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TÍTULO

Morro da Sé. De Porta a Porta

EDIÇÃO
Porto Vivo, SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, S.A.

COORDENAÇÃO
Ana Paula Delgado
Paulo de Queiroz Valença
Margarida Mesquita Guimarães

EQUIPA TÉCNICA
Beatriz Hierro Lopes
Giulia La Face

COORDENAÇÃO DA EDIÇÃO
Gabriela Magalhães
Verónica Rodrigues

PRODUÇÃO DE IMAGENS 3D
Diogo Assunção – 61, 62, 77, 78
João Barata Feyo, Lda. – 3, 4, 8, 9, 11, 15, 19, 28, 30, 34, 44, 45, 50, 51, 52, 53,
59, 67, 71, 80,83, 84, 89, 98, 100, 102, 104

FOTOGRAFIAS E DESENHOS
Adriana Floret - 75, 76
Alexandre Soares – 5, 6, 7, 10, 13, 14, 16, 17, 18, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 29,
35, 36, 38, 41, 46, 48, 54, 55, 56, 69, 72, 73, 74, 81, 85, 86, 87, 88, 99, 101, 103
Câmara Municipal do Porto – 1, 2, 22, 23, 42, 47, 58, 68, 70, 82, 94, 95, 105
F. J. Noronha/CMP – 31, 32
F. Piqueiro/Foto Engenho, Lda. - 96
Francisco Mesquita Moura - 12
Jorge Filipe Couto - 60
Miguel Carrapa - 40
Porto Vivo, SRU – 3, 19, 37, 44, 49, 50, 57, 71, 79, 90, 91, 92, 93, 97
Ricardo Teixeira - 33, 39, 63, 64, 65, 66
Rita Moura/Ivo Silva - 43

DESIGN E PAGINAÇÃO
Paulo Magalhães

IMPRESSÃO
TIRAGEM
ISBN: 978-989-96862-8-1
DEPÓSITO LEGAL

Nota: nesta publicação foi respeitada a grafia utilizada pelos diferentes autores.
[1 ]
[2 ]
[3 ]
[4 ]
[5 ]
[6 ]
0 - Dentro de Portas: o Património [7 ]
“Diante da estátua de Vímara Peres, o reconquistador da cidade no século
IX, o pequeno fontanário de São Miguel é uma peça de arquitectura urbana
que se dilui ainda hoje no maciço edificado do conjunto da Sé do Porto e do
Palácio Episcopal. Quando foi construído,
ao que tudo indica por Nicolau Naso-
ni, o fontanário ocupava um lugar
de destaque no Largo da Sé, mas su-
cessivas reformas do espaço urbano
levaram à sua deslocação e à aplica-
ção ao local actual.
Artisticamente, o pequeno fontaná-
rio resulta de uma composição sim-
ples, com um longo espaldar hori-
zontal curvo, rompido ao centro por
uma coluna central de decoração
complexa, coroada com uma imagem
de São Miguel, que encima a bica,
esta protegida por um nicho.
Apesar da sua aparente menor im-
portância urbanística, este peque-
no fontanário constitui um exemplo
mais do programa de abastecimento
de água ao Porto, em plena época
barroca, num processo que vinha
sendo desenvolvido por várias institui-
ções da cidade desde a segunda metade do
século XVI. Paralelamente, a confirmar-se a autoria
de Nicolau Nasoni, representa mais uma obra do arquitecto
que marcou inconfundivelmente a arte barroca da cidade.”
(IGESPAR, 2011b)

[8 ]
0 - Dentro de Portas: o Património [9 ]
[ 10 ]
0 - Dentro de Portas: o Património [ 11 ]
[ 12 ]
0 - Dentro de Portas: o Património [ 13 ]
[ 14 ]
8

0 - Dentro de Portas: o Património [ 15 ]


[ 16 ]
0 - Dentro de Portas: o Património [ 17 ]
Porta da Vandoma (1.1)

A Porta da Vandoma era a mais importante do burgo. Sobre ela existiria um


pequeno oratório onde se encontrava uma imagem da Virgem da Vando-
ma, originalmente denominada Nossa Senhora das Neves. Narra a lenda,
que a imagem teria sido trazida de França, mais precisamente de Vandôme
na região do Loire, pelos gascões e franceses que reconquistaram a cidade
aos muçulmanos em 999. Quem atravessasse o Arco da Vandoma, no sé-
culo XVIII, deparava-se com o Largo da Vandoma, sendo que, por cima do
largo, se encontrava a Capela de Nossa Senhora da Vandoma, bem como
dependências de várias habitações, designadamente da Casa da Vandoma.

Estátua de Vímara Peres (1.2)

A estátua de Vímara Peres, inaugurada em 1968, é da autoria do escultor


Salvador Barata Feyo, constituindo uma homenagem, por altura da come-
moração dos mil anos da presúria da Cidade, ao primeiro Conde de Portu-
cale.

20
8

Estátua de Vimara Peres

[ 18 ]
Monumento evocativo de D. Pedro Pitões (1.3)

Aqui pode-se ler, na inscrição mandada colocar em 1947 pela Câmara Municipal do Porto:
“No dia 17 de Junho de 1147 o Bispo do Porto D. Pedro Pitões pregou neste lugar
aos cruzados nórdicos exortando-os a auxiliar D. Afonso Henriques na conquista de
Lisboa aos mouros, empresa guerreira em que devotamente
participou.”
Seguidamente apresenta-se a tradução do sermão 2 de D. Pe-
dro Pitões, aos cruzados 3 exortando-os a auxiliar D. Afonso
Henriques na Conquista de Lisboa:
“De resto, o nosso rei Afonso, nosso filho muito amado,
vosso irmão e companheiro nas tribulações, há já dez dias
que partiu com todo o seu exército contra Lisboa e, sa-
bendo que havíeis de chegar, ordenou-nos que aqui esti-
véssemos à vossa espera e vos falássemos em seu nome. É
possível que Deus tenha já inspirado aos vossos corações,
quererdes com a vossa armada ir até junto dele e com ele
ficardes, até que, com o favor divino e a vossa cooperação,
seja tomada a cidade de Lisboa. Se isso vos aprouver, fare-
mos depois aos vossos a promessa de dinheiro, conforme o
permitir a riqueza do tesouro real. A nós porém, e a quan-
tos quiserdes, podeis levar-nos convosco, como garantia
do cumprimento da promessa. Qualquer que seja a resolu-
ção do vosso santo ajuntamento, nós ficamos esperando uma
Monumento evocativo de D. Pedro Pitões
resposta. Esteja já em vossas mãos uma resolução pia, moderada, justa, honesta,
para louvor e honra do nome daquele, e do de sua Santíssima Mãe, que com o Pai e o
Espírito Santo vive e reina por todos os séculos dos séculos. Amen.”
(Alves, 1989: 30)
Cumprindo a palavra dada, D. Pedro Pitões, acompanhá-los-ia até Lisboa, participando
em missão apostólica e assistencial a toda a conquista, após a qual, lhe coube a honra de
ser dos primeiros portugueses a entrar na cidade, ao lado de D. Afonso Henriques e de
D. João Peculiar, conforme o manuscrito nos relata.


2
Conforme o manuscrito “De Expugnatione Lyxbonensi” (1147) que se conserva na Corpus Christi College da Universi-
dade de Cambridge, Inglaterra, sendo que, a transcrição aqui apresentada é citação da tradução deste manuscrito para
a língua portuguesa, elaborada por João da Felicidade Alves (1989).

3
Vide, Alves (1989: 23-30).

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 19 ]


Terreiro da Sé – Pelourinho (1.4)

O Terreiro da Sé, como hoje se conhece, amplo e com o seu carismático Pe-
lourinho, é obra dos anos 40 do século XX. Resulta da demolição maciça do
que ali antes existia, originada pelas políticas de intervenção patrimonial
do Estado Novo, cujo objectivo era realçar a monumentalidade da Sé e do
Paço Episcopal, anteriormente ladeados por um amontoado de casas, tor-
res e palacetes. Contudo, é de salientar, que já no século XIX são demolidas
as portas da muralha românica assim como algumas casas nobres, como é
exemplo a Casa da Vandoma, da qual aqui se fala também.
Nos anos 40, a preocupação era sobretudo a de reabilitar o estilo români-
co, como forma de recuperar a memória da fundação do país. Procede-se
primeiramente a intervenções na Catedral e na Casa do Cabido e, poste-
riormente, à demolição do quarteirão de casas que ficava diante da Sé e
à transferência da Capela de Nossa Senhora de Agosto, que se localizava 23
mesmo em frente à porta principal da Catedral, para o início da Rua do Sol. “Arranjo Urbanístico” dos anos
40. Edifícios em frente da Sé
O projecto de criação do Terreiro assim como do Pelourinho são da autoria
de Arménio Losa, como se pode ver na planta seguinte.

22 24

Projeto de melhoramentos do Largo da Sé Pelourinho

[ 20 ]
Testemunho sobre a Sé

Morador, há 28 anos, na parte do velho dos pobres”. Entrava nos tugúrios, subia ín-
morro da Sé, depois de por aí perto ter gremes escadas, dava esmolas depois de
passado os verdes anos da formação te- ver a habitação, se assim se podia cha-
ológica, a pedido, passo ao papel meia mar. Recolhia os garotos da rua, sem fa-
dúzia de palavras sobre impressões de on- mília ou em condições indignas, na casa
tem e de hoje, acerca do lugar e da gente de Paço de Sousa. Ouvi-o falar no Seminá-
do local. rio e recordo para sempre o recado que
deixava: “Na rua, não dás esmola. Vais a
Não mudou quanto seria preciso o aspec-
casa ver se precisa”.
to urbano, a não ser porque muitos mo-
radores da freguesia tiveram de emigrar Por falar em seminário, é de justiça dizer
para bairros da periferia. O povo da Sé que ele foi em tempos uma referência
era e creio que é um povo bom no seu cultural para quantos vinham em datas
sentir profundo. Só negócios negros, ad- marcadas participar em Conferências e
ventícios e recentes estragaram, algumas Saraus da arte, com gente de renome.
consciências e vidas. Mudanças visíveis Hoje, a Igreja dos Grilos, a biblioteca do
de impressionar quem passa podem ser Seminário e o museu anexo são também
consideradas duas de entre várias: a cons- casos de referência.
trução junto à Sé de um edifício desmesu-
A velha Sé lá permanece, aberta ao tu-
rado por sobre as ruínas da casa dos 24; e
rismo. Também se abre para a missa diá-
o acréscimo bem notório do turismo que
ria e dominical. E tem enchentes em dias
enche o Terreiro da Sé de “desvairadas
de casamento e baptizados, bem como
gentes”, como escreveria Fernão Lopes.
quando o bispo vai à Sé nas épocas altas
Isso acontece todas as manhãs e todas as
do ano litúrgico e em datas marcantes ou
tardes. Sobretudo no Verão e Outono.
encontros significativos. A Sé e o Terreiro
Começa a sentir-se que as autoridades são o átrio obrigatório do turismo, com
despertaram para a necessidade de tor- bela vista para o Porto e Gaia. Quando
nar o bairro bonito, agradável e útil nas será que teremos uma “cidade nova”
casas, ruas e ruelas. Mas vai tão devagar! dentro dos muros que cercavam a velha
cidade do Bispo que, depois, teve de ce-
O Povo foi sempre típico, simples e pobre.
der aos burgueses certamente com bene-
Nos anos cinquenta, pude visitar casas e
fício para todos? Estamos e ficaremos a
tugúrios, em parceria com as Conferên-
aguardar…
cias vicentinas que reuniam então no se-
minário. Foi por aqui que andou o saudoso João Miranda Teixeira
Padre Américo, no seu estilo de “recoveiro Bispo Auxiliar do Porto

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 21 ]


Intervenções de restauro na Sé (0.6)
NOSSA SENHORA DA VANDOMA (0.6)
Quem entra na catedral do Porto, não pode ficar indife-
(…) A primeira, entre 1929 e 1946, que teve por objectivo central rente perante a esbelta imagem de N. Sra. da Vandoma
as questões do estilo. Interpretando o nacionalismo oficial da - padroeira desta cidade sempre apelidada de “ civitas
época, onde pontuava a apologia do passado coevo da fundação Virginis “ e com festa a 11 de Outubro. Encontra-se no
da nacionalidade, a campanha praticou o culto da superioridade transepto, lado esquerdo (o mais digno) e está entroni-
da arte medieval sobre a arte das outras épocas, pondo em mar- zada desde 1984 no altar onde antes estivera a imagem
do Senhor do Além, encimado por um arco entaipado
cha vigorosas operações de desmontagem e demolição com o fim
que terá pertencido ao nível superior da primitiva charo-
de repor a traça primitiva. A segunda intervenção de restauro, a la românica da Catedral. Esta grande e bela imagem de
partir de 1993, que se centrou na reabilitação das estruturas e na N. Sra. da Vandoma é de calcário, do séc.XVII e esteve
conservação dos materiais, ao nível do edifício e do recheio. Abar- no Arco de Vandoma, na chamada “cerca velha” e veio
cando até agora apenas parte do monumento, teve como prio- para a Catedral quando o arco foi demolido em 1855.
ridade o tratamento dos danos mais graves, fundamentalmente Amadeu Ferreira e Silva
potenciados pela falta de estabilidade de algumas estruturas e Cónego, Capelão da Igreja Catedral
pelas infiltrações de água generalizadas, o que em termos ope-
rativos equivaleu a limpar, desinfestar, dessalinizar, consolidar,
reforçar, reintegrar, hidrofugar, ventilar, proteger, manter e mo-
nitorizar. Incluindo também tarefas de inventário e de exposição
de espólio, como é exemplo a criação do museuzinho do “Tesouro
da Sé”, a intervenção tem envolvido um espectro largo de profis-
sionais de diferentes disciplinas, no campo da investigação como
no domínio do projecto e da execução dos trabalhos.
Prepara-se agora outra fase centrada sobretudo nas questões
de infra-estrutura, com o fim de apetrechar a catedral para um
funcionamento diário mais adaptado às necessidades do nosso
tempo, que incluirá suportes vários para melhor recepção dos vi-
sitantes.
Ângela Melo
Direcção Regional da Cultura do Norte / IGESPAR

25

Imagem de Nossa Senhora da


Vandoma

[ 22 ]
NOSSA SENHORA DA SILVA (0.6) SANTA ANA (0.6)
No transepto, lado direito, está entronizada a imagem de No topo sul do transepto, lado direito, ergue-se o altar de
pedra (também calcário) de N. Sra. da Silva. É uma ad- Santa Ana. No nicho central há uma imagem belíssima
mirável e bela imagem do séc.XVII que está num altar do (séc.XVII) de Santa Ana, sentada, e com o livro aberto a
período renovador da Sede Vacante e onde se encontra ensinar Maria (mãe de Jesus). Nos painéis laterais figuram
ainda um painel (enrolado) do ilustre pintor António Costa S. Joaquim (esposo de Santa Ana) e S. José (esposo de
com a figura da rainha D. Mafalda (esposa de D. Afonso Maria).
Henriques) a entregar as suas jóias à Virgem. A evocação
Amadeu Ferreira e Silva
da Senhora da Silva é contemporânea da construção da
Catedral (2º quartel do Séc. XII) pois, segundo a tradição, Cónego, Capelão da Igreja Catedral
a imagem de N. Senhora foi encontrada num silvado no
tempo em que se abriam os alicerces para a fundação
deste templo, e que a rainha D. Mafalda lhe fizera, por
seu respeito, várias devoções.
Amadeu Ferreira e Silva
Cónego, Capelão da Igreja Catedral

27

Imagem de Santa Ana

26

Imagem de Nossa Senhora da


Silva

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 23 ]


Casa das Colunas (1.5)

A casa das Colunas, hoje conhecida como casa do Despacho da Sé, e que
fica quase encostada à parede da capela-mor da Sé, sofreu várias alterações
ao longo dos tempos. A fachada voltada à Rua D. Hugo, antiga Rua dos
Cónegos, teria cerca de 13,5 metros, enquanto a outra que lhe é oposta
teria perto de 8 metros. O frontispício com colunas de pedra fazia-a real-
çar entre as demais casas do Cabido. No interior, a casa dispunha de vários
compartimentos: um pátio; uma escada de pedra que dava acesso a uma
sala forrada e ladrilhada; uma antecâmara que antecedia a câmara, tam-
bém esta forrada e ladrilhada; uma segunda câmara forrada; a cozinha e
despensa tinham janelas para a Rua dos Cónegos; por baixo havia ainda
uma sala para os criados; nas lojas havia um celeiro, uma açoteia ladrilhada
com janela para o chafariz e uma estrebaria. Em 1803, já não tinha as co-
lunas que tão bem caracterizavam a fachada. No mesmo século é alvo de
demolições, tendo sido destruído o frontispício, que dava para o Largo da
Sé, e diminuída.
28

Casa das Colunas/Casa do


Despacho da Sé

Tenho 90 anos de idade mas vim para aqui trabalhar com 14


anos. Antes vivia em Santa Maria da Feira, quando vim servir
para esta casa, vivia cá a Família de Adolfo de Sá Monteiro,
que era Mesário da Ordem do Terço, da Lapa e da Santa Casa
da Misericórdia do Porto. Mais tarde, esta casa foi vendida aos
proprietários das Galerias Vandoma, Acácio da Silva Luz e Ma-
ria Amélia Luz, que a deixaram ficar aos seus filhos e netos. Aqui
casei, tive e criei três filhos e continuo a zelar por esta casa.

Palmira Ferreira Carneiro Aguiar


Moradora na Casa do Despacho na R. D. Hugo

29

Palmira Aguiar

[ 24 ]
Casa da Vandoma

Nos terrenos onde se encontravam, anteriormente, cinco propriedades, o Deão João Frei-
re Antão mandou edificar a Casa da Vandoma, que viria a ser totalmente demolida no
século XIX. Ali viveu também uma das mais notáveis figuras do Porto setecentista, o Deão
Jerónimo de Távora de Noronha, protector de Nicolau Nasoni, tendo assim contribuído
para a construção de alguns dos edifícios mais carismáticos da cidade. Também a ele se
deve a compra do antigo Aljube, que ficava num edifício adjacente à Casa da Vandoma,
permitindo assim a sua ampliação. Nessa mesma época a Capela da Vandoma, foi anexa-
da à Casa da Vandoma.
Vicente de Távora de Noronha, irmão de Jerónimo de Távora e Noronha, moço fidalgo da
Casa Real, vereador da Câmara em 1749 e 1752, guarda-mor da saúde em 1750 e, entre
1757 e 1775, conselheiro da Primeira Junta da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas
do Alto Douro, provedor da Segunda, vice-provedor da Terceira, e conselheiro da Quarta,
foi também um dos moradores da Casa da Vandoma. Como um dos homens mais im-
portantes da cidade, é um dos dois delegados nomeados pela Câmara, a 9 de Outubro
de 1757, para ir à corte agradecer ao Rei o fim do castigo imposto, sobre o crime de lesa-
-majestade, relativo ao motim de 23 de Fevereiro de 1757 contra a Companhia Geral da
Agricultura. Viria a falecer na Casa da Vandoma, a 29 de Abril de 1779, sendo sepultado
na Sé. A Casa da Vandoma continuaria na posse da família até 1857, altura em que morre
a última descendente directa.
A Casa da Vandoma, uma das mais relevantes habitações da cidade, não resistiria às pres-
sões a que foi sujeita desde que foi iniciada a sua construção. Tendo sido ampliada ao
longo do tempo, como já referimos anteriormente, a Casa da Vandoma, antes da sua de-
molição no século XIX, confrontava a norte com o Largo da Sé, a sul com a Casa dos Al-
coforado II (trata-se do edifício onde hoje se encontra o Arqueossítio), a este com a Viela
de Santa Clara, e a oeste com a Rua dos Cónegos (R. D. Hugo). O frontispício principal,
orientado para esta última rua teve que ser alterado em relação ao projecto original, por
se encontrar demasiadamente próximo da Casa das Colunas.

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 25 ]


Arqueossítio e Ordem dos Arquitectos (1.6)

31

Interior do Arqueossítio

30
8
Arqueossítio e Ordem dos Arquitectos

O acompanhamento arqueológico efectuado na Rua de D. Hugo, no âmbito


do projecto de requalificação da zona histórica, permitiu a detecção de
um vasto conjunto de achados, cuja cronologia se estende da época Con-
temporânea à Idade do Ferro. Deste conjunto, destacamos as estruturas
arquitectónicas de época Medieval, Romana e da Idade do Ferro.
Os trabalhos efectuados nas proximidades do arqueossítio da casa nº 5 da
rua D. Hugo, revelaram um conjunto significativo de vestígios arqueológi-
cos de diferentes épocas, integrando diversas ruínas arquitectónicas, pa-
vimentos e espólio, que se estendem do período romano ao medieval. De
facto, o maior número de estruturas identificadas relaciona-se com a ocu-
pação romana da cidade, como são exemplo vários vestígios detectados
junto às casas nº 11 e 29.
32

Vitrina com achados arque-


ológicos do Arqueossítio

[ 26 ]
Mas o achado mais significativo diz respeito a um conjunto de estruturas
colocadas a descoberto entre as casas nº 39 e 41, que correspondem a um
edifício de planta circular, associado a uma calçada em granito e a dois
muros rectilíneos, enquadráveis na ocupação do morro da Sé nos períodos
proto-histórico e romano.
Estas novas descobertas realizadas na rua D. Hugo, de incontornável valor
arqueológico e patrimonial, a par das já documentadas e expostas no ar-
queossítio da casa nº 5, permitem assim obter uma leitura mais alargada
da malha urbana do povoado castrejo e romano que está na origem da
cidade do Porto.
Ricardo Teixeira
Arqueólogo/Arqueologia e Património

33

Vista superior do edifício castrejo de planta


circular, do lajeado e muros romanos

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 27 ]


Casa do Beco dos Redemoinhos ou
Casa dos Alão de Morais (1.7)

Exemplo de casa-torre, a Casa do Beco dos Redemoinhos (ou dos


Alão de Morais) deve este último nome a um dos seus proprie-
tários, Cristóvão Alão de Morais que a adquiriu em 1679 a Isabel
de Ataíde e Azevedo. As casas-torre do século XIII no Porto des-
tinavam-se quase exclusivamente a membros do clero, passando
mais tarde a servir de residência a outras elites sociais. Em 1492,
viveu nesta casa-torre o cónego Afonso Luís, sublinhando-se a
possível influência flamenga da sua arquitectura.
É ainda possível perceber ao nível do rés-do-chão a existência de
dois arcos quebrados, num dos quais se encontra presentemente
uma janela; ao nível superior terão existido pelo menos quatro
janelas de arco trilobado das quais apenas restam três. No século
XVII, à data da sua compra, a casa encontrava-se praticamente ar-
ruinada sendo por isso necessário reconstruí-la. No século XIX, a
propriedade é dividida, mantendo a fachada poente da casa mais
a norte, vestígios da habitação medieval. 34

Casa do Beco dos Redemoinhos

Arrendei esta casa há mais de 60 anos, partilhei-a na al-


tura com mais 7 estudantes. Durante todos os anos que
se seguiram passaram por aqui muitas figuras públicas,
arquitectos, pintores, pessoas ligadas ao teatro, à música
e a política; como por exemplo, Alexandre Alves Costa,
Jorge Sampaio, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Euni-
ce Munõz, Siza Vieira e muitos mais…
José Grade
Morador na Casa do Beco dos Redemoinhos no R. D.
Hugo

35

José Grade

[ 28 ]
Casa-Museu Guerra Junqueiro (0.4)

Na Casa-Museu Guerra Junqueiro pode-se apreciar uma exposição perma-


nente de arte sacra. Faiança portuguesa, pratos de Nuremberga, cerâmicas
e mobiliário.
Guerra Junqueiro, figura multifacetada do séc. XIX é hoje conhecido como
Poeta, Coleccionador, Político, Viticultor e Pensador dando nome à Casa
Museu Guerra Junqueiro. Nela estão expostos exemplares de cerâmica
portuguesa de excelente qualidade, peças raras e muito significativas que
ilustram as tipologias das várias famílias decorativas utilizadas nessa épo-
ca e única entre as várias colecções do nosso país.
Destacamos um aquamanile, datado do primeiro quartel do século XVII,
uma das peças mais raras da colecção cuja forma sugere a representação
de um animal fantástico e a pintura é em azul forte de cobalto.
De realçar um conjunto de mangas de botica, do primeiro quartel do século 36
XVII, com uma pintura esquemática de motivos vegetais e animais. Muito
Aquamanile – Faiança Portuguesa,
invulgar é uma fruteira, vidrada em esmalte plumbo – estanhífero branco Portugal, 1º quartel do séc. XVIII,
que tem, no centro do prato, o brasão dos Silva, em tons de azul de cobalto. Alt.: 160mm x Comp.: 185mm x
Larg.:110mm
Salientamos um conjunto de pratos vidrados a esmalte branco com deco-
rações diversas: o emblema da Ordem de São Domingos, flores estilizadas
com laço, uma corça a saltar, o brasão da família Azeredo ou Preto, as ar-
mas de Dom João Rafael de Mendonça, uma lebre rodeada de flores, frutos, Trata-se de uma das peças mais raras da colecção.
De forma zoomórfica, representa um animal fan-
rochedos, um leão com igual envolvência, uma paisagem de arquitectura tástico tido como dragão ou cordeiro agachado.
com torre, rochedos e árvores, o motivo das “rendas”. Invulgar e raro é um A delicada cabeça tem no alto, uma abertura cir-
vaso vidrado a esmalte branco, de forma bojuda e com quatro asas, pin- cular e outra em forma de bico no sítio da boca.
O pescoço esguio corresponde ao gargalo e o
tado em tons de amarelo de antimónio e azul de cobalto, sendo o desenho volume do corpo, sem definição de membros,
traçado a roxo vinoso de manganés. compõe a pança ou depósito do recipiente. So-
bre o dorso, uma cauda serpenteante que forma
O Poeta teve em vista reunir o maior número de peças de cerâmica por- a asa e liga a parte traseira à cabeça. De ambos os
tuguesa por ser esta a que mais acentuado carácter de nacionalidade tem lados do corpo, tem em alto relevo, duas volutas
na sua decoração e nas suas formas. Durante quinze anos procurou incan- enroladas em forma de S deitado. A decoração é
realizada a azul sobre cobalto.
savelmente as melhores peças desta arte industrial portuguesa, algumas
datadas, outras marcadas com os nomes e as armas das famílias nobres
portuguesas.
Ana Clara Silva
Coordenadora da Casa-Museu Guerra Junqueiro

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 29 ]


Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro
e Luís Pinto de Mesquita Carvalho (1.8)

No edifício do antigo Palácio dos Andrades, reabilitado segundo projecto do Arq.


Pedro Ramalho e cedido pela Câmara Municipal do Porto, pode encontrar-se a
Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro e Luís Pinto de Mesquita Carvalho. Nesta
instituição funciona um museu com salas de pintura, faiança portuguesa, artes de-
corativas, escritório e a biblioteca do escritor e poeta Guerra Junqueiro. No seu au-
ditório é possível assistir à projecção de um filme em 3D sobre a História do Porto.

Presépio
Escola Catalã Séc. XVI
Sendo um tema religioso, é também terno, a maternidade e adoração do Menino, 37

é comum a todos nós, é uma imagem de todos os povos. Estátua do “ Poeta Guerra
Junqueiro” (1970), de
A abordagem da peça pode passar por várias áreas; o significado, a história, a pa- autoria de Leopoldo Neves
de Almeida, localizada
leta cromática, os materiais, a técnica, e econografia, os aspectos decorativos e de no jardim da Casa-Museu
Guerra Junqueiro
composição, assim como a perspectiva ou determinados pormenores de influência
da escola flamenga.
Este retábulo seria provavelmente composto pelo menos por mais dois volantes
ou painéis 4 , uma vez que a pintura está cortada ou seja, as figuras continuariam
para a direita e para a esquerda, numa superfície agora inexistente.
Perspectiva de concepção piramidal, sendo o número três divino; Pai, Filho e Es-
pírito Santo.
No céu ao centro quase com a forma de um triângulo, vemos Deus rodeado de an-
jos olhando para a pomba, que simboliza o Espírito Santo, Deus olha para baixo,
para o seu Filho ainda Menino, Jesus, as mãos de S. José também nos ajudam a
olhar para o Menino, os olhos de Nossa Senhora, o olhar do pastor do lado oposto
de joelhos, formam linhas direccionais centralizando toda a composição no Meni-
no Jesus.
Maria Inês Diogo Costa
Fundação Maria Isabel Guerra Junqueiro
38

4
Chama-se volantes aos painéis laterais que são móveis e fecham o retábulo.
“Presépio”, pintura séc. XVI

[ 30 ]
Casa dos Baião (1.9)

A casa nº 33 da rua de D. Hugo, quiseram as vicissitudes da história coloca-la


na pertença da Fábrica da Igreja da Paróquia da Sé. O seu antigo proprie-
tário deixou em testamento uma parte do imóvel à dita Fábrica da Igreja.
Depois de longas e difíceis negociações, e após autorização do Senhor Bispo,
na altura D. Armindo Lopes Coelho, foi possível adquirir a totalidade do imó-
vel junto dos restantes herdeiros, que entretanto, detentores do usufruto, o
deixaram a completo abandono e deterioração. Foi neste contexto que a Pa-
róquia da Sé se viu a braços com uma nobre tarefa: a remodelação e restauro
do dito imóvel.
Miguel Carrapa, arquitecto a quem foi entregue a responsabilidade do pro-
jecto da requalificação, diz-nos no seu relatório:“O edifício, do princípio do
séc. XIX, está integrado num alçado mais vasto com os dos prédios vizinhos
nºs 27 e 29. Verifica-se uma repetição e uma simetria de tipologias e de alça-
dos entre este edifício e os edifícios vizinhos.
Existe um projecto, no Arquivo Histórico Municipal, para a reformulação do
alçado principal destes três prédios acima dos madeiramentos do 1º piso, re-
querida por P. José da Costa Corrêa de Almeida, em 21 Outubro 1880, com
morada no n.º 29 da Rua de Trás da Sé e aprovado em 4 de Novembro 1880. No
entanto, o projecto só foi executado para edifício do nº 29 e acima do 1º piso.
De certa forma a unidade destes três edifícios perdeu-se.
Esta intervenção de finais do séc. XIX sobrepõe-se a todo o conjunto.
Observando a planta de Telles Ferreira, de 1892, verifica-se que o desenho do
jardim nos logradouros abrangia os nºs 29 e 33. Estes dois prédios apresen-
tam, a sudeste, alçado de aparente simetria cujo eixo é a parede de meação
traduzido no exterior pelo volume da dupla coluna de lavabos característica
do séc. XIX.”
Depois de analisadas todas as primícias, resta-nos respeitar a história des-
te imóvel, numa intervenção qualificada de alta qualidade arquitectónica,
exemplo a seguir, conscientes da sua importância, não só para a Paróquia da
Sé, como para uma verdadeira dignificação da muito antiga e nobre Rua de D.
Hugo, Património Mundial da cidade do Porto.
João Carrapa
Pároco da Sé

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 31 ]


Achados arqueológicos do edifício da R. D. Hugo, n.º 33

No âmbito do projecto de reabilitação de edifício sito na Rua D. Hugo, nº 33, na freguesia da


Sé, foram realizadas sondagens arqueológicas de avaliação.
Tendo em conta que as traseiras dos edifícios desta rua seguem aproximadamente a orien-
tação do antigo amuralhamento da cidade - facto comprovado por resultados de anteriores
intervenções arqueológicas em edifícios próximos - perspectivava-se a identificação de ves-
tígios deste tipo de estrutura naquele local.
Os resultados das sondagens não revelaram indícios de estruturas de carácter defensivo no
local, mas proporcionaram a identificação de níveis arqueológicos datáveis da Idade do Fer-
ro e de finais da Idade do Bronze, associados a peças cerâmicas destes períodos cronológicos.
A escavação arqueológica de toda a área afecta ao projecto de construção, prevista para
uma segunda fase de intervenção, poderá contribuir com mais dados sobre estes contextos
arqueológicos, que correspondem às fases mais antigas de ocupação no morro da Penaven-
tosa.
Ricardo Teixeira
40
Arqueólogo/Arqueologia e Património Projecto para Casa da
Rua D. Hugo, 33, Autor
– Arqt. Miguel Carrapa

39

Fragmento de peça cerâmica pré-romana


(Idade do Bronze Final), de fabrico manual

[ 32 ]
Casa do Cónego António Mourão ou Casa do Vigário Geral
Bernardo de Azevedo e Carvalho | Casa do Cónego Domingos
Gonçalves Prada (1.10)

Casas de estilo neo-clássico, construídas no final do século XVIII para residência do


Alto Clero. Foram compradas no início do século XX ao Visconde de Samodães, pelo
Comendador Joaquim da Silva Melo e por Manuel da Silva Melo, comerciantes da
cidade do Porto. Foram herdadas pelos seus descendentes, actuais proprietários. No
interior, as casas mantêm o seu estilo original, com escadarias em pedra, alguns salões
com tectos em caixotão e janelas com senhorinhas em pedra.

41

Edifícios da R. D. Hugo n.º 37-45

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 33 ]


Capela de Nossa Senhora das Verdades (1.10)

O Postigo das Mentiras, mais pequeno e estreito do que as restantes por-


tas da muralha, passa a ser conhecido por Porta ou Arco das Verdades
no decurso do século XIV, por ter tido um nicho com uma imagem de
Nossa Senhora do Postigo mais tarde conhecida por Nossa Senhora das
Verdades.
O cónego Domingos Gonçalves Prada terá contribuído para a constru-
ção da Capela de Nossa Senhora das Verdades, uma vez que a mesma
confrontava a nascente com a casa que adquirira. A 15 de Abril de 1697,
celebra um contrato com os mordomos da devoção de Nossa Senhora do
Postigo da Verdade. O contrato esclarece que a antiga capela se encontra-
va quase arruinada e que estava a ser construída uma nova, junto à ante-
rior. O cónego contribui então com cem mil reis para a finalização da obra.
Apesar de ter sido o principal financiador da obra, a capela pertenceria
à Câmara Municipal do Porto, segundo este contrato, embora o cónego
tenha podido mandar fazer uma porta na capela de forma a garantir o
acesso através do seu quintal.
A actual capela fica no mesmo local onde antes existiria o referido nicho.
Com as guerras liberais, em 1834, a capela seria quase totalmente destru-
ída pelas investidas miguelistas. Dez anos volvidos após a vitória liberal,
a então proprietária da casa vizinha, Ângela Jácome do Lago e Moscoso,
financia a reconstrução da capela, como nos informa uma inscrição nela
existente. De estilo maneirista, o retábulo marca a transição artística do
estilo maneirista para o barroco nacional, desconhecendo-se qual o autor
do seu risco. Actualmente é propriedade da Câmara Municipal do Porto.
42

Capela de Nossa Senhora das


Verdades

[ 34 ]
Reabilitação do edifício sito Escadas das Verdades, 13 a 17
e Escadas do Barredo, 125 a 139 (1.11)

O conjunto assume uma posição de gaveto entre as Escadas das Verdades e as Escadas do Bar-
redo. O facto de as construções acompanharem o desenvolvimento do Morro da Sé e das esca-
das, vão assumindo diferentes escalas de acordo com a envolvente próxima e permitem o acesso
a partir da via pública a todas as habitações.
Um dos requisitos base da proposta é manter o caráter habitacional, dotando-as de condições
condignas de habitabilidade e salubridade, tendo sempre em consideração que as áreas existen-
tes são bastante exíguas e o facto de existirem frações ocupadas com inquilinos. Neste sentido
aproveitou-se o facto de existirem habitações devolutas para agregar alguns espaços e através
da criação de um pátio interior surgem três novos alçados permitindo uma nova tipologia.
Rita Moura e Ivo Silva
Atelier E.

43

Projecto para as Escadas das Verdades n.º 13-17 / Esca-


das do Barredo n.º 125-139

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades [ 35 ]


[ 36 ]
Porta de Sant’Ana
2.3

2.2
2.1
0.8

Porta das Verdades

2 – De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana


Largo do Dr. Pedro Vitorino (2.1) Traçado da Muralha Românica
Igreja e Colégio de S. Lourenço (0.8) Percurso
Miradouro do Colégio | Muralha Românica | Viela de S. Lourenço (2.2)
Porta de Sant’Ana (2.3) Porta
2 - De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana [ 37 ]
Postigo das Mentiras ou Porta das Largo do Dr. Pedro Vitorino (2.1)
Verdades Descendo a calçada de D. Pedro Pitões, e passando pela Torre
Medieval, encontramos o Largo do Dr. Pedro Vitorino6, que, na
Idade Média, era conhecido como Largo do Açougue, por aí se
Descendo a Rua de D. Hugo, podia encontrar-se o Postigo das
situar o que seria o único açougue da cidade, até 1412, altura em
Mentiras. Tal designação proviria do sítio da Pedra da Mentira, iní-
que o Cabido dá autorização à judiaria para que esta possa ter
cio de uma viela que acedia, segundo aparece referenciado em
talho e carniceiro privativo.
documentos de 15315, ao mosteiro de Santa Clara.
Do Açougue do Cabido sabe-se que existiu, desde o século XIII,
É de salientar que o arco que ainda hoje é visível nas Escadas das
havendo dele notícias nos séculos XIV e XV, altura em que se dá
Verdades, em nada se relaciona com o antigo Postigo das Men-
conta das principais ruas em que viviam os carniceiros: a Rua de
tiras, posteriormente designado das Verdades, tratando-se ape-
Penaventosa, actual Rua das Aldas, e a Rua das Aldas, actual Rua
nas de vestígios do aqueduto que levava a água das Fontainhas
de Sant’Ana7. No que diz respeito à sua actividade, sublinha-se o
para o Colégio de S. Lourenço. A alteração da denominação das
facto de o Cabido ter proibido a venda de carne fora do açougue.
Mentiras para as Verdades parece dar-se no decurso do século
Quer isto dizer que o carniceiro deveria matar, talhar e vender a
XIV, quando é erguida, em meados da centúria, uma capela ou
carne apenas neste local. Mesmo a eixerca, variante do século XV
nicho com a imagem da Nossa Senhora das Verdades. Embora
da palavra enxerca, referindo-se a carne de rés cortada em tiras
fosse ainda conhecida como Porta da Mentira, como lhe chama
largas, salgada e seca ao sol, que podia ser feita pelas mulheres
em 1599 um Tombo da Misericórdia, a verdade é que, num pos-
dos carniceiros e suas mancebas, deveria ter lugar no açougue.
terior emprazamento da Santa Casa, são-lhe atribuídas ambas as
Compreende-se que tal actividade estivesse circunscrita a uma
designações. determinada área, que permitisse uma fácil fiscalização por parte
dos almotacés8, que verificavam a cobrança das açougagens de-
vidas ao Cabido e Bispo, assim como, por motivos de higiene pú-
blica e poluição. Melo (2009), sublinha ainda o facto de, para além
de carniceiros e alguns outros mesteres, se encontrar na zona a
presença de casas ligadas ao tratamento dos couros, como era o
caso, no século XIV, das “sedas dos couros”9 de propriedade epis-
copal.
O açougue acabaria por ser demolido no século XIX, mais preci-
samente em 1851, embora, por ordem camarária, a Rua das Aldas
continuasse a ser a única rua onde as tripeiras podiam vender
tripas, mantendo a tradição do comércio de carnes (Graça e Pi-
mentel, 2002).

6
Dr. Pedro Vitorino é um insigne médico, etnógrafo e arqueólogo, tendo sido director da
revista “Arqueologia”.

7
Estas alterações na toponímia têm lugar no século XVIII, sem que os motivos que con-
45 duziram a esta reformulação no nome das ruas tenham sido explicados (Silva, 2009: 89).

8
Funcionário dos concelhos medievais. Trata-se de um equivalente a oficial municipal,
Torre Medieval
dependente dos governadores concelhios e responsável pela fiscalização de pesos e
medidas, assim como pela taxação dos produtos e da sua distribuição, tarefa especial-
mente difícil em tempos de maior escassez alimentar. Vide, Melo (2009: 286-287).

5
Vide, Freitas (1999: 339).
9
Vide, Melo (2009: 219).

[ 38 ]
Seminário Maior de Nossa Senhora da Museu de Arte Sacra e Arqueologia (0.8)
Conceição do Porto (0.8)
É a instituição que na Diocese do Porto tem por missão a forma- Inaugurado a 9 de Maio de 1958, o Museu de Arte Sacra e Arque-
ção dos candidatos ao sacerdócio. O edifício foi um Colégio Je- ologia teve como seu fundador D. Domingos de Pinho Brandão, na
suíta, cuja primeira pedra foi lançada em 1560, ano em que São altura Reitor do Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição
Francisco de Bórgia veio à cidade do Porto, tendo sido inaugura- do Porto.
do em 1577.
Instalado na ala norte seiscentista do Colégio Jesuíta, actual Se-
Em 1759, ano em que, pelo Decreto de Expulsão do Marquês de minário Maior do Porto, o Museu de Arte Sacra e Arqueologia de-
Pombal, os Jesuítas foram expulsos do país, o Colégio transitou tém um espólio notável, quer em exposição, quer em reserva, com
para a Universidade de Coimbra, sendo posteriormente adquiri- destaque para: escultura, pintura, paramentaria, alfaias litúrgi-
do, em 1780, pelos Frades Agostinhos Descalços que, provenientes cas, azulejaria e antifonários. A este espólio, junta-se uma peque-
de Lisboa, aqui se instalaram. na colecção de achados arqueológicos, entre os quais se destaca
o Mosaico Paleo-Cristão de Frende.
Entretanto, o edifício foi cedido à Diocese do Porto, com o objecti-
vo de instalar o Seminário e aí, em 1862, o Seminário Maior inicia A 14 de Maio de 2011, após remodelação, apresentou-se com um
as suas funções, as quais se mantêm até à actualidade. novo espaço: a Sala Irene Vilar. Nesta Sala, estão expostas obras
de escultura, pintura, medalhística e numismática da artista
plástica.
Juliana Ferreira
Juliana Ferreira
Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição do Porto
Seminário Maior de Nossa Senhora da Conceição do Porto

46

Santas Mães / Madeira


estofada e policromada
[n.a.; n.d] [Século XVIII]

2 - De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana [ 39 ]


Miradouro do Colégio | Muralha
Românica | Viela de S. Lourenço (2.2)

Em data anterior ao séc. XVI, a porta da cerca proto-românica da então Rua das Aldas10 ,
passa a ser designada Porta de Sant’Ana, quando nela foi colocada a imagem da santa avó do
Redentor. No tardoz das casas da banda sul da Rua de Santana é possível reconhecer troços
do antigo “Muro da Cidade” que rodeava o Morro da Sé ou da Penaventosa.
É fácil identificar os vestígios desta antiga porta do “castelo” –
designação dada na época moderna ao espaço da cerca, após a
construção da muralha gótica (séc. XIV) – quem sobe a calçada.
O arco de Sant’Ana, alterado na sua fisionomia original, marca
a milenar entrada para quem, vindo de sul, pretendia aceder ao
aglomerado, amuralhado desde tempos proto-históricos. Mais a
norte, outra porta franqueava o acesso à plataforma superior
do morro, a Porta de Vandoma, nome que se liga ao importante
castro de Vandoma (Paredes) romanizado e reocupado na Recon-
quista.
Outrora, junto ao arco de Sant’Ana, um antigo caminho de pé pos-
to ligava à Ribeira, caminho há muito desaparecido sob os logra-
douros que encimam as casas da Rua dos Mercadores. Vejamos
que indícios sobrevivem deste antigo acesso, que a documentação
registou.
Um olhar mais atento consegue descortinar, da banda sul do arco,
o que resta da ombreira de uma porta de fins de Quatrocentos, iní-
cios de Quinhentos, condenada por uma construção do séc. XIX. O nº45 Trabalhos arqueológicos que revelam a
Muralha Românica (Miradouro do Largo
da Rua de Sant’Ana, marca o início do caminho que, contornando a cerca pelo exterior, descia do Colégio)
ao Barredo. A designada Viela do Forno - a documentação medieval refere a “viella que vai do
forno da Ribeira pêra cima por detrás dos Mercadores” 11 - era um acesso semelhante a tan-
tos outros que recortavam a malha urbana, num tempo em que a circulação era essencial-
mente feita a pé, e as cargas muitas vezes transportadas sem recurso a carros ou animais.

10
Na época medieval a Rua das Aldas designava a actual Rua de Sant’Ana (OSÓRIO, Maria Isabel P. Osório -“Cidade, plano e
território. Urbanização do plano intra-muros do Porto (séculos XIII – 1ª metade XIV)”. Dissert de Mestrado, ed. policopiada.
FLUP (1994). Porto, p.173-5; ver ainda CARVALHO, Teresa Pires de, et alii - “Bairro da Sé do Porto. Contributo para a sua carac-
terização histórica”. Ed. CRUARB/CMP (1996). Porto, p.170-171.

11
BASTO, Artur Magalhães – “O estabelecimento da Companhia de Jesus no Porto”. Boletim Cultural da CMP. Vol. IV (1941).
Porto, pp.48-49.

[ 40 ]
As origens da viela perdem-se nas origens do burgo, porquanto a circunferência da cerca
medieval que acompanha, segue alinhamentos anteriores, da época castreja e romana12 .
Com a construção do Colégio de S. Lourenço nas proximidades, a viela assume o nome do
primeiro diácono da Igreja, surgindo também com a designação de
Viela do Colégio. Recorde-se que antes da edificação do templo,
os padres da Companhia de Jesus instalaram-se numa casa si-
tuada no outro extremo da viela, na actual Rua de S. Francisco
de Borja, provável razão da alteração toponímica.
A Viela de S. Lourenço pode ser reconhecida junto às escadas
que, vindas de Sant’Ana (entrada junto à boca do Largo do Co-
légio), dão acesso ao lavadouro público existente no local. Des-
cendo os degraus podemos reconhecer, por detrás dos muros
dos logradouros, o antigo alinhamento. Sob os “baixos” das
casa de Sant’Ana, são visíveis os silhares da cerca medieval.
Daqui a viela descia em direcção à Ribeira, com acesso, sensi-
velmente a meio do percurso, à Rua dos Mercadores, em local
próximo das raras casa torres sobreviventes neste arruamento
(nº156-158)13 .
O declínio da viela de São Lourenço – ausente na cartografia do
séc. XIX - acompanha a decadência da Sé como centro nevrál-
gico da vida política e administrativa do Porto. Com a retoma
da cidade pelo rei, a edificação da nova muralha e a reanimação da Reabilitação do Miradouro do Largo do
Colégio
zona ribeirinha, a zona da Sé vai perdendo funções e prestígio. O séc. XXI marcará a recupe-
ração do troço inicial da viela, com acesso junto à Igreja de S. Lourenço, onde recentemente
a análise arqueológica – de acompanhamento da obra de requalificação do espaço público
- permitiu reconhecer um troço do antigo Muro da Cidade.
Maria Isabel Pinto Osório
Departamento de Museus e Património Cultural/PCCS/CMP


12
SILVA, António Manuel S.P. - “Ocupação da época romana na cidade do Porto. Ponto de situação e perspectivas de pesquisa”.
Gallaecia. 29 (2010). Santiago de Compostela, p. 213-62.
13
CARVALHO, T.P. (1996), p.171: num auto de vistoria de 1801, surge a referência ao “beco da rua de Sant’ana” que ligava ao
“beco tapado nas traseiras” da Rua dos Mercadores.

2 - De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana [ 41 ]


Porta de Sant’Ana (2.3)

A Porta de Sant’Ana localiza-se no fundo da rua que hoje tem o mesmo


nome, e pensa-se que terá sido aberta no século XIII, sendo demolida no
século XIX (1820). A rua de Sant’Ana inicia-se no Largo do Colégio e termina
na Rua da Bainharia, sendo a antiga Rua das Aldas que, segundo alguns
estudiosos, é uma das ruas mais antigas do Porto. Tal se defende por Alda
ser abreviatura de Aldara ou Ilduara, nome da mãe de S. Rosendo, Bispo
de Dume, e mulher de D. Gutierrez Árias Mendes que governaram o burgo
portucalense como condes e proprietários por volta de 920 (Silva, 2009: 91).
Com efeito, a Rua das Aldas deveria terminar na Porta de Sant’Ana, sendo o
resto da rua que a ligava à Bainharia conhecida como Rua do pé das Aldas
(Ribeiro, 2010). Foi nesta rua que se fixou a primeira judiaria da cidade, por
isso conhecida como Judiaria Velha ou Primitiva, sendo a sua localização
dada a conhecer por um documento do século XIV: “…bispo dom Afonso
Pires [faleceu em 1362] que ora he em esta egreja, o qual deu umas casas
que estom na rua que chamam synagoga acima da rua das Aldas” (Silva,
2008: 205).
A fama desta Porta deve-se à obra de Almeida Garrett, “O Arco de Sant’Ana”,
um romance cuja trama principal se desenrola, exactamente, nesta rua e no
Largo do Colégio. À data, já o arco fora demolido, restando dele apenas o
oratório onde ainda hoje se encontra uma imagem de Sant’Ana. O nicho
granítico apresenta motivos barrocos, podendo ler-se na parte superior:
“Santa Anna, sucurre miseris”, inscrição esta que se relaciona com o facto
de Sant’Ana ser a padroeira das parturientes. Com festa anual a 26 de Julho, 49
à Confraria de Sant’Ana cabia o embelezamento e iluminação do oratório Oratório de Sant’Ana
durante esse período. A imagem que originalmente se encontrava no ora-
tório foi retirada, encontrando-se no Museu de Arte Sacra e Arqueologia.
A imagem que hoje se vê no oratório e que recorda a antiga devoção a
Sant’Ana é de finais do século XVIII.

[ 42 ]
3.1
Porta de Sant’Ana
3.1

3.1 3.4
3.2 3.6
3.3
Porta de S. Sebastião

3.5
3.7

3 – De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião


Programa de Realojamento Definitivo: Rua Casa Gótica | Casa da Rua de Pena Ventosa Traçado da Muralha Românica
de Sant’Ana, Largo e Rua da Pena Ventosa (3.1) n.º 36-38-40 (3.4)
Percurso
Largo de Pena Ventosa (3.2) Casa Amarela – Residência Comunitária –
Rua S. Sebastião, 45 (3.5)
Ilha das Aldas (3.3) Porta
Residência de Estudantes (3.6)
2 - De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana
Casa da Câmara[ 43 ]
(3.7)
Programa de Realojamento Definitivo:
Rua de Sant’Ana (3.1)
Integrado no Programa de Reabilitação Urbana do Morro da Sé, está em
curso um Programa de Realojamento habitacional. Este Programa tem
como objectivo criar condições de habitabilidade para famílias que ocu-
pam habitações que as não têm, bem como fazer retornar ao seu local de
residência famílias que daqui saíram.
É um Programa de iniciativa e investimento da Porto Vivo, SRU, com finan-
ciamento do Banco Europeu de Investimento (BEI) através do Instituto da
Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), tendo os 29 edifícios envolvidos
sido adquiridos ao Município, à Fundação para o Desenvolvimento da Zona
Histórica do Porto e também, numa pequena parte, a privados.
O Programa de Realojamento tira do estado de ruína ou de um avançado
51
estado de degradação cerca de 8.000 m2, cuja presença actual no tecido
urbano do Morro da Sé – na Rua dos Pelames, na Rua da Bainharia, no Lar- Projecto 6 - R. Sant’Ana n.º 43-45,
Autor - Arq. Ana Leite Pereira;
go da Pena Ventosa, na Rua de Sant’Ana e na Rua dos Mercadores – é mais Projecto 5 - R. Sant’Ana n.º 37-41,
um forte contributo para a imagem degradada deste território. O Programa Autor - Arq. Luís Brito

gera 71 fogos – 8 T0, 32 T1, 24 T2 e 7 T3.


O intuito é criar fogos para arrendamento social, confortáveis, eficientes
em termos energéticos e com acesso a sistemas de telecomunicações ac-
tuais, sem desgarrar nunca este objectivo de um outro, de intervir a custos
controlados e de forma sustentável num património que tem de manter
as suas características, mas que tem de ser adaptado também às soluções
construtivas e às lógicas de intervenção contemporâneas.

52

Projecto 8 - R. Sant’Ana n.º 24-30,


Autor - Arq. Vírginio Moutinho;
Projecto 7 - R. Sant’Ana n.º 20-22,
Autor - Arq. Luís Brito
[ 44 ]
Programa de Realojamento Largo de Pena Ventosa (3.2)
Definitivo: Largo e Rua da Pena Ao Largo de Pena Ventosa confluíam as Travessas da Pena Vento-
sa, Travessa de Sant’Ana e Rua de Pena Ventosa. Aqui se localizava
Ventosa (3.1) o “forno da Pena Ventosa” em que se cozia pão, construído no
meio do largo de forma a diminuir os riscos de incêndio, moti-
vo pelo qual este espaço será conhecido, durante a Idade Média,
como Largo do Forno.

Projecto 9 Largo da Pena Ven-


tosa, n.º 17-27, Autor - Arq. Luís
António;
Projecto 10 – Rua da Pena
Ventosa, n.º 25-27, Autor - Arq.
Vírginio Moutinho

53

Projecto 9 Largo da Pena Ventosa,


n.º 17-27, Autor - Arq. Luís António;
Projecto 10 – Rua da Pena
54
Ventosa, n.º 25-27, Autor - Arq.
Vírginio Moutinho Largo de Pena Ventosa - edifícios a
reabilitar no âmbito do programa de
realojamento

3 - De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião [ 45 ]


Ilha das Aldas (3.3)
Tenho 82 anos, nasci na Sé e sempre aqui vivi. Adoro a Sé.
Todos me chamam “Candidinha”, vivo com o meu filho,
Tuta, nesta casa há cerca de 15 anos. Esta casa é co-
nhecida como a “Casa da Varanda” pela boa vista que
tem. Já perdi a conta ao número de vezes que os turistas
me pediram para entrar na minha casa e tirar fotografias
da varanda. O meu filho Tuta é muito acarinhado pelo
povo da Sé e está sempre disponível para ajudar os ou-
tros. Seja para levar uma botija de gás a casa de alguém
ou fazer outros recados.

Maria Cândida Ferreira da Silva Almeida


Moradora da Rua Pena Ventosa

57

Ilha das Aldas

A «ilha das Aldas» localiza-se no gaveto entre a actual Rua das


Aldas e Rua de Pena Ventosa. Trata-se de um conjunto de habi-
tações cuja tipologia surge no início da industrialização, desen-
volvendo-se na segunda metade do século XIX e início do século
XX, como resposta ao aumento das necessidades de alojamento
na cidade. O conjunto foi reabilitado pelo CRUARB, no âmbito
do Projecto Piloto Urbano da Sé, tendo sido finalizado em 2002,
55 56
dando origem a cinco habitações no lugar das onze anteriores,
“Tuta” / Artur José Maria Cândida Ferreira contribuindo assim para uma melhoria das condições de vida. O
da Silva Almeida da Silva Almeida
conjunto habitacional apresentava características específicas: o
acesso único e estreito; os muros que encerram um espaço inter-
no desnivelado relativamente à rua; as construções precárias e de
reduzidas dimensões. Tendo em conta tais características, o pro-
jecto, da autoria do Arq. Pedro Mendes que recebe o Prémio João
de Almada, previu a renovação da “ilha das Aldas” através da ren-
tabilização de elementos estruturais, espaciais e volumétricos.14

14
Vide, CMP (1998: 38)

[ 46 ]
Casa Gótica | Casa da Rua de Casa Amarela – Residência
Pena Ventosa n.º 36-38-40 (3.4) Comunitária – Rua S. Sebastião, 45
(3.5)

58 59

Casa Gótica Casa Amarela

Edifício reabilitado no quadro do Projecto Piloto Urbano da Sé,


Na actual Rua de Pena Ventosa, antiga Rua dos Palhais, encontra-
em 1997, com projecto de autoria do Arq. Álvaro Carneiro.
-se, no nº. 38, um edifício da Idade Média Tardia, século XV,
cuja porta, em traçado ogival, terá funcionado como porta de Ocupando visualmente um lugar de destaque na estrutura urba-
acesso aos antigos Açougues do povo. O edifício reabilitado na em que está inserido, o edifício absorve na sua arquitectura
pelo CRUARB, em 1988, com projecto de autoria do Arq. António pormenores construtivos e formais que o definem e enquadram
Moura, mantém a traça original dessa entrada. na tipologia dominante, destacando-se as fenestrações que de-
senham a sua fachada, os pormenores de desenho e detalhe das
caixilharias, o desenho das cantarias e a utilização do ferro forja-
do.
O edifício foi reabilitado para Residência Comunitária.

3 - De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião [ 47 ]


Casa da Mariquinhas Residência de Estudantes (3.6)

61
60
Residência de Estudantes – R. Bainharia,
Casa da Mariquinhas, R. S. Sebastião R. Escura, R. S. Sebastião e R. Pena Ven-
n.º 25 tosa, Autor - Arq. Pedro Guimarães

Em 1968, no Porto, fez-se História porque o Sr. Heitor Gil de


Vilhena, fez um pacto com o FADO, surgindo assim o tem-
plo do Fado no Porto – A Casa da Mariquinhas. Depois de
anos a dar Fado ao Porto, e por onde passam os grandes
nomes do Fado, a Mariquinhas fecha. Fechada durante
quase uma década, fica uma lacuna no Fado da Cida-
de. Casa que transpira Fado pelos poros das paredes de
granito, reabre no dia 30 de Abril de 2011, e renasce para
perpetuar o Fado no Porto. Pelos seus elencos, passam os
mais prestigiados Fadistas e Músicos, fazendo com que
seja o local perfeito para apreciar o melhor Fado.

Jorge Filipe Couto


Proprietário da Casa da Marquinhas

62

Residência de Estudantes – Gaveto da


R. Escura com a R. Bainharia, Autor - Arq.
[ 48 ] Pedro Guimarães
Num conjunto de 22 edifícios, em mau ou muito mau estado de “A Costureirinha da Sé” aquilo a que alguns autores chamam
conservação e na sua grande maioria devolutos, entendeu-se ser de crónica bairrista do Porto (…) que conta a história de Au-
estratégico promover a reconversão e regeneração numa RESI- rora, uma jovem das origens humildes do bairro da Sé. (…) que
DÊNCIA DE ESTUDANTES, um equipamento de uso colectivo. trabalha num atelier de costura e está caída de amores por
Trata-se de um espaço que será habitado por cerca de 120 jovens, Armando, motorista de táxi. Mas, o romance causa inveja na
que têm hábitos de consumo e horários de vivência contínuos, vizinhança. Há quem queira o rapaz para si. O argumento re-
logo que induzem animação, novas dinâmicas e novas formas de trata um Portugal dos anos 50 onde a vida não tem a dimen-
estar e de segurança na zona. são/complexidade de hoje, onde cada bairro reclama para si o
estatuto de mais importante. Para exemplificar bem isso, nada
É um equipamento que se estrutura em quartos duplos e indivi-
melhor que um concurso, “o concurso do vestido de chita” que
duais, e que conta com áreas comuns de estar e lazer, estas ocu-
todos querem vencer. O filme revela aspectos de uma vida pa-
pando os locais de maior interesse arquitectónico do conjunto
cata, sentida e em que as pessoas estão muito próximas umas
edificado, designadamente a envolvente da muralha castreja do
das outra. 15
século II-I A.C. (descoberta e estudada no decurso da obra) e o
antigo Aljube Eclesiástico do século XVII que aqui existiu e está
bem identificado no conjunto, e que antes, na era medieval, fora
residência de D. Teresa e depois, já no século XIX, a primeira fábri- 15
WIKIPÉDIA – A Enciclopédia Livre. [Em Linha]. [Consult. Em 27 de Setembro de
2011] Disponível em WWW:
ca de refinação de açúcar do Porto e que quase esteve para ser, <URL: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Costureirinha_da_S%C3%A9>
no século XX, sede de uma colectividade desportiva local.
O conjunto de edifícios que gerou este equipamento único apre-
senta morfologias e qualidades arquitectónicas distintas, sen-
do, na sua maioria e principalmente na frente voltada à Rua da
Bainharia, o reflexo de construções medievais que foram sendo
ampliadas e reconstruídas ao longo do século XIX. O tardoz dos
edifícios implantados na Travessa de S. Sebastião e na Rua da
Pena Ventosa, e que passarão a ser paredes interiores do empre-
endimento, foi erigido sobre a muralha românica que delimitou
o Porto dessa época e da qual se utilizam as Portas como pontos
de partida dos percursos deste Guia. Destaca-se ainda o edifício
oitocentista que será a “porta de entrada da RESIDÊNCIA DE ES-
TUDANTES” que foi aquele que serviu de cenário à realização o
filme A Costureirinha da Sé, uma longa-metragem portuguesa,
realizada por Manuel Guimarães, no ano de 1958.

3 - De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião [ 49 ]


Aljube Eclesiástico | Muralha Castreja | Rua de S. Sebastião 53-55
No âmbito do projecto de construção de uma Residência de
Estudantes, foram realizadas sondagens arqueológicas.
De entre diversos achados arqueológicos de elevado interesse,
o mais significativo foi detectado no logradouro do edifício
do Aljube e consiste na mais antiga muralha até agora iden-
tificada na cidade do Porto, com uma cronologia pré-romana
(séculos II-I a.C.). Esta estrutura defensiva do castro proto-
-histórico encontra-se junto à muralha Medieval, também
detectada durante os trabalhos arqueológicos nas traseiras
dos edifícios das ruas de S. Sebastião e Pena Ventosa, seguindo
a mesma orientação, Sudoeste-Nordeste. Apresenta um bom
estado de conservação, sendo possível uma leitura do apare-
lho construtivo poligonal, característico daquele período cro-
nológico. A secção colocada a descoberto tem 2,7 metros de 63 64
altura e, aproximadamente, 7 metros de comprimento, sendo
Muralha Castreja Pormenor do aparelho
provável que se estenda por uma área maior. Trata-se de uma identificada numa das poligonal da muralha
estrutura escalonada em degrau, com cerca de 2,5 metros de sondagens castreja

largura ao nível da base e 1,9 metros no topo.

Esta muralha fazia parte do sistema defensivo do povoado


castrejo que ocupou o topo do morro da Penaventosa, relacio-
nando-se com outros achados do mesmo período identifica-
dos em intervenções arqueológicas realizadas na rua D. Hugo.
Tendo em conta as suas características tipológicas e cronoló-
gicas, o seu estado de conservação e monumentalidade é, sem
dúvida, um dos mais importantes achados arqueológicos do
passado histórico mais remoto da cidade do Porto.

Ricardo Teixeira
Arqueólogo/Arqueologia e Património.
65 66

Trabalhos de Trabalhos de
arqueologia arqueologia

[ 50 ]
Casa da Câmara (3.7)

67 68

Casa da Câmara Ruínas da Casa da Câmara

Para além da visita, livre, que pode ser feita ao próprio O Posto de Turismo que aí funciona desde 2005 é uma ini-
edifício (construído sobre as antigas fundações da ciativa da Câmara Municipal do Porto”. Tem como principal
desaparecida “Antiga Casa da Câmara”), poderão valia o acolhimento turístico a milhares de pessoas que vi-
também ler o nosso livro de honra, onde constam sitam o Centro Histórico Património Mundial. Fazem parte
testemunhos como ”O que nos atrai no Porto é a das valências deste ponto de apoio ao turista, para além
simpatia das pessoas, a comida e bebida”, e ainda da informação turística, a venda do PortoCard - o cartão
descer aos pisos inferiores, onde se encontra uma turístico, de iniciativa do Turismo da Câmara Municipal do
mostra expositiva sobre o Vinho do Porto e a maqueta Porto, que dá acesso a um conjunto muito diversificado de
da cidade do Porto. Ao entrar, deparamos com uma ofertas e preços vantajosos em diversos produtos e ser-
grande janela de vidro a partir da qual se pode viços turísticos, a venda de merchandising oficial “Porto
avistar a estátua que simboliza o ”Soldado Porto”, Official Product” e de material promocional e guias de
com o dragão no capacete, que representa um dos suporte à descoberta da cidade, como o guia Weekend@
elementos heráldicos do antigo brasão da cidade. Porto, a brochura Percursos pelo Medieval, Neoclássico,
Na parede exterior de granito, pode-se observar Azulejo e Barroco, a brochura Porto 10 Razões para Vi-
os “cem palmos”, correspondentes à altura da sitar, entre muitos outros.
torre (cerca de 22 metros). Susana Ribeiro
Departamento Municipal de Turismo/CMP

3 - De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião [ 51 ]


Porta de S. Sebastião
Originalmente chamada de Porta da Sapataria, pensa-se que
era contemporânea da Porta de Sant’Ana. Protegida por duas
torres, junto a esta porta defensiva encontrava-se a Igreja de
S. Roque, onde eram cultuados S. Roque e S. Sebastião, santos
especialmente aclamados pela população portuense durante
os dois surtos de peste que deflagraram na cidade. Considera-
-se que é dessa época a mudança de nome, passando a ser co-
nhecida por Porta de S. Sebastião. Com acesso à Rua do Souto,
a porta viria a ser demolida em 1819.

70

Postal Porto Antigo, R. S. Sebastião

[ 52 ]
4.4
4.8 4.5
4.5 4.5
4.7 4.5
4.5 4.5 4.3
4.6
4.5

4.5 4.2

4.5

4.5
4.1

4 – Fora de Portas
Avenida da Ponte (4.1) Programa de Realojamento Definitivo: Rua Traçado da Muralha Românica
dos Pelames, Rua da Bainharia e Rua dos
Mercado de Levante de S. Sebastião (4.2) Mercadores (4.5) Percurso
Casa Travessa S. Sebastião, 51-57 (4.3) As Ruas e os Ofícios (4.6)
Unidade de Alojamento Turístico (4.4) Sé Q5 e Lar de Terceira Idade (4.7) Porta

Casa em Taipa [–53


3 - De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião R. Sant’Ana,
] 47 (4.8)
Avenida da Ponte (4.1)
Até aos anos 60 do século passado, em Portugal, as intervenções Hoje já não há carros na ponte e o metro passa enterrado!
urbanas em cidade histórica eram feitas à custa da demolição de
Afinal tanta destruição só serviu umas décadas!
tudo o que não fossem “Monumentos” e, mesmo nos monumentos,
apenas se conservava o que era suposto fazer parte da “traça ori- Hoje, sobra uma “avenida”, tão inclinada que nem para avenida
ginal”. serve!

Dentro dessa atitude “salubrizadora” e de renovação das cidades, Sobra uma pedreira dum lado e do outro as casas que ficaram, da
as casas velhas não eram antiguidades com valor histórico, cul- metade da rua que estava no quarteirão do outro lado!
tural ou até estético, mas, na generalidade, consideradas “como Como dizia um arquiteto galego, que, por acaso (ou não!) também
lixo” que devia ser removido das cidades para dar espaço a novas foi autarca, os erros dos médicos enterram-se, os dos advogados,
praças, ruas e quarteirões que respeitassem a “modernidade” e a arquivam-se...mas os dos arquitetos... ficam aí cento e cinquenta
“monumentalidade” desses sítios. anos para que todos os sofram!
O Porto não fugiu a essa regra e, por isso, temos, também aqui, Rui Loza
alguns exemplos dos resultados dessas campanhas demolidoras
ex-Director do CRUARB e Administrador da Porto Vivo, SRU
da responsabilidade de grandes arquitetos que faziam a doutrina
da época, como os italianos Piacentini e Giovanni Múzio na pas-
sagem da década de 30 para 40.
A primeira grande demolição foi a que “desenvencilhou” a Sé Ca-
tedral do casario de quarteirões e ruelas que a envolviam desde
muito perto, com edificações que vinham da Idade Média.
O que foi feito (e é o que lá está hoje) foi o terreiro da Sé com o seu
pelourinho falso, a imitar um desenho barroco, com a imitação de
torre medieval que obrigou à demolição de uma que era verda-
deira, com uma nova organização viária, desempenada, aberta,
mesmo devassada.
A segunda grande demolição foi a “Avenida da Ponte” que teve o
mesmo princípio... mas desfecho diferente, porque depois do ar-
rasamento de muitos quarteirões medievais (nos anos 40 e 50)
não houve lugar ao refazer da cidade, ficando aberta a cicatriz
mal curada da mutilação.
Perdeu-se o Largo do Corpo da Guarda, casas góticas, constru-
ções e jardins com muitos séculos. Perdeu-se a silhueta edificada
e o emaranhado de ruelas, para ganhar a via automóvel da Praça
à Ponte, porque antes era obrigatória a volta pela Batalha.

[ 54 ]
Mercado de Levante de S. Sebastião (4.2)

Abri este armazém há cerca de trinta anos,


vendo artigos regionais da Serra da Estrela.
Os meus principais clientes são os turistas e
vendo ainda para as lojas tradicionais mais
antigas do Porto, como por exemplo a Casa
Chinesa, Casa Ramos, Pérola do Bolhão, etc.

Maria Joaquina Pinto

72

Mercado de Levante de S. Sebastião


– Maria de Oliveira Carvalho

Maria de Oliveira Carvalho, conhecida como “Maria Comunista”, é vendedora no mercado


da Sé há cerca de trinta anos, sendo uma das vendedoras mais antigas.

Durante o século XX muitos foram os projectos, nacionais e internacionais,


efectuados para a chamada Avenida da Ponte, no Porto.
O Mercado de Levante de S. Sebastião constitui uma das poucas interven-
ções efectuadas neste local em 1995.
73
Este equipamento, da autoria do Arq. António Moura, veio substituir o an- “Mariazinha dos Queijos”, Maria
terior mercado da autoria do mesmo arquitecto, construído em 1986 para Joaquina Pinto

os vendedores de bens alimentares e produtos têxteis que, por acção do


tempo e de sucessivos vandalismos, rapidamente se degradou.
O novo Mercado envolveu a construção de cinco placas de betão armado,
aproveitando as plataformas de implantação do anterior equipamento, e
cujas coberturas foram recobertas com terra vegetal e ajardinadas. Esta
estrutura modular, dotada de clarabóias para iluminação natural, bancas
em betão armado e balanças eléctricas, permitiu a instalação de 48 comer-
ciantes em condições adequadas.
António Moura
Arquitecto da Câmara Municipal do Porto

4 - Fora de Portas [ 55 ]
Casa de Pasto “Retiro da Sé” – Tr. de Casa Travessa S. Sebastião, 51-57
S. Sebastião, nº 29 (4.3)
O edifício estava totalmente devoluto e encontrava-se em estado
Esta é uma casa quase centenária e está nas minhas avançado de degradação, apresentando várias alterações cons-
mãos há dezasseis anos. Por esta Casa de Pasto já pas- trutivas no seu interior.
saram muitos turistas, por isso tenho tantas notas estran-
O estudo desenvolvido adequou o tipo de construção às neces-
geiras expostas nas paredes.
sidades actuais, dotando o espaço das habitações agradáveis e
António Rocha com condições acústicas, sonoras e conforto, anteriormente não
exigidas. A proposta não alterou a leitura da fachada, mantendo
o máximo do existente. Foram eliminados os elementos dissonan-
tes existentes, nomeadamente na fachada tardoz do edifício para
que a proposta se articulasse com o edificado existente na envol-
vente e com o espaço público em que se insere.
A partir daí o projecto é constituído por uma zona comum de
entrada que dá acesso aos apartamentos, três em cada piso que
totalizam nove fracções com tipologias T0.
Adriana Floret
Atelier A

74

Casa de Pasto “Retiro da Sé”, de


António Rocha

75 76

Casa Travessa S. Interior da


Sebastião, 51-57, Autor Casa Travessa
– Arq. Adriana Floret S. Sebastião, 51-57

[ 56 ]
Unidade de Alojamento Turístico – Trav. S.
Sebastião / R. Pelames (4.4)

77 78

Unidade de Alojamento Turístico - Trav. Unidade de Alojamento Turístico – R.


S. Sebastião (entrada), Autor - Arq. Tiago Pelames, Autor - Arq. Tiago Castro Santos
Castro Santos

O Morro da Sé, sendo o ponto de partida de imensos turistas que visi-


tam o Centro Histórico do Porto, não tinha, mas vai ter, uma UNIDADE
DE ALOJAMENTO TURÍSTICO; será um equipamento hoteleiro de stan-
dard médio-alto, com 50 quartos duplos, sala de refeições e bar.
Este equipamento surge no mesmo local onde terá existido um dos
primeiros espaços de hospedagem do Porto, e onde viveu Alexandre
Herculano, poeta, romancista, historiador e ensaísta, que nasceu em
Lisboa em 1810, e morreu em 1877, em Santarém, e que em 1832 par-
ticipou no desembarque de Mindelo e na defesa do Porto integrando
as tropas liberais que travavam a guerra civil com os miguelistas de
pendor absolutista.
A UNIDADE DE ALOJAMENTO TURÍSTICO acontece através do empar-
celamento, reconversão e reabilitação de um conjunto de 6 edifícios
caracterizados pela ruína e pela desocupação.

4 - Fora de Portas [ 57 ]
Programa de Realojamento Definitivo: Rua de Pelames (4.5)

79

Projecto 14 – R. Pelames, n.º 20 - 38, Autor - Arq.


Luís António

80

Projecto 14 - R. Pelames, n.º 20 - 38, Autor - Arq.


Luís António
[ 58 ]
As Ruas e os Ofícios (4.6) À sombra da Sé: a rua Escura

Um dos objectos delineados no Programa de Reabilitação do A Rua Escura, deve o seu nome, ao facto de, pela sua localiza-
Morro da Sé, passa, por dinamizar o eixo estruturante Terreiro da ção, baixar sobre ela a sombra da Sé, tornando-a numa das ruas
Sé/Rua Escura/Rua da Bainharia/Rua dos Mercadores, razão pelo mais sombrias do Porto medieval. Em período anterior ao século
qual ao longo do percurso, e aproveitando as informações his- XV, encontramos referências que a designam como “Rua Nova”,
tóricas fornecidas sobre cada rua, serão identificados alguns dos o que, segundo alguns autores, se deverá ao avanço do casario
estabelecimentos comerciais mais carismáticos deste eixo. para além da cerca velha, e isto porque a Rua Escura foi, original-
mente, uma rua “fora de portas”. Ligava a Cruz do Souto à Rua de
S. Sebastião, dando acesso ao morro da Cividade e ao burgo epis-
copal através da Porta da Vandoma e da Porta de S. Sebastião.
A Cruz do Souto O topónimo de “Rua Nova” reflectiria então a existência de uma
dinâmica urbanística específica que, em dado momento, projecta
A zona conhecida por Cruz do Souto ocupa o largo onde con- para fora de muros o crescimento da cidade, tanto que este topó-
fluem a Rua Escura, Rua do Souto e a Rua da Bainharia, motivo nimo será novamente utilizado para designar a “rua formosa”16
pelo qual foi durante o período medievo um dos principais eixos mandada construir por D. João I, e que é hoje a actual Rua do
viários. Daqui se podia seguir, através da Rua do Souto e atraves- Infante D. Henrique.
sando o Rio da Vila, para o morro do Olival; ou indo pela Rua da
Bainharia até a Rua das Aldas, entrando no domínio da cerca ve- Contudo, e como o comprova um documento da Santa Casa da
lha, ou ainda à zona ribeirinha da cidade. Os diferentes trajectos Misericórdia do Porto, esteve aí instalado o Recolhimento de Nos-
que aqui se interceptam permitiam o acesso a áreas mais distan- sa Senhora do Ferro, antes de ser transferido para a sua localiza-
tes, como a ribeira e o morro do Olival, e revelar-se-iam de ex- ção actual junto às Escadas do Codeçal, razão pela qual, no século
trema importância no decurso do século XIV e XV, permitindo e XVIII, aparece designada como Rua de Nossa Senhora do Ferro
estimulando não só a continuidade e intensificação da actividade ou mais simplesmente, Rua do Ferro. Por curiosidade, sublinha-
mesteiral intramuros como o seu prolongamento para as áreas -se que à frente do edifício do Recolhimento de Nossa Senhora
acima indicadas. Sabe-se que este período é fundamentalmen- do Ferro estaria o cárcere da Inquisição, aí mandado instalar, em
te marcado pela dinâmica urbanística que fará com que a zona 1541, por D. João III.
baixa da cidade, a ribeira, suplante a zona alta, o morro de Pena- Conhecida à semelhança da Rua dos Mercadores pelas suas ca-
ventosa, que se confirmará como sede dos poderes institucionais. sas-torre, a Rua Escura seria calcetada ainda no fim do período
medieval, sublinhando assim a sua importância. Esta foi uma das
mais importantes ruas comerciais, antes do aparecimento da Rua
das Flores (séc. XVI) e da Rua Mouzinho da Silveira (séc. XIX). A
partir do século XIX, registos camarários dão-nos conta do esta-
do ruinoso das suas casas, degradação esta que viria a aumentar
com o passar das décadas.

16
A Rua Nova edificada durante a última década do século XIV, foi um dos factores
responsáveis pelo desenvolvimento da zona ribeirinha, pois encontrava-se junto
à Alfandega e tinha acesso directo ao Cais da Estiva, tornando-se numa relevante
área habitacional.

4 - Fora de Portas [ 59 ]
Mercearia – R. Escura, 29-33 Rua do Souto: pelarias e curtumes

A importância da Rua Escura advinha, em grande parte, da sua


Esta mercearia chamada “Quinzinho” é um negócio relação com a Rua do Souto, que, por sua vez, e dada a sua exten-
familiar que já vem do tempo do meu avô. A funcio- são, ligava o morro de Penaventosa ao do Olival, atravessando o
nar desde 1924, tem passado de geração em geração, Rio da Vila. Esta proximidade torná-la-ia no local de concentração
hoje estou eu aqui, com a minha a mulher e o meu filho de pelames por excelência. Chamada de Rua do Souto, por aí te-
que nos vai dando uma mãozinha. Os nossos principais rem existido castanheiros, a primeira referência histórica a esta
clientes são os moradores da Sé e alguns turistas que rua reporta-se ao ano de 1234. Contudo, e retomando a exposi-
por aqui passam. ção sobre o ofício que aí tinha lugar, é de realçar que, embora seja
Joaquim Couto Queirós da Silva reconhecida pela área dos pelames, tal designação apenas apare-
cerá nos finais do século XV. Segundo Melo (2009), tal facto deve-
-se à expansão urbanística que teve lugar entre o século XIV e XV.
A concentração das actividades de curtição de peles na Rua do
Souto, junto ao Rio da Vila, deve-se a três factores: em primeiro
lugar, devido à necessidade técnica de cursos de água; em segun-
do lugar, pela proximidade relativa aos açougues que, como já
anteriormente se disse, se encontravam nos limites do Largo do
Açougue, próximo da Rua das Aldas medieval; e, em terceiro lu-
gar, devido à preocupação de afastamento da zona mais habitada
e central, em virtude dos maus cheiros e da poluição consequen-
te desta actividade. É de realçar que embora a área envolvente à
Rua do Souto conheça um significativo crescimento durante os
séculos XIV e XV, tal não afastará a concentração de tanarias. Pelo
contrário, a actividade de curtição de peles é reforçada e intensi-
ficada com a criação de tanques na rocha que viriam a ser conhe-
cidos então por pelames.
A Rua do Souto, cuja extensão permitia o cruzamento de tão dís-
pares realidades, nomeadamente, por um lado, o morro de Pe-
81
naventosa, o mundo cristão, e, por outro lado, o morro do Olival,
Mercearia “Quinzinho” Joaquim Couto onde, desde finais do século XIV se fixara a comunidade judaica
Queirós da Silva
sob ordem régia de D. João I, viria a ser fragmentada em três par-
tes distintas ao longo dos séculos. Se é um facto que este des-
membramento urbanístico lhe retirou importância, também é
verdade que com isto se permitiu desenvolver a actual Rua dos
Caldeireiros, que constituía a parte superior da Rua do Souto,
entretanto cortada pela abertura da Rua de Santa Catarina das
Flores (a actual rua das Flores), sob ordem régia de D. Manuel I,
em 1521.

[ 60 ]
Rua da Bainharia: bainheiros, cutileiros e violeiros

A concentração das actividades mesteirais em determinados lo- Num edifício que já foi demolido e que ficava perto da Cruz do
cais terá por isso impacto na toponímia urbana da cidade. Da Rua Souto terá vivido o escritor Camilo Castelo Branco. Alguns edifí-
da Sapataria, sabe-se que desaguaria junto à Sé, onde se realiza- cios resistiram ao tempo e, pelas suas características arquitectó-
vam as feiras semanais. A Rua da Bainharia, que alguns autores nicas, foram reabilitados. Sublinhe-se, por exemplo, os edifícios
admitem ter-se chamado Rua Faber, ou Fabris, constitui, junta- do gaveto entre a Rua da Bainharia e a Rua de Sant’Ana, em cuja
mente com a Rua dos Mercadores, um importante eixo de ligação estrutura se conjugam características medievais e actuais, como o
da zona alta à zona baixa e ribeirinha da cidade. Entre o século caso da Casa em Taipa no nº. 47 da Rua de Sant’Ana.
XIV e XV, foi ocupada principalmente por mesteres de couros e
Como já foi aqui dito, a Rua da Bainharia devia grande parte da
metais, como é o caso dos bainheiros e dos cutileiros.
sua importância ao facto de, juntamente com a Rua dos Merca-
Os bainheiros, que fabricavam as bainhas das espadas e punhais, dores, constituir um eixo vertical de ligação entre a alta e a baixa
terão sido, então, os responsáveis pela sua designação, que re- cidade, motivo pelo qual nos debruçaremos de seguida sobre
monta ao século XIII. Graça e Pimentel (2002) sublinham também esta última.
a existência na Rua da Bainharia de casas da Albergaria de Roca-
mandor, instituição de assistência social que se terá instalado no
Porto medievo, assim como um Hospital conhecido por Hospi-
tal Tareija ou Teresa Vaz de Antaro. Já nos finais do século XVIII,
terá sido conhecida como rua dos violeiros, alguns de renome,
como os Sanhudos da Bainharia. Arnaldo Leça, citado por Graça
e Pimentel (2002), conta-nos que “António Joaquim Sanhudo, ar-
tista de rabeca, violoncelo, contrabaixo e violão francês, de tripa
e arco”, terá tido aí oficina no n.º 50, tendo sido premiado na Ex-
posição Industrial do Porto, em 1861. Todavia, na primeira metade
do século XX, perde-se o rasto a esta geração de violeiros. Inten-
sifica-se, portanto, uma tendência de estagnação que já se vinha
a sentir desde o século XV, quando a Rua da Bainharia começa a
perder gradualmente a sua importância devido, em grande parte,
às transformações urbanísticas que foram desviando certas dinâ-
micas comerciais e económicas em favor de outros arruamentos.
82

Carta Topografica da Cidade do Porto,


Gerardo Augusto Telles Ferreira, 1892
Escala 1:500

4 - Fora de Portas [ 61 ]
Programa de Realojamento Definitivo: Rua da Bainharia (4.5)

83

Projecto 13 – R. Bainharia n.º 117 - 121, Autor - Arq.


Ana Leite Pereira

84

Projecto 12 – R. Bainharia , n.º 93 - 105,


Autor - Arq. Luís António
[ 62 ]
Loja das Molduras União Desportiva da Sé

Actual sede da União Desportiva da Sé, local de convívio de resi-


Nesta minha oficina, executam-se muitos trabalhos dentes desta área.
para os alunos da Escola Superior Artística do Porto.
Aqui passo agradáveis momentos de convívio com es-
tes jovens enquanto trabalho.

Norberto de Castro Ribeiro

86

União Desportiva da Sé / Henrique


Marques Bonachi

85

Loja das Molduras / Norberto de Castro


Ribeiro

4 - Fora de Portas [ 63 ]
Oficinas de Restauro – R. da Bainharia, 66-72 Toni das Violas – R. da Bainharia, 78-80

Nascido na Rua da Bainharia a 11 de Junho de 1948, António Fer-


Há mais de vinte anos com estabelecimento de escola nando Couto Luciano, começou a aprender a fabricar instrumen-
e atelier de Restauro de Antiguidades. tos musicais com o seu avô, violeiro, ainda não tinha dez anos.
Mais tarde e após a formação em carpintaria civil na Escola do
Primeiro na Rua de Sant’Ana nº20 e actualmente na
Infante D. Henrique, António Luciano arranja emprego na casa
Rua da Bainharia nº 66 a 72. Fui aceite desde o primeiro
“António Duarte” na Rua Mouzinho da Silveira onde aprofunda
dia de braços abertos por estas gentes sempre amigas
os seus conhecimentos. Actualmente continua a exercer o ofício
e gentis. Ao longo do tempo criei amizades, respeitei e
sou respeitado, nada tenho a recear e pelo contrário,
de violeiro, utilizando os mesmos métodos e instrumentos de seu
sinto orgulho e até vaidade de trabalhar nesta zona avô.
onde na realidade vale a pena apostar, com garantia
de futuro. Seria bom aumentar o número de estabele-
cimentos e lojas para dinamizar toda esta zona.

José D’Azeredo

88

“Toni das Violas” António Luciano

Na Sé, também havia as cegadas, as pessoas junta-


vam-se na rua, com um violão, uma cantadeira, um
violino e cantavam aquelas canções de cordel, que se
87
vendia até nuns perpetuzinhos que contavam a des-
Oficinas de Restauro, José D’Azeredo
graça alheia, da mulherzinha que morreu, que matou
o marido e fugiu. Isso era das coisas mais típicas aqui
da Sé.

António Luciano, “Toni das Violas”

[ 64 ]
Programa de Realojamentos Sé Q5 e Lar de Terceira Idade (4.7)
Definitivos: Rua da Bainharia (4.5)

90

Sé Q5 - entrada para
as habitações
89

Projecto 11 – R. Bainharia, n.º 50 - 52, Autor O CRUARB/CH após a derrocada dos edifícios da Rua da Bainha-
- Arq. Ana Leite Pereira
ria, nº 30/32 e 34/36, nos dias 18 e 19 de Janeiro, de 1991, elabo-
rou de imediato uma proposta de Recuperação de nove parcelas
afectadas por este acidente.
Três dias depois, a Câmara Municipal do Porto aprovou esta pro-
posta por unanimidade, em reunião ordinária de, 22 de Janeiro,
de 1991, apresentada pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e
da Reabilitação Urbana e ratificou todas as decisões e diligências
consideradas urgentes.
A C.M.P., como parte, na Fundação para o Desenvolvimento da
Zona Histórica do Porto promove no seu Conselho de Administra-
ção a resolução de assumir a condução de todas as tarefas neces-
sárias a elaborar os projectos de arquitectura e especialidades,
seleccionar a empresa construtora, e realizar a coordenação e
gestão da obra. Ao CRUARB competiu realojar as famílias, con-
cluir a posse administrativa dos prédios, realizar a remoção dos
destroços, proceder aos levantamentos.

4 - Fora de Portas [ 65 ]
A FDZHP convidou o signatário e por contracto de, 7 de Julho, de
1992, assumiu as tarefas de coordenador do grupo projectista.
Realizei os trabalhos próprias do domínio da arquitectura, apre-
sentei as fases de estudo necessárias e suficientes para avaliação
do projecto, de modo a iniciar as obras a partir de Setembro/92.
Somente três meses e sem levantamento do edificado!
Tive a felicidade de coordenar profissionais cujo carácter permi-
tiu uma verdadeira e profunda colaboração como a do Senhor
Eng.º Hugo Mota, sabedor e hábil, o dedicado Senhor Eng.º José
Alberto Borges de Araújo, a competente ETNOS a disponibilida-
de dos técnicos da FDZHP e do CRUARB respectivamente para o
proj.º de Estabilidade, de Inst. e Equipamentos Eléctricos, da His-
tória e Arqueologia Urbana; do Programa segundo os estudos em
curso e do zelo da empresa de construção “Matriz”.
91
A intervenção pretendeu adequar o construído ao programa pos-
Miguel Ângelo Pimentel de Castro
sível, seguir o plano genérico de salubridade e espaços livres no
interior do quarteirão (SÉ-Q5), respeitar os valores históricos e
culturais em presença e manter a paisagem urbana dominada
O meu nome é Miguel Ângelo Pimentel de Castro,
pela hierarquia dos seus edifícios significantes.
tenho 26 anos, sou advogado e moro na Sé do Porto
Furtado Mendonça desde que nasci. Viver nesta freguesia ou em qualquer
outra da Zona Histórica é, actualmente, um enorme
Arquitecto da CMP, autor do projecto
privilégio. Estar a cinco minutos da baixa do Porto - pró-
ximo de todos os serviços essenciais - e, bem assim, a
cinco minutos da zona ribeirinha da cidade, banhada
pelo magnífico Rio Douro, não tem preço! Ganha-se
tempo, poupa-se dinheiro e goza-se da simpatia e es-
pontaneidade desta gente única…

Miguel Ângelo Pimentel de Castro


Morador na Sé Q5

[ 66 ]
Projecto de Ampliação do Lar de
Terceira Idade (4.7)
No SÉ_Q5, projecto do Arq. Furtado Mendonça, para além
da habitação, instalaram-se equipamentos sociais, como foi
o caso do Lar de 3ª Idade, que veio a revelar-se insuficiente
para as necessidades dos seus utentes, tendo por isso que ser
ampliado. Paredes meias com este Lar, existiam outros servi-
ços comunitários: creche, espaço para actividades de tempos
livres, cozinha e lavandaria comunitárias, cuja actividade já era
reduzida em alguns deles. Para além destes espaços havia ain-
da um edifício em ruína que foi emparcelado gerando, desta
forma, uma maior área para a ampliação do Lar de 3ª Idade e
permitindo o acesso pela Rua da Bainharia.
Como condicionantes do projecto havia a morfologia dos edi- 92
fícios de base medieval, a orografia que faz com que eles se Projecto de Ampliação do Lar de 3ª Idade,
encontrarem a cotas diferentes, o acesso ao actual Lar ser feito Autor - Arq. Ana Leite Pereira

através de uma escadaria de trinta degraus, e o facto de os


pisos superiores terem ocupações habitacionais.
Na Ampliação do Lar de 3ª Idade, apesar desta intervenção ter
sido minimalista sobre as estruturas mais antigas dos edifícios,
onde apenas se actua, pontualmente, foi possível projectar
um equipamento com melhores condições de funcionamento
e de acessibilidade. Para tal foi necessário aproveitar courettes
já existentes, criar rampas, instalar plataformas elevatórias e
elevadores.
Este equipamento passou a ocupar 6 pisos, proporcionando
8 quartos duplos e 2 individuais todos com instalações sanitá-
rias, permitindo uma capacidade para 18 utentes. A pertinên-
cia desta Ampliação do Lar de 3º Idade para idosos no Morro
da Sé, é elevada. Por um lado porque vai melhorar as condi-
ções de funcionamento que eram muito deficitárias; por outro
lado, porque vai permitir acolher mais idosos que hoje vivem
desapoiados e sem as condições de habitabilidade desejáveis.
93

Projecto de Ampliação do Lar de 3ª Idade,


Autor - Arq. Ana Leite Pereira

4 - Fora de Portas [ 67 ]
Casa em Taipa – R. Sant’Ana, 47 (4.8)
Inexplicavelmente chegaram intactas, até aos nossos dias, desde
o século XIV, duas casas com cinco pisos de altura, construídas
em madeira, na freguesia da Sé.
Ambas resistiram às transformações habituais em edifícios de
madeira medievais substituídos por edifícios de construção em
alvenaria de granito.
Os dois edifícios estavam destinados a uma reutilização, no fim
dos anos noventa do século XX, para habitação de populações ca-
renciadas (cerca de cinco habitações sociais).
Os dois edifícios, de propriedade municipal e posteriormente de
propriedade da Fundação para o Desenvolvimento da Zona His-
tórica do Porto, começaram a ser intervencionados para aquele
efeito – habitação.
No decorrer da obra de reabilitação e com grande surpresa de 94
todos os intervenientes, apareceram elementos construtivos em Interior da Casa em Taipa
fachadas exteriores e em estruturas interiores, integralmente
construídos em madeira (taipas) de grande valor patrimonial.
Trata-se então de alterar o futuro funcional das duas casas: as
mesmas deviam servir como equipamento social, permitindo-se
a sua visita a especialistas nacionais e estrangeiros interessados
num raro, ou mesmo único, caso construtivo ainda existente na
área do Centro Histórico/Património Mundial da UNESCO.
As obras de reabilitação dos dois edifícios foram complexas, du-
raram cerca de dois anos, mas podem ser seguramente conside-
radas, seja qual for o seu destino funcional, um exemplo raro de
construção em madeira, ainda existente em Portugal.
António Moura,
Arquitecto da CMP, autor do projecto

95

Reabilitação da Casa de Sant’Ana

[ 68 ]
A rua dos Mercadores

A primeira referência histórica à Rua dos Mercadores data dos inícios do século
XIV, época de grande crescimento mercantil. A designação que lhe é dada deve-se
ao facto de aí se terem instalado os principais mercadores da cidade, mandando
construir, ao longo desta via que liga a Rua da Bainharia à Praça da Ribeira, casas-
-torre, idênticas às que ainda hoje são visíveis na Rua da Reboleira, também ela
conhecida por ter sido um importante pólo de fixação de mercadores portuenses.
Servindo como eixo de ligação entre a zona alta da cidade e a zona baixa ou ri-
beirinha, a Rua dos Mercadores será, ao longo do tempo, alvo de cobiça como
se pode comprovar por uma carta de 1374, na qual o rei D. Fernando I proíbe os
nobres e prelados do reino de permanecerem na cidade do Porto mais de três dias,
referindo explicitamente que “nem na rua dos mercadores nem nos mosteiros e
estalagens da cidade” deveriam procurar aposentadoria. Tal isenção ao direito de
aposentadoria seria confirmada e renovada por D. João I, o que servirá para ilustrar
a importância desta via assim como a natureza apelativa das suas casas, onde era
desejo dos nobres e prelados pernoitar. Dessa época de maior prestígio são ainda
testemunhas as casas nº 182-184 e nº 125-127, ambas do século XVI, cujas entradas
conservam a traça arquitectónica típica desse período (Graça e Pimentel, 2002).
Os nichos abertos nas fachadas de algumas das casas são ainda símbolo da devo-
ção dos mercadores que, em 1602, criam os estatutos necessários à fundação da
Confraria de Nossa Senhora da Purificação. Esta congregação religiosa de merca-
dores terá altar na Igreja de S. Lourenço. O retábulo de Nossa Senhora da Purifica-
ção encontra-se no transepto do lado esquerdo e data de 1730, tendo sido man-
dado construir em substituição de outro que ali existiria e cujos evidentes sinais
de degradação levaram à necessidade de reconstrução. De estilo barroco, trata-se
de um retábulo em talha dourada, de grandes dimensões, ostentando no centro
uma imagem de Nossa Senhora da Purificação em madeira estofada e policroma-
da do século XVII. A esta imagem tutelar sucedem-se, ao redor, treze lóculos que
abrigam bustos relicários. A autoria do risco deste sumptuoso retábulo é atribuída
a António Vital Rifarto17.
96

Rua dos Mercadores

17
Um dos mestres da azulejaria do ciclo joanino, autor dos azulejos do Claustro Superior e da Sala
do Cartório do Cabido da Sé do Porto, para além de outros trabalhos em madeira, entre os quais
o do retábulo-mor da igreja do Convento de S. Domingos (1737) e os azulejos da Capela de Santa
Catarina e do Senhor da Agonia (Ribeiro, 2010: 380).

4 - Fora de Portas [ 69 ]
Programa de Realojamento Definitivo: Rua dos Mercadores (4.5)

97

R. Bainharia n.º 2 - 8 e R. Mercadores n.º 176 - 188,


Autor - Arq. Ana Leite Pereira

[ 70 ]
98

Projecto 5 - R. Bainharia, n.º 2 - 8, R. Mercadores


n.º 176 – 188, Autor - Arq. Ana Leite Pereira

Restaurante “Porto à Noite” de Júlio Veiga,


na Rua dos Mercadores, nº 170

É um restaurante pequenino mas sempre de porta


aberta e, por vezes, no Porto à Noite há fado.

Júlio Veiga

99

Restaurante “Porto à Noite” de Júlio


Veiga

4 - Fora de Portas [ 71 ]
100

Projecto 4, R. Mercadores n.º 160 - 62, Arq. Luís Brito;


Projecto 3, R. Mercadores, n.º 156 – 158, Autor - Arq.
Ana Leite PereiraAna Leite Pereira

Serralharia de Manuel Maria Couto Pinto, na


Rua dos Mercadores, nº 152

Em 1987, abri esta oficina onde fiz todo o tipo de tra-


balho de serralharia, incluindo o restauro de mobiliário
antigo em ferro, hoje, infelizmente a oficina tem pouco
trabalho.

Manuel Maria Couto Pinho

101

Serralharia de Manuel Maria Couto


Pinho
[ 72 ]
102

Projecto 2 - R. Mercadores, n.º 116 - 120, Autor


- Arq. Miguel Guedes

Estofador/Decorador Carlos Meireles, na


Rua dos Mercadores, nº 90

Estou nesta arte de estofador desde os meus dez anos.


Desde 1978 que trabalho no Centro Histórico, primeiro
estive na Rua de Sant’Ana, n.º 45 e há cerca de quinze
anos mudei a minha oficina para este local.

Carlos Meireles Ribeiro

103

Estofador Carlos Meireles Ribeiro

4 - Fora de Portas [ 73 ]
104

Projecto 1 - R. Mercadores, n.º 74 - 84, Autor


- Arq. Ana Leite Pereira

Este é o conjunto de percursos que mostram o Morro da Sé, uma das áreas
marcantes do Centro Histórico do Porto. Siga-se agora em direcção à Ribeira
onde se pode admirar o Rio Douro com seus barcos rebelos, saboreando mais
uma paisagem única que o Porto Património Mundial tem para oferecer.

[ 74 ]
4 - Fora de Portas [ 75 ]
Alves, João da Felicidade (1989), A conquista de Lisboa aos mouros em 1147 : carta de um cruzado inglês que
participou nos acontecimentos, Lisboa: Livros Horizonte.

Câmara Municipal do Porto (1998), Porto: Projecto Piloto Urbano da Sé, Porto: Câmara Municipal do Porto.
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Arquitectónico e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/
patrimonioimovel/detail/73489/

IGESPAR (2011, b). Fontanário do Largo da Sé. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/
patrimonioimovel/detail/73486/

IGESPAR (2011, c). Casa do Dr. Domingos Barbosa. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/
patrimonioimovel/detail/74495/

IGESPAR (2011, d). Paço Episcopal do Porto. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/
patrimonioimovel/detail/70404/

IGESPAR (2011, e). Sé Catedral do Porto. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do Património Arquitectónico
e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/en/patrimonio/pesquisa/geral/patrimonioimovel/
detail/70397/

IGESPAR (2011, f). Chafariz da Rua Escura. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, em DATA: http://www.igespar.pt/pt/patrimonio/pesquisa/geral/
patrimonioimovel/detail/74497/

IGESPAR (2011, g). Igreja e Colégio de S. Lourenço. Obtido de IGESPAR - Instituto de Gestão do património
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Melo, Arnaldo Rui Azevedo de Sousa (2009), “Trabalho e Produção em Portugal na Idade Média: O Porto, c.
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Silva, Germano (2008), Porto: Da História e da Lenda, Cruz Quebrada: Casa das Letras.

— (2009), Porto: Nos atalhos da História, Alfragide: Casa das Letras.

[ 76 ]
Mensagem do Presidente da Câmara Municipal do Porto

Mensagem do Bispo do Porto

Apresentação do Projecto 1

0 – Dentro de Portas: o Património 5

1 - De Porta a Porta: da Vandoma às Verdades 17

2 – De Porta a Porta: das Verdades a Sant’Ana 37

3- De Porta a Porta: de Sant’Ana a S. Sebastião 43

4 – Fora de Portas 53

Bibliografia 76

[ 77 ]

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