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DIREITO REAL DE LAJE

INTRODUÇÃO

A Lei 13.465, de 11 de julho de 2017 (resultante da conversão da Medida Provisória 759/2016) criou
esse direito real de laje, disciplinando-o por meio dos arts. 1.510-A ao 1.510-E que acrescentou ao Código Civil,
mas não distinguiu se a hipótese é realmente de direito real sobre coisa alheia ou condomínio (propriedade
comum).
O Código Civil, art. 1.225, passou a definir que “São direitos reais: XIII - a laje”.
Segundo a nova norma, o proprietário de uma construção-base pode ceder a superfície superior ou
inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente
construída sobre o solo.
Aparentemente, portanto, há duas propriedades distintas, a originária e a lajeária (para usar expressão
que se assemelhe às propriedades superficiária e fiduciária, empregadas pelo Código Civil.
Quem conhece um pouco (não precisa saber muito) de Direito Civil, sabe que o direito real incide sobre
bem próprio (in rem suam - propriedade) ou sobre coisa alheia (in rem aliena), nesta compreendendo as
hipóteses de fruição ou garantia. Portanto, para haver direito real de fruição, necessariamente haverá um único
bem, de propriedade de alguém, gravado com o direito real em favor de terceiro.
Todavia, ao se deparar com o rico instituto do direito de laje vem à tona aspectos que poderiam gerar
inúmeras reflexões acerca da polêmica da sua natureza jurídica ou espécie do gênero tangente ao direito de
superfície; direito de propriedade ou direito real em coisa própria ou alheia; se as normas de condomínio edilício
são ou não.
Destarte, o legislador tentou ao máximo denominar o instituto que já estava presente na dinâmica social,
optando pela nomenclatura popular, mesmo que atécnica, e retirou do efetivo uso, a composição de seus
conceitos.

1 O Direito de Laje

O Direito de Laje de acordo com diversos doutrinadores possuem vários conceitos. Conforme ressalta
Oliveira (2016), consultor legislativo do Senado Federal:

“Todavia, por força da fama popular granjeada pela expressão, o Parlamento


preferiu manter o nome atécnico. Perceba que, apesar de ser nomeado como direito
real de laje, esse direito real também pode ser instituído para formalizar a
titularidade de um direito real sobre “andares subterrâneos”, de modo que não é
apenas a “laje” que serve de ponto de partida, mas também o solo.”

A Lei nº 13.465 de 2017 definiu o instituto no artigo 1.510- A do Código Civi.

“O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades


imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de
maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de
que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o
solo.”
Obedecendo aos princípios dos direitos reais, o legislador incluiu no art. 1.225, o inciso XIII, criando
um novo direito real: o Direito de Laje.
Apesar da impropriedade formal do nome, o Direito de Laje é um direito real, divergindo os civilistas
sobre sua natureza jurídica: se se trata de uma propriedade ou direito real sobre coisa alheia.
Oliveira (2016) é adepto do Direito de Laje como propriedade, apesar de entender que essa não foi a
opção exposta no Código Civil, que preferiu tratá-lo como direito real sobre coisa própria. Expressa o seguinte:
“ao contrário do que insinua uma primeira impressão, o Direito Real de Laje não é um direito real sobre coisa
alheia. É, sim, um novo Direito Real sobre coisa própria, ao lado do direito real de propriedade”.
Contrariando o entendimento acima, Stolze (2017) coaduna do entendimento que o direito de laje é um
direito real sobre coisa alheia:

“[...] trata-se de um direito real sobre coisa alheia - com amplitude considerável, mas
que com a propriedade não se confunde -, limitado à unidade imobiliária autônoma
erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem. E ainda, relata,
Melhor seria, em nosso sentir, que se utilizasse a expressão “direito sobre a laje”.
Outra divergência que cerca esse novo instituto, advém da sua comparação com o Direito real de
Superfície, já inserido no rol dos direitos reais no Código Civil e no Estatuto da Cidade.
Antes mesmo da inserção do Direito de Laje no ordenamento jurídico brasileiro, o mesmo já se
identificava com o instituto do direito de sobrelevação, originário do Direito Suíço, como um adendo ao direito
de superfície.
Segundo Lira (2014), a sobrelevação é “a possibilidade de o titular da propriedade superficiária
construir ou conceder a um terceiro que construa sobre a sua propriedade superficiária”.
Prossegue a Lei dispondo que o direito real de laje contempla o espaço aéreo ou o subsolo de terrenos
públicos ou privados, tomados em projeção vertical, como unidade imobiliária autônoma, não contemplando as
demais áreas edificadas ou não pertencentes ao proprietário da construção-base.
O titular do direito real de laje responde pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade. Os
titulares da laje, unidade imobiliária autônoma constituída em matrícula própria, podem dela usar, gozar e dispor
.
A instituição do direito real de laje não implica a atribuição de fração ideal de terreno ao titular da laje
ou a participação proporcional em áreas já edificadas.
Aqui, portanto, a hipótese aparenta ser o que realmente é, um mero condomínio distorcido. Duas
unidades autônomas erigidas em um único terreno que cabe por inteiro (sem condomínio, portanto) na
propriedade originária.
Os Municípios e o Distrito Federal podem dispor sobre posturas edilícias e urbanísticas associadas ao
direito real de laje.
O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito
real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas
as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.
É expressamente vedado ao titular da laje prejudicar, com obras novas ou com falta de reparação, a
segurança, a linha arquitetônica ou o arranjo estético do edifício, observadas as posturas previstas em legislação
local.
Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real
de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento
de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje , na
proporção que venha a ser estipulada em contrato.
São partes que servem a todo o edifício (propriedade comum, como se vê): os alicerces, colunas,
pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio o telhado ou os terraços
de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje as instalações gerais de água, esgoto,
eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício e em
geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.
Nada mais óbvio para configurar o condomínio e não o direito real de laje.
É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na
construção na forma do parágrafo único do art. 249 do Código Civil (Art. 249. Se o fato puder ser executado por
terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo
da indenização cabível. Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização
judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido).
Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade
de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por
escrito para que se manifestem no prazo de 30 dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso.
A preferência é típica do condomínio.
O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante
depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de 180
dias, contado da data de alienação.
Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular
das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada.
A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo se este tiver sido instituído
sobre o subsolo ou se a construção-base não for reconstruída no prazo de 5 anos, o que não afasta o direito a
eventual reparação civil contra o culpado pela ruína.
Outros dispositivos contribuem para a conclusão de que a hipótese é de condomínio e não de mero
direito real de fruição sobre coisa alheia.
A nova lei alterou o art. 176 da Lei 6.015/1973, cujo § 9° agora dispõe:
“A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro
de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes
anteriores, com remissão recíproca”.
O CPC atual também foi modificado, agora dispondo que Art. 799. Incumbe ainda ao exequente:
X - requerer a intimação do titular da construção-base, bem como, se for o caso, do
titular de lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito real de laje;
XI - requerer a intimação do titular das lajes, quando a penhora recair sobre a
construção-base.

Tudo, portanto, leva a crer que a hipótese da laje seja de condomínio e não de direito real de laje. Ou o
legislador não sabia o que fazia, ou foi levado a fazê-lo por alguma razão não explicitada pela Lei.
A doutrina sustenta tratar-se de mera propriedade superficiária, consectário da “superfície por
sobrelevação”.
Acredito não ser possível enquadrar o “direito de laje” nesta espécie de propriedade, pois o Código
Civil, art. 1.369, é claro: O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de plantar em seu
terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de
Imóveis. De acordo com a nova Lei, a hipótese da laje é de propriedades distintas.

2 Tratamento Jurídico

Na vereda do art. 1.510-A, conclui-se que este novo direito real é exercido sobre a unidade imobiliária
autônoma sobrelevada, erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem:
Art. 1.510-A. O direito real de laje consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias
autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda
a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída
sobre o solo.
Como já ressaltamos, não se trata de uma “propriedade” sobre a laje, eis que, se de propriedade se
tratasse, o direito exercido seria “na coisa própria” e abrangeria o próprio solo, o que não se dá na hipótese
vertente.
Até porque este novo direito real somente será admitido "quando se constatar a impossibilidade de
individualização de lotes, a sobreposição ou a solidariedade de edificações ou terrenos” (§ 1º), não se
confundido, ademais, com o condomínio edilício, pois, neste caso, coexistem propriedades plenas em plano
horizontal, com direito à fração ideal do solo e das áreas comuns1.
Consiste, pois, em um direito real limitado à estrutura autônoma construída (laje), desde que a unidade
imobiliária sobreposta, qualquer que seja o seu uso, seja dotada de:
a) isolamento funcional;
b) acesso independente.
A unidade imobiliária da laje, portanto, deverá, em perspectiva funcional, estar isolada da construção
original, configurando célula habitacional distinta, havendo, neste ponto, uma similitude com o condomínio
horizontal.
Além disso, a via de acesso ou ingresso à unidade deverá ser independente, a exemplo de uma escada
exclusiva para o segundo pavimento da construção.
Em nosso sentir, diante da realidade urbanística brasileira, caracterizada pelo crescimento desordenado,
o requisito do “acesso independente” deve ser interpretado com equilíbrio e cautela, na medida em que,
utilizando o mesmo exemplo acima figurado, uma mesma escada poderá servir, simultaneamente, para o titular
da laje e para o vizinho que habita unidade sobrelevada contígua.

1
§ 6º A instituição do direito real de laje não implica atribuição de fração ideal de terreno ao beneficiário ou
participação proporcional em áreas já edificadas.
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica às edificações ou aos conjuntos de edificações, de um ou mais
pavimentos, construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais ou não, nos
termos deste Código Civil e da legislação específica de condomínios.
A finalidade da norma, certamente, é no sentido de que este acesso seja independente em face do
proprietário da construção original do imóvel sotoposto (abaixo localizado).
Nesse ponto, dada a sua importância, merece referência a norma legal “§ 3º
Consideram-se unidades imobiliárias autônomas aquelas que possuam isolamento funcional e acesso
independente, qualquer que seja o seu uso, devendo ser aberta matrícula própria para cada uma das referidas
unidades”.
E um aspecto de tremenda importância, neste dispositivo, deve ser salientado: o legislador determinou
que fosse aberta, em favor do titular da laje, matrícula própria.

3 Matrícula do Direito Real de Laje

Sem nos afastar do escopo deste artigo, é recomendável passar em breve revista o conceito de matrícula.
A matrícula, em linhas gerais, consiste no primeiro número de registro do imóvel, a sua “numeração de
registro original”.
Cada nova alienação receberá, por sua vez, novo número de registro, mantendo-se a matrícula original.
Finalmente, “a averbação”, lembra CARLOS ROBERTO GONÇALVES, "é qualquer anotação feita à
margem de um registro, para indicar as alterações ocorridas no imóvel, seja quanto a sua situação física
(edificação de uma casa, mudança de nome de rua) seja quanto à situação jurídica do seu proprietário (mudança
de solteiro para casado, p. ex.)”2.
A matrícula é regulada nos arts. 224 a 233 da nº Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de
Registros Públicos - LRP).
Vale destacar os seus dois primeiros dispositivos:

Art. 224. Todo imóvel objeto de título apresentado em cartório para registro, deve
estar matriculado no livro n. 2 de Registro Geral, obedecidas as normas
estabelecidas no artigo 173.
Art. 225. A matrícula será efetuada por ocasião do primeiro registro a ser lançado na
vigência da presente Lei, mediante os elementos constantes do título apresentado e
do registro anterior no mesmo mencionado, preenchidos os requisitos do artigo 227.

Por óbvio, as normas da LRP deverão ser interpretadas em consonância com as novas regras editadas,
constantes na Medida Provisória nº 759, considerando-se que se trata, não de uma mera construção em imóvel
preexistente, de titularidade única (que exigiria mera averbação), mas sim, da constituição de um direito real em
favor de terceiro, sobre unidade imobiliária autônoma (laje), funcionalmente independente (que passará a exigir
matrícula).
Nesse diapasão, o titular da laje responderá pelos encargos e tributos que incidirem sobre a sua unidade
(§ 4º).
Além disso, dada a autonomia registral que lhe foi conferida, o § 5º da MP admitiu ainda a alienação da
laje: "as unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por

2
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Direito das Coisas - Vol. 5. 11 ed. São Paulo:
Saraiva, 2016, pág. 309.
seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em
legislação local”.
Um ponto, aqui, nos despertou atenção.
Temos certa dúvida quanto ao alcance e constitucionalidade deste dispositivo, na perspectiva do
princípio da função social, no que tange à vedação de extensões ou lajes sucessivas.
Uma vez que o legislador cuidou de conceder dignidade legal ao direito sobre a laje, desde que as
limitações administrativas e o Plano Diretor sejam respeitados, sobrelevações sucessivas, regularmente
edificadas, mereceriam, talvez, o amparo da norma.
Fica o convite à reflexão.
Por fim, interessante serão os reflexos do novo regramento no Direito de Família, na medida em que
não é incomum o titular da construção original ceder a unidade sobrelevada a um parente, que passa a exercer
direito sobre a unidade autônoma.
Dependendo da circunstância, poderá, até mesmo, operar-se a aquisição do direito real de laje por
usucapião, observados os requisitos legais da prescrição aquisitiva.
E mesmo que a cessão seja gratuita, a título de comodato, se o cessionário passa a se comportar como
titular exclusivo da laje, alterando o seu animus e a própria natureza da posse precária até então exercida, poderá,
em nosso sentir, consolidar o seu direto sobre a construção sobrelevada (direito real de laje), mediante usucapião,
contando-se o prazo de prescrição a partir do momento em que deixa de se comportar como simples
comodatário, por aplicação da regra da “interversio possessionis”.

CONCLUSÃO

O legislador, com este novo diploma, certamente não mudará a dura realidade habitacional brasileira
que está a exigir políticas públicas mais abrangentes e efetivas, a serem desempenhadas a médio e longo prazos.
Ademais, perdeu a oportunidade de tratar da laje em sua ambiência natural, dentro da estrutura
normativa do direito real de superfície.
A despeito de tudo isso, temos que a disciplina normativa de uma realidade brasileiríssima como esta
confere, ao menos, dignidade legal a milhares de famílias que, até então, viviam em uma espécie de vácuo
normativo habitacional.
Mas, para além de uma abstrata “dignidade legal”, o que essas famílias anseiam é pela projeção social e
“em concreto” do princípio maior da dignidade da pessoa humana.E, para tanto, leis não bastam.

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