Você está na página 1de 2

Resultado de traços marcantes da nossa sociedade, a cidade brasileira não

vem surgindo de modo aleatório, mas sim com uma lógica que vem desde o
período colonial brasileiro.
É fato que a rua foi muito desprezada no erguer de nossas cidades, e isso se
deu principalmente pelos senhores patriarcais. Eles não apenas dominavam o
poderio no interior brasileiro (uma vez que seu poder era muitas vezes superior
ao da igreja), mas como também ditavam como aquela sociedade deveria agir.
Além disso, viviam de um modo que evidenciava a marca brasileira da
domesticidade: no recolhimento do privado. A casa grande voltava-se portas à
dentro, e, além disso, ainda deixava claro um outro traço brasileiro muito forte,
o centralismo, uma vez que, como centro político e social daquele tempo, tudo
deveria ir à casa, e não o contrário. Esse foi um dos principais motivos que a
fez se tornar um espaço-bloco, repleto de usos e serviços diversos, para que
assim as necessidades da época fossem supridas sem a necessidade de ir à
rua e se encontrar “com quem não se queria ter contato”.
Consequentemente, acabou por ser atribuída à rua uma função menor do
espaço, ou seja, ela passou a ser vista apenas como um desenho residual, que
serviria para mera circulação e conexão entre as casas, e não como o espaço
que tem por principal papel a discussão de ideias, a troca de opiniões e,
portanto, o encontro com o povo.
O momento então é marcado por uma crise rural, que tornou os senhores
dependentes financeiros dos bacharéis, sendo estes recém-chegados que
geralmente eram filhos ou genros dos senhores de engenho e que haviam
estudado em cidades estrangeiras. Portanto, por teres se acostumado, não
conseguiriam mais se adaptar à vida rural. Os patriarcas, logo, mudam-se para
as cidades e todo esse modo de vida que trouxeram consigo do meio rural
acabou por se enraizar nestas novas cidades brasileiras, configurando dessa
forma um olhar enfraquecido sobre o espaço público e uma arquitetura que
“negava totalmente a rua”. E essa negação se faz bastante evidente, por
exemplo, na planta-baixa dos sobrados. A sala de viver e a cozinha, espaços
bastante ocupados no dia a dia e onde se desenvolviam variadas atividades,
ficava mais ao fundo da edificação, dando as costas à rua e se comunicando
mais com o pátio interno, enquanto que a sala de visitas, que era o espaço
destinado ao público, ficava mais à frente, constituindo dessa forma uma
“barreira simbólica”, tanto social como física contra a rua, e, portanto, contra as
suas “vulgaridades”.
E é desta forma que surgem as cidades brasileiras: de um modo “brasileirinho
da silva”, como dizia Freyre. Um modo que até hoje influencia como tratamos o
espaço público: esquecido, mal-tratado e sem sua devida importância. Cada
vez mais construímos mais “espaços-bloco” (como, por exemplo, condomínios
fechados e shopping centers) que prometem nos manter “no conforto da nossa
casa” e longe da “violência e sujeira da rua”, sendo que, desta forma,
enfraquecemos ainda mais nosso espaço público, a partir do momento que
fazemos com que as funções que antes lhe pertenciam, como ir ao banco, ao
médico ou até de funcionar como ponto de encontro, fiquem agora confinadas
em determinados espaços privados que pouco se importam com o entorno o
qual estão inseridos (como elefante em loja de louça) e que não promovem o
encontro de pessoas de diferentes classes sociais, uma vez que apenas
determinada parcela da população tem condições de frequentar e usufruir
desses locais tão seletivos. Além disso, tal violência também pode ser
relacionada à “negação da rua” promovida por esses espaços, uma vez que,
geralmente cercados por grandes muros, destacam ainda mais que são
espaços distintos e tornam o espaço que está ao seu redor ainda mais hostil.
E, por natureza, não são espaços abertos, que é característica fundamental do
espaço público.
Conclui-se, portanto, que nossas cidades foram crescendo com base em traços
que valorizavam muito mais a casa do que a rua, construindo assim o ambiente
hostil em que vivemos hoje em dia, e que é de extrema necessidade da nossa
sociedade tentar mudar a sua visão do que é o espaço público e perceber sua
verdadeira importância na nossa sociedade, para que assim possamos atuar
com mais responsabilidade na hora de projetar e pensar o mesmo.

Você também pode gostar