Você está na página 1de 14

PARADOXOS VIVENCIADOS POR ARTISTAS-PENSADORES

Renée Green

pesquisa artística Colégio Invisível


instituições seminário

Em 2010, Renée Green comprometeu-se a publicar seus questionamentos sobre o


tópico da “pesquisa artística”, uma categoria de práxis que ocupara a prática de Gre-
en durante toda a sua carreira antes de começar a criar um nome e, através disso,
uma nomenclatura. O artigo foi uma tentativa de pensar tanto o trabalho realizado
“antes de o termo ser designado como tal”, como a forma do pensamento artístico
no quadro de várias instituições de apoio. Este seminário toma como ponto de partida
os pensamentos de Green sobre os paradoxos vivenciados pelos pensadores-artistas
e amplia esses pensamentos através da consideração de sua própria prática criativa e
crítica, bem como de suas localizações institucionais mutáveis.

O tópico “pesquisa artística” é um dos que tenho me comprometido a pensar de várias formas ao longo
dos anos, embora não me refira a isso com esse nome. Na realidade, eu não nomeei isso. Confrontei mo-
dos de pensar e trabalhar que observei em outras pessoas que eu admirava. Nos últimos anos, a acepção
de “pesquisa artística” tem se tornado mais estabelecida como uma expressão. Como todos os termos,
possui etimologia que inclui uma história de relação entre as formas como se expressa.

Um fator no desenvolvimento dessa terminologia é seu papel no ensino superior. Todas as formas como a
expressão é usada em diferentes circunstâncias – em diferentes universidades, escolas de arte/academias/
institutos; diversas regiões e países – afetam sua definição. O que continua a me interessar é o trabalho
daqueles que eu acredito realizar o que agora pode ser chamado de “pesquisa artística”, antes de isso ter
sido designado como tal. Como eles fizeram isso, e que condições eles encontraram nos momentos em
que trabalharam e viveram? Aqueles que designo “artistas-pensadores” têm em comum o que descrevo
como “modos de curiosidade, questionamento e análise realizados por meio de uma forma de criação”.
Uma característica distintiva em cada uma de suas produções é que, mesmo que os tempos continuem a
mudar, ainda pode ser interessante revisitar e reconsiderar o que eles fizeram e pensaram. Esse desejo de
reencontrar é um aspecto que distingue muitas obras. Gertrude Stein pensou sobre esse fenômeno do seu
modo particular. Mesmo quando um artista ou uma ideia não está mais na moda, pode ser interessante;

Endless Dreams and Time-Based Streams. Animation Activation Space. New Humans
performance, 2010 Cortesia da artista e de Free Agent Media

Endless Dreams and Time-Based Streams. Reading Performance Workshop, rehearsal with Greg Tate, 2010
Cortesia da artista e de Free Agent Media
TEMÁTICAS | RENEE GREEN
129
a moda não determina se alguém deseja retornar a conhecimento daqueles que são obrigados a criar,
um trabalho. Isso é tão surpreendente quanto mis- de maneiras parecidas com as que eu descrevo, e
terioso. Para muitos que se denominam “artistas”, que conseguiram transformar a complexidade da
isso é um desejo, mesmo que não reconhecido: vida em formas e práticas particulares e atraentes
que outros queiram retornar ao seu trabalho. Pelo sob uma gama de condições.
menos que pessoas diferentes retornem aos seus
Em uma conversa sobre o livro Mil platôs, Gilles
trabalhos ao longo do tempo. Para muitos, o dese-
Deleuze sugere a possibilidade de algo que é re-
jo de que um aspecto de suas vidas seja lembrado
lacionado à pesquisa artística, mas que também
como significativo continua a motivar as ações dos
poderia ainda ultrapassar a expressão:
vivos. Apesar das muitas referências à imaterialida-
de e ao virtual que emergem ao longo do tempo, Aqui, mais uma vez, tem a ver com a forma
o desaparecimento completo não parece ser um como o próprio trabalho de alguém pode levar
desejo humano básico. a convergências não esperadas e novas impli-
cações, novas direções no trabalho de outras
Mesmo que a direção do presente, apontando para
pessoas. E nenhum status especial deve ser
o futuro, seja aumentar as formas de especialização
atribuído a qualquer campo específico, seja a
por meio de treinamentos que se tornem mais pa-
filosofia, a ciência, a arte ou a literatura.1
dronizados – ensinando vocabulários e métodos de
avaliação combinados, permitindo mais facilidade ao Embora me interessasse muito elucidar os comen-
fluir de um lugar para outro, criando termos de troca tários precedentes com exemplos, estudos de caso
inequívocos –, continuo interessada no que não se de artistas-pensadores que estou curiosa para ana-
encaixa nesses padrões. Uma razão pode ser que eu lisar de novo e de novo – Muriel Rukeyser e Hollis
ache reconfortante saber que ao longo da história Frampton, por exemplo –terão de esperar as con-
houve criadores-pensadores que foram formados de dições adequadas (de tempo e apoio financeiro).
maneiras que variam daquelas encorajadas no pre- O que a maioria dos artistas-pensadores enfrenta,
sente, e que possa existir uma ressonância do que porque eles são compelidos a seguir caminhos que
podem não cruzar com as direções fornecidas pela
eles fizeram e pensaram que permita ainda a possibi-
lógica capitalista, é o esforço para criar o espaço
lidade de imaginar diferente.
dentro do qual possam trabalhar e pensar, por mais
Neste ponto, seria de interesse para mim saber que isso seja capaz de se manifestar por si mesmo.
mais sobre os processos de trabalho e as condições Libertar-se do fardo desse desafio é uma promessa
de apoio que os artistas-pensadores experimenta- da pesquisa artística dentro da universidade: um es-
ram em diferentes circunstâncias. A designação paço evidente para a concentração e a criação. Essa
“artista-pensadores”, como estou usando, refere- é uma fantasia nobre que impulsiona a busca de
-se àqueles que são conduzidos pelos modos men- mais títulos e mais dívidas. É uma aspiração com-
cionados de “curiosidade, questionamento ampa- preensível. Infelizmente, é uma circunstância rara,
rado e análise” para realizar suas criações – não à qual muitos aspiram. O que fazer? Nas páginas
obstante a consciência da complexidade de suas seguintes, forneço provocações e possíveis incenti-
condições de vida e não importando quais sejam vos para manter vivo o ímpeto de tais sonhos, em
as consequências. Essa não é uma visão idealista conjunto com dados que refletem as condições e o
ou romântica do artista-pensador. Apenas um re- potencial desse momento em particular.

130 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


O texto que se segue é adaptado de uma apre- ção superior em arte e cultura. A difusão in-
sentação feita em Bruxelas na conferência Euro- ternacional desses modelos e outras questões
pean Artistic Research Network, realizada em ju- sobre como seguir adiante.
nho de 2010. Eu o ofereço aqui como mais um
2

O foco de meu resumo difere um pouco em nu-


estímulo para a continuação das discussões sobre
ança do terreno que foi sugerido que eu cobrisse,
pesquisa artística.
que começa com o seguinte: “Assunto: ‘A Pós-Gra-
duação em Artes no Processo de Bolonha como
Salve o Colégio Invisível/”Senso de humor da
um refúgio para práticas críticas e experimentais’”.
razão”
Há algumas palavras nessa sugestão que são par-
Os paradoxos do saber-prazer e o “senso de hu-
ticularmente pertinentes ao que direi e que são:
mor da razão” compartilham um senso de aven-
refúgio, crítica e experimental. Por favor, man-
tura ao qual retornarei. Enquanto estiver falando,
tenham isso em mente. Antes de fazer qualquer
os slideshows irão projetar imagens, com o obje-
afirmação, gostaria de descrever o terreno que ex-
tivo de fornecer um contraponto e um refrão que
plorarei. Continuarei a citar mais da descrição que
adentre e saia do que estou dizendo.3
recebi, para destacar alguns interesses e diferenças
Salve o Colégio Invisível ou O que pode importar comuns. Enfatizei o que interpretei como palavras-
agora? foi meu título original. Eu o mudei para -chave ou frases:
tentar uma abordagem mais otimista, uma vez
Na Europa continental existem atualmente
que os tempos podem estar depressivos o suficien-
muitas preocupações sobre a Declaração de
te e porque eu continuo interessada no que pode
Bolonha que visa homogeneizar uma educa-
ser possível, mesmo quando isso não parece viável
ção ART [capitalizada] e racionalizá-la de acor-
por algumas das condições atuais.
do com o modelo anglo-americano com vários
Para contextualizar o tom do que se segue, es- graus universitários mais curtos, com resulta-
crevi o resumo preliminar para esta apresentação, dos de aprendizagem claros e comparáveis.
no calor das contínuas transições e lutas que com- Provavelmente, o medo mais forte, alimenta-
põem o ano acadêmico, particularmente em meus do pela crescente burocratização e a cultura
papéis de decana e membro do corpo docente, e de resultados [estes seriam impulsionados pelo
também como artista que tinha acabado de abrir capital], em torno desse processo é que toda
Endless Dreams and Time-Based Streams, uma se- individualidade e possibilidade para um mode-
gunda grande exposição temática seis meses depois lo de longo prazo, mais processual, reflexivo
da primeira, Ongoing Becomings, que ocorreu em e menos vinculado a resultados da educação
outro continente. No resumo, eu dizia: artística, desaparecerão com esse projeto.

Esta parece uma avaliação precisa.


Algumas reflexões sobre os paradoxos do sa-
ber-prazer versus a disseminação dos negócios 1. “Que condições devem ser satisfeitas para
da educação quantificável, acessível e gerado- que a pós-graduação em arte [MA/MFA] seja um
ra de lucros no mundo anglo-americano. As possível refúgio para uma prática de arte crítica
ramificações e tensões que cada vez mais têm dentro de um contexto mais formalista do siste-
surgido em florescentes programas de educa- ma universitário?

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


131
2. A pesquisa em arte parece ser um novo para- mente online; Então o que distinguiria o que dizem
digma [na Europa]. É realmente um novo paradig- pessoas diferentes? Sistemas de crenças?
ma? Isso também desempenha um papel nos seus
De qualquer forma, falo agora, passados estes últimos
institutos? Que potencialidades existem para uma
cinco anos, muito imersa na chamada área da baía
prática artística autônoma e crítica?
de São Francisco, na Califórnia, fazendo dez anos do
3. Existe uma necessidade de teoria orientada para estouro da bolha pontocom, e ainda repleta de suas
a prática no ensino de pós-graduação em arte? lascivas tecnologias. Esse é um ponto de referência
4. Em uma sociedade pós-fordista, a prática artís- particular dessa área, já que Apple, Google, Oracle,
tica também está sujeita à lógica de um mercado Facebook e Pixar são todos baseados nessa região; e
neoliberal. O academicismo do ensino superior em o vale do Silício fica bem próximo. Quantas pessoas
artes oferece um caminho alternativo para uma aqui na plateia têm um iPad? [Ninguém levantou as
prática artística que é crítica e não necessariamen- mãos]. Anúncios para essas, supostamente apelando
te orientada para produtos? Por quê?/Como?” para a demografia projetada, saturam os outdoors vis-
tos nas ruas e estradas dessa localidade. Ainda é uma
Eu também estou curiosa sobre todos esses itens.
localidade, com condições materiais físicas, apesar de
Gostaria de abordar alguns dos pontos menciona-
uma midiatização que implicaria a existência da vida
dos, concentrar-me em algumas das palavras-chave
destacadas e considerá-las em relação às condições principalmente através de telas de vários tamanhos,
e materiais que investiguei e encontrei. Também gos- onde quer que se esteja.
taria de me referir a histórias específicas, que podem As formas de tratamento relativas às questões e
levar a diferentes questões, e talvez apresentar outras preocupações que obtive para esta conferência
dimensões sobre como as preocupações levantadas sinalizam modelos iluministas de discurso ponde-
podem ser ponderadas. Meu quadro de referência é
rado que podem ser semelhantes a formas parla-
transnacional, o que me leva a tentar entender histó-
mentares de discurso, que estão em discordância
rias específicas e complexos vínculos historicamente
com um contexto de dispersão agressiva, indivi-
em relação ao presente.
dualista ou atomística combinada e uma conec-
tividade impulsionada por meio da publicidade e
De que posição eu falo? Especialista? Artis-
de formas de ‘estilo de vida’ – físicas, virtuais ou
ta? Pensador? Avatar da mídia?
online – as quais acabei de descrever.
De que posição eu falo? Parece-me que a questão
Essas formas publicitárias cercam o lugar que eu
é relevante neste momento atual da Web 3.0, uma
habito e percorro. Acredito que essas formas tam-
época de produsers [produtores-usuários], em vez
bém ocorram em outros lugares, talvez em graus
de prosumers [produtores-consumidores]. O modo
diferentes. Sugiro que se entenda mais sobre essa
anterior, da Web 2.0 de uma década atrás, foi
mistura de forças – vale do Silício, pesquisa e uni-
anunciado pela revista Time, órgão de mídia dis-
tribuído internacionalmente e produzido nos EUA, versidades, gastos militares e universidades, um
quando em 2007 noticiou que “A Pessoa do Ano de colapso econômico global, os desejos de muitos
2007 é VOCÊ!”, com letras maiúsculas e um ponto povos em todo o mundo, circulação de capital e
de exclamação.4 Declarar o ponto de vista parece questões de refúgio para práticas artísticas críticas,
ser tudo o que é necessário no presente, especial- por exemplo – ser concebida em conjunto, pois re-

132 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


conhecer essas interseções paradoxais é relevante porta em relação à arte? Pesquisar? Pesquisar em
para nossa discussão. relação à arte? Em que tipo de relação?

Podemos também pensar em conjunto sobre estas A questão da expertise é crucial para os temas
três noções: a do especialista, a do artista e a de arte de “contra-atacar”, a institucionalização do co-
conceitual – pois penso que cada uma delas se rela- nhecimento e como essa prática está atualmen-
ciona de alguma forma com o que estamos discutin- te implantada e, de modo particular, em relação
do, em termos de imaginar algo chamado ‘pesquisa ao que chamamos de arte. Isso também exigirá
artística’, outra designação a ser repensada. alguma análise e definição, sobretudo porque a
arte, apesar das formas de interdisciplinaridade,
O que o Processo de Bolonha supostamente está perifericamente posicionada em relação a
provoca e questões a considerar com ase em outras áreas disciplinares em universidades de
outros modelos pesquisa; nelas, a ciência é a forma orientadora
da razão, bem como dos modos de avaliação do
“A academia contra-ataca” – como O Império con-
que é viável e do que deve ser apoiado. Voltarei
tra-ataca – é um título provocativo: quais são as
às noções de viabilidade e suporte em relação
apostas e os posicionamentos? quem está atacan-
à arte – conforme agora a definimos. A forma
do o quê? Talvez pudéssemos considerar a seguinte
de a definir permanece uma questão. Testemu-
questão como um refrão ou mantra provocativo e
nha debates entre o corpo docente em relação
possivelmente obrigatório: “Dadas as nossas situa-
a currículos viáveis para uma escola de arte do
ções e condições complexas, o que é fundamental
presente, por exemplo. Como a expertise é ago-
para pensar, criar e agir no presente?”
ra concedida e o que e quem se beneficia com
Se a academia representa o conhecimento institu- essa designação? É basicamente uma noção
cionalizado e suas formações, enquanto os artistas burguesa, comparável a outras designações de
historicamente lutaram contra o academicismo, o disciplinas do século 19, e com padrões inventa-
que é diferente no cenário atual que estamos ten- dos destinados a reforçar territórios profissionais
tando articular e analisar? Quais são os papéis que e funcionar como filtros; ou é uma aspiração ao
estão sendo desempenhados e onde o poder e o consenso, concordar com a qualidade? Uma re-
conhecimento estão sendo atribuídos? Quais as gressão pós-faça-você-mesmo? Podemos pensar
condições que mudaram? com mais cuidado sobre educação e capitalismo
e como eles afetaram um ao outro nacional e
As questões propostas para esta conferência são
transnacionalmente? Agora, durante o atual co-
as constrangedoras que colocarei em minha tor-
lapso econômico, isso é particularmente premo-
tuosa narrativa, uma vez que aponto para alguns
nitório. Mas algumas histórias e Histórias podem
paradoxos, provocações e outras questões que, es-
ajudar na narrativa que estou compondo.
pero, possam gerar pensamento e discussão. Sou
uma especialista? O que me possibilita ser uma es-
Algumas formações. Alguns contextos
pecialista? O que a expertise pode agora significar?
O que isso permite e o que implica? Como isso é Passei sete anos nos EUA desde que deixei a Aca-
determinado? Como isso importa? Como isso im- demia de Belas Artes em Viena. Refletir sobre meus

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


133
encontros relacionados à educação durante esse volvida por Sha Xin Wei, titular do Canada Rese-
período pode interessar neste processo de imaginar arch Chair em Arte e Comunicação e diretor do
futuras direções. Buscar um território para ence- Topological Media Lab da Universidade Concórdia,
nar o que pode vir a ser imaginado posteriormen- em Montreal. Ele descreve como a pesquisa de
te como uma possibilidade de “pesquisa artística” arte difere de outras formas de pesquisa:
era então um objetivo. Como Gilles Deleuze e Félix
Guattari5 nos lembram em O que é a filosofia?: A pesquisa nas artes é bem diferente da pes-
quisa em engenharia, que por sua vez é dife-
É necessário ver como cada um, em todas as
rente da pesquisa científica. É mais parecida
idades, nas menores coisas, como nas maio-
com as humanidades em sua atenção para o
res provações, procura um território para si,
particular do que com o sistêmico, mas ela cria
suporta ou carrega desterritorializações e se
conhecimento através de questionamentos es-
reterritorializa quase sobre qualquer coisa –
téticos e críticos, envolvendo tanto experiên-
lembrança, fetiche ou sonho.
cias materiais e concretizáveis como conceitos.
Ao pensar nestes últimos anos, observei que
muitas vezes tenho refletido sobre a noção de Como outros modos de pesquisa, a pesquisa
em arte gera um conhecimento transferível:
“formações”. Os seguintes títulos dão uma indi-
ela gera novas percepções e modos-de-fazer,
cação para alguns dos que fundamentaram esse
porque pode ser compartilhada por mais de
pensamento e, em particular, esta apresentação:
um indivíduo; o que é aprendido no contexto
The education of Henry Adams. Sentimental edu-
de um projeto de arte pode ser aplicado em
cation. Ivy and industry. Art subjects. Conceptual
um outro distinto.
art: theory, myth, and practice. Reading California.
Age of extremes. The new spirit of capitalism. Cri- Como a pesquisa dos demais domínios, a
tique of psychoanalytic reason. pesquisa em arte tem seu próprio arquivo,
mas enquanto os historiadores fariam uso de
Buscar lugares para realizar o trabalho de um ar-
arquivos textuais, e os antropólogos utilizam
tista-pensador continua sendo um grande desafio.
materiais reunidos no trabalho de campo,
Eu já testei essa possibilidade em diferentes locais
a abordagem da pesquisa de arte parte do
– desde a Universidade da Califórnia em Santa
conjunto de obras anteriores e os comentá-
Bárbara (UCSB), uma universidade de pesquisa,
rios críticos que as cercam. Tal como outras
até um instituto de arte privado, bem como vá-
pesquisas, a pesquisa de arte é ilimitada, não
rios programas de estudo independente. Parte do
podemos declarar antecipadamente o que é
que foi necessário nesse esforço envolveu a con-
o ‘acessável’: se nós já sabemos a resposta,
frontação de evidências difíceis e a abordagem de
então não precisaríamos fazer a pesquisa.
questões sérias sobre como a pesquisa é definida
e percebida em todos esses diferentes meios – uni- A pesquisa de arte não é o mesmo que a
versidades de pesquisa, academias de arte, esco- prática artística. Por que deveria ser esse o
las/institutos/faculdades de arte e programas de caso? Nem todo artista compartilha seu co-
estudos independentes. nhecimento de trabalho com seus colegas,
Uma interessante definição de pesquisa artística nem precisa fazê-lo. As práticas artísticas
que pode ser analisada e aprofundada foi desen- variam amplamente, e uma grande parte de

134 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


sua vitalidade vem de suas formas autôno- sição da arte conceitual como uma arte exilada” e
mas de realização. 6
a noção, do início da década de 1970, da arte con-
ceitual como uma manifestação do “artista fora da
Várias histórias obra” ou de uma “arte sem-teto dos deslocados
culturais” ainda ressoam.
Analisar experiências em educação e arte nos
EUA através de uma lente histórica e a distância A Art & Language continua a promover a vi-
como artista – já que o distanciamento, mesmo são da arte conceitual como uma prática que
que temporário, é uma das possibilidades de di- emergiu inesperadamente de um desejo de re-
ferenciar historicamente o que são o artista e o sistir a uma noção de competência profissional
pensador –, ao criar e escrever trabalhos e fazer na arte. Eles afirmam que se tornou cada vez
apresentações como esta, tem sido permitido. mais evidente para uma geração de artistas que
Observar as condições dos artistas do passado amadureceram durante a década de 1960 que
e do presente é parte dessa análise do que tem “os objetos de arte agora dependiam do en-
sido possível e gestado. Dado que a “pesquisa quadramento das instituições de apoio”. Isso
artística” é pouco valorizada dentro do que se levou eles e outros à conclusão de que “não
compõe como propósito institucional (sendo a era tão necessário ‘funcionar’ quanto trabalho
receita monetária uma das principais preocupa- do que sobre as circunstâncias do trabalho”. O
ções), e enfrentando a falta de apoio de vários problema tornou-se uma busca por maneiras
tipos, foi necessário desenvolver um instituto de “seguir adiante”.9
dentro de um instituto para criar temporaria- Explorar a história da expressão “colégio invisível” é
mente autonomia suficiente a fim de experi- útil para compreender a duração e as modificações
mentar um desejado “refúgio” de conhecimen- das ideias associadas a ele, e como essas ressurrei-
to-prazer, mesmo que por um dia na semana. ções podem ser entendidas em relação ao tema da
Isso foi promovido durante cinco anos por meio ‘pesquisa artística’, das reavaliações da arte concei-
do “Spheres of Interest: Experiments in Thinking tual e das noções recorrentes dos bens comuns:
and Action” (Esferas de Interesse: Experiências
A ideia de um colégio invisível tornou-se in-
em Diluição e Ação), um seminário de pós-gra-
fluente na Europa do século 17, em particular,
duação e séries de palestras que permitiam con-
na forma de uma rede de sábios ou intelectuais
frontar questões de significação e participação,
que trocavam ideias. Esse é um modelo alter-
e que funcionavam como uma espécie de colé-
nativo ao da revista erudita, dominante no sé-
gio invisível.7
culo 19. A ideia de colégio invisível é exempli-
ficada pela rede de astrônomos, professores,
Nômades e sem-tetos: arte conceitual e algu-
matemáticos e filósofos naturais na Europa do
mas consequências
século 16. Homens como Johannes Kepler, Ge-
A noção de um colégio invisível faz referência à org Joachim Rheticus, John Dee e Tycho Brahe
introdução a um ensaio de Michael Corris,8 “An transmitiam informações e ideias uns aos ou-
Invisible College in an Anglo-American World”, tros em um colégio invisível. Um dos métodos
no qual ele fornece uma análise histórica da Art & mais comuns usados para se comunicar era
Language, da qual ele fazia parte. A noção da “po- através da marginalia, anotações escritas em

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


135
cópias pessoais de livros que foram empres- de hoje, pois contribuímos com nossos amigos
tados, dados ou vendidos. (...) A expressão isolados. Há boas razões para manter vivo o
agora se refere principalmente à livre trans- sonho da coletividade.11
ferência do pensamento e da perícia técnica,
Em todas essas ruminações, parece necessário lem-
geralmente realizada sem o estabelecimento
brar o que se relaciona com a arte, em sua pleni-
de instalações designadas ou da autoridade
tude e provável profundidade, reconhecendo que
institucional, mas disseminada por um sistema suas possibilidades infinitas eram provavelmente o
vagamente conectado de referências mediante ímã inicial para se engajar em tudo isso com esforço
o boca a boca ou de um sistema de quadro de agora descrito como “pesquisa artística”. Isso inclui
avisos localizável e sustentado por meio de tro- a história e os debates em torno da arte conceitu-
cas (ou seja, um comércio de conhecimento ou al. Modelos exemplares como a Art & Language, o
serviços) ou aprendizado. No início, ao expres- Whitney Independent Study Program, a Maumaus
são também incluía certos aspectos hegelianos School of Visual Arts e várias publicações e mate-
de sociedades secretas e do ocultismo... riais relacionados que agora estão se tornando mais

O colégio invisível é semelhante ao antigo sis- disponíveis demonstram momentos de pesquisa


rigorosa referente à arte, estética, política, cultura
tema corporativo, mas não detém nenhum
e se aproximam de histórias particulares e de deba-
poder em círculos escolásticos, técnicos ou
tes relativos à arte em seu sentido mais complexo.
políticos reconhecidos. É apenas uma tenta-
Observei que esse tipo de especificidade para uma
tiva de contornar obstáculos burocráticos ou
referência histórica frequentemente foge de dis-
monetários por indivíduos e grupos de civis
cussões e projetos em escolas e programas de arte
esclarecidos. Essas entidades geralmente sen-
quando a pesquisa é promovida sem a estrutura ou
tem necessidade de compartilhar seus mé-
formação mencionada acima, em detrimento dos
todos com os companheiros de jornada, por
esforços da arte e da pesquisa. De minha perspecti-
assim dizer, e de fortalecer as técnicas locais
va como artista, seguindo as trajetórias de Douglas
por meio da colaboração. Os membros de um
Huebler e Thomas Lawson – ambos decanos em
colégio invisível são hoje chamados intelectuais
uma escola de arte, a Cal Arts –, e continuando a
independentes.10
produzir obras, fazer da escola parte da ‘pesquisa
Ao pensar ainda hoje sobre a ideia de um “colégio artística’ e desenvolver trabalhos inspirados nesses
invisível”, Corris ofereceu a seguinte observação, paradoxos e complexidades têm sido aspectos en-
feita no contexto de uma reflexão sobre a maneira riquecedores.
como a economia do conhecimento abraça a co-
Escolhas críticas ainda são possíveis em meio a
municação a distância; e na qual sugere o requeri-
uma enxurrada de opções e apesar do transtorno
mento de partes interessadas para um movimento
do deficit de atenção (TDA), que encontrei pela pri-
tático na direção do contato cara a cara:
meira vez na UCSB quando os alunos começaram
O único programa ético, em minha opinião, é a descrever sua “deficiência” e que precisariam de
aquele que não tem nada a ver com o modelo atenção especial dedicada a ela por mim enquanto
pedagógico da academia... até mesmo o “colé- instrutora. Aprendi mais sobre essas designações e
gio invisível” pressupõe em demasiado nos dias sintomas enquanto trabalhava e vivia na Califórnia,

136 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


um lugar onde novos seres humanos surgiram nas As lutas para criar espaços de conhecimento, inves-
circunstâncias mais distantes que se possa imagi- tigação e criatividade nos Estados Unidos foram
nar de uma formação intelectual e da existência de principalmente ligadas a propósitos industriais e
Kant, algo a se considerar quando pensarmos em militares – e paradoxalmente também a objetivos
como conceituar a razão e suas aplicações e como humanistas –, portanto, à recorrente dimensão
poderiam ser agora recebidas. pragmática, sugerida pelo título “A evasão america-
na da filosofia: uma genealogia do pragmatismo”,
Ivy e o deficit da indústria: um enigma do de Cornel West.13
aumento da necessidade de financiamento Minha perspectiva é influenciada pelos tempos em
público versus aumento da dependência do que vivemos e pela evidência do que é inevitável.
setor privado Isto é particularmente aparente agora no estado
Para discutir o presente, é necessário entender a da Califórnia, um paraíso concebido por várias
genealogia que afeta as estruturas atuais em ter- razões, entre elas seu sistema de ensino superior
mos de ensino superior. Uma diferença significati- público incorporado pela Universidade da Califór-
va entre os modelos anglo-americanos e o sistema nia, que tem sido até agora local para proliferação
europeu é que o lucro tem sido um grande impul- de invenções, pesquisas, e base de criação de co-
so na organização do ensino superior nos EUA. 12 nhecimento para os artistas, conseguindo ser par-
ticularmente valorizada e servir de inspiração por
Estou sendo um pouco reducionista e esboçando
ter instigado o que pode ser considerado inúme-
isso em traços muito gerais, mas o que estou deli-
ras formas de “pesquisa artística”. Entre eles estão
neando são indicações do que poderá ser reconhe-
Allan Kaprow, Eleanor Antin, David Antin, Helen
cido em relação às condições atuais que estamos
Mayer Harrison e Newton Harrison, Paul McCarthy,
discutindo. Isso não é surpreendente se a maior
John Baldassari, Chip Lord, Babette Mangolte, Ste-
parte da história do “novo mundo” for conside-
ve Fagin, Bruce Yonemoto, Trinh T. Minh-ha e, mais
rada em termos da expansão mercantil europeia,
recentemente, Mary Kelly, Barbara Kruger, Teddy
que no presente podemos pensar como historica-
Cruz, Yvonne Rainer, Kyong Park e Trevor Paglen,
mente diferente, ainda que análoga à globaliza-
para citar alguns poucos.
ção. É importante reconhecer isso, especialmente
quando discutimos o que é possível realizar e no Mas existe o mito; e então existem as condições.
que apostar para criar situações em que as ideias Para entender a dinâmica do conflito que estou
e a criação possam florescer. Ideias têm sido pos- descrevendo seria necessária uma análise histórica
síveis, mas sempre em um estado de obstrução – das maneiras pelas quais os artistas tentaram de-
à custa de alguém – e isso continua, embora os senvolver plataformas dentro de universidades de
lances agora sejam ainda maiores. Isso é parte do pesquisa; e isso é uma investigação muito comple-
que é invisível ou esquecido, mas se torna evidente xa para esta apresentação. Em vez disso, investi em
quando se investiga a história até mesmo dos mais discussões com artistas e colegas envolvidos em
estimados pensadores americanos. Em parte isso pesquisa e arte, os quais compartilharam dados
pode ser atribuído a uma tensão entre uma evasão [outra palavra-chave] comigo, e investiguei mais
da moderna filosofia europeia (o transcendentalis- a respeito do desenvolvimento de algumas ideias
mo de Emerson) e um projetado Destino Manifesto. sobre o que parece possível dadas as circunstân-

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


137
cias – nas quais o financiamento privado domina A crença de que não há alternativa, insiste ele, não
até mesmo o setor de ensino superior público na é verdadeira. Isso foi refutado, ele afirma, pelas
Califórnia, assim como o de instituições privadas lições aprendidas – e desde então esquecidas –
de ensino. Isso é uma adição à receita gerada pela durante o New Deal. Como um meio de desafiar
mensalidade, que aumentou continuamente, en- uma percepção deprimente de estagnação, Bre-
quanto as necessidades de infraestrutura e a oferta chin continua a explorar essa história anterior da
acadêmica diminuíram. Califórnia no projeto The Living New Deal como
um meio de utilizar outros modelos do que pode
O geógrafo social Gray Brechin observou que
ser possível no presente.14
a educação pública e o conceito de bem público
não foram defendidos desde o advento dos regi- Essas observações sobre o ensino superior na Cali-
mes Reagan e Thatcher. Usando a Universidade da fórnia e o deficit para com o público são ainda rea-
Califórnia (UC) como seu exemplo, ele verifica que firmadas por Christopher Newfield15 em “Avoiding
em 1967 a universidade pública era gratuita. Ago- the coming higher Ed Wars”. De sua perspectiva,
ra, apenas a mensalidade é de aproximadamente em 2010, ele afirma:
US$ 10.000 por ano. As despesas de pós-gradu- Vou me concentrar no que os californianos
ação da UC Berkeley para residentes na Califórnia aprenderam no ano passado: que as lideran-
por ano são de US$ 34.286 e de US$ 49.526 para ças do ensino superior ainda são incapazes de
não residentes. Ele descreve como a noção de que demonstrar a necessidade de reconstruir o fi-
o mercado deveria ser aplicado ao monopólio pú- nanciamento público ...
blico aumentou durante o mandato de Reagan. E
[Nós] precisamos compreender a natureza es-
observa que “se a Universidade da Califórnia cair”,
trutural da crise de financiamento. O declínio
isso não é simplesmente um sintoma ou questão
chocante da Califórnia antecedeu os cortes
americanos, mas sim algo de importância mundial,
mais recentes e foi produzido não por desa-
já que tem sido um modelo do que uma universida-
celerações econômicas, mas pelo modelo de
de pública de pesquisa pode efetuar no mundo. Os
financiamento americano que reformulou o
processos de privatização estão em andamento há
ensino superior nos últimos 30 anos. Os Esta-
algum tempo, já que os indivíduos e as corporações
dos Unidos contaram com baixa taxa de matrí-
suplantaram a contribuição pública para a universi-
cula para garantir o acesso em massa quando
dade e, nesse processo, afetaram o tipo de trabalho
liderou o mundo em medidas de qualidade e
realizado. A primeira grande invasão, ele observa,
aproveitamento educacional. O modelo ame-
foi promovida contra a UC na década de 1990 pela
ricano, no entanto, depende mais de fundos
Novartis, uma empresa químico-agrícola e, mais
privados dos estudantes e de suas famílias do
recentemente, pela British Petroleum, com uma
que qualquer outro modelo nacional de finan-
“doação” de 500 milhões de dólares. Ele resume os
ciamento, e as faculdades e universidades dos
processos decorrentes desta forma: “Por sua vez, o
EUA cobram atualmente algumas das mais al-
currículo torna-se radicalmente distorcido, porque
tas mensalidades do mundo.
ele tem seu próprio campo gravitacional centrado
na influência dos investidores”. O modelo americano de financiamento se saiu
bem em aumentar as mensalidades e doações,

138 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


porém aumentando irrisoriamente o nível edu- sugere em sua frase, “senso de humor da razão”,
cacional. Ter o melhor dos dois mundos – fa- que ela descreve como um exemplo de “novas for-
mílias dispostas a pagar um prêmio para enviar mas de trabalhar em conjunto”. Ela menciona isso
seus filhos a faculdades de elite e contribuintes em relação à sua colaboração com Léon Chertok e
dispostos a fornecer generosos recursos públi- às posições heréticas que podem ter sido atribu-
cos – criaram juntos o modelo. Embora o finan- ídas em seus campos; ele como um psicanalista
ciamento público fosse alto, as universidades desafiando a base da instituição psicanalítica e ela
públicas poderiam funcionar como parte de um como uma epistemologista que continua a levan-
sistema terciário diferenciado, mas ainda relati- tar questões e,
vamente integrado e geralmente superior. Mas Quem não acredita que sabemos – ou mesmo
o financiamento público por aluno tem estado que podemos saber – do que a razão será ca-
estável ou em queda há quase 30 anos, e isso paz; e quem vê nos discursos epistemológicos
reduziu a qualidade e a acessibilidade dos 80% sobre a singularidade da ciência moderna o es-
de estudantes de faculdades e universidades forço fútil de fundar como um princípio o que
que frequentam instituições públicas. Recentes é claramente um fato histórico: a saber, que
cortes drásticos agora ameaçam tornar o ensino em certos campos e sob certas condições os
superior dos EUA uma faca de dois gumes: de humanos descobriram uma maneira nova e his-
um lado rico, do outro pobre, muito parecido tórica de como trabalhar juntos. Essa posição
com nossas medíocres escolas de ensino médio se opõe não apenas a outros epistemólogos,
e fundamental. mas também a todos os cientistas e críticos da
ciência que sentem a necessidade de conferir
A experiência da Califórnia precisa ser pon-
uma identidade à ciência. Normalmente, essa
derada com cuidado. Revela a verdade nua e
identidade se destina a justificar – ou conde-
crua de que o modelo americano de financia- nar – categorias inevitáveis, e o que resta, que
mento não é uma síntese entre opostos, mas é apenas um aspecto subjetivo. Que esta cisão
uma autocontradição que agora se desfaz. Isso possa ser justificada “em nome da ciência” ou
porque seu sucesso por um lado provocará seu “em nome da razão” e não avaliada em seus
fracasso pelo outro: seu êxito com o financia- riscos e relevâncias é para ela uma indicação
mento privado, especialmente com o aumento do que resta a ser inventado: novas maneiras
das mensalidades, ajudou a reduzir o financia- de trabalhar em conjunto, ou o que poderia
mento público. ser chamado de senso de humor da razão.16

Um exemplo disso de que me recordo entre uma


Conclusão
variedade de experiências colaborativas, e que
A importância de criar bases de trabalho, laços e pode ser entendida relacionada à pesquisa artís-
redes com outras pessoas; ser capaz de trabalhar, tica, mesmo que não tenha sido designada como
pensar e criar – além de redes sociais corporativas, tal, ocorreu em um encontro marcado que tive
mesmo quando trabalhamos em universidades e com Isabelle Stengers, Friedrich Kittler e Penelope
escolas de arte corporatistas – é uma necessida- Georgiou em Viena durante 1993; foi organizado
de inventiva, semelhante ao que Isabelle Stengers por várias pessoas que estavam, então, evidente-

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


139
mente interessadas em explorar o que eu interpre- vergonha àquele que permanece à margem,
taria como o “senso de humor da razão”: Diedrich comentando. Na verdade, o ponto não era
Diedrichsen, Stephan Geene, Stella Rollig, Sabeth mais, não poderia mais ser, como se juntar a
Buchman e Jutta Koether. A combinação de par- Artaud, assim como o próprio Artaud, para
ticipantes convidados foi originalmente planejada quem escrever era escrever “para” o iletrado,
para incluir Félix Guattari, que faleceu antes que “para” o rato agonizante, ou ao bezerro aba-
pudéssemos nos reunir. tido, não significaria que ele identificasse a si
mesmo com um analfabeto, um rato ou um
A reunião foi uma tentativa de criar uma forma
bezerro. O ponto é o devir e o devir é sempre
diferente de engajamento pelos meios da experi-
uma via de mão dupla17
mentação – por exemplo, o arranjo físico de criar
uma acomodação não hierárquica dos assentos, Lembro-me de muitas experiências diferentes
e não baseada no proscênio, entre os participan- com conhecimento e arte que podem ser deno-
tes convidados e o público; ou fornecer reações minadas “pesquisa artística”, uma designação
imediatas a clipes de filmes, bem como reações necessariamente ampla, apesar de nossas defini-
instantâneas a perguntas. Isso produziu modos de ções específicas de desenvolvimento. Os slides que
engajamento improvisados e intuitivos, baseados acompanharam esta palestra apresentaram alguns
em diversas formas de conhecimento. exemplos. Compreender o potencial de nossas vá-
rias operações e os esforços contínuos necessários
Stenger elabora mais sobre tais possibilidades, em
para criar e implementar diferentes modos de co-
sua descrição da combinação do trabalho de Gilles
nhecimento, apesar dos obstáculos que existem, é
Deleuze e Félix Guattari, que interpreto como ins-
crucial – dar a vida, em vez de tirá-la.
tanciação de potencial, representada pelo “senso
de humor da razão” ou o desafio estimulante de
pensar com o outro:
Tradução Matheus Simões
De um jeito ou de outro, quando Deleuze en- Revisão técnica Bernardo Carvalho (Vancouver
controu Guattari, o problema mudou. O filó- Film School)
sofo não está mais pensando por procuração,
Paradoxes experienced by artists-thinkers, foi
mas junto com o que os americanos chamam publicado em Feminist Seminar at Montréal,
de um ativista, o incansável ator, pensador, em 2013.
cartógrafo e conector de processos coletivos
de desterritorialização, de criações de agencia-
mentos coletivos de enunciação, que são me- NOTAS
nos contra o capitalismo do que produzido em
1 Deleuze, Gilles. Negotiations. New York: Columbia
um processo experimental afirmativo de fuga
University Press, 1995: 30.
tanto do plano do capital quanto do plano da
sujeição. Pensar com Guattari excluiu a queixa 2 Green foi a oradora principal do The Academy
subjetiva e depressiva – como ser um filósofo Strikes Back, a apresentação final de um projeto
diante de heróis solitários, cuja provação, para de dois anos destinado ao atual academicismo da
além dos limites dos sentidos, pode inspirar educação artística. O projeto teve início no contexto

140 A r t e & Ens a i os | r ev is ta do ppg a v /eba /uf r j | n. 3 8 | julho 2019


da European Artistic Research Network (EARN) [Rede maio e 4 de julho de 2010.
Europeia de Investigação Artística], e foi desenvolvido
12 Newfield, Christopher. Ivy and industry: business
por Jan Cools e Henk Slager. A apresentação ocorreu
and the making of the American University, 1880-
no Sint-Lukas Hogeschool, em Bruxelas, em 4 e 5 de
1980. Durham: Duke University Press, 2003.
junho de 2010.
13 West, Cornel. The American evasion of philosophy:
3 Durante toda a palestra, imagens foram
a genealogy of pragmatism. Madison: University of
projetadas: Ongoing Becomings Process 2008-
Wisconsin Press, 1989.
2009, Ongoing Becomings, Musée cantonal des
Beaux-Arts, Lausanne 2009; Endless Dreams and 14 ‘Raw Deal for Education’ Against the Grain: A
Time-Based Streams, Yerba Buena Center for the Program about Politics and Culture. Disponível em:
Arts, São Francisco 2010; e Spheres of Interest FAM <http://www. againstthegrain.org>. Acessado em
Version, uma apresentação de slides de publicações 20 jun. 2010); California’s Living New Deal Project.
relativas à série de palestras. Após a exibição dos Disponível em: <http:// livingnewdeal.berkeley.
slides, a página da internet de Spheres of Interest: edu>. Acessado em 20 jun. 2010.
Experiments in Thinking and Action também foi
15 Newfield, Christopher. Avoiding the coming
sendo projetada e percorrida.
higher Ed Wars. Academe, v. 96, n. 3, 2010.
4 Grinnell, Claudia K. From consumer to prosumer Disponível em: <http://www.aaup.org/AAUP/
to produser: who keeps shifting my paradigm? (We pubsres/academe/2010/MJ/feat/ newf.htm>.
do!). Public Culture, v. 21, n. 3, 2009: 584. Acessado em 20 jun. 2010.

5 Deleuze, Gilles; Guattari, Felix. What is philosophy? 16 Chertok, Léon; Stengers, Isabelle. Critique of
New York: Columbia University Press, 1994: 68. psychoanalytic reason: hypnosis as a scientific
problem from Lavoisier to Lacan. Stanford: Stanford
6 Sha, Xin Wei. Art Research? (Unpublished
University Press, 1992: xxii.
manuscript). Concordia University, Montréal, 2008.
17 Stengers, Isabelle. Gilles Deleuze’s last message.
7 Ver Green, Renée. ‘Spheres of Interest’ (Blog).
s.d. Disponível em: <http://www. recalcitrance.com/
Disponível em: http://spheresofinterest.blogspot.
deleuzelast.htm>. Acessado em 20 jun. 2010.
com. Acessado em 31 mar. 2011.

8 Corris, Michael (ed.). Conceptual art: theory, myth


and practice. Cambridge: Cambridge University
Press, 2004.

9 Corris, op. cit.: 2.

10 ‘Invisible College’. Disponível em: <http://


en.wikipedia.org/wiki/Invisible_College>. Acessado
em 20 jun. 2010); Corris faz referência ao histórico
“colégio invisível” em seu texto de 1972 (Corris, Renée Green é artista, escritora e cineasta,
Michael. The fine structure of collaboration. Art- professora no programa de arte, cultura e
Language, v. 2, n. 3, 1972). tecnologia do MIT, desde 2011.
11 Correspondência privada com o autor, em 19 de

TEMÁTICAS | RENEE GREEN


141

Você também pode gostar