42 vezes e apenas duas mulheres foram laureadas. A primeira laureada
pelo Prêmio foi Maria Isaura Pereira de Queiroz em 1997, e a segunda, a economista
Maria da Conceição Tavares agraciada na ultima edição, em 2011. A cerimônia de en-
trega do Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia à professora Maria
da Conceição Tavares, ocorreu no dia 17 de maio de 2012, no Palácio do Planalto, e
teve a presença da Presidenta Dilma Roussef. Os discursos proferidos ressaltaram a crise
econômica mundial, e as repercussões desta para o Brasil, com especial atenção ao fato
de que a crise não acarretou interrupção do desenvolvimento brasileiro.

Fonte: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/discursos/discurso-da-presidenta-da-
republica-dilma-rousseff-na-cerimonia-de-entrega-do-premio-almirante-alvaro-alberto-
para-ciencia-e-tecnologia-a-professora-maria-da-conceicao-tavares-brasilia-df

Aconteceu, no dia 30 de maio, em Brasília, a Mesa “Autonomia das Mulheres e


Desenvolvimento Sustentável na Rio + 20” no Conselho Nacional dos Direitos da
Mulher. O debate foi organizado pela SPM com a ministra Eleonora Menicucci (SPM-
PR), a ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente), o ministro Antonio Patriota (Re-
lações Exteriores) e as conselheiras do CNDM: Gracíela Rodríguez (Equit), Justina
Cima (MMC) e Carmem Foro (Contag).

Fonte: www.spm.gov.br/rio-20/programacao-rio-20

103
Mural: o que está acontecendo
e o que acontecerá...

A Rede Brasileira de Mulheres Líderes pela Sustentabilidade, organizada pelo Minis-


tério do Meio Ambiente, reuniu-se no dia 31 de maio no Auditório Tom Jobim/Jardim
Botânico – Rio de Janeiro/RJ e contou com as presenças, na mesa de abertura, da Minis-
tra Eleonora Menicucci (SPM-PR) e da Ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente).

Fonte: http://www.spm.gov.br/rio-20/programacao-rio-20

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, será


realizada de 13 a 22 de junho de 2012, na cidade do Rio de Janeiro. Será composta por
três momentos. Nos primeiros dias, de 13 a 15 de junho, está prevista a III Reunião do
Comitê Preparatório, no qual se reunirão representantes governamentais para negocia-
ções dos documentos a serem adotados na Conferência. Em seguida, entre 16 e 19 de
junho, serão programados eventos com a sociedade civil. De 20 a 22 de junho, ocorrerá
o Segmento de Alto Nível da Conferência, para o qual é esperada a presença de diversos
Chefes de Estado e de Governo dos países-membros das Nações Unidas.

Fonte: www.rio20.gov.br/sobre_a_rio_mais_20

A Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental é um evento organizado
pela sociedade civil global que acontecerá entre os dias 15 e 23 de junho no Aterro do
Flamengo, no Rio de Janeiro – paralelamente à Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), a Rio+20.

Fonte: www.cupuladospovos.org.br

104
Mural: o que está acontecendo
e o que acontecerá...

Feministas, trabalhadoras da economia solidária, lideranças afro-religiosas e do movi-


mento negro, além de outras mulheres militantes do Brasil e do exterior vão promover a
Passeata Unificada das Redes Nacionais de Mulheres na Cúpula dos Povos, uma marcha
de protesto, no dia 18 de junho, saindo às 12h do Aterro do Flamengo, em direção ao
Centro da cidade. O ato integra as atividades da Cúpula dos Povos, encontro da socie-
dade civil autônomo e paralelo à Rio+20, que deverá levar 30 mil pessoas ao Aterro.

Fonte: www.cupuladospovos.org.br

No dia 20 de junho, às 14h, acontece o Encontro Global: Autonomia das Mulheres


e Desenvolvimento Sustentável, evento organizado pela SPM e pela CEPAL, a ser re-
alizado na Arena Socioambiental – Aterro do Flamengo – Rio de Janeiro/RJ, em que
participarão a Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres,
Eleonora Menicucci, Alicia Bárcena (Secretária Executiva da CEPAL), Rocio Gaytan
(Ministra do Instituto Nacional das Mulheres do México e Presidenta da Comissão
Interamericana de Mulheres) e Sueli Carneiro (Coordenadora-Executiva do Geledés
– Instituto da Mulher Negra).

Fonte: www.spm.gov.br/rio-20/programacao-rio-20

A Arena Socioambiental será montada nos pilotis e jardins do Museu de Arte Mod-
erna (MAM) do Rio de Janeiro, será palco, entre os dias 16 e 22 de junho, de debates,
exposições e atividades culturais.

Fonte: www.spm.gov.br/rio-20/programacao-rio-20

105
Anexos Curso Formação em Políticas Públicas para a
Igualdadede Gênero com ênfase em Políticas
para as Mulheres Rurais e Segurança Alimentar

Organização: Parceria entre SPM/PR, CONSEA, MDA e ABC-MRE.


Período: 27 de fevereiro a 09 de março de 2012
Local: Brasília | Brasil

Módulo I - Conceitos e contextualização sobre igualdade de gênero e


segurança alimentar e nutricional no Brasil
Dia 27/ 02
MESA 1 - O Brasil hoje: aspectos demográficos, geopolíticos e socioeconômicos.
Painelista: Luana Simões Pinheiro (IPEA)
MESA 2 - A economia brasileira numa perspectiva histórica: principais aspectos do
processo produtivo do país e as relações entre o Brasil rural e o Brasil urbano.
Painelista: Jorge Abrahão (IPEA)
MESA 3 - A Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e a Política Nacional
para as Mulheres no Brasil.
Painelistas: Maya Takagi - Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(MDS) e Mariana Mazzini Marcondes (SPM).
Dia 28/02
MESA 1 – A construção da igualdade de gênero nas políticas para as mulheres rurais: uma
visão conceitual e histórica.
Painelista: Isolda Dantas - Coordenação Geral de Cidadania e Acesso à Terra (MDA)
MESA 2 - A experiência brasileira de segurança alimentar e nutricional e as políticas para
as mulheres.
Painelista: Emma Siliprandi (UNICAMP)

106
Anexos

Dinâmica de Grupo: 1) Organização Produtiva


Expositora: Claremita Souza Santos
2) Programa de Aquisição de Alimentos.
Expositoras: Selma Maria Gondim Cardoso Rodrigues
Cilene Conceição de Souza Queiroz
MESA 3 - Programa Nacional de Alimentação Escolar: Segurança Alimentar e avanços e
desafios para a Política para as Mulheres.
Painelista: Albaneide Peixinho - Coordenadora geral do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE/FNDE/MEC).

Módulo II – Políticas Públicas para as mulheres e sua interface com as


políticas de segurança alimentar
Dia 29/02
MESA 1 - Políticas específicas para as mulheres, para a promoção da igualdade de gênero:
documentação, assistência técnica, organização produtiva.
Painelista: Analine Specht – Coordenadora do Programa de Organização Produtiva de
Mulheres Rurais (MDA)
MESA 2 - Políticas para a promoção da segurança alimentar e nutricional com recorte
de gênero : Programa de Aquisição de Alimentos (PAA); Plano Brasil sem Miséria (PBSM);
Programa de Cisternas.
Painelista: Carmem Priscila Bochi (Assessora Sesan - MDS)
MESA 3 - Contextualização histórica do movimento de mulheres no Brasil.
Painelistas: Sílvia Camurça (SOS Corpo) e Mírian Nobre (SOF).

Módulo III - Visita de campo ao Projeto “Promessas de Futuro” em


Caxambu, zona rural de Pirenópolis - GO - Dia 01/03

107
Anexos

Módulo IV - Modelos de produção de alimentos - contradições e desafios


Dia 02/03
MESA 1
1.a) Desenvolvimento sustentável e produção de alimentos.
Painelista: Márcia Quadrado – Secretária Executiva (MDA).
1.b) Desenvolvimento sustentável e a proposta para a Rio + 20.
Painelista: Samyra Crespo – Secretária de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental
(MMA).
MESA 2 - A autonomia das mulheres e a produção de alimentos no modelo de desenvolvimento
sustentável
Painelista: Conceição Dantas (Centro Feminista 8 de março).
Dia 05/03
MESA 1 - O consumo de alimentos e o combate à pobreza: um olhar na perspectiva de
segurança alimentar e gênero.
Painelista: Ana Maria Segall Correia (CONSEA).
MESA 2 - Políticas de crédito para a agricultura familiar e a autonomia econômica das mulheres.
Painelista: Laudemir Miller – Secretário Nacional de Agricultura Familiar (MDA).
MESA 3
3.a) O protagonismo das mulheres na produção de alimentos : mulher e agroecologia.
Painelista: Emma Siliprandi (UNICAMP).
3.b) A contribuição da Economia Solidária para a autonomia das mulheres e a produção de
alimentos no Brasil.
Painelista: Paul Singer – Secretário Nacional de Economia Solidária (MTE).

108
Anexos

Módulo V - A participação social na construção e implementação das


políticas de Segurança Alimentar e Nutricional e para as mulheres no Brasil
Dia 06/03
MESA 1 - Arcabouço legal - institucional das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional.
Painelistas: Valéria Burity (CONSEA) e Célia Varela (CONSEA).
MESA 2 – Controle Social: A experiência do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea) na construção do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Painelista: Chico Menezes (CONSEA).
MESA 3 - Arcabouço legal-institucional das políticas para a igualdade de gênero nos meios
rural e urbano.
Painelistas: Lourdes Bandeira (SPM) e Andrea Butto (MDA).
MESA 4 - Controle Social: a experiência do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres
(CNDM) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) na
construção das políticas para as mulheres.
Painelista: Andrea Butto – Diretora de Políticas para Mulheres Rurais (MDA).

Módulo VI - Experiências internacionais de políticas públicas para


a igualdade de gênero
Dia 07/03
MESA 1 - Do local para o global – experiências internacionais de políticas públicas para
a igualdade de gênero e segurança alimentar as alianças para a superação do problema da
fome e a inserção das mulheres na América Latina e Caribe.
Painelista: Andrea Butto – Diretora de Políticas para Mulheres Rurais (MDA).
MESA 2 - Do local para o global – experiências internacionais de políticas públicas para
a igualdade de gênero e segurança alimentar as alianças para a superação do problema da
fome e a inserção das mulheres na América Latina e Caribe.
Painelista: Tatau Godinho – Secretária de Planejamento e Gestão Interna (SPM)

109
Anexos

Módulo VII – Dia Internacional da Mulher - 08/03

Módulo VIII – Avaliação e Cooperação Futura - 09/03

PAÍSES PARTICIPANTES

Curso Formação em Políticas Públicas para a Igualdade de Gênero com


ênfase em Políticas para as Mulheres Rurais e Segurança Alimentar:

110
Glossário
de instituições

ABC: Agência Brasileira de Cooperação Coletivo Leila Diniz: Ações de Cidadania e


www.abc.gov.br Estudos Feministas
coletivoleiladiniz.org
AMB: Articulação de Mulheres Brasileiras
www.articulacaodemulheres.org.br CONSEA: Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional
AMNB: Articulação de Organizações de http://www4.planalto.gov.br/consea
Mulheres Negras Brasileiras
www.amnb.org.br CONTAG: Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura
ANA: Articulação Nacional de Agroecologia www.contag.org.br
www.agroecologia.org.br
ONG Criola:
ASA: Articulação do Semi-Árido Brasileiro
www.criola.org.br
www.asabrasil.org.br
CUT: Central Única dos Trabalhadores
www.cut.org.br
ASBRAN: Associação Brasileira de Nutrição
www.asbran.org.br
FNDE: Fundo Nacional de desenvolvimento da
Educação
ASC: Aliança Social Continental
www.fnde.gov.br
www.asc-hsa.org

CLADEM: Comitê Latino-Americano


Instituto EQUIT: Gênero, Economia e
e do Caribe para a Defesa dos Direitos Cidadania Global
das Mulheres www.equit.org.br
www.cladem.org
IBASE: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
CNPIR: Conselho Nacional de Promoção da Econômicas
Igualdade Racial www.ibase.br
http://www.seppir.gov.br/apoiproj
IGTN: Rede Internacional de Gênero e Comércio
CNDM: Conselho Nacional dos Direitos da www.igtn.org
Mulher
www.sepm.gov.br/conselho
IPEA: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
www.ipea.gov.br

111
Glossário
de instituições

MDA: Ministério do Desenvolvimento Agrário PR: Presidência da República


www.mda.gov.br www.planalto.gov.br

MEC: Ministério da Educação REBRIP: Rede Brasileira pela Integração dos


www.mec.gov.br Povos
www.rebrip.org.br
MMC: Movimento de Mulheres Camponesas
www.mmcbrasil.com.br REF: Rede Economia e Feminismo
www.sof.org.br/rede-economia-e-feminismo
MMM: Marcha Mundial de Mulheres
http://sof.org.br/marcha REDEH: Rede de Desenvolvimento Humano
http://www.redeh.org.br
MTE: Ministério do Trabalho e Emprego
www.mte.gov.br SOF: Sempreviva Organização Feminista
www.sof.org.br
NEPA: Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação
da Unicamp SPM: Secretaria de Políticas para as Mulheres
www.unicamp.br/nepa www.sepm.gov.br

NEPEM: Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a UFPR: Universidade Federal do Paraná


Mulher www.ufpr.br
www.vsites.unb.br/ceam/nepem
UNB: Universidade de Brasília
ONU: Organização das Nações Unidas www.unb.br
www.onu-brasil.org.br
USP: Universidade de São Paulo
FAO: Organização das Nações Unidas para www.usp.br
Agricultura e Alimentação
https://www.fao.org.br

112

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