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Hemoglobinas anormais

Variantes Estruturais: alteram o polipeptídio

Defeitos de síntese das hemoglobinas: síntese diminuída de uma ou mais cadeias de globina

Já foram descritas mais de 300 variantes de Hb devidas a uma variedade de tipos de mutação, cerca
de 200 resultam de mutações de ponto.

As variantes estruturais resultam de mutações que levam à síntese de uma globina estruturalmente
anormal.

Variantes estruturais abrangem cinco classes:

(1) hemoglobinas de agregação, que formam cristais, com repercussões clínicas e laboratoriais
variáveis, como as hemoglobinas S e C;

• Mutação de Ponto: resulta na substituição de um aminoácido por outro Ex.: HbS, C ou E

Sua grande maioria resulta de mutações pontuais, por substituição de apenas um aminoácido. Entre
as variantes resultantes de mutação pontual na cadeia β o melhor exemplo é a hemoglobina S. Outras
variantes caracterizam-se por duas substituições de aminoácidos na mesma cadeia. Exemplo: Hb C
Harlem, com duas substituições na cadeia β: glu6val e asp73asn.

(2) hemoglobinas instáveis, com graus variáveis de manifestações clínicas e hematológicas, bem
como expressão laboratorial diversificada, como Hb Freiburg;

• Deleção: um ou mais aminoácidos de uma das cadeias de globina estão faltando.

(3) Hemoglobinas com fenótipos talassêmicos, devidas a falhas na regulação da síntese da globina
por adição de aminoácidos à extremidade C-terminal das globinas, como Hb Cranston

• Mudança de Matriz de Leitura: perturbação das trincas normais da matriz de leitura (adição ou
remoção)

(4) hemoglobinas sem alterações funcionais, que consistem na maioria das variantes estruturais e,
embora apresentem importância bioquímica, genética e antropológica, não produzem efeitos clínicos e
laboratoriais significativos, como a Hb Kenya;

(5) Hemoglobinas com fenótipos talassêmicos, em decorrência da fusão de cadeias devido ao


crossing-over desigual durante a meiose, como a Hbs Lepore/anti-Lepore.

• Polipeptídeos de Fusão: resultantes de eventos de crossing-over desigual na meiose (fusão de


poliptídeos) Ex.: Hb Lepore, Hb anti-Lepore(Miyada), Hb Kenya

(6) hemoglobinas com alterações funcionais que causam metemoglobinemias por Hb M, cianose e
alteração da afinidade hemoglobínica pelo oxigênio;

No Brasil, as variantes mais frequentes são: Hb D, Hb G, Hb S e Hb C. As duas primieras geralmente


não são mencionadas. As duas últimas são bastante conhecidas.

Hb D:

A Hb D é uma hemoglobina variante que apresenta a mesma mobilidade da Hb S em eletroforese de


pH alcalino. É separável da Hb S por eletroforese em agar pH ácido (pH 5 a 6), e também por não se
insolubilizar em soluções redutoras de oxigênio. Quando associada à Hb A, a heterozigose de Hb AD,
o portador é totalmente assintomático, e a fração anormal constitui entre 30 e 50% da hemoglobina
total. A prevalência de portadores de Hb AD no Brasil é por volta de 1 caso para cada 5 mil pessoas
analisadas. Casos de homozigoses de Hb D (Hb DD) são raríssimos, e podem estar associados a
discreto grau de anemia (Hb: 10,5 – 12,0 g/dl).

Hb G:

É diferenciada da Hb S por meio de eletroforese em agarose ácida. Sua prevalência é de 1/15.000


indivíduos. Tanto os heterozigotos HbA/HbG e os homozigotos HbG/HbG são assintomáticos. É
possível a ocorrência de tríplice heterozigose entre as hemoglobinas A, S e G Philadelphia, originada
de genitores heterozigotos HbA/HbG e HbA/HbS.

Hb S (α2 β2 6 val):

A hemoglobina S foi a primeira variante detectada eletroforeticamente por Pauling (1949). A única
diferença estrutural entre a Hb S e a Hb A ocorre na posição 6 da cadeia β da globina, onde o ácido
glutâmico é substituído por valina, devido a uma mutação pontual no 6º códon do gene β do
grupamento da βglobina da Hb A:

A troca do aminoácido acarreta alterações nas propriedades da hemoglobina, tornando a HbS mais
propensa à polimerização, quando desoxigenada.

Essa mutação afeta a solubilidade e causa a cristalização dessa hemoglobina em condições de


hipoxia. Com um grau relativamente baixo de hipoxia, a Hb S polimeriza dentro de filamentos de alto
peso molecular, que se associam, formando feixes de fibras. Esses cristais de hemoglobina anormal
torcem a membrana da hemácia, dando-lhe uma forma característica de foice.

As células falciformes aumentam a viscosidade do sangue e impedem a circulação normal nos


pequenos vasos sanguíneos. A hipóxia (baixo teor de oxigênio) resultante leva a mais falciformação,
com episódios característicos de crise falcêmica, dor abdominal e musculoesquelética.

Os acidentes vasculares cerebrais constituem outra complicação grave. As hemácias falciformes


costumam acumular-se em alguns órgãos, principalmente no baço e no fígado, aumentando-os de
volume.

A manifestação mais grave desse acúmulo de hemácias anormais é a crise de sequestramento, que
pode levar o paciente à morte em poucas horas. Durante essa crise, o indivíduo apresenta anemia
aguda e choque, sem as manifestações características de uma crise hemolítica. A necropsia mostra
vasos periféricos vazios, isquemia generalizada e grande quantidade de hemácias falciformes
sequestradas pelo baço.

Esse é o quadro clínico hematológico da anemia falciforme, siclemia, drepanocitose ou doença


das células falciformes, causada pela Hb S nos homozigotos HbS/HbS.

Os indivíduos de genótipo HbS/HbS possuem cerca de 7 a 8% de hemoglobina (enquanto os níveis


normais são de 16% no homem e 14% na mulher), e sua idade média de sobrevida varia
proporcionalmente ao grau de atendimento médico dado aos pacientes.

Além disso, o quadro clínico inclui anemia hemolítica grave (pois a vida média de uma hemácia
homozigota para a Hb S é de aproximadamente 20 dias, comparada com os 120 dias das hemácias
normais). Os afetados também podem apresentar: cardiomegalia, hematúria, úlcera de perna,
osteoporose vertebral, manifestações neurológicas que se iniciam na adolescência (hemiplegia,
convulsões, afasia, rigidez da nuca, paralisia facial, parestesia das extremidades, perturbações visuais
e crises dolorosas) e fertilidade relativamente diminuída.

Os heterozigotos HbA/HbS apresentam o traço falcêmico: são normais clinicamente, mas suas células
adquirem a forma de foice in vitro ou em condições de baixa tensão de oxigênio. Essas condições
abrangem: hipoxia, acidose, desidratação, vasoconstrição, anestesia geral, infecções, voo em avião
despressurizado, regiões de grande altitude, mergulhos em profundidade, excesso de esforço físico,
desidratação, aumento do coração, sopros, osteoporose decorrente de anemia crônica de longa
duração e anomalias ósseas.

Diagnóstico – Feito por meio de migração eletroforética da hemoglobina ou por análise direta da
mutação da Hb S, mediante técnicas baseadas em PCR. A presença da hemoglobina S pode ser
detectada pelo teste do pezinho quando a criança nasce.

Tratamento – Envolve imunização contra infecções pneumocócicas, antibioticoterapia para evitar


infecções, suplementação de ácido fólico, pois a deficiência de folato pode exacerbar a anemia; e
transfusões em pacientes com alto risco de oclusão de vasos. Transfusões intermitentes reduzem o
risco de acidentes vasculares cerebrais, mas podem ocorrer hemossiderose (sobrecarga de ferro),
infecções sanguíneas e complicações imunológicas. As crises são tratadas com hidratação, oxigênio e
analgésicos. O uso de hidroxiureia (droga antitumoral aprovada especificamente para o tratamento da
anemia falciforme) aumenta os níveis circulantes de Hb F, diminuindo a indução de células falciformes,
o que leva à diminuição das crises dolorosas e reduz a mortalidade. Segundo alguns autores, o
transplante de medula óssea em número reduzido de pacientes obteve sucesso em 90% dos casos, e
existem perspectivas de futuramente se tornarem possíveis o tratamento com células-tronco e a
terapia gênica.

A doença falciforme tem uma variabilidade clínica muito grande, cursando de forma diferente de
pessoa para pessoa, mesmo entre irmãos podem existir diferenças. Enquanto uma criança tem mais
infecções, outra apresenta mais crises de dor e outra pode passar longos períodos sem desenvolver
nenhuma complicação.

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