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DOAÇÃO REALIZADA POR PESSOAS DO NÚCLEO FAMILIAR:

A possibilidade jurídica de se afastar o anonimato do doador de gametas

DONATION CARRIED BY PEOPLE OF FAMILY NUCLEUS:


The possibility to legally separate an anonymous from their donor of
gametes
Ana Soares Guida1
Omar Narciso Goulart Júnior2

RESUMO: O estudo objetivou analisar a possibilidade jurídica de se afastar a regra do anonimato do doador de
gametas com o intuito de aumentar as chances de sucesso do tratamento de R.A. por pacientes que carecem desta
doação e que os encontram em seu núcleo familiar, evidenciando-se a natureza infralegal da regra que obriga o
referido anonimato. Também é objeto deste trabalho ressaltar o caráter eudemonista presente nas famílias; e, não
menos importante, observar que a R.A não possui legislação específica. Para tanto, foi utilizado como método para
coleta de dados a pesquisa bibliográfica, através de estudo no referencial teórico sobre Biodireito, Princípios da
Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção à família, planejamento familiar, R.A. e jurisprudência do TRF. A
partir da análise da decisão proferida pelo TRF 3ª região percebe-se que a regra do anonimato do doador de gametas
deve ser analisada frente ao caso concreto, e pode ser afastada quando esta conduta aumentar a eficácia do
tratamento. Enfim, o estudo realizado confirmou que o planejamento familiar é direito de todos, a garantia da
realização do sonho de ter filhos é também garantia da dignidade da família - base da nossa sociedade e que recebe
especial proteção do Estado.

PALAVRAS-CHAVE: Anonimato; Biodireito; Eudemonia; Reprodução Assistida; Planejamento familiar

ABSTRACT: The objective of the study is to analyze the possibility to legally separate anonymous from their
donor of gametes with intention to increase chance of success of Assisted Reproduction treatment by patients
lacking donation of gametes and that have it available in their nuclear family. Being able to demonstrate that the
norm that obligates the referred anonymous and infralegal. Also, the objective of this work is to highlight the
eudaemonist character present in families; and, not less important, observe that the Assisted Reproduction does
not contain specific legislation. For this purpose, the method used for collection of data the biological research,
through study on the theoretical reference through biolaw, Dignity Principals of Human Being and Family
Protection, family planning, Assisted Reproduction and jurisprudence, of TRF. Based on analysis of decision
given by TRF 3ªregião, it’s possible to notice that the rule of the anonymous of the donor of gametes must be
analyzed in front of concrete case and can be separated when this behavior increases the efficiency of the treatment.
Furthermore, the study confirmed that the family planning is the right of everyone, the guaranty of the realization
of the dream to have children and also guaranty of the family dignity – based on our society to receive special
protection from the State.

KEYWORDS: Anonymous; Biolaw; Eudaimonia; Assisted Reproduction; Family Planning

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS: Conselho Federal de Medicina (CFM), Constituição Federal (CF/88),
Fertilização in Vitro (FIV), Reprodução Assistida (R.A), Tribunal Regional Federal (TRF)
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A nova concepção de família e os Princípios Constitucionais; 2.1. Dignidade da
Pessoa Humana; 2.2 Proteção à Família; 2.2.1 Família Eudemonista; 3 Biodireito e a reprodução assistida; 4.
Reprodução Assistida; 4.1. Ausência de Lei Específica da Reprodução Assistida; 4.2. Doação de óvulos; 5. Caso
concreto – apelação cível 0007052-98.2013.4.03.6102/SP; 6. Considerações Finais; Referências.
1 INTRODUÇÃO

Muitas famílias não conseguem gerar filhos de maneira ordinária, normalmente em


decorrência de limitações biológicas. As técnicas e avanços da Reprodução Assistida têm sido
fundamentais para que esses casais possam exercer o direito ao planejamento familiar, à família
propriamente dita, e, consequentemente, à felicidade e plenitude dos anseios do corpo e da
alma. Sendo a família a base da sociedade, recebe especial proteção do Estado, devendo ser
assegurado e facilitado a todos o direito ao planejamento familiar, em observância ao princípio
da autonomia da vontade.
De forma geral, as técnicas de R.A – Reprodução Humana Assistida – têm trazido
esperança para famílias que apresentam restrições biológicas para gerarem sua prole. No
entanto, há casos que precisam ser analisados isoladamente, de acordo com sua própria
demanda, a fim de se afastar a regra geral e, desta forma, efetivamente atender à demanda dos
interessados no procedimento. É o que ocorre com a doação de gametas. No Brasil, há um ramo
autônomo do Direito que cuida das questões do avanço da biotecnologia e correlatos. No
entanto ainda não foi regulamentada especificamente a R.A, de forma que geralmente se aplica
o anonimato a essas doações, que é a regra infralegal prevista pelo Conselho Federal de
Medicina.
Como dito, a R.A. e os avanços tecnológicos já auxiliaram incontáveis famílias a
realizarem o sonho de gerarem seus descendentes, seja com seu próprio material genético,
reprodução homóloga, seja com o material genético doado por algum desconhecido. Ocorre que
algumas famílias não conseguem essa doação em tempo hábil para realizar o tratamento. E
outras desejam que seus filhos tenham características semelhantes à de seus familiares, ainda
que não possuam gametas que permitam isso.
O presente trabalho busca reunir dados/informações com o propósito de responder ao
seguinte problema de pesquisa: é possível afastar a regra do anonimato, prevista na Resolução
2.168/17 do Conselho Federal de Medicina, a fim de permitir a doação de gametas entre
parentes de um mesmo núcleo familiar?
O objetivo de se mitigar a regra do anonimato é aumentar a possibilidade de casais que
carecem de reprodução heteróloga conseguirem os gametas em tempo hábil para realizarem o
tratamento. E atender à demanda de famílias que desejam filhos com características de seus
demais familiares. Hoje as famílias apresentam a eudemonia como uma de suas principais
características, neste contexto, não é exagero afirmar que pessoas doariam gametas para
familiares com base no amor, cuidado, afeto e anseio pela felicidade do parente, sem que isso
gere futuros transtornos relativos à parentalidade da criança. Especialmente a ovodoação é um
procedimento complexo, que hoje só é permitido a mulheres que já estejam em tratamento de
Fertilização in Vitro, e isso outro fato importante que deve ser observado para que ocorra o
afastamento do anonimato dos doadores de gametas.
Diante disso, o trabalho apresenta dados e informações que permite uma análise
minuciosa de vários aspectos relevantes ao tema. A partir desta análise é possível entender com
maior clareza a decisão da 6ª turma do TRF da 3ª região, que permitiu a doação de óvulos de
uma irmã para a outra. O resultado dessa apelação civil é uma inovação jurídica que pode ajudar
várias outras famílias em situação semelhante a alcançar o mesmo entendimento dos operadores
do Direito responsáveis por dirimir suas demandas.
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizadas pesquisas bibliográficas
e análise de decisão proferida pelo TRF 3ª região. A pesquisa bibliográfica baseou-se em livros
na área de direito, com especial atenção ao livro de Arthur Magno e Silva Guerra - Direitos
Fundamentais do embrião na bioconstituição - e livros que exaltam a importância do Biodireito,
Direito de Família, dentre outros, revista digital da Newton Paiva, e sites que abordam e
analisam a referida decisão. O anonimato do doador de gametas é o nó crítico deste trabalho, e
o reconhecimento da possibilidade de afastamento dessa norma pelo TRF abriu nova
possibilidade de análise dessa situação no caso concreto.

O estudo estrutura-se em quatro capítulos. O primeiro trata da nova concepção de


família e dos princípios constitucionais envolvidos nesse contexto. São apresentadas de forma
geral as novas organizações que a família passou a assumir, deixando claro que a família
matrimonializada e patriarcal não é mais a única que admitida pelo Estado. Também neste
capítulo são tratadas, como já dito, princípios constitucionais, quais sejam o da Dignidade da
Pessoa Humana e da Proteção à família. Estes princípios recebem atenção especial em dois
subcapítulos destinados especificamente ao seu estudo, tamanha sua relevância para este
trabalho. E por fim, ainda no primeiro capítulo, ainda há mais um capítulo terciário que explica
o conceito de família eudemonista, que é ponto chave para explicar porque não ocorreriam
discussões futuras sobre a parentalidade da criança caso alguém do núcleo familiar doasse
gametas para pacientes de R.A.
O segundo capítulo trata do Biodireito, apresentando-o como ramo autônomo do direito
e responsável por normatizar com legislação específica as técnicas de R.A, mas que, até o
presente momento, o que se observa é a omissão do legislador.
O Terceiro Capítulo explica o que é a Reprodução Assistida, apresenta de forma bastante
ampla métodos de R.A e a diferença entre reprodução homóloga e heteróloga. Este capítulo
também apresenta duas subdivisões, a primeira para abordar a ausência de lei específica para
R.A e as consequências deste fato que considera normas infralegais do Conselho Federal de
Medicina em detrimento inclusive de disposições constitucionais e infraconstitucionais. O
segundo subcapítulo apresenta ao leitor as complicações envolvidas na ovodoação que
justificam um olhar diferenciado para casos em que ela se faça necessário.
O quarto e último capítulo é a análise da decisão da 6ª turma do TRF da 3ª região que
permitiu que uma mulher realizasse o tratamento de FIV com os óvulos doados pela irmã,
inovando na jurisprudência e renovando expectativas de pacientes que se encontram em
situação equiparada.

2. A NOVA CONCEPÇÃO DE FAMÍLIA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

O matrimônio não é mais a única forma de conferir legitimidade à família, também hoje
são reconhecidos laços familiares com base no afeto e solidariedade mútua e houve
reestruturação nos núcleos familiares. Assim, reveste-se de particular importância a análise que
Groeninga faz quando afirma que "a mudança de paradigma que se afigura no Direito de
Família encontra nos direitos de personalidade a realização material do princípio da Dignidade
da Pessoa Humana" (GROENINGA, 2005). E sob essa ótima, ganha particular relevância o
conceito de família eudemonista.
Pode-se dizer que a concepção de família mudou significativamente. Neste contexto,
para Alves (2007) ao longo da história, e de diferentes maneiras, o legislador determinou os
parâmetros que definiam o que deveria ser uma família. Fica claro que as interações humanas
mudaram, e o direito sofreu várias alterações para se adequar a todas essas mudanças
paradigmáticas da sociedade. O mais preocupante, contudo, é constatar a influência que os
Princípios constitucionais de Dignidade da Pessoa Humana e Proteção à Família exercem sobre
essas mudanças paradigmáticas.
Tanto os particulares, quanto o próprio Estado, devem pautar as suas ações pelo respeito
à condição humana. Nesse sentido, a Dignidade da Pessoa Humana permite uma existência
digna, honrada. Conforme explicado acima, cabe ao Estado garantir ao homem, pelo fato
exclusivo de se tratar de um ser humano, o acesso à dignidade, saúde, família e tudo o mais
necessário que assegure a sua felicidade. Evidentemente, a aplicação deve ser utilizada para
harmonizar os anseios da alma e as necessidades do corpo com uma existência plena.
Conforme verificado por Moreira (2014), o conceito de família tem sofrido várias
mudanças, especialmente nestas duas últimas décadas. Trata-se inegavelmente de uma
evolução paradigmática da família, seria um erro, porém, dissociar essa evolução dos preceitos
constitucionais de Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção à Família e suas novas
conceituações. Sendo a família a base da sociedade e uma vez que ela recebe especial proteção
do Estado, o autor deixa claro que não há que se falar em Dignidade da Pessoa Humana sem
que esta proteção seja realmente efetiva.
Pode-se dizer que os autores supracitados coadunam da opinião de que a família sofreu
mudanças profundas nas últimas décadas, mudando seu paradigma "da família
matrimonializada e legitimada apenas pelo casamento, aos laços decorrentes da convivência
entre pessoas pelo afeto e solidariedade mútua, também conhecida como família eudemonista"
(MOREIRA, 2014, p. 219). Neste contexto, considerando Alves, também o autor deixa claro
que as mudanças no contexto de família percebidas na sociedade precisam ser observadas pelo
Direito sob a égide dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção à Família.
Quando a pessoa se sente restringida ou negligenciada em determinada situação que fere
seu sentimento de dignidade é competência do Estado mobilizar-se em prol de suprimir, ou no
mínimo amenizar, o sofrimento dessa pessoa. Conforme explicado acima, cita-se, por exemplo,
situação na qual a família que não pode ter filhos de maneira ordinária, e que entende que a
felicidade depende da existência destas crianças no seio família, cabe ao Estado oferecer
possibilidades para que estas pessoas alcancem a plenitude de seu planejamento familiar, seja
proporcionando a possibilidade de adoção, seja possibilitando tratamento especializado em
Hospitais Públicos, como ocorre no Hospital das Clínicas, em Minas Gerais.

A família só era constituída de um único modo, qual seja, por meio do casamento,
considerado pelo legislador como o meio ideal para tal fim, tanto que o vínculo
matrimonial era indissolúvel. Todo esse cenário vem a ruir com o princípio
constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Com ele, as relações familiares
tornam-se muito mais verdadeiras, porque são construídas (e não impostas) por quem
integra o instituto (e não por um terceiro, um elemento estranho como o legislador).
O ser, finalmente, supera o ter, fazendo com que o afeto se torne o elemento irradiador
da convivência familiar (...). Se a Constituição consagrou a Dignidade da Pessoa
Humana como superprincípio, assim o fez por ter encontrado na família pós-moderna
um forte (talvez o principal) meio de sua propagação (ALVES, 2007, p. 79).

Como se pode verificar, para Alves a família permite que as pessoas tenham afeto,
dignidade, respeito e, com base no amor e na solidariedade, os membros da família podem se
ajudar a alcançar seus sonhos e a felicidade. Família é o primeiro laço social das pessoas, local
onde são aprendidas as primeiras e mais importantes interações de afeto, respeito. Dessa forma
o autor deixa claro que não há possibilidade de propagação da família sem que seja garantida à
mesma a sua dignidade.
Conforme explicado acima o que importa, portanto, é compreender que somente com a
observância do princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da proteção à família, é possível
garantir às pessoas que elas terão o mínimo necessário alcançarem a realização dos anseios do
corpo e da alma. Essa, porém, é uma tarefa que requer a intervenção do Estado garantidor do
cumprimento desses imprescindíveis princípios constitucionais acima de qualquer outra norma
infraconstitucional. Logo, é indiscutível o fato que o ser humano tem o direito e o dever de ser
tratado como ser humano, sendo-lhe resguardado a dignidade e uma vida feliz e plena através
da realização de seus sonhos mais essenciais.

2.1 Dignidade da Pessoa Humana

Podemos conceituar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, presente no inciso


III, do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, como sendo princípio basilar da nossa
sociedade. Então, é preciso assumir que qualquer ação ou omissão que resulte em restrição à
plenitude do ser humano em sua dimensão material ou espiritual deverá ser entendida como
inconstitucional. Certamente, como preceitua Fagundes Júnior (2001), a Dignidade da Pessoa
Humana é pilar que sustenta, norteia e legitima a interação do Estado com as pessoas e entre
elas próprias.
Para Faria (2013) a partir da observância do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
é possível garantir às pessoas que estas sejam tratadas por seus pares, e principalmente pelo
Estado, como fim último a ser alcançado, e por nenhum outro motivo mais importante do que
o simples fato de ser um humano. E este deve ser o sentido norteador do ordenamento jurídico
e das interações humanas.
Trata-se inegavelmente de garantir a harmonia dos anseios da alma e as necessidades
do corpo com uma existência digna. Conforme explicado acima Dignidade da Pessoa Humana
é aplicada na em todas as áreas, saúde, educação, segurança, moradia, emprego, planejamento
familiar. Seria um erro, porém, atribuir a este princípio a mesma ausência de hierarquia que é
observada quando da análise da aplicação dos princípios ao caso concreto. Assim, reveste-se
de particular importância o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e, no caso concreto, não
poderá ser afastado em hipótese alguma.
“A Constituição brasileira determina que a Dignidade da Pessoa Humana é fundamento
da República (art. 1º, III, CF/88). Em razão da amplitude que o conteúdo desse princípio (da
Dignidade da Pessoa Humana) pode alcançar em diferentes casos concretos, ele nunca deverá
ser afastado. A hierarquia dos princípios é impossível para os demais, mas a Dignidade da
Pessoa Humana é superior a todos os outros”. (NAVES & SÁ, 2002, p. 114).
Corrobora dessa opinião Faria:

O princípio da dignidade humana impõe a realização de um estado de coisas. E esse


estado de coisas nada mais é do que a realização do homem enquanto homem,
enquanto ser humano, posto ser ele o fim almejado. Daí porque a impossibilidade de
se pretender que seja o homem um instrumento a serviço do Estado. Ao homem devem
ser asseguradas condições de uma vida digna. Faz-se necessária a preservação dos
direitos inerentes à dignidade humana, seja por particulares, seja pelo próprio Estado.
Todos os comportamentos necessários à efetivação do princípio da Dignidade da
Pessoa Humana devem ser levados a feito, mesmo que expressamente não previstos
em outra norma. A busca da realização desse estado de coisas, ou seja, da realização
da dignidade, deve ser alçada à prioridade, seja do próprio Estado, seja de particulares.
(FARIA, 2013, p. n.p.)

Portanto, torna-se evidente que o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é eixo


norteador das relações entre pessoas e do Estado com as mesmas. Vê-se, pois, que é impossível
afastá-lo seja qual for o caso concreto, por sem ele não há que se falar vida digna, plena ou
feliz. Logo, é indiscutível o fato que cabe ao Estado observá-lo como cerne do ordenamento
jurídico e em hipótese alguma tentar relativizá-lo afim de atender disposições de normas
infraconstitucionais.

2.2 Proteção à Família


Podemos conceituar o Princípio de Proteção à família como sendo o segundo mais
importante princípio de todo o nosso ordenamento jurídico pátrio em razão da relevância que o
próprio texto constitucional confere ao tema. Então, é preciso assumir que quando a
Constituição dispõe seu art. 226, caput que a família, base da sociedade, tem especial proteção
do Estado, certamente se trata de entender efetivamente que a família é essencial para que a
pessoa atinja sua plenitude, sua felicidade e consequentemente sua dignidade. Neste contexto,
apresente especial relevância a "família eudemonista desponta no universo familial na
atualidade. Pode esta ser entendida como a família cuja formação decorre do afeto, ou seja, cuja
viabilidade produz felicidade em seus componentes, bem supremo da existência humana"
(MALUF & MALUF, 2015).
Como bem nos assegura Maluf e Maluf (2015) a Constituição de 1998 observa a
supremacia do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e seu artigo 1º, inciso III, e pode-se
dizer que com base nesse princípio pode se dizer que a Carta Magna visa promover o bem de
todos, bem com sua liberdade e igualdade no artigos (5º e 3º, inciso IV). Neste contexto, fica
claro que a afetividade ganhou reconhecimento formal, e segundos os autores, o afeto é a base
fundamental para a formação da família no contexto contemporâneo.

A Constituição Federal ofereceu proteção à família em seu art. 226, caput: “a família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado”; estendeu essa proteção à união
estável, reconhecendo-a como entidade familiar (§ 3º), e à família monoparental (§
4º), produzindo uma profunda revolução social ao emprestar juridicidade a novas
formas de vínculos não sacramentados pelo matrimônio, quebrando a hegemonia
deste para a formação da família (MALUF & MALUF, 2015, p. 41)

Observando-se essa perda da hegemonia, podemos identificar, os seguintes grupos


familiares:

mosaico ou plural (que decorre da união de pessoas que possuem filhos de uniões
anteriores); família anaparental (grupo de pessoas, parentes ou não, que se unem com
propósito de vida e comprometimento mútuo, como irmãos que moram juntos),
família eudemonista (em que o único propósito é buscar a felicidade,
independentemente dos padrões formais), família isoparental (formada por uma única
pessoa, neste caso a inclusão dentro do termo “família” se dá porque esta modalidade
também gera efeitos jurídicos, como a constituição de bem de família) e a família
homoafetiva (formada por pessoas do mesmo sexo). (PADILHA, 2014, p. n.p).

Por fim, podemos chegar à conclusão de que enquanto não for considerado o Princípio
da Proteção à Família como inafastável que é, uma vez que família é a base da nossa sociedade,
é indiscutível que somente dele é possível que atinja a plenitude de todas as concepções de
família. Somente através da combinação da observância deste Princípio tão fundamental com
supra Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é possível cogitar-se a realização dos anseios
da alma e de felicidade da família. Nesse sentido, é possível afirmar se o Princípio da Proteção
à família chave mestra para o Estado possibilitar a tão almejada dignidade conferida às pessoas.

2.2.1 Família eudemonista

Podemos conceituar o eudemonismo como sendo a busca pela felicidade, seja ela
individual ou coletiva. É fundamental entender que a afetividade e a felicidade tornaram-se o
centro das relações familiares. A família eudemonista é "um verdadeiro instrumento para a
satisfação afetiva das pessoas. [...] Mesmo sem regulação expressa, a sociedade adotou o
vínculo afetivo como relevante no trato relativo aos relacionamentos familiais" (CALDERÓN,
2017, p. 7). Diante do exposto a afetividade e a busca pela felicidade acabaram tomando
proporções que as tornaram merecedoras de especial atenção de todos os setores da sociedade,
em especial os poderes legislativo e judiciário.
Ainda de acordo com Calderón (2017), a família do novo milênio sofreu profundas
alterações em sua conceituação. Trata-se inegavelmente de uma mudança de paradigmas que
considera laços biológicos, jurídicos, afetivos, e quaisquer outros que permitam que os
indivíduos envolvidos se reconheçam com família. Seria um erro, porém, desconsiderar a
importância desses vínculos afim de se privilegiar normas limitadoras e que desconsideram a
Dignidade da Pessoa Humana e a especial Proteção que o Estado oferece à família.
Pode-se dizer que a sociedade tem fomentado a eudemonia nas diversas relações que
têm se constituído. Conforme explicado acima o autor a afetividade trouxe inovações para a
base da sociedade e cabe aos demais setores se adequarem às novas demandas e não o
contrário. Assim, reveste-se de particular importância a família eudemonista, que sob essa nova
perspectiva, ganha particular relevância uma vez que preconiza a busca pela felicidade através
do amor e do cuidado recíproco.

A visão eudemonista ou relativa ao eudemonismo (do grego eudaimonia = felicidade)


é uma doutrina que admite ser a felicidade individual ou coletiva o fundamento da
conduta humana moral, isto é, que são moralmente boas as condutas que levam à
felicidade. Nessa doutrina moral, o fim das ações humanas (individuais ou coletivas)
consiste na busca da felicidade através do exercício da virtude, a única a nos conduzir
ao soberano bem, por conseguinte, à felicidade. É essa identificação do soberano bem
com a felicidade que faz da moral aristotélica um eudemonismo. (CHASSOT, 2004,
p. 78).
Por fim, podemos chegar à conclusão de que a eudemonia far-se-á cada vez mais
constante na vida das pessoas e de suas famílias. É indiscutível o ser humano busca a felicidade,
vincula a ela sua dignidade e a realização de seus anseios personalíssimos. Nesse sentido, é
possível entender que, sendo a família o alicerce e o porto mais seguro para ancorarmos tais
anseios, é natural e esperado que a afetividade continue ocasionando diversas mudanças na
legislação que precisa estar em consonância com a sociedade.

3 BIODIREITO E A REPRODUÇÃO ASSISTIDA

Podemos conceituar o Biodireito como sendo "um ramo autônomo do direito que cuida
de normatizar juridicamente os avanços da biotecnologia e pesquisas científicas adequando-os
a novos paradigmas sociais, científicas e familiares" (GUERRA, 2015, p. 92). Então, é preciso
perceber que, mesmo havendo regras específicas para o caso, a aplicação dos princípios
constitucionais é primordial, em sobreposição às regras que versem em sentido contrário à
observância dos mesmos. Certamente se trata de assegurar que a Constituição seja aplicada
diretamente, como alicerce necessário para regulamentar os avanços e possibilidades
resultantes de pesquisas biológicas que atingem diretamente o cotidiano da sociedade.
Como bem nos Leite (2001) pode-se dizer que Biodireito possibilita normatizar
pesquisas científicas que trazem impactos diretos no cotidiano das pessoas, os ditos Direitos de
Quarta Geração, tais como manipulação do patrimônio genético, transplante de órgãos,
reprodução assistida, dentre outros. Neste contexto, fica claro que o legislador deve, em algum
momento, ocupar-se de regulamentar tão importante ramo do direito. O mais preocupante,
contudo, é constatar que apesar de tal legislação específica ainda não ter sido regulamentada,
os avanços em biotecnologia continuam e os seus impactos na sociedade também. Não é
exagero afirmar que, especialmente no tocante à reprodução assistida, as normas efetivamente
aplicadas aos diferentes casos concretos concentram-se em Resoluções do Conselho Federal de
Medicina. Assim, preocupa o fato de que, diante da omissão do legislador, outros setores da
sociedade acabem por criar normas que não observam com tanta eficiência as disposições dos
princípios constitucionais.
Conforme explicado acima, o Biodireito é um ramo autônomo do direito que carece de
regulamentação específica para algumas das suas áreas de atuação, como a reprodução assistida,
por exemplo. O mais preocupante, contudo, é constatar que apesar de tal legislação específica
ainda não ter sido regulamentada os avanços em biotecnologia continuam e os seus impactos
na sociedade também. Não é exagero afirmar que, especialmente no tocante à reprodução
assistida, as normas efetivamente aplicadas aos diferentes casos concretos concentram-se em
Resoluções do Conselho Federal de Medicina. Assim, preocupa o fato de que a omissão do
legislador, outros setores da sociedade acabem por criar normas que não observam com tanta
eficiência as disposições dos princípios constitucionais.
Pode-se dizer que o Biodireito tem a função de regulamentar de maneira específica os
avanços na área de biotecnologia. Neste contexto, para Hatem (2002) fica claro que o Biodireito
é resultado da necessidade do legislador em firmar na lei os alicerces necessários para
regulamentar os avanços e possibilidades resultantes de pesquisas biológicas que atingem
diretamente o cotidiano da sociedade. A autora deixa claro essa ligação entre o Biodireito e a
sociedade, e o mais preocupante, contudo, é constatar que na omissão do legislador outros
setores da sociedade têm se ocupado de exercer essa legislação.
Ambos os autores corroboram da opinião que o Biodireito é um ramo do direito que
deve regulamentar os avanços da tecnologia no tocante à biologia e seus impactos na sociedade.
Pela mesma vertente também segue o ilustre Guerra quando afirma que "Certo que, um ramo
autônomo do Direito é inegável: o Biodireito [...] com propósitos e princípios específicos,
tangentes às modernas intervenções científicas e tecnológicas modernas sobre a vida"
(GUERRA, 2015, p. 92). O autor deixa claro que as pesquisas biológicas e médicas são
desenvolvidas e causarão impactos na sociedade sendo de responsabilidade do Biodireito
normatizar esses impactos de forma positiva, ou ao menos minorando os danos. Cita-se, como
exemplo, a ausência de leis específicas que regulamentem a Reprodução Assistida - área de
estudo do Biodireito. Ocorrem, de tempos em tempos, profundas modificações nas Resoluções
do Conselho Federal de Medicina que trata do tema, devido especialmente à falta de lei
específica.
Verifica-se que o Biodireito é aplicado a criação e aplicação de normas e princípios que
regulamentam as pesquisas biotecnológicas, avanços da biologia e da medicina. Evidentemente
a aplicação pode ser utilizada para harmonizar, através de regulamentação própria, a
convivência das pessoas consigo mesmas, com o próximo e com a todas as novas e
imensuráveis possibilidades advindas desses avanços. É, por exemplo, a partir desse raciocínio
que se percebe a importância, para Santos (2001) da identificação dos bens jurídicos dignos de
proteção, porque uma vez identificados é preciso comprovar quais são as condutas que podem
lesioná-los de forma grave ou colocá-los em perigo. A autora deixa claro que não basta a norma
em abstrato afirmar que determinada conduta é passível de causar dano, é faz-se necessário a
análise de tal conduta no caso concreto. Acreditamos que, na carência de legislação específica,
faz obrigatória essa análise sob a égide especialmente dos princípios constitucionais.

Nesse contexto vivido de inseguranças, a lei é o instrumento privilegiado para o


desenvolvimento das ciências da vida. Ela pode intervir rapidamente, se aplica a
todos. Ela deve ser o intérprete da vida cujo livro é simplesmente o gene. Decifrá-lo
é missão do jurista. Cientistas de renome têm trocado acusações de desonestidade. De
um lado aqueles que defendem que as descobertas sejam livremente utilizadas. Por
trás deles, um orçamento de 5 bilhões de reais. De outro, cientistas financiados por
empresas privadas acreditam que só as leis de mercado são capazes de fazer com que
as pesquisas evoluam. Fica a pergunta: é possível lucrar com um bem pertencente a
toda a humanidade? O progresso material deve vir a par com finalidade ética e
jurídica. (SANTOS M. C., 2001, p. 317).

Como se pode verificar nessa citação, a autora deixa claro que o Biodireito é aplicado a
criação e aplicação de normas e princípios que regulamentam as pesquisas biotecnológicas,
avanços da biologia e da medicina. Evidentemente a aplicação pode ser utilizada para
harmonizar, a convivência entre as pessoas as novas e imensuráveis possibilidades advindas
desses avanços. Logo, é importante compreender que sem regulamentação específica, esse
ramo do Direito fica muito exposto à toda sorte de interpretação de vários setores da sociedade,
o que pode trazer à sociedade grande insegurança jurídica.
Por fim, podemos chegar à conclusão de que o Biodireito é um ramo autônomo do
Direito. Logo, é indiscutível carece da observância do legislador no sentido de criar leis
específicas que regulamentem as relações que decorrem dos avanços da biotecnologia e áreas
conexas. No entanto, até que tais leis estejam devidamente elaboradas e vigentes é inegável a
aplicação dos Princípios Constitucionais ao caso concreto afim de preencher essa lacuna e
findar com a insegurança jurídica causada pela mesma. Nesse sentido, é possível relativizar
normas infraconstitucionais, não são sequer leis, afim de se garantir a Dignidade da Pessoa
Humana e a Proteção à família.

4 REPRODUÇÃO ASSISTIDA
O avanço da biotecnologia mostra que pessoas ou casais inférteis que outrora jamais
poderiam sonhar em ter filhos naturais, hoje podem não apenas sonhar como também realizar
este sonho por meio da Reprodução Assistida. Segundo Hatem (2002) a Reprodução Humana
Medicamente Assistida, ou simplesmente Reprodução Assistida (RA) é conjunto de técnicas
colocadas à disposição das pessoas a fim de garantir que possam ter filhos, uma vez que pelo
método ordinário - ato sexual - por algum motivo essas famílias encontram impedimentos.
Diversas são as técnicas de RA, desde algumas bem simples a outras bastante complexas,
podem ser realizadas utilizando-se o material genético do próprio casal, ou de terceiros. Apesar
de não haver lei específica regulamentando a matéria, acreditamos que os princípios
constitucionais são suficientes para que o operador do Direito possa dirimir os
desentendimentos neste campo, e garantir que casais inférteis tenham filhos naturais.
De acordo com Grossi (2002), a Reprodução Assistida é uma forma terapêutica de
garantir que famílias, ou pessoas, inférteis possam ter filhos. Trata-se inegavelmente de um
grande avanço tecnológico, seria um erro, porém, atribuir apenas aos profissionais dessa área a
responsabilidade de estabelecer normas regulamentadoras dessas práticas, devendo o legislador
criar leis específicas para este ramo de atividade.
Conforme explicado acima, é inegável que os avanços no campo da Reprodução
Assistida asseguram às famílias que demandam esse tipo de tratamento a possibilidade de
realizarem suas expectativas. No entanto, até o presente momento, observamos a omissão do
legislador em criar leis específicas que regulamente essa prática. Assim, reveste-se de particular
importância a atuação do legislador em criar legislação específica em benefício e proteção,
tanto das pessoas que utilizarão esses recursos, quanto dos nascidos através dos métodos
possíveis de serem utilizados. Analisando-se sob esse prisma, ganha particular relevância os
Princípios Constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção à Família que o poder
judiciário, no momento de aplicar ao caso concreto deve observar.
Para Guerra (2015), a Reprodução Assistida facilita tratar pessoas com problemas de
infertilidade. Existem diversas formas diferentes de procedimentos, que variam de acordo com
a especificidade de cada pessoa ou casal, cabendo ao médico detectar o problema e orientar os
interessados o que melhor se adéqua às necessidades dos mesmos. O autor deixa claro que esses
procedimentos não carecem nova legislação regulamentadora, "diante das novas realidades
modernas, as disposições da década de 1980 não podem permanecer estagnadas num
entendimento arraigado à mera codificação. "Os mecanismos de resposta precisam ser
intensificados, à luz de novos e pertinentes princípios, capazes de lidar com os novos
problemas". (GUERRA, 2015, p. 95).
O autor deixa claro a importância de se garantir às o acesso aos diferentes tipos de
tratamentos de Reprodução Assistida, de acordo com a demanda do casal, e que a omissão do
legislador na matéria específica não seja motivo para afastar esse direito. Diante disso, vale
considerar que a divergência de opiniões é clara e torna evidente que, apesar de discordarem
quanto à necessidade de legislação específica, ambos coadunam da ideia de que os Princípios
Constitucionais já existentes são suficientes para dirimir qualquer contenda referente ao
assunto. Também coaduna dessa opinião Santos (2002, p. 168) quando afirma que "O processo
de discussão das leis sugere ao legislador a conveniência de consagrar o princípio fundamental
constitucional da dignidade humana".
A Reprodução Assistida é um serviço de saúde que permite a geração de nova vida e
realização de sonhos através da transposição de limitações biológicas. A melhor maneira de
compreender esse processo é compreender que uma vez diagnosticada pelo profissional
competente a razão pela qual a pessoa ou o casal não é capaz de gerar descendentes, cabe a esse
médico apresentar qual a opção de tratamento melhor os atenderia. Conforme explicado acima,
existem diferentes procedimentos, para diferentes demandas. É pertinente citar, por exemplo,
possível situação em que uma mulher não produza gametas que possibilitem a fecundação.
Neste caso, faz-se necessário a ovodoação, seguida de FIV e posterior transferência para o útero
que gestará a criança, que pode ser o útero materno ou em substituição caso ela não possa gestar
a criança.
A infertilidade pode ser um dos fatores de preocupação de uma união familiar,
agravando aspectos relacionados à convivência, autoestima, frustração de desejos
entre outros. Pode ser entendida, para a mulher e homem de maneiras distintas, sendo
a incapacidade de engravidar e gerar prole, para aquelas; e, para os homens, a
incapacidade ou dificuldade de engravidar uma mulher. [...]. Diversas são as técnicas
de reprodução assistida, visando tratar os problemas de infertilidade, tanto masculina,
quanto feminina: uso de hormônios ou substâncias estimulantes; a inseminação
(artificial); inseminação intrauterina (aposição de esperma concentrado e previamente
analisado dentro da cavidade uterina, contornando o cérvix, perto do momento da
ovulação). Com destaque, dadas as finalidades do presente trabalho, a Fertilização in
Vitro (FIV), adotada, especialmente, quando há problemas tubais graves na mulher.
(GUERRA, 2015, p. 124).

O autor deixa claro os impactos que a impossibilidade de ter filhos pode trazer a um
casal, as frustrações que podem levar inclusive à perda de interesse um pelo outro. Nesse
sentido, consideramos a Reprodução Assistida como garantidora do direito ao planejamento
familiar, à família propriamente dita e consequentemente à Dignidade da Pessoa Humana.
Evidentemente o tratamento, dentre todos os existentes, deve ser o que atenderá às pessoas ou
casais social ou juridicamente estabelecidos, e que não conseguem, pelas vias ordinárias,
gerarem descendentes.
Por fim, podemos chegar à conclusão de que a limitação biológica não será impedimento
para que casais realizem o sonho da parentalidade. Que mesmo casos específicos que careçam
de técnicas complexas, como bem nos exemplifica Guerra (2015, p. 125), "observa que em caso
de FIV, a criação do embrião é feita fora do útero, geralmente, por uma técnica de injeção
intracitoplasmática do espermatozoide no óvulo, para posterior colocação de alguns desses
embriões no ventre materno" podem ser resolvidas. Logo, é importante compreender que os
avanços em pesquisas relacionadas especificamente da RA, representaram e têm representado
esperança ao sonho da maternidade e da paternidade. E garantido a muitas pessoas o direito de
planejarem e efetivamente construírem a família que desejam, apesar das restrições que seu
próprio corpo lhe impõe. Nesse sentido, espera-se, que o operador do Direito possa se ater aos
comandos dos princípios e que julgue os casos concretos no sentido de garantir a dignidade das
pessoas, a proteção à família e o direito ao planejamento familiar que o Estado se propôs a
garantir.

4.1 Ausência de lei específica para a reprodução assistida

É o Conselho Federal de Medicina quem regulamenta a matéria sobre Reprodução


Assistida, estabelecendo em resoluções as regras que fundamentam todos os procedimentos
praticados pelos profissionais e centros especializados em RA. Estas resoluções possuem
natureza administrativa. De acordo com Guerra (2015) a lei específica sobre reprodução
assistida (RA) inexiste no Brasil, logo, no caso concreto, as normas do CFM devem ser
suficientes para embasar a sentença dos operadores do Direito? Ou os mesmos podem e devem
ser ater aos comandos dos Princípios Constitucionais e julgar o caso com base nestes últimos?
Para Machado (2002), o tratamento legislativo à matéria de reprodução assistida
facilitaria solucionar questões inerentes à matéria e ausência de lei própria faz com que a
Resolução 2.168/17 do Conselho Federal de Medicina seja o único instrumento normativo
utilizado pelos profissionais da área.
Neste contexto, fica claro que os problemas decorrentes da aplicação destas técnicas no
Brasil, "são resolvidas de maneira casuística, por uma combinação de praxes administrativas,
de regras de deontologia médica, de regras de ética da pesquisa e de soluções jurisprudenciais"
Machado (2002, p. 181). O mais preocupante, contudo, é constatar que este ato normativo tão
importante se constitui em mera orientação sem força de lei, uma vez que se trata de resolução
administrativa.
tanto o Direito como os seus operadores devem abandonar a velha concepção
normativa do século passado, pois somente assim o emaranhado de dúvidas legais
causadas pelos problemas oriundos da Biotecnologia poderá ser desvencilhado.
Textos não limitam a atuação de indivíduos. Novos códigos de condutas não precisam
ser criados, para prever penas a infratores e orientar os próprios médicos e cientistas.
[...] os aplicadores do Direito observarão princípios constitucionais, plenamente
capazes de adequar o ordenamento já existente, às situações cotidianas. O Direito está
instrumentalmente apto a moralizar a Ciência e condutas médicas, dados os princípios
que regem o ordenamento e as áreas científicas. (GUERRA, 2015, p. 99).

O importante, portanto, é compreender que na ausência de lei própria, outras leis e


princípios jurídicos devem ser utilizadas para analisar as demandas das famílias. Não deve ser
a Resolução do CFM nem o único, e nem o mais importe, instrumento utilizado para analisar
cada caso. Vê-se, como exemplo, o fato de que Resolução 2.168/17, apesar de ter revogado a
anterior – de 2121/15, mantém a mesma redação desde a Resolução 1.358/1992 que prevê
capítulo IV.2. explicita que “Os doadores não devem conhecer a identidade dos receptores e
vice-versa” (CFM, 2017). No entanto é desejo de várias famílias que os doadores sejam pessoas
da própria família, como bem nos assegura Grossi (2002, p. 130), "alguns autores argumentam
que não há razão para o/a doador/a de esperma ou óvulo ser anônimo/a, que pelo contrário, há
um desejo de que trate do material genético da mesma família, para que a criança tenha os traços
físicos e emocionais dos consanguíneos". Por fim, este exemplo é o resultado de resolução
arcaica, e que não se preocupa em analisar o caso concreto, submete famílias que já têm tantos
outros problemas para enfrentar, como simplesmente conseguir permanecer unida.

4.2 Doação de óvulos

Existem diferentes formas de um casal que está se submetendo à Reprodução Assistida


conseguir o material genético para o tratamento, sendo que tudo depende do médico identificar
exatamente quais as limitações do casal e prescrever o tratamento. Nos informa Nicolau Júnior
que "A inseminação artificial, homóloga ou heteróloga, a fecundação in Vitro e as mães de
substituição são os principais meios de reprodução humana" (NICOLAU JÚNIOR, 2006, p.
52). A primeira forma, mais usual e preferida pelo casal, é a utilização de seus próprios gametas,
porque desta forma o embrião produzido conserva as características genéticas de seus genitores
e familiares consanguíneos, o que para muitos casais é de suma importância. A outra forma é
com material doado a título gratuito por terceiro, essa técnica é utilizada quando o casal não
possui gametas em quantidade suficiente para realização do tratamento.
Um ponto extremamente relevante para o entendimento deste trabalho é que a
reprodução assistida pode ocorrer utilizando-se os gametas dos próprios pacientes ou de
doadores. Neste contexto Santos e Keske (2017) deixa claro que a reprodução assistida que
utiliza material genético dos próprios pacientes é denominada reprodução homóloga. No
entanto, quando é necessário recorrer à utilização de espermatozoides e óvulos de outras
pessoas que não os próprios pacientes, dá-se a essa técnica o nome de reprodução heteróloga.
O mais preocupante, contudo, é constatar que quando é necessária a utilização de gametas
doados, os pacientes são orientados a se cadastrarem em banco de sêmen, caso o fator limitante
seja masculino, e em banco de doação de óvulos, caso os fatores limitadores sejam femininos,
ou em ambos. Por motivos lógicos e inerentes à natureza dos mamíferos, a coleta de
espermatozoides é menos complexa do que a coleta de óvulos.
Neste contexto, fica claro que devem ser considerados a forma e a quantidade como
esses diferentes gametas podem ser coletados e disponibilizados para os receptores. Não é
exagero afirmar que quando a resolução 2.168/17 do CFM veda a doação de óvulos entre
familiares, restringe exorbitantemente as possibilidades das famílias que dependem dessa
doação conseguirem gerar seus descendentes. O mais preocupante, contudo, é constatar que
essa vedação a se conhecer os doadores decorre da possibilidade de que, em não se preservando
tal anonimato, que incorram questionamentos sobre a paternidade do bebê, e as implicações
legais desses questionamentos. Assim, preocupa o fato de que se está valorando mais o
anonimato do que a Dignidade da Pessoa Humana, a Proteção à Família, o Planejamento
Familiar, a afetividade, isso porque a Resolução não leva nenhum desses Princípios em
consideração quando simplesmente nega, no caso concreto, que a doação seja realizada entre
familiares.
Em relação às formas de reprodução humana assistida, faz-se necessário classificar de
acordo com a sua utilização em homólogas e heterólogas. Diz-se homóloga aquela
'quando estamos diante da manipulação de gametas masculinos e femininos do próprio
casal", pois o material é o sêmen do marido ou companheiro, com o óvulo da mulher,
para a formação do embrião. Será heteróloga sempre que os gametas forem
provenientes de terceiros, podendo ser parcial, quando gametas são doados por
terceiros ou por um dos cônjuges, ou total, quando os dois gametas são obtidos por
terceiros. (SANTOS & KESKE, 2017, p. 166).

Não é possível perder de vista, entretanto, que o importante, é que os casais que careçam
de doações de gametas possam ser atendidos.
Considerando os espermatozoides, esse atendimento é razoavelmente simples. Em cada
ejaculado são liberados aproximadamente 300 milhões de espermatozoides em 5ml de sêmen,
sendo que a coleta feita por um simples ato de masturbação.
Por outro lado, a coleta de óvulos para doação envolve alta complexidade. A mulher,
normalmente, libera um óvulo a cada 28 dias. Uma vez expelido do ovário, o óvulo fica no
terço distal da tuba uterina onde permanecerá até se degenerar ou ser fecundado. Para a mulher
produzir quantidade significativamente maior de óvulos, é necessário que seja submetida a
estimulação hormonal para tratamento de RA. Nesta situação, é possível que ela produza mais
óvulos do que o necessário para sua demanda, podendo optar por doar os excedentes. Neste
contexto, infelizmente, um casal que dependa da doação de óvulos para a constituição de sua
família poderá ter que aguardar por anos até que consiga ter acesso a eles. Esta espera, por
óbvio, pode ocasionar inclusive o insucesso do tratamento, em virtude do avanço da idade da
paciente.
Diante deste contexto, não se mostra razoável impedir a doação pelo fato de haver uma
regra do Conselho Federal de Medicina determinando o anonimato. O direito de acesso à
reprodução assistida como modo de promover a Dignidade da Pessoa Humana não é absoluto,
mas eventuais restrições devem ter fundamento sólido. Podendo a família buscar óvulos em
parentes próximos e que aceitem ajudá-la resta claro que não deve o operador do Direito ater-
se ao anonimato para impedir a concessão.

5 CASO CONCRETO – APELAÇÃO CÍVEL 0007052-98.2013.4.03.6102/SP

Para a realização deste trabalho foi realizada pesquisa bibliográfica aprofundada do


tema, extraindo-se as informações que elucidavam questionamentos sobre a possibilidade
jurídica da demanda. Essa pesquisa permitiu examinar o posicionamento de alguns
doutrinadores para entender o que estes juristas pensam e como se posicionam sobre o caso. A
abordagem foi, portanto, qualitativa e o modo de análise escolhido foi o dialético por sua
característica de entender que qualquer conceito definido como verdadeiro, deve ter testado em
relação a outras ideias para obter-se uma nova teoria. Que é exatamente o que preceitua esse
estudo.
Em 12/11/2015 a sexta turma do TRF da 3ª Região inovou em um julgado que
reconheceu a possibilidade de uma irmã doar óvulos para a afim de aumentar a possibilidade
de sucesso de um tratamento de Fertilização in Vitro.
A melhor maneira de compreender esse processo é considerar que o acórdão proferido
por unanimidade pelo TRF da 3ª Região é uma esperança e um alento para várias famílias que
se encontram na mesma situação. Não trata de questionar ou colocar em face da inidoneidade
do texto normativo emanado do Conselho Federal de Medicina, mas de sua inaplicabilidade em
situações específicas. O dispositivo acerca da defesa do anonimato do doador tem caráter
administrativo, pode e deve ser mitigado em razão dos dispositivos constitucionais e
infraconstitucionais que protegem o planejamento familiar e a própria família.
Com a apresentação e análise de partes da ementa da apelação cível 0007052-
98.2013.4.03.6102/SP, cuja relatora foi a Excelentíssima Desembargadora Federal Marian
Maia, esperamos apresentar fatos e fundamentos que efetivamente justificam a possibilidade
jurídica de se mitigar o entendimento da regra do anonimato do Conselho Nacional de Medicina
no caso de doação de gametas entre irmãs, ou pessoas do mesmo núcleo familiar.
De acordo com a ementa:
CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. REPRODUÇÃO
ASSISTIDA - FERTILIZAÇÃO IN VITRO - ILEGITIMIDADE ATIVA E
PASSIVA AD CAUSAM - INOCORRÊNCIA - DOADORA E RECEPTORA DE
ÓVULOS - DOAÇÃO ENTRE IRMÃS - REGRA DO ANONIMATO –
RESOLUÇÃO/CFM Nº 2121/2015 - INAPLICABILIDADE - PLANEJAMENTO
FAMILIAR - SAÚDE - DIREITO FUNDAMENTAL. [...]

4. A adoção dos procedimentos e técnicas de reprodução assistida encontra


guarida nos direitos constitucionais ao planejamento familiar (art. 226, § 7º, CF/88) e
à saúde (art. 196, CF/88), bem como no princípio da autonomia privada.
5. Em harmonia com a Constituição, o Código Civil reconhece, no artigo §
2º do art. 1.565, a importância do planejamento familiar, direito cujo exercício deve
contar com apoio educacional e financeiro do Estado.
6. Nesse cenário de tutela da aspiração reprodutiva como consequência do
direito fundamental à saúde e ao planejamento familiar e, consequentemente, de
autorização e facilitação de acesso às técnicas de procriação medicamente assistida,
eventuais restrições, para se legitimarem, devem encontrar suporte lógico, científico
e jurídico.
7. O direito à reprodução por técnicas de fecundação artificial não possui,
por óbvio, caráter absoluto. Contudo, eventuais medidas restritivas de acesso às
técnicas de reprodução assistida, ínsito ao exercício de direitos fundamentais de alta
envergadura, consoante demonstrado, só se justificam diante do risco de dano efetivo
a um bem relevante, análise a ser perpetrada, não raro, em face do caso concreto.
8. No caso dos autos, objetivam os autores autorização para a realização de
procedimento de Fertilização in Vitro mediante utilização de óvulos de doadora
conhecida (irmã da autora), afastando-se a proibição do item 2, IV, da Resolução nº
2.168/17, emanada do Conselho Federal de Medicina, que revogou a anterior
Resolução/CFM nº 2013/2013, embora mantenha disposição no mesmo sentido.
9. A razão maior da proibição inscrita na Resolução/CFM nº 2.168/17, ao
resguardar a identidade de doador(a) e receptor(a), encontra fundamento ético nos
riscos de questionamento da filiação biológica da futura criança, desestabilizando as
relações familiares e pondo em cheque o bem-estar emocional de todos os envolvidos.
10. Os laços consanguíneos existentes entre as irmãs e o fato da possível
doadora haver constituído família tornam remota a chance de qualquer disputa em
torno da maternidade, caindo por terra, então, diante da análise da situação concreta,
a proibição inserta na norma questionada e a cautela representada pela preocupação
que moveu o Conselho Federal de Medicina ao erigi-la.
11. Por outro lado, se o sigilo é importante para garantir aos doadores de
gametas isenção de responsabilidade em face dos deveres inerentes às relações de
filiação, sob esse aspecto também não se mostra consentâneo com o caso concreto, no
qual a relação de parentesco verificada entre doadora, casal e futura criança
caracteriza vínculo do qual decorrem obrigações preexistentes de cuidado e
assistência mútua.
12. A questão posta não se coloca em face da inidoneidade do texto
normativo emanado do Conselho Federal de Medicina, mas de sua inaplicabilidade ao
caso sub judice, considerando a razão maior de sua existência.
13. Outrossim, as normas que minudenciam regras aplicáveis aos
procedimentos marcados pela intervenção humana na procriação artificial, emanadas
desse Conselho, ostentam natureza infralegal, veiculando preceitos eminentemente
éticos, portanto, desprovidos de caráter sancionatório (exceto o disciplinar), que, em
nosso ordenamento jurídico, é inerente às manifestações do Poder Legislativo.
14. Reconhecido o direito à efetivação do procedimento de Fertilização in
Vitro a partir de óvulos doados pela irmã da autora, abstendo-se a autarquia ré de
adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais envolvidos nessa
intervenção, aos quais se reserva o direito de aferir a viabilidade do procedimento
mediante oportuna realização dos exames necessários. (REL. DES. FEDERAL
MAIRAN MAIA, 2015, n.p)

E, com todos esses fatos e fundamentos, os Desembargadores julgaram procedente o


pedido da autora.
A Excelentíssima Desembargadora, relatora da apelação, deixa claro em seu voto que a
Constituição Federal percebe os procedimentos e técnicas de reprodução assistida como forma
de garantir o planejamento familiar e à saúde, e princípio da autonomia privada. E o Código
Civil também não se omite de perceber e atribuir a devida importância ao planejamento
familiar, incluindo com apoio financeiro do Estado quando necessário.
A relatora reconhece a importância da autorização e facilitação do acesso às técnicas
reprodutivas, tanto no aspecto científico quanto jurídico, afirmando que, apesar de não possuir
caráter absoluto, eventuais medidas restritivas de acesso a essas técnicas, que impedem o
exercício de direitos fundamentais de alta envergadura, apenas seriam justificáveis diante de
dano efetivo a um bem relevante.
Especificamente neste caso, os autores buscavam a realização do procedimento de FIV
utilizando para tal óvulos da irmã da autora, afastando, portanto, o anonimato do doador. A
relatora, por óbvio, considera as razões envolvidas na proibição, e o principal motivo que o
CFM entende ser o anonimato tão relevante. Trata-se aqui de resguardar a identidade de
doador(a) e receptor(a), encontra fundamento ético nos riscos de questionamento da filiação
biológica da futura criança, desestabilizando as relações familiares e pondo em cheque o bem-
estar emocional de todos os envolvidos. No entanto, de acordo com a relatora, os laços
consanguíneos existentes entre as irmãs afastam essas preocupações. Ademais, a relação de
parentesco verificada entre doadora, casal e futura criança caracteriza vínculo do qual decorrem
obrigações preexistentes de cuidado e assistência mútua.
Por fim, a Douta Relatora ainda observa fato de suma relevância: as normas emanadas
do CFM apresentam natureza infralegal, e não possuem nem caráter sancionatório e nem força
de lei, reconhecendo o direito da autora à efetivação da FIV com os óvulos doados pela irmã e
impedindo a autarquia a adotar quaisquer medidas ético-disciplinares contra os profissionais
envolvidos nessa intervenção.
Portanto, torna-se evidente que a norma prevista na Resolução do CFM, que vem se
repetindo desde 1992, não acompanhou as ampliações e relativizações que foram sendo
acrescentadas ao conceito de família desde essa época. Hoje as interações familiares têm outras
conotações, sendo possível, inclusive, classificar a organização familiar com base no afeto, no
cuidado de um ente com o outro e na vontade de participar efetivamente da promoção da
felicidade do outro - família eudemonista - mesmo que seja doando-lhe gametas para que realize
o sonho da parentalidade.
Vê-se, pois, que para algumas dessas famílias que participam de tratamentos de R.A, o
direito ao planejamento familiar e à família estão diretamente relacionados à felicidade e,
consequentemente, à dignidade. E que todas as dificuldades práticas de se efetivar a ovodoação
deveriam ser consideradas no caso concreto tanto pelo CFM, quanto pelos operadores do
direito, afim de se garantir a prestação jurisdicional adequada ao caso concreto.
Logo, é indiscutível o fato que o Biodireito deve regulamentar a matéria com legislação
específica, mas, até que isso ocorra, não deve a norma infralegal do Conselho Federal de
Medicina ser tomada como regra absoluta, sem que se analise em cada caso a demanda dos
jurisdicionados.
Vale destacar que nas situações em que uma mulher consiga se submeter a estimulação
hormonal para doar óvulos para sua irmã, é possível que sejam estimulados uma quantidade de
óvulos significativamente maior do que o que a paciente (irmã) precisará. A lei prevê
quantidade máxima de transferência de embriões por procedimento. Os excedentes ficam
congelados aguardando para o caso de insucesso do tratamento e nova tentativa. Ocorre que,
em caso de sucesso, esses óvulos excedentes poderiam ser doados, de forma anônima, a outras
pacientes que aguardam na fila e não têm no núcleo familiar alguém que possa ou queira
participar de ovodoação. Logo a fila iria caminhar muito mais rápido para todos e diminuiria a
possibilidade de a mulher não poder se submeter ao tratamento por já estar em idade avança
quando os óvulos finalmente chegaram.
Conclui-se que a regra do anonimato deve ser mitigada face à Dignidade da Pessoa
Humana materializada no direito à facilitação ao acesso a tratamentos de R.A., planejamento
familiar, Proteção à família, direito à felicidade e à plenitude dos anseios do corpo e da alma.
Destacamos também que a família é a base da nossa sociedade e recebe especial proteção do
estado, que estas são disposições Constitucionais e não podem ser afastadas afim enfatizar
norma infralegal como se esta última fosse hierarquicamente superior às primeiras. E, por fim,
cabe ressaltar a importância que esse afastamento inicial ainda poderia trazer a outras famílias
que sequer estão envolvidas no processo e que também poderiam ser beneficiadas com essa
doação, mantendo-se, neste último caso, o anonimato previsto pela Resolução.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do presente estudo viabilizou uma análise aprofundada sobre a


possibilidade jurídica da doação de gametas, especialmente óvulos, entre pessoas do mesmo
núcleo familiar e sobre como esse procedimento pode ser relevante para o sucesso de tratamento
de reprodução assistida, garantindo a essas pessoas o direito ao planejamento familiar e
consequentemente observando a Proteção à Família, à felicidade e garantindo-lhes uma vida
digna.
A Sexta Turma do TRF da 3ª Região reconheceu o direito de uma irmã doar para a outra
óvulos para realização de tratamento de Reprodução Assistida. Tem particular relevância
quando se trata de doação de gametas, visto que o CFM mantém imutável a regra do anonimato
desde 1992, o que dificulta e até inviabiliza em determinados casos. Mesmo porque debate-se
o fato de essa norma ser infralegal e não apresentar força de lei. Considerando o fato que a
autora ingressou no judiciário com o objetivo de obter autorização para realização do
procedimento, afastando a proibição prevista na Resolução 2.121/2015 do Conselho Federal de
Medicina, e obteve provimento da sua demanda, entende-se que é possível sim mitigar a regra
do anonimato.
Os magistrados entenderam ainda, por unanimidade, que por se tratar de consanguíneos
e que o dever de cuidado e assistência mútua já se faz presente, e que não há que se falar em
disputa pela parentalidade da criança. Acreditamos que essa doação no núcleo familiar decorrer
da afetividade, do cuidado e do amor entre irmãs que anseiam pela felicidade uma da outra.
Uma criança gestada e nascida nesse meio também receberá dessa família os mesmos
sentimentos, uma vez que são essas as características de uma família eudemonista.
A pesquisa bibliográfica possibilitou organizar conceitos relevantes à análise do tema,
observar como parte da doutrina percebe e se posiciona neste assunto que é tão delicado,
importante e recente na história do Direito. Analisando e conceituando cada um dos elementos
relevantes ao julgado da 6ª Turma do TRF 3ª, é possível entender que a decisão dos magistrados
corrobora integralmente nosso entendimento acerca da possibilidade jurídica de ser afastada a
regra do anonimato no caso concreto.
Dada a importância do tema, torna-se necessário a atuação do legislador no sentido de
criar e aprovar legislação específica para as técnicas de R.A., observando o ramo do Biodireito,
afim de que a sociedade não se torne refém de Resoluções que mudam frequentemente e geram
insegurança jurídica aos jurisdicionados. E enquanto lei específica não existe, os operadores do
Direito devem observação a legislação já existente e sua hierarquia frente à norma do CFM.
Nesse sentido, resta claro que o avanço da biotecnologia e das técnicas de R.A. foram
fundamentais para que casais, que dependem desses recursos para realizarem o planejamento
familiar, pudessem gestar seus filhos.
Infelizmente a omissão do legislador no sentido de regulamentar essas técnicas faz com
que as normas do CFM atinjam elevada importância e tragam impactos diretos na sociedade.
Este órgão realiza frequentes mudanças em suas resoluções, o que gera insegurança jurídica em
quem depende de R.A para o planejamento familiar.
Ademais, não se adequa às mudanças sociais e a necessidade de se analisar o caso
concreto afim de relativizar a aplicação ou não de seus dispositivos, desconsidera o princípio
da autonomia da vontade e os impactos positivos que a reanalise de suas próprias normas
poderiam trazer às famílias. A 6ª turma do TRF da 3ª região que reconheceu o direito de uma
mulher se submeter ao procedimento de Fertilização in Vitro a partir de óvulos doados por sua
irmã, e estender essa decisão às famílias que se encontram em situação equiparada.

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SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 0007052-98.2013.4.03.6102. Relatora:


Desembargadora Federal Mairan Maia. DJ: 19 de novembro de 2015. ListaColeção, 2015.
Disponivel em: <http://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=1>. Consultado
em 02/04/2018.

_______________________________________
1. Licenciada em Ciência Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, Bacharelanda do Curso de
Direito do Centro Universitário Newton Paiva, Mestranda no Mestrado Profissional no Ensino de Biologia na
UFMG, atualmente é professora de Biologia da Rede Estadual de Minas Gerais.

2. Graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialização em Direito Civil pelo IEC -
PUC/Minas, Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, atualmente é
professor titular do Centro Universitário de Sete Lagoas - Fundação Educacional Monsenhor Messias e do Curso
de Direito Centro Universitário Newton Paiva.

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