Você está na página 1de 8

Anais

II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

A ESCRITA-LEITURA DA IMAGEM NO TEATRO

José Fernando A. Stratico


Universidade Estadual de Londrina

Resumo: Este estudo apresenta uma reflexão sobre o discurso visual do teatro, que
articula imagens num contexto geral de narrativas. Tais imagens são escritas e lidas
como fruto de articulações ideológicas próprias do discurso visual do teatro. Em um
segundo momento, é apresentada uma abordagem sobre a corrupção destas
narrativas e discursos visuais. O teatro contemporâneo, especialmente, possibilita a
construção de imagens cênicas cujo conteúdo antecede a significação. Trata-se da
manifestação de terrenos mais profundos da percepção e também dos instintos.
Aliada à noção de imagens endógenas, os processos de construção de imagens cênicas
podem desarticular a rigidez do discurso imagético do teatro, possibilitando a
manifestação de um espaço de significação que vai contra o imperialismo visual das
sociedades contemporâneas.
Palavras-Chave: Imagem cênica, jogo cênico, discurso visual.

Abstract: This research presents an analysis of the visual discourse of theatre, which
articulates images in the context of wide narratives. Such images are written and red
as the result of ideological articulations of the visual discourse of theatre. It is also
presented one analysis on the corruption of these narratives and visual discourses.
Contemporary theatre, particularly, make possible the construction of theatrical
images which present a contents that precedes signification. This is the
manifestation of more profound areas of perception and also of instincts. Based on
the notion of endogenous images the processes of theatrical image construction may
disarticulate the rigidity of the image discourse of theatre. Such an approach make
possible the manifestation of a space of signification which goes against the visual
imperialism of contemporary societies.
Keywords: theatrical image, theatrical game, visual discourse.

Este estudo procura abordar o teatro como uma forma de escrita e leitura de
imagens e também como narrativa ideológica; uma instituição formadora e
construtora de visões de mundo, individualidades e identidades.1 O foco central
desta discussão não poderia deixar de recair sobre o corpo. No teatro, como nas
artes cênicas, de modo geral, é a experiência do corpo e das representações sobre a
pessoa, que formam o grande texto da experiência visual cênica. Como tal, é
necessário falar da imagem cênica como um discurso transitório, repleto de

1
Esta pesquisa é fruto de investigações iniciais do projeto de pesquisa Identidade, Jogo Cênico e o
Objeto/Imagem, em andamento no Departamento de Música e Teatro – UEL.
1295

1179
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

conceituações sobre os indivíduos, sobre o próprio teatro e o mundo. É também


necessário abordar a imagem como via poética de encontro entre indivíduos e
também de quebra da rigidez da ordem social. A imagem cênica pode desfazer o
imperialismo da própria visualidade e despertar terrenos da percepção que a norma
social procura evitar.
Em sua essência, este estudo propõe o exercício da apreciação da prática do
teatro como um ingresso crítico no discurso imagético teatral. Ler e escrever o teatro
nesta perspectiva significa estar consciente sobre a transitoriedade e peso conceitual
das imagens que compõem o teatro. Apontamos, assim, para o reconhecimento de
qualidades e possibilidades inerentes ao sujeito do discurso imagético do teatro.

A idéia de que a arte assim, como todas as formas de conhecimento são


constituídas por discursos não é nova (PARKER, 1992: 5), mas, sem dúvida, somente
há poucas décadas é que vemos esta discussão surgir, principalmente no âmbito da
literatura. Como todo discurso, o teatro possui sujeitos e uma narrativa que está em
constante diálogo com outras narrativas. Não está sozinho, fechado em um auditório,
ou na cabeça de um gênio dramaturgo, diretor ou atriz. Este discurso sobrevive do
trabalho de seus vários autores, inclusive o público que o alimentam e o
transformam. Julia Kristeva argumenta neste sentido: “[...] todo e qualquer texto é
escrito como um mosaico de citações; todo e qualquer texto é uma absorção de um
outro texto. A noção de intertextualidade substitui a de intersubjetividade, e a
linguagem poética passa, assim, a ser lida, no mínimo, como sendo dupla.”
(KRISTEVA, 1993: 37)
Esta concepção bakhtiniana nos leva à fascinante tarefa de entender os
processos de construções imagéticas contidas nos processos teatrais como um fluxo
contínuo de construções. Muito intrigante é conceber esta linguagem artística como
um complexo conjunto de imagens-conceitos que está sempre em transição. Não tem
autor, no sentido de gênio criador de obras, não possui nenhuma verdade, porque sua
verdade é transitória, e tem o poder de nos constituir como indivíduos e como grupo.
Tanto como autores, atores ou apreciadores, nós nos confundimos com o fluxo das
imagens do teatro, na medida em que somos constituídos pelo que estas imagens são.
Como se dá esta constituição? Como constituímos e somos constituídos pelo
discurso imagético do teatro? Como se dá a escrita-leitura de imagens no teatro?
Concepções tradicionais definem o teatro como “representação” ou
“recriação” da vida. De Édipo a Irina (Édipo Rei, de Sófocles; As Três Irmãs, de Anton
Tchekov), o que vemos são personagens vivos falando e agindo em cena, como se
1296

1180
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

fossem (e na verdade são) reais. Muito deste teatro tem se assemelhado à realidade
em que vivemos. Suas falas e ações dizem respeito à realidade que nos circunda, e
seu conteúdo também diz respeito a nossas reais formas de sentir ou reagir. Porém, a
idéia de que o teatro, assim como as artes visuais, “imita a vida” também faz parte
de um discurso, e pertence a uma longa narrativa que quer nos convencer de que o
que vemos em cena é imagem ou reflexo da vida real,
Desde o início do século XX, tem havido abordagens, cuja tendência tem sido
conceber o teatro como criação de uma realidade artística, para não dizer teatral. Já
na primeira década, Vsevolod Meyerhold chamava a atenção para a realidade que o
teatro pode criar. Ao invés de ‘representar’, ‘imitar’, ou ‘recriar’, o teatro tem se
definido, sobretudo, como uma atividade de ‘construção’ e ‘elaboração’, sendo que
nele, tudo é parte de sua própria realidade. Com base nesta concepção, a imagem da
cena tem sido cada vez menos uma imitação da vida, para ser uma realidade, cada
vez mais, inesperada, ou, talvez, nova. Muitas peças teatrais da atualidade
procuram, cada vez mais, criar uma realidade cênica inusitada, onde os atores, já
não interpretam personagens ou textos dramatúrgicos; onde, busca-se a construção
de uma realidade cênico-corporal baseada no que a própria atividade do teatro
oferece: corpo, som, movimento, expressão, luz, figurinos, cenários, objetos,
imagens.
Seja o teatro concebido como ‘reflexo’ ou ‘criação’ de realidades, em seu
cerne está a articulação de imagens que definem uma prática específica. Imagens de
homens, mulheres, crianças, amantes, reis, rainhas, poderes, amores, dores,
prazeres. É assim que conhecemos Édipo em sua desesperada trajetória, na qual
descobre ser ele mesmo o causador de um mal terrível. Para os gregos
contemporâneos de Sófocles, a tragédia de Édipo era a sua própria tragédia,
purificadora dos sentimentos vãos, a trágica dependência das vontades e caprichos
dos deuses, ou a submissão ao poder instituído. Édipo era não somente um rei,
casado com a própria mãe, sem o saber; era um conceito de homem fadado ao erro e
ao castigo. Neste sentido, Édipo era parte de um discurso sobre e para os indivíduos
gregos, no qual individualidades e identidades eram construídas a partir do
entrelaçamento de outros discursos – a mitologia, a tragédia, o Estado.
Como discurso repleto de imagens, o teatro tem, através dos séculos,
articulado noções sobre o ‘eu’, sobre o ‘outro’, e até sobre sentimentos. Conceitos
sobre a mulher, sobre o homem, e sobre o sexo, também possuem uma história e
desenvolvimento no teatro. Como representações próprias de um discurso, estas
idéias não estão presentes simplesmente nas obras, escritas ou encenadas, mas nas
1297

1181
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

vozes dos sujeitos que as manifestam. Muitos estudiosos têm se dedicado ao estudo
destas representações, na tentativa de desvendar as construções articuladas pelos
discursos da arte. Feministas, por exemplo, tem contribuído, enormemente, para o
entendimento das articulações de imagens e conceitos sobre a mulher, não só no
teatro, como também no cinema e literatura (KAPLAN, 1995). Representações e
conceitos sobre pessoas negras também têm sido foco de muitas pesquisas (UGWU,
1995). O pressuposto maior destas investigações é que os discursos de arte articulam
representações que, em última instância, definem quem somos, por meio até, de
estruturas inconscientes (KEYSSAR, 1996).
Assim, quando assistimos a uma peça, vemos uma longa narrativa, que muitas
vezes se esconde por trás da sucessão de imagens do espetáculo. Esta narrativa maior
diz respeito a um complexo aparato ideológico, expresso nas diversas construções
presentes no espetáculo. Personagens, tramas, sentimentos, não são meros
elementos de uma fábula, são antes, articulações profundas sobre o que pensamos a
respeito de nós mesmos e a respeito dos outros. E nesta narrativa ideológica,
corroboramos com o mundo construído no palco, porque, talvez, seja este o nosso
próprio mundo, ou o mundo que queremos que exista. Neste sentido, personagens e
indivíduos são identidades narradas, pertencentes a esta narrativa discursiva.
O problema é que as narrativas ideológicas presentes no teatro, assim como
na vida cotidiana, são verdadeiros monumentos da civilização; são duras como pedra.
É dessas narrativas que nossas vidas dependem. Sem elas, como sobreviveríamos? O
que seria de nós sem uma narrativa para o amor, ódio e traição? O que seria de nós
sem uma narrativa de heroísmo, ou patriotismo, ou de progresso e humanidade?
Dependemos destas narrativas como dependemos da água. Assim, embora sempre em
transformação, o discurso do teatro também é um discurso solidificado, e enrijecido
pela necessidade. Diante desta solidez e monumentalidade, resta-nos a tarefa de
corromper a integridade de certas narrativas, ou provocá-las até a morte. Mas, esta
questão discutiremos adiante.
Uma vez clara a questão do teatro como discurso e narrativa, é possível
também entendê-lo como escrita e como leitura de imagens.
É claro que os atores e atrizes, bem como os demais que ‘fazem’ o teatro
(como diretores, cenógrafos, etc.) sempre terão o privilégio maior de ter um duplo
papel na escrita do teatro. Além de pessoas comuns, são eles que detêm o poder de
dizer o que deve e o que não deve ser visto na cena. O poder da “palavra” no palco e
a construção e manifestação do texto imagético está nas mãos dos artistas de teatro
(vale lembrar aqui que há experiências teatrais que outorgam ao público este poder).
1298

1182
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

Esta autoridade para impor temas sobre os apreciadores de suas obras, certamente,
provoca desconfianças. Teriam os artistas esta autoridade de valorizar tópicos,
assuntos e práticas ao ponto de estabelecer o que tem e o que não tem valor?
Aparentemente, sim, porque uma certa autoridade a eles foi delegada. Mas nenhum
discurso se concretiza como tal, se não houver uma ebulição na própria platéia.
Bertolt Brecht não teria proposto seu Teatro Dialético se idéias marxistas não
estivessem pululando na Alemanha da década de trinta, ou se não houvesse uma
Alemanha Oriental, ávida pela concretização de um teatro da Revolução
(PEIXOTO,1974:137-152). Tampouco, Jerzy Grotowski teria arquitetado seu Teatro
Pobre (GROTOWSKI, 1976), se nas décadas de cinqüenta e sessenta estes conceitos já
não estivessem frutificando em vários setores das artes.
Como argumenta Simon Dentith, a noção de intertextualidade – o que
indicamos acima - tem algumas implicações para o entendimento da subjetividade.
Para o autor, “não somos sujeitos e sim espaços” no qual vários textos se articulam
(DENTITH: 1996: 96). O que Julia Kristeva questiona, argumenta Dentith, é a suposta
unidade da autoria, isto é, aquela suposta unidade existente entre o escritor e o
objeto referencial. Embasando sua análise sobre o conceito de heteroglossia – o
encontro de múltiplos discursos em literatura, o qual foi desenvolvido por Bakhtin –
Kristeva desafia a proposição de uma conexão unitária entre escritor, personagem e
tópico. Kristeva nos oferece a noção de independência entre o texto e sua
localização histórica. O texto é a fonte de significados múltiplos, que são
independentes de possíveis leituras deste texto (DENTITH, 1996: 97).
A noção de intertextualidade questiona a suposta estabilidade das criações
imagéticas. A intertextualidade apresenta a construção imagética da cena como um
mosaico de enunciados que fazem circular textos ideológicos, estéticos e
inconscientes. A noção de intertextualidade torna possível uma ponte entre artistas
e outras identidades (DENTITH, 1996: 95-102). O entendimento da conexão entre o
sujeito e o ‘outro’ ajuda-nos a clarificar os processos aqui descritos.
Deste modo, a construção da imagem cênica nunca é um ato solitário, que
obedece aos caprichos de um autor (KRISTEVA, 1993: 51-86). O suposto gênio que
articula magistralmente este discurso, de maneira inovadora e criativa, nada mais é
do que um executor daquilo que já existe. Até chegar às suas mãos “geniais” este
discurso foi forjado no calor da necessidade das pessoas comuns (ou seguimentos
sociais). E o que é escrito passa a ser, de certo modo, ditado por esta necessidade.
Este é, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes da realidade do
teatro – o encontro de ambos, artistas e público, num ato de escrita e leitura. Ao
1299

1183
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

assistir a uma peça teatral estamos “escrevendo e lendo” conjuntamente aquilo que
se apresenta diante de nós. Tudo o que ali se mostra depende da ‘autoria’ de muitos,
por meio de todas as narrativas vividas e corroboradas.
As construções imagéticas do discurso visual do teatro não se restringem,
porém, a meras articulações ideológicas. Há ainda um outro mecanismo mais sutil,
cujo entendimento só é possível se lançarmos mão de abordagens psicanalíticas
como a de Julia Kristeva. Neste processo, reside a maior riqueza da imagem cênica
– o poder de corromper a própria imagem dominante e fazer aflorar espaços da
percepção que se ligam à energia instintiva.
De acordo com Kristeva, a arte e a literatura, e mais evidentemente a
poesia, revelam nos seus sistemas contraditórios a primeira relação com o que
Kristeva chama de “objeto de desejo”, o qual desapareceu com o estabelecimento
dos sistemas de comunicação (KRISTEVA,1993:49-50). A arte e a poesia revelam
uma lógica obscura, na qual o “sujeito falante” emerge das marcas da primeira
conexão com o objeto de desejo. E é por meio da localização do corpo em relação à
escrita e à arte, que o desejo pelo objeto perdido é identificado. Tanto na escrita
como na arte, o corpo fala por meio da negação do significado e da significação, e
neste processo é criada uma relação fetichizada com a comunicação
(KRISTEVA,1993: 92).
De acordo com Kristeva, a literatura e a linguagem poética têm comunicado
o que é censurado pela sociedade; a saber, o discurso de fragmentação que
mantém o sujeito conectado ao seu outro(a). Para Kristeva a literatura é um
‘conhecimento prático’, o qual revela uma experiência limite de um sujeito
subjugado pela ordem social. Esta ordem tem por função impor a significação sobre
ele(a) (KRISTEVA, 1993:96). A literatura e a arte, sob este prisma, têm o poder de
quebrar e de certo modo corromper a prática social da linguagem. Por meio da
multiplicidade dos signos promovida pela linguagem poética torna-se possível para o
indivíduo comunicar o que é anterior à própria significação; os impulsos instintivos
e a experiência do corpo neste sistema social são manifestos nesta “nova série de
contradições perpétuas” (KRISTEVA, 1993: 97). Tal pensamento e descoberta já fora
vislumbrada por Artaud no início do século XX: “Neste teatro (o Teatro da
Crueldade), toda criação provém da cena, encontra sua tradução e suas origens
num impulso psíquico secreto que é a Palavra anterior às palavras.” (ARTAUD, 1999:
63)
O sujeito torna-se, deste modo, livre do domínio do significado; livre,
portanto da ordem social. Energias instintivas e a experiência do corpo no sistema
1300

1184
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

social são assim manifestos neste retorno à situação primeira onde a linguagem
ainda não existe. Ao eliminar a rigidez da linguagem (da comunicação social) e ao
corromper o fluxo das narrativas ideológicas, camadas mais profundas da percepção
são despertas. Em si mesmo o indivíduo busca um objeto de desejo, um ‘outro’ que
é parte de sua subjetividade. Nos mesmos moldes em que Barthes define a escrita,
Kristeva define a arte e literatura como um espaço de contato com o ‘outro’. Para
a autora e para Barthes, ao escrever, a pessoa fala ao ‘outro’. Ao ler, também nos
conectamos a este ‘outro’.
A escrita-leitura das imagens do teatro pode nos arrebatar e nos remeter a
este espaço onde a significação é obscurecida. Somos ali levados pelo turbilhão das
cores, dos ritmos, dos sons das vozes, dos corpos e da música. Ou somos arrebatados
pela sutileza do movimento e do balbuciar das personagens, que, de um modo ou
outro, nos retiram da ordem social, e nos fazem dar vazão à nossa própria percepção
e sensibilidade. Nesta perspectiva, a escrita-leitura da imagem cênica muito se
diferencia de outras escritas-leituras, justamente por possibilitar a corrupção da
ordem social por meio de uma imagem viva, e também por corromper as narrativas
lineares da arte convencional. Contra o imperialismo da visualidade do mundo
contemporâneo. O teatro possibilita o exercício de imagens endógenas, nos termos
em que Antonio Damasio argumenta. A cena e o jogo cênico exigem um fluxo de
imagens endógenas, e coloca em exercício processos interiores de articulação de
imagens. Tais imagens são produzidas no nível da percepção e da memória. Esta
experiência, que no jogo cênico é sistematizada, possibilita a valorização dos
padrões mentais e perceptivos e o seu alinhamento com a subjetividade do sujeito.
Neste sentido, o mundo dos simulacros e o imperialismo da visualidade são
afrouxados na medida em que as imagens e seus processos ganham um novo
significado. A via poética da imagem cênica põe à luz os processos de imagens
mentais e sômato-sensitivas, que se opõem à avalanche de imagens exógenas
presentes nos discursos e narrativas visuais. Trata-se aqui de considerar as imagens
“como padrões mentais com uma estrutura construída com os sinais provenientes de
cada uma das modalidades sensoriais – visual, auditiva, olfativa, gustatória e sômato-
sensitiva” (DAMASIO, 2000: 402-403). Como salientam Contrera e Baitello Junior:

O resultado é que o homem dos séculos XX e XXI se vê continuamente


solicitado a responder às imagens do mundo, mas não pode organizá-las no
seu próprio mundo interior, caótico e subnutrido de vínculos internos,
perdendo o contato com suas próprias histórias. (CONTRERA & BAITELLO
JUNIOR, s/d, 5-6)

1301

1185
Anais
II Encontro Nacional de Estudos da Imagem 12, 13 e 14 de maio de 2009 • Londrina-PR

O teatro pode se opor ao fluxo de imagens que ele mesmo veicula através de
suas narrativas e discursos visuais, e pode evocar uma elaboração interiorizada de
imagens endógenas que impulsionem o prazer do som das falas, da música, da
plasticidade visual, do movimento corporal, da narrativa e também da articulação
de idéias. E, assim, no encontro entre atores e platéia, na ‘escrita’ do espetáculo,
‘lemos’ e ‘escrevemos’ a odisséia evocada pelo ‘outro’, uma odisséia que apela,
fundamentalmente, para o encontro de subjetividades que se pronunciam por meio
de um poder instintivo desperto pela cor, movimento, ações, ritmo e som. Este
processo além de desarticular a rigidez da imagem cênica, apresenta o ‘outro’ e o
prazer no ‘outro’.

BIBLIOGRAFIA

ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

CONTRERA, Malena Segura & BAITELLO JUNIOR, Norval. Na Selva das Imagens –
Algumas Contribuições para uma Teoria da Imagem na Esfera das Ciências da
Comunicação. XIII COMPOS. Disponível em
http://www.compos.org.br/data/biblioteca_96.pdf , visitado em 30/05/08.

DAMASIO, Antonio.O Mistério da Consciência. São Paulo: Cia das Letras, 2000.

DENTITH, Simon. Bakhtinian Thought – na Introductory Reader. London Routledge,


1996.

PARKER, Ian. Discourse Dynamics – Critical Analysis for Social and Individual
Psychology. Routledge, London, 1992, P 5.

KAPLAN, E. Ann. A Mulher e o Cinema. Rio: Rocco, 1995.

UGWU, Catherine. Let’S Get it On – The Politics of Black Performance. London:


Institute of Contemporary Arts, Bay Press, 1995.

KEYSSAR, Helene. Feminist Theatre and Theory. London: MacMillan, 1996.

GROTOWSKI, Jerzy. Em Busca de um Teatro Pobre. Rio: Civilização Brasileira, 1976.

OLIVER, Kelly (Ed.) The Portable Kristeva. New York: Columbia University Press,
1997.

PEIXOTO, Fernando. Brecht – vida e Obra. Rio: Paz e Terra, 1974.

1302

1186

Você também pode gostar