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A Censura enervando o teatro na ditadura militar

Wanessa Araújo1, Lourdes Macena2


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Graduanda pelo Instituto Federal do Ceará em Licenciatura em Teatro .
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Doutoranda e Professora do Instituto Federal do Ceará

Resumo: Neste artigo abordamos o período da ditadura militar e as características censórias a


uma das atividades artísticas que mais foram juguladas e molestadas durante o período
ditatorial: O teatro. Discutiremos situações e fatos que enfraqueceram a classe e suas
habilidades apresentando também a maneira que a classe descobriu para burlar o sistema de
censura. Apesar da redução da proporção dos números de espetáculos nos palcos a classe
artística continuou produzindo de uma forma singular. Nesta pesquisa utilizamos pesquisa
bibliográfica como caminho para construção de referencial teórico sobre a temática em estudo
com o objetivo de contribuir para o reconhecimento da história teatral brasileira e suas relações
com o desenvolvimento sócio cultural do país.

Palavras–chave: censura, ditadura, teatro

1. INTRODUÇÃO
Neste artigo, abordaremos as implicações que o Período Ditatorial (1964 – 1985) exerceu
sobre o teatro. Discutiremos os aspectos culturais e artísticos, no período da Ditadura Militar no
Brasil, desvendando uma infinidade de nuances obscura, injustiças sublevadas e identificando
dificuldades desconfortantes dos artistas deste momento histórico. A pluralidade de episódios
propiciou a composição de interpretações, formaram-se movimentos de manifesto, definiram-se
práticas e marcos históricos, que são reverenciados e apreciados até hoje.

2. MATERIAL E MÉTODOS
Por meio de pesquisa exploratória, buscamos reconhecer e identificar a repreensão ao
teatro brasileiro através de órgãos governamentais e seus funcionários censores, que
deliberavam o que poderia estar no palco durante os anos da Ditadura Militar. Através da
bibliografia consultada, constatamos características únicas de um período ainda repleto de
lacunas e segredos, mas que está em processo de redescoberta, aprofundamento e exposição da
verdade.
Apesar de estar em fase inicial à pesquisa já nos possibilita um primeiro encontro com o
universo instigante que revela um teatro de luta, que buscou suas armas por meio da
dramaturgia, da interpretação e contínua coragem. Buscamos apresentar um artigo sobre este
período não só consultando pesquisas de historiadores, mas examinando especialmente a visão
de artistas que vivenciaram,sofreram e lutaram para exibir sua arte. A apreciação do que estes
“atores” têm a expor é que engrandece nosso conceito.

3. RESULADOS E DISCUSSÃO
A questão da censura ao teatro não foi uma realidade única de um período especifico da
história brasileira, há episódios de censura antes do Golpe Militar, mas que não se apresentava
tão feroz quanto nos anos da Ditadura Militar. Mesmo porque houve uma crescente do controle
censório no Brasil, a censura à arte atingiu seu auge na Ditadura Militar. Pelo fato do teatro
apresentar características singulares que o Governo considerava perigoso, a linguagem teatral
foi a mais vigiada. O dramaturgo e advogado César Viera em entrevista a Cristina Costa afirma
que o teatro é considerado inimigo direto, pois fala olhando nos olhos e mais... A violência da
repressão intelectual sempre teve o teatro como alvo predileto. Ainda de acordo com César a

ISBN 978-85-62830-10-5
VII CONNEPI©2012
censura era relativamente branda antes do golpe e se tornou violenta após 1964. (COSTA, 2008,
p. 97)
Uma das imposições do governo era que as peças fossem enviadas a Brasília a fim de
serem analisadas pelo Departamento de Censura que tinham seus critérios altamente infundados.
Geralmente, não levavam em consideração a percepção artística, pois propendiam à coibição e o
controle do que poderia vir a ser um instrumento de conscientização da população ao governo
totalitário militar. Os artistas lutaram pela sua liberdade de expressão, mas não alcançaram êxito
enfrentando diretamente o governo. Assim a classe foi rechaçada, humilhada e desamparada,
isto fica claro pela declaração do General Juvêncio Façanha em 1968: “A classe teatral só tem
intelectuais, pés sujos, desvairados e vagabundos, que entendem de tudo, menos de teatro.”
O embate entre os artistas e o governo foi se tornando mais constante, como se pode se
verificar abaixo:
“Durante os anos mais negros da ditadura, os meios intelectuais e artísticos
sofreram duramente o peso da repressão. Centenas de intelectuais, docentes,
artistas e pessoas vinculadas à vida cultural do país foram presos, exilados e
perseguidos pela polícia e seus braços clandestinos. A produção cultural
passa a ser vigiada de perto pela censura que foi responsável pela interdição
de mais de quinhentos filmes, quatrocentos peças de teatro, duzentos livros e
incalculável número de composições musicais. Mesmo assim, nos anos de
1970, e apesar de os constantes balanços da critica apontarem para um visível
empobrecimento da produção teatral como um todo, houve iniciativas
notáveis e não só em relação ao contexto da época. Mesmo com os golpes
constantes das interdições, suspensões de espetáculos, ameaças e atentados a
teatros e elencos, persistiu em alguns setores do teatro profissional uma
atitude de abnegado enfretamento. Buscaram-se cada vez mais subterfúgios
para escapar das proibições: analogias, metáforas e alusões substituíram o
discurso provocador das encenações do foral da década passada. (GARCIA
S., 2004, Pág. 123)

Em busca de expor seu trabalho, os artistas procuraram saídas para se apresentarem. Entre
estas era comum o uso de pseudônimos entre os dramaturgos ao enviarem seus textos a Brasília,
já que muitos já eram reconhecidos pelo seu discurso político contra o governo e eram
totalmente censurados antes mesmos de serem lidos pelos censores. O uso de signos teatrais foi
outra artimanha bastante utilizada entre os diretores, assim como ,uma apresentação
diferenciada para o censor e outra para o público, já que o funcionário do governo assistia o
ensaio geral dos espetáculos a fim de verificar se o grupo acatou os cortes e censuras
determinados ao espetáculo. A pesquisadora Zappa certifica que o artista deste período
“Buscava frestas, inventava linguagens cifradas, se acomodava em locais que dificultavam a
censura prévia. E resistia” (ZAPPA, 2011, p. 60).
Durante os anos da ditadura devido à inconstância do teatro, a censura desavisada a
algumas peças prestes a entrar em cena e a teatros interditados sem aviso prévio, os
profissionais do teatro perdiam aos poucos seus investidores que mantinham mesmo que
debilitado as produções teatrais. Elucida Vianinha: - “A censura acresce a essa instabilidade
econômica do teatro, agravada por uma política cultural que marginalizou o teatro, a censura
agrava essa situação econômica porque instabiliza as possibilidades... Um produtor de teatro
não sabe mais de pode ou não montar uma determinada peça. E mesmo com a peça montada não
sabe se ela poderá ser retirada ou não.” (VIANA FILHO, 1999, p: 172), ainda os atores
contaram com agravante: boa parte do público se distanciou da plateia por motivos elucidados
pelo professor de História Carlos Aparecido dos Santos, “A classe média se afastou de vez do
teatro, influenciada pela campanha que o esquema dominante havia desfechado contra ele,
fazendo-o aparecer perante a opinião pública como um antro de perversões, violências e
subversão. O mais prudente para o potencial espectador era passar longe das bilheterias.”
(SANTOS, 2012, p. 2)
De acordo com o pesquisador Garcia uma das saídas encontradas por alguns grupos era a
encenação de peças estrangeiras que logo ganharam a apoio financeiro dos investidores e
provocaram a revolta de alguns dos mais relevantes artistas da época (Gianfrancesco Guarnieri,
Augusto Boal, Lauro César Muniz entre outros) que conceberam o seguinte manifesto,
Nós dramaturgos brasileiros, (...) denunciamos as tendências, cada vez mais
ostensivas de certos empresários e pseudo-empresários, que valorizam
sistematicamente, em suas atividades profissionais, o autor alienígena em
detrimento do escritor brasileiro, transgredindo inclusive e usando para isso
vários artifícios, o dispositivo da lei nº 1.565, de 3 de fevereiro de 1952, (...)
que estabelece a obrigatoriedade de representação pelas companhias
teatrais de peças nacionais.Viemos protestar junto ao público contra essa
perniciosa atitude” (SABATO apud GARCIA,2008, p. 114)

Independente das diferenças entre núcleos teatrais e personalidades artísticas, foi neste
período que os artistas se coligaram em prol de melhores condições de trabalho, reinvidicando
também liberação de peças, a libertação de artistas e a regulamentação da profissão.
Em 1972, o ator e Dramaturgo Vianninha declara no Jornal do Brasil que o teatro recuou
muito: há falta de continuidade de trabalho, isolamento, trabalhos esparsos,
desprofissionalização, desinteresse do publico, um experimentalismo vago, obscuro, sem fins
muito claros, um elitismo arrogante que despreza a experiência profissional, identificando-a
com concessão. (VIANA FILHO, 1999, p.149)
Devido à falta de interesse do governo em manter e incentivar o teatro, aliando-se as
censuras infundadas artisticamente e a dificuldade que era permanecer em cena, o tempo atentou
a dissolução de alguns grupos. Por outro lado os militares forçaram os artistas enxergarem
diante das dificuldades novas perspectivas e possibilidades de se fazer teatral, contando também
com a relativa organização que os artistas instituíram para conseguir vencer as barreiras
impostas pelo Militarismo. Os grupos que continuaram em cena definiram e mostraram um
ingresso para o novo teatro muito distinto do que era feito anteriormente ao golpe.

“A redemocratização do Brasil deu o impulso inicial para a vitalidade que o


teatro redescobre hoje. A euforia da Liberdade está animando os primeiros
passos criadores. Sabe-‘se, porém, que ela não é suficiente. O governo
ditatorial substituiu, nos últimos anos, com inteligência a censura ética e
política pela econômica. A miséria imposta á população pelo banditismo
oficial não pouparia o teatro, apesar da inequívoca honorabilidade dos
dirigentes do setor. É preciso que o Estado retome o dever de amparar a
atividade cênica, preceito consagrado até na Constituição fascista de 1969. A
partir de agora, o teatro tem o direito de reivindicar verbas expressivas e não
esmolas do novo Ministério da Cultura e dos governos estaduais.
(MAGALDI, 2008, p 117)

A geração pós-golpe militar trabalhou num ambiente menos carregado de censuras, mas
não com a diminuição de adversidades. Os artistas ainda padecem do apoio governamental,
mesmo após 27 anos do fim da Ditadura Militar. Vianninha acredita, para que o teatro possa ter
uma estrutura econômica que permita aos artistas brasileiros a aventura, a descoberta e a grande
participação, é preciso um regime econômico que defenda os interesses nacionais, que planeje a
produção nacional. (VIANA FILHO, 1999, p.103). Nessa perspectiva de uma realidade mais
aprazível e com a vontade de produzir independente das dificuldades inerente de muitos artistas
o teatro nacional permanece acendendo e criando apesar da conjuntura e com seu passado
sombrio.

4. CONCLUSÕES
Alegando serem mantenedores da moral e ética, os órgãos responsáveis pela censura
provocaram uma atinente interrupção no amadurecimento estético e dramatúrgico teatral
brasileiro. Inibiram novas possibilidades de crescimento da classe artística ao não possibilitarem
um ambiente propicio para sua manutenção. Esse período histórico Brasileiro é avaliado pela
reviravolta e soluções sagazes que os artistas criaram para continuar apresentando seu trabalho
mesmo com a possibilidade de serem exilados, torturados ou até mesmo assassinados.
Foi nesta perspectiva nebulosa, através de muita determinação e coragem, que no passado
os profissionais do teatro conseguiram manter a profissão.

AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus familiares que me deram um ambiente tranquilo de estudo, a
professora Lourdes Macena que nos incentivou a escrever e acreditar que éramos capazes de
produzir. Estendo meus agradecimentos aos professores do Curso de Licenciatura em Teatro
pela valiosa contribuição intelectual que nos repassam durante as aulas.

REFERÊNCIAS
COSTA, Maria Cristina Castilho, Org. Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro.
São Paulo: Annablume: FAPESP, 2008.

GARCIA, Miliandre. “Ou vocês mudam ou acabam”: teatro e censura na ditadura militar
(1964-1985). Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2008. 420 páginas. Tese de doutorado, UFRJ,
Programa de pós-graduação em História Social. Disponível em:
<www.dominiopublico.com.br>. Acesso: 15 de abril de 2012

GARCIA, Silvana. Teatro de militância: a intenção do popular no engajamento político.


2ºed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

MAGALDI, Sábato. Teatro em foco. 1º Ed. São Paulo: Perspectiva, 2008.

SANTOS, Carlos Aparecido dos. O teatro na época da Ditadura. [on line] In: Historianet –
acesso em 25 de junho de 2012 disponível em:
http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=716>

VIANA FILHO, Oduvaldo. Vianinha: teatro, televisão, política; seleção, organização e notas
Fernando Peixoto. 2º Ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.

ZAPPA, Regina. 1968: eles só queriam mudar o mundo. 3ºed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011

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