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Ciência Política

- Aspectos da Disciplina
. Objetivo: estudar o poder do Estado
- Estado é o campo de trabalho do administrador público  por isso a Ciência Política é
parte necessária dos currículos de formação em Administração Pública.
- Administrador público: é um agente do Estado  desta forma, ele sempre exerce algum
poder sobre a sociedade, que será maior ou menor de acordo com o grau hierárquico que
ocupar.
- A Ciência Política tem uma importante contribuição a oferecer ao administrador público em
todos os níveis.
. Campo de estudo: muito vasto
-  as relações entre Estado e sociedade têm múltiplos aspectos
-  as relações de poder permeiam todas as interações dos indivíduos e grupos na
sociedade
. Foco: temas mais diretamente relacionados à ação do administrador público.
. Divisão:
- Unidade 1: conceitos básicos para estudo das relações entre o Estado + Sociedade
- Unidade 2: teorias fundamentais para:
. Compreender de forma mais apurada as relações entre Estado + Sociedade +
Funções da Administração Pública
. Entender as ideologias, as visões de mundo e os projetos políticos que se encontram
em disputa nas democracias contemporâneas
- Unidade 3: formas de governo + regimes políticos existentes nas sociedades
contemporâneas
. Diferentes formas de organização do governo + regimes políticos  geram impacto
direto no funcionamento da Administração Pública, nas políticas públicas
implementadas e nas relações entre o Estado + Agentes privados no mercado 
afetam diretamente o dia a dia do administrador público.
- Unidade 4: formas de representação política + organização dos sistemas partidários
. Mecanismos essenciais de funcionamento das democracias contemporâneas 
influenciam diretamente a dinâmica política das sociedades
- Objetivo Final: desenvolver um conhecimento mais amplo e integrado sobre o funcionamento do
sistema político e sua relação com
. a vida das pessoas na sociedade (em geral)
. a Administração Pública (em particular)

Unidade 1 – Conceitos Básicos da Ciência Política


- Poder: supõe quatro elementos
.  Sujeito: pode ser um indivíduo, um grupo ou uma organização1 que exerce o poder.
.  Objeto: pode ser um indivíduo, um grupo ou uma organização sobre o qual o poder é
exercido.
.  Meio: pode ser um bem ou um recurso que o sujeito utiliza para exercer poder sobre o
objeto.
.  Fim: é o objetivo ou a finalidade com que o poder é exercido pelo sujeito sobre o objeto.
- Tipos de poder: formas básicas de acordo com os:
. Tipologia clássica  FINS do seu exercício.
. Tipologia moderna  MEIOS pelos quais ele é exercido

1 Uma organização não é outra coisa senão um grupo de pessoas agindo de forma articulada em torno de um objetivo
comum.
- Tipologia Clássica (ou Aristotélica) das TIPOS/FORMAS de poder: fins do exercício do poder
. Formulada por Aristóteles2
. Baseada no interesse em favor do qual o poder é exercido
. Aristóteles considera apenas três dos quatro elementos (sujeito, objeto e fim), deixando de lado
o meio, que somente será considerado na tipologia moderna.
- Poder paterno: exercido pelo pai sobre o filho no interesse do filho (interesse do objeto de
seu exercício)
- Poder despótico: exercido pelo senhor sobre o escravo no interesse do senhor (interesse
do sujeito que o exerce)
- Poder político: exercido pelos governantes sobre os governados no interesse de ambos
(do sujeito e do objeto – governantes e governados)
. É o mais complexo – uma vez que é exercido no interesse dos dois agentes envolvidos na
relação e não do lado de um só deles.

. Aristóteles era utópico e acreditava que o poder político seria sempre exercido no interesse de
governantes + governados?
- Não. Para ele o poder político deve ser exercido no interesse de ambos, mas nem todos os
governos o exercem dessa forma.
- Ele tinha consciência de que muitos governantes exercem o poder no seu próprio interesse
 semelhante ao poder despótico (o senhor sobre os seus escravos - no interesse do
senhor)

- Tipologia Clássica (ou Aristotélica) das FORMAS de governo:


. Aristóteles criou outra tipologia
. Critério de classificação: o mesmo das formas/tipos de poder: finalidade (interesse) do
exercício do poder dos governantes sobre os governados.
. Agrega uma variável a mais: o número de governantes

. Podendo ser exercido o BOM governo: sempre orientado para satisfazer o interesse de todos –
governantes e governados
- Por um só indivíduo: o rei  monarquia

2 Aristóteles: filósofo grego do século IV a.C., foi preceptor do filho do rei Felipe, da Macedônia, que posteriormente iria se
tornar Alexandre, o Grande. Frequentou a academia de Platão, sendo considerado o seu discípulo mais ilustre.
- Por uma minoria: os melhores  aristocracia
- Pela maioria: o governo da pólis ou Cidade-Estado  politeia
. Podendo ser exercido o MAU governo: formas de governo degeneradas, sempre orientadas
para satisfazer o interesse dos governantes
- Por um só indivíduo: o tirano  tirania (exerce o poder em seu próprio interesse, em
detrimento dos interesses dos governados)
- Por uma minoria: pelos mais ricos  oligarquia (exerce o poder em seu próprio interesse,
em detrimento dos interesses da maioria mais pobre)
- Pela maioria  democracia (exerce o poder em seu próprio interesse, em detrimento dos
interesses da minoria)

- Conceito de Democracia:
. Antiguidade (no tempo de Aristóteles): tirania da maioria sobre a minoria  conotação
negativa
. A partir do século XX: governo da maioria que respeita os direitos da minoria  conotação
positiva
- Conceito de Poder:
. Capacidade que um indivíduo, ou grupo de indivíduos, tem de influenciar o comportamento de
outras pessoas (forma mais geral e abstrata)
. O poder não se detém, mas se exerce  o poder não é material, mas imaterial.
- Poder não é um bem ou um recurso do qual os indivíduos possam se apropriar
- Recursos e bens: são meios utilizados pelos seus detentores para influenciar o
comportamento de outras pessoas  mas não são poder em si próprio
. Ser poderoso: influência que se exerce sobre o comportamento de outros indivíduos, e não aos
instrumentos e bens de que se dispõe.
. Diferença entre poder (imaterial) e riqueza (material): o que define o poder é o seu exercício e
sua influência sobre o comportamento das pessoas
- Pessoa que detém muita riqueza e dinheiro, mas, por esses meios, não influencia o
comportamento de outrem  ela é rica, mas não é poderosa.
- Indivíduo dotado de grande força física ou munido de muitas armas, mas que não as utiliza
para influenciar o comportamento dos outros  ele é forte, mas não poderoso.
- Pessoa que tem cultura muito ampla e uma inteligência muito grande, mas não as utiliza
para influenciar o comportamento das demais  ela é culta e inteligente, mas não
poderosa.
. A tipologia moderna, por sua vez, considera que todo poder é sempre exercido por
determinados meios  por isso, os meios também são importantes.

- Tipologia Moderna das TIPOS/FORMAS de poder: meios pelos quais o poder é exercido
. Formulada por Norberto Bobbio3, baseado em Weber4
. Se divide em três meios:
-  Poder econômico: é exercido por todo aquele que “se vale da posse de certos bens,
necessários ou considerados necessários, numa situação de escassez, para induzir
aqueles que não os possuem a certo comportamento, que pode ser, principalmente, certo
tipo de trabalho”.

3 Norberto Bobbio: fez parte do movimento da Resistência: ligou-se a grupos liberais e socialistas que combatiam a
ditadura do fascismo. Seus estudos recaem sobre a filosofia do direito, a ética, a filosofia política e a história das ideias.
Nela se discutem as ligações entre razões de Estado e democracia, além de temas fundamentais, como a tolerância
relacionada ao preconceito, ao racismo e à questão da imigração na Europa atual, obrigada a conviver com diferentes
crenças religiosas e políticas.
4 Max Weber: sociólogo, historiador e político alemão que, junto com Karl Marx e Émile Durkheim, é considerado um dos

fundadores da sociologia e dos estudos comparados sobre cultura e religião. Para Weber, o núcleo da análise social
consistia na interdependência entre religião, economia e sociedade.
. BOBBIO (1984): na posse dos meios de produção (terras, máquinas ou dinheiro)
reside uma enorme fonte de poder por parte daqueles que os possuem em relação aos
que não os possuem
- Proprietário de terras  exerce poder econômico sobre trabalhadores rurais sem
terra  ao induzi-los a trabalhar de uma determinada forma em suas terras
(cortando cana ou colhendo café), por um determinado período de tempo (uma
jornada de oito horas), em troca de um pagamento.
. Atenção: poder econômico é diferente de poder autoritário pela coerção física
ou moral
- Proprietário de terras que exerce poder econômico sobre o trabalhador
agrícola sem terra: funda-se essencialmente na posse de um bem
necessário e escasso (a terra)
- Poder exercido pelo senhor sobre o trabalhador escravo, durante o
Período Colonial e o Império, no Brasil: estava baseado na coerção física.
- Poder exercido pelos senhores da terra sobre os servos da gleba durante
a Idade Média, na Europa, que trabalhavam nas terras do seu senhor sem
receber qualquer remuneração: baseado na obrigação de ordem moral ou
nos costumes.
- Empresa industrial  exerce poder econômico sobre operários  ao condicioná-
los a uma determinada rotina e jornada de trabalho (40 horas de trabalho semanal)
nas suas fábricas em troca do pagamento de um salário mensal.
- Banco  exerce poder econômico sobre empresas agrícolas, industriais,
comerciais ou de prestação de serviços  quando lhes empresta o dinheiro de
que necessitam para desenvolverem suas atividades em troca do pagamento
periódico do empréstimo a uma determinada taxa de juros.
-  Poder ideológico: influência que as ideias formuladas de certa maneira, ou emitidas
em certas circunstâncias, por uma pessoa revestida de autoridade, e difundidas por certos
meios, têm sobre o comportamento das pessoas.
. Influencia o comportamento dos indivíduos independentemente do uso de coerção
física sobre eles, ou da sua necessidade material.
. O poder ideológico sobre os indivíduos também influencia o comportamento político e
econômico, sem, contudo, se confundir com o poder político e econômico que é
exercido sobre eles  esta diferença é fundamental para poder compreender o
significado e a amplitude do exercício do poder político
- Religiões e sacerdotes: exercem poder ideológico sobre os fiéis por meio dos
valores expressos em palavras que condicionam o comportamento
. Testemunhas de Jeová: recusam-se a receber transfusão de sangue porque a
religião proíbe (mesmo que seja recomendada por médicos)
. Evangélicos: pagam voluntariamente o dízimo às suas igrejas, deixam de
cortar os cabelos ou/e só usam roupas de mangas compridas porque isso lhes
é requerido pelos pastores
. Católicos: mantêm-se castos, praticam a caridade e assistem ao culto
dominical porque assim a religião lhes determina.
. Muçulmanos: abstêm-se de alimento durante o dia no período do Ramadã em
obediência às orientações do profeta Maomé.
- Lideres políticos, sindicais e intelectuais: exercem poder ideológico ao influenciar o
comportamento das pessoas por meio de ideias e palavras, levando-as a votar em
um determinado candidato ou partido; aderir a uma greve; integrar um movimento;
ou participar de uma manifestação pública.
- Meios de comunicação de massa: exercem poder ideológico sobre seu público
quando esses incorporam os argumentos e raciocínios veiculados por aqueles
meios e agem de acordo com eles.
. Votar em um determinado candidato em uma eleição ou contribuir com seu
dinheiro ou seu trabalho para alguma campanha ou consumir ou se negar a
consumir um determinado produto.
-  Poder político: é fundamentado na posse dos instrumentos através dos quais se
exerce a força física, isto é, através das armas de qualquer espécie e grau.
. O Estado exerce poder político sobre o indivíduo, quando o obriga a:
- Pagar impostos: caso deixe de cumprir esta obrigação, pode ter os seus bens
arrestados ou ser preso
- Cumprir as leis: caso contrário, pode ser multado, privado de determinados
direitos, encarcerado ou mesmo executado, dependendo da legislação de cada
país
- Matar ou morrer: em caso de guerra, o indivíduo é forçado a conquistar ou
defender territórios, arriscando a sua própria vida e exterminando a dos seus
adversários – insubordinações são severamente punidas e traições ou crimes de
guerra não são prescritíveis5 (como acontece com os crimes comuns).
. É condição necessária para o exercício do poder político: o uso ou a ameaça
do uso da força  mas ela não é condição suficiente para qualificar o poder
exercido pela força como poder político.
- Ex.: o uso da força por criminosos que sequestram, torturam e matam não
significa exercício do poder político
. Portanto, existem dois tipos de poder político:
- Tipo : exercido pelo Estado
. O que caracteriza o “Tipo ” é o monopólio do uso legítimo da força
física sobre os indivíduos que integram uma sociedade e a
legitimidade com que ele encontra investido para exercer,
exclusivamente e em última instância, a força física sobre todos os
indivíduos de uma sociedade
- Tipo : exercido por outros grupos, que controlam territórios e indivíduos
unicamente com base no uso da força física
. Máfias, quadrilhas e outras organizações armadas (Tipo ) disputam
entre si o controle sobre territórios e os indivíduos que neles se
encontram pelo simples uso da força  eles não possuem monopólio
e nem a legitimidade sobre o uso legítimo da força física
. Situações Extremas
- Caso A: não existe uma instância que exerça com exclusividade a força
física sobre os seus membros (não há o monopólio) – portanto, não se
pode rigorosamente falar da existência de um Estado – anarquia.
- Caso B: existe uma instância que monopoliza o uso da força (há
monopólio), mas esta instância não possui legitimidade do seu poder
reconhecida pelo conjunto da população que a ele se encontra submetida
– portanto, não se pode rigorosamente falar da existência de um Estado –
o poder exercido eqüivale ao de um déspota sobre uma população
escrava.
. Conclusões:
- Ao se falar de Estado e de “exercício de poder político”, certa dose de
consentimento dos dominados (governados) do uso da força pelos
dominantes (governantes) se faz sempre necessária
- Estado e poder político são termos indissociáveis

5 Jur. A maneira pela qual se extingue a punibilidade do autor de um crime ou contravenção, por não haver o Estado
exercido contra ele no tempo legal o seu direito de ação, ou por não ter efetivado a condenação que lhe impôs.
- O que diferencia o “exercício do poder político” do “simples uso da força
bruta” são: exclusividade e legitimidade que o Estado possui para recorrer
ao uso da força física sobre as pessoas nas sociedades civilizadas
- A definição de poder político, citada pelo autor, é aparentemente restrita –
centrada no Estado.
. Se considerarmos a visão da “tipologia moderna das formas de poder” – que
defende que o poder político se baseia na força física e se exerce de forma
legítima e exclusiva, teríamos as seguintes conclusões:
- Pergunta 1: Será mesmo que é apenas o Estado que exerce poder político
na sociedade?
. Sim. Apenas o Estado exerce o poder político nas sociedades
contemporâneas e civilizadas, pois nenhuma outra organização
nessas sociedades tem a exclusividade e legitimidade para empregar
a força sobre os indivíduos.
- Pergunta 2: E os partidos, sindicatos, associações, grandes empresas e
jornais não exercem também poder político?
. Não! Partidos, sindicatos, associações, grandes empresas industriais,
comerciais, de serviços e de comunicação agem politicamente, mas
sua ação tem por objetivo influenciar o Estado, mas não exercer o
poder político no lugar do Estado
. Partidos políticos: organizações que procuram exercer o poder
político, mas só o exercem, de fato, quando têm o controle do Estado -
nos períodos em que se encontram fora do Estado, os partidos
políticos procuraram influenciar o comportamento dos indivíduos a
partir de suas ideias, propostas e propaganda política.
- Os partidos influenciam o sistema político, exercendo poder
ideológico, mas não poder político.
- Para Weber, os partidos possuem “ação politicamente orientada”,
diferenciando-a da “ação política propriamente dita”.
. Sindicatos e grandes empresas em qualquer ramo de atividade: eles
não procuram exercer as funções do Estado (poder político), mas sim
influenciar a ação do Estado – não agindo em substituição a ele.
- Organizam-se em torno de atividades e interesses econômicos – o
poder que exercem na sociedade é econômico. Considerando que
também procuram intervir no plano das ideias: exercem poder
ideológico
- Sindicatos procuram associar à defesa dos interesses econômicos
das categorias profissionais que representam, interesses e valores
mais amplos, como a igualdade, a cidadania etc
- Empresas procuram associar à sua imagem a defesa de
interesses coletivos e não apenas corporativos, como a
responsabilidade social, ambiental etc.

Dica do professor para a leitura anterior: Os alunos devem fazer um esforço para entender a argumentação do autor no
seu conjunto. Procurem identificar os trechos que mostram ao leitor quais são os argumentos principais e as partes que
complementam, ilustram ou simplesmente reforçam este argumento. As ideias principais costumam aparecer no início dos
capítulos ou das seções de cada capítulo. O autor nos ajuda, destacando as ideias principais ao longo do texto (em itálico)
ou marcando em negrito os conceitos-chave. Mas vale frisar: o objetivo do nosso estudo é entender como as ideias
principais e os conceitos-chave fazem sentido dentro de uma discussão sobre o poder e a importância desta para a
compreensão do papel do administrador público. Não basta decorar "o que é poder ideológico" e "quais são os três tipos de
poder para Aristóteles", pois as avaliações não serão feitas desta forma.
- Características do Poder do Estado:
. Após aprendermos que “exercício do poder político” e “ação do Estado” possuem uma relação
indissociável, vamos examinar aquilo que caracteriza o poder estatal
. Bobbio: são três as características fundamentais do poder estatal:
- Exclusividade: tendência que os detentores do poder político manifestam em não permitir
(em seu âmbito de domínio) a formação de grupos armados independentes + subjugar ou
desbaratar aqueles que venham a se formar + atentar para as infiltrações, as ingerências
ou agressões de grupos políticos externos – bem semelhante ao caráter monopolista do
Estado descrito por Weber
- Universalidade: capacidade que têm os detentores do poder político (só eles) de tomar
decisões apropriadas e efetivas para toda a comunidade no que toca à distribuição e
destino dos recursos não apenas econômicos – é dizer que o Estado toma decisões em
nome de toda a coletividade que ele representa, e não apenas da parte que exerce o poder
- Inclusividade: possibilidade de intervir imperativamente em toda a possível esfera de ação
dos membros do grupo, direcionando-os para um fim desejado ou dissuadindo-os de um
fim não desejado através do ordenamento jurídico
. Através de um conjunto de normas primárias dirigidas aos membros do grupo e de
normas secundárias dirigidas a funcionários especializados, autorizados a intervir no
caso de violação das primeiras
. Nenhuma esfera da vida social se encontra isenta da interferência estatal, embora não
signifique que o Estado tenha de intervir ou regular tudo
. É prerrogativa do Estado definir as áreas em que ele irá ou não intervir, conforme o
tempo, as circunstâncias e o interesse público
- Organização do Estado: O caráter universal, inclusivo e exclusivo do poder do Estado não o
impede de exercer suas diferentes funções por meio de diferentes instituições
. Montesquieu6: o Estado possui três funções fundamentais, das quais decorrem todas as suas
ações
- Função legislativa: referese à prerrogativa de instituir as normas e o ordenamento jurídico
que regem as relações dos cidadãos entre si e destes com o Estado.
- Função executiva: exerce-se por meio de um conjunto de instrumentos administrativos e
coercitivos tendo em vista assegurar o cumprimento das normas
- Função judiciária: diz respeito à prerrogativa de julgar a adequação, ou inadequação, dos
casos e atos particulares às normas gerais
. Ao recomendar que as três diferentes funções do Estado fossem exercidas por três diferentes
corpos, Montesquieu se contrapôs ao “poder absoluto” dos monarcas europeus
- Sua preocupação era a de evitar a “excessiva concentração de incumbências” nas mãos
de um único indivíduo (o rei), ou em um único organismo (a assembleia) – isso lhe parecia
perigoso por tender ao abuso de poder por parte dos governantes e atentar contra a
liberdade dos governados
- Ao propor uma “divisão funcional do poder”, Montesquieu não pretendia “dividir o poder do
Estado” (iria contra ao caráter monopolista do poder estatal), mas apenas separar funções
diferentes em corpos distintos dentro do mesmo Estado
. Portanto, não existe conceitualmente a chamada “separação dos poderes”
(terminologia usualmente empregada pelos constitucionalistas e políticos) – uma vez
que o poder é uno e indivisível.
. O que existe é a divisão das funções do poder por diferentes instituições do Estado, ou
seja, “separação das funções do poder”.

6 Montesquieu: filósofo iluminista francês que se notabilizou como o formulador da teoria da separação dos poderes..
Escreveu relatório sobre as várias formas de poder, em que explicou como os governos podem ser preservados da
corrupção. Definiu três tipos de governo existentes: republicanos, monárquicos e despóticos; e organizou um sistema de
governo que evitaria o absolutismo, isto é, a autoridade tirânica de um só governante.
- A “distribuição do exercício do poder do Estado em diferentes órgãos independentes e
especializados no desempenho de funções específicas” foi adotado em todos os Estados
do Ocidente e em todas as democracias.
- Brasil: as funções do Estado encontram-se constitucionalmente distribuídas entre: poder
executivo, legislativo e judiciário – as competências e atribuições de cada um são definidas
e delimitadas pela Constituição Federal.
. Pergunta 1: As competências que a Constituição atribui a cada um dos três Poderes
correspondem exatamente a cada uma das três funções do poder de Montesquieu?
- Resposta: Não. O Poder Executivo encontra-se incumbido de funções executivas,
mas também lhe compete exercer outras funções. O Poder Legislativo está
fundamentalmente incumbido da função legislativa, mas pode constitucionalmente
exercer outras funções. Ao Poder Judiciário cabe a função judiciária, pode também
exerce outra função em determinadas circunstâncias.
. Pergunta 2: Não há casos em que o Poder Executivo exerce função legislativa, o
Poder Legislativo função judiciária e o Poder Judiciário função legislativa?
- Resposta: Sim.
- Situações Exemplo:
. Caso Executivo: quando o Presidente (que exerce o Poder Executivo auxiliado pelos
ministros de Estado) faz um decreto regulamentando uma lei, está editando normas
completares e exercendo função legislativa.
- Quando a Receita Federal (órgão do Executivo) aplica uma multa a um
contribuinte, está exercendo função judiciária – pois está julgando inadequado um
ato particular a uma lei geral – o contribuinte “x” é punido por não ter recolhido os
seus impostos conforme determina a legislação tributária vigente
. Caso Legislativo: quando o Senado Federal (órgão do Poder Legislativo) julga o
Presidente em um processo de impeachment, está exercendo função tipicamente
judiciária (e não legislativa)
- Brasil (1992): o Senado assumiu funções de uma corte judicial, apreciando o
processo movido pelo Procurador-Geral da República contra o então Presidente
Fernando Collor (crime de responsabilidade) e manifestando-se pela cassação do
seu mandato
. Caso Judiciário: quando o Supremo Tribunal Federal (órgão superior do Poder
Judiciário) julgou a constitucionalidade do decreto que determinou a demarcação
contínua das terras da “reserva indígena Raposa Serra do Sol” (Roraima) exerceu
função legislativa aos fixar condições de acesso do Poder Público àquelas áreas, que
não estavam previstas no decreto em julgamento
- Atenção! Existe diferença entre:
. Poder Executivo, Legislativo e Judiciário: quando grafados com iniciais maiúsculas,
referem-se às estruturas hierárquicas do Estado – que são constitucionalmente
dotadas de autonomia umas em relação às outras
. Funções executiva, legislativa e judiciária: quando grafados com iniciais minúsculas,
referem-se à distinta natureza dos diferentes atos do Estado, independentemente do
Poder constituído de onde emanam.
- No mundo contemporâneo, existem dois tipos de Estado quanto a sua organização interna:
. Estados unitários: possuem uma única esfera de organização político-administrativa
- A unicidade é expressa na existência de:
. uma única ordem política
. uma única ordem jurídica
. uma única ordem administrativa
- França, Chile e Israel são Estados unitários, cujo poder encontra-se centralizado nas
instâncias político-jurídico-administrativas nacionais.
- Podem existir autoridades locais (ou até regionais), mas eles não gozam de autonomia
política – não têm a prerrogativa de governarem-se de acordo com as suas próprias
normas e de formularem as suas próprias políticas
. As autoridades regionais exercem o poder de forma desconcentrada, mas não
descentralizada, pois o centro do poder é um só.
. Estados federativos: existem diferentes centros de poder e efetiva autonomia das diferentes
esferas de governo umas em relação às outras.
- A separação entre Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, existente na esfera federal,
também se reproduz nas esferas subnacionais (estaduais e municipais)
- Brasil: A Constituição Federal de 1988 inovou em relação às demais constituições dos
Estados federativos do mundo ao incluir os municípios e o Distrito Federal como membros
da federação brasileira

. Embora a CF brasileira assegure aos municípios autonomia em relação aos estados,


essa autonomia é parcial – ela é restrita aos Poderes Executivo e Legislativo, já que na
esfera municipal não existe um Poder Judiciário próprio, o que torna os municípios
dependentes dos tribunais estaduais
. Conclusão: da mesma forma que o poder do Estado pode ser funcionalmente
distribuído entre diferentes instâncias sem perder as suas características
monopolistas, o Estado também pode se organizar em mais de uma esfera legislativa,
executiva e judiciária:
- A organização federativa de Estado foi inventada nos EUA após a guerra de
independência com a Inglaterra (último quartel do século XVIII)
. Até o surgimento da “federação americana”, somente existiam três formas básicas de
organização do Estado:
- República: a mais alta função da estrutura hierárquica de poder – seja ela ocupada
por uma única pessoa ou por um grupo de pessoas (como no caso da Suíça) –,
resulta da escolha do povo por meio de eleições diretas ou indiretas (neste caso,
por meio de uma assembleia composta de seus representantes).
. Antiguidade e Idade Média7, a forma republicana de Estado foi adotada
apenas por Estados pequenos (em território e população) – devido à
dificuldade (impossibilidade) de reunir um povo que se encontrava espalhado
sobre um grande território para deliberar sobre a “coisa pública” (que em latim,
escreve-se res publica, donde a origem do termo república)
- Monarquia: o acesso ao topo da hierarquia do Estado se dá por direito hereditário
– sem a intervenção da escolha popular.

7 Exemplos na Antiguidade: Roma e Atenas. Exemplos na Idade Média e Renascença: Veneza e Genebra.
. Forma de organização do poder comum tanto aos pequenos Estados (ex. o
Principado de Mônaco até hoje), quanto aos Estados de maior extensão
territorial (a França durante o Antigo Regime).
- Império: é a monarquia ou república exercida em outro território (império x
colônia). Essa forma de organização do Estado que emergiu em resposta aos
problemas surgidos da expansão do poder de um Estado sobre amplos territórios,
abrangendo culturas e realidades políticas muito diversas
. Foi o caso de Roma (Antiguidade), na época que o império veio a suceder a
república.
. Caso da Rússia (a partir do século XVI) quando império sucedeu a monarquia.
. Essa forma de organização dos grandes Estados sobreviveu até a 1 a Guerra
Mundial, quando o Império Otomano e o Império Austro-Húngaro se
dissolverem em Estados republicanos menores, e o Império Russo se
transformou na União das Repúblicas Socialistas e Soviéticas.
- Se compararmos essas “três formas de Estado” com a Federação (inventada pelos
americanos) veremos grandes novidades:
. compatibilização da república com um Estado que estende seu domínio por um amplo
território
. invenção do presidencialismo: a “grosso modo” - um monarca temporário por escolha
popular – exercício por tempo determinado da mais alta magistratura por uma única
pessoa escolhida por meio de eleições
. criação de um ordenamento estatal composto por duas esferas de governo
autônomas, regido por uma constituição que determina a distribuição das
competências entre “União” e “Estados membros”
- Observação: logo no início da sua independência, os EUA se constituíram não como uma
federação, mas como uma confederação – tomando como exemplo os pequenos Estados
da Antiguidade8
. Seguindo o exemplo dos antigos gregos, as 13 colônias americanas assinaram (1777)
os “Artigos da Confederação” – com a finalidade de se fortalecerem na guerra de
independência que então travavam contra a sua antiga metrópole (Grã-Bretanha)
. Mas a confederação se mostrou um instrumento muito frágil para mantê-las unidas –
uma união mais duradoura lhes pareceu necessária para assegurar a independência
conquistada
. Na convenção dos Estados americanos (Filadélfia, 1787) eles assinaram a
Constituição dos Estados Unidos, instituindo a federação, tal como a conhecemos hoje
em dia.
- Principais diferenças entre a federação e a confederação:
Federação Confederação
A união dos estados-membros é permanente e A união entre Estados é temporária, havendo
indissolúvel direito à secessão – ao desligamento de um
Estado da confederação
Possui personalidade jurídica nos planos interno e Só tem personalidade jurídica externa – no plano
externo internacional
A União – os Poderes federais tem presença ativa A confederação não tem presença nem age
dentro dos Estados diretamente dentro dos Estados que a compõem
É um Estado composto É uma composição de Estados
. Após os EUA, a forma federativa de organização do Estado foi adotada por diversos
países de grande extensão territorial (Canadá, Brasil, Austrália, Rússia e Índia)

8Antiga Grécia: as diferentes cidades-Estado (Atenas, Esparta, Tebas e Corinto) costumavam se unir temporariamente em
uma confederação com a finalidade de enfrentarem, juntas, um inimigo poderoso, como foi o caso da guerra contra os
persas.
. Países nem tão grandes assim também adotaram a forma federativa para acomodar
as diferentes tradições políticas das regiões que os compõem (Alemanha e Itália, após
2a Guerra Mundial)
. Outros, apesar de pequenos, tornaram-se federações para acomodar a sua
diversidade cultural sob uma única organização estatal (Bélgica e Suíça)
- A Suíça mantém nome original de Confederação Helvética, mas é uma federação.

Dica do professor para a leitura anterior: Reforço que o objetivo não se limita a decorar "quais são as características
fundamentais do poder estatal" para Bobbio, mas entender o significado e a importância destas características no sistema
político moderno e, também, como estes conceitos ajudam a pensar na formação de vocês como futuros administradores
públicos.

A preponderância do executivo e o papel da administração pública:


. Independente da forma assumida pelo Estado (unitária ou federativa), o Poder Executivo
(governo + conjunto de instituições subordinadas ou vinculadas ao chefe de governo que
exercem as funções executivas) têm papel preponderante
. Ocorre um destaque do Executivo em relação aos demais Poderes
- Só que Isso não significa que suas funções sejam mais importantes
- Alguns pensadores políticos até chegaram a afirmar que os outros Poderes exerciam
funções mais nobres
. Rousseau (1712-1778): o Poder Legislativo é o poder central e fundamental de todo
Estado – motivo: a ele cabe a função de elaborar e aprovar as leis que serão seguidas
por toda a coletividade
. Montesquieu: o papel fundamental cabe ao Poder Judiciário – motivo: sua função de
mediar a relação entre aquele que manda (o governante) e aquele que legisla (a
assembleia)
. Quais os motivos que explicam a preponderância do Executivo sobre os demais poderes?
- Resposta simples está na “definição de poder político”
. Se é sobre a força física que repousa o exercício do poder político  então terá papel
preponderante na estrutura do Estado o Poder que tiver controle dos instrumentos de
coerção  neste caso, o Poder Executivo (agora chamado de Governo)
. Embora o Governo (ou Poder Executivo) não tenha as prerrogativas de:
- criar as regras gerais que balizam a vida dos cidadãos (função legislativa e
atribuição do Poder Legislativo);
- decidir sobre a adequação dessas regras aos casos particulares (função judiciária,
a cargo do Poder Judiciário).
. É o Poder Executivo que tem o controle sobre o aparato coercitivo do Estado,
garantindo:
- o cumprimento das determinações dos outros Poderes
- a execução das políticas do Estado
. Lembre-se que ao governo e aos órgãos que lhe são subordinados, compete:
- recolher os impostos que sustentam o funcionamento de todos os Poderes do
Estado: o recolhimento é compulsório e respaldado pelo uso da força, sempre que
esta se fizer necessária
- garantir a segurança interna dos cidadãos: proteção da integridade física,
liberdade individual e do gozo dos seus bens – essa garantia repousa na
possibilidade do recurso à força física e à utilização de armas
- proteger os cidadãos das agressões externas: função essa que cabe às Forças
Armadas (também subordinadas ao Poder Executivo)
- Portanto, a primazia do Executivo sobre os demais Poderes repousa no controle que ele
tem sobre os instrumentos de coerção física.
. A coerção física é o único meio de exercício do poder do governo sobre os governados?
- Não. A coerção física é o “recurso extremo” que o Estado utiliza para fazer valer a ordem
. Ordem pública: cumprimento das decisões que foram tomadas em nome de toda a
coletividade e que devem ser seguidas por cada um de seus membros
. O meio mais frequente pelo qual o Estado exerce o seu poder sobre a sociedade não é
a coerção direta, mas a “administração respaldada coercitivamente”
- É quando o poder do Estado é exercido administrativamente – por meio de um
corpo funcional encarregado da execução continuada de uma série de atividades
que intervêm diretamente no funcionamento da sociedade
- Conceitos de Administração Pública: abordagens distintas sobre o mesmo objeto – não existe
contradição entre elas, mas complementaridade.
.  Pela doutrina do Direito Administrativo: conjunto de atividades executadas pelo Estado
tendo em vista a realização do interesse público
- define teleologicamente: considerando a sua finalidade
- abordagem prescritiva (o dever ser)
- concebe como prestação de serviço
.  Pela Ciência Política: meio pelo qual o Estado exerce regularmente o seu poder sobre a
sociedade
- define instrumentalmente: considerando o meio pelo qual o Estado exerce o seu poder
- abordagem descritiva (o que é)
- concebe como dominação
- Exemplos:
. Policiamento ostensivo de praças e vias públicas: “serviço que o Estado presta ao cidadão”, ao
protegê-lo, pela dissuasão, das agressões potenciais de outros indivíduos contra a sua
integridade física, seus bens ou sua liberdade
- Também é “exercício do poder de Estado” sobre todos os indivíduos da sociedade: pois
condiciona o comportamento conforme as regras estabelecidas
. Não se deve roubar uma maçã de um mercado quando se tem fome, mas não se tem
dinheiro no bolso
. Oferta de educação gratuita nas escolas públicas: “um serviço público”
- Mas também é um “meio de exercício de poder do Estado” sobre os indivíduos: pois as
crianças são obrigadas a entrar na escola em um determinado horário, e lá ficar durante
um determinado tempo, ter um certo comportamento e demonstrar um certo desempenho
. Controle do tráfego aéreo: um “serviço que o poder público oferece às companhias aéreas e à
população em geral” – tanto aos passageiros quanto à quem vive em região próxima aos
aeroportos, na medida em que previne acidentes que causariam graves danos a todos
- Ele também é “exercício do poder do Estado” sobre todos os envolvidos ao estabelecer
regras rígidas para a operação das empresas aéreas, para o acesso dos passageiros aos
aviões e para as construções no entorno dos aeroportos
- Conclusão: a Administração Pública sempre exerce poder ao prestar serviços à sociedade
. Por isso o estudo da Ciência Política é essencial para o administrador público

Dica do professor para a leitura anterior: Este capítulo deve incentivar o aluno a refletir sobre o caráter político da
administração pública em diversos sentidos.
Em primeiro lugar, no sentido de que não existe um "padrão" para o relacionamento entre o executivo e os demais
poderes, assim como entre o estado/governo e a sociedade. A forma como este relacionamento se dá é determinada por
circunstâncias históricas e culturais e depende das ações que os atores governamentais (governantes e gestores) e os
atores da sociedade civil irão realizar. Os conflitos de interesse e as negociações entre executivo, legislativo e judiciário,
assim como os conflitos e/ou negociações entre Estado/governo e sociedade civil constituem uma parte muito importante do
que podemos chamar de política.
Em segundo lugar, a administração pública exerce poder sobre a sociedade, definindo normas e garantindo que
elas sejam respeitadas. Mas a capacidade de definir normas e garantir sua aplicação também depende das circunstâncias
apontadas anteriormente. Deve existir sempre algum grau de compromisso entre os representantes do Estado e sociedade
para que as normas sejam reconhecidas como legítimas.
Em terceiro lugar, a capacidade de exercer poder sobre a sociedade depende do corpo administrativo responsável
pelo funcionamento do aparato estatal. Em termos genéricos, um governo destituído de quadros administrativos
competentes tende a ser menos capaz de garantir que normas sejam cumpridas.
Uma conclusão importante a que se pode chegar é que a velha distinção "político x técnico" não faz muito sentido
diante destas colocações. A capacidade do político (por ex., do governador eleito democraticamente) realizar um programa
governamental bem-sucedido dependerá de quadros técnicos; mas os quadros técnicos pouco poderão realizar se não
tiverem condições políticas para que seus programas sejam implementados.

Fundamentos Teóricos da Ciência Política


- Objetivos:
. Identificar os princípios do pensamento liberal e conhecer suas principais características
. Identificar os princípios do marxismo e conhecer suas principais características
. Compreender que as duas correntes teórico-filosóficas emergiram como críticas e propostas
alternativas à organização social vigente no seu tempo
- A Ciência Política, assim como toda ciência, baseia-se na Filosofia
. A Ciência Política (campo de investigação relativamente recente) possui fundamentos teóricos
da Filosofia Política (Antiguidade)
. Observe que recorremos à Filosofia Política ao examinarmos a tipologia clássica das formas de
poder de Aristóteles
. Foco da Unidade: concentrar nas duas principais correntes filosóficas que orientam o debate
político no mundo contemporâneo: a liberal e a marxista
- O liberalismo e o marxismo (correntes filosóficas) se estruturaram combatendo as ideias
dominantes e a ordem vigente à sua época – elas apresentaram novas e mais justas formas de
organização da sociedade
. Pensamento liberal:
- Base: reflexões e proposições desenvolvidas pelos filósofos ingleses e franceses dos
séculos XVII e XVIII – eles se opunham ao poder absoluto exercido pelas monarquias
hereditárias da Europa
- Proposta: bases alternativas ao direito divino para legitimar o exercício do poder político
. Marxismo:
- Base: crítica à sociedade burguesa e à ordem liberal vigentes no século XIX, tendo por
base o pensamento dos filósofos alemães Karl Marx9 e Friedrich Engels10
- Fato: Ao longo do século XIX, o liberalismo se impôs completamente ao pensamento Marxismo

Pensamento Liberal
- Foi fundado em uma corrente filosófica predominante na Europa durante os séculos XVII e XVIII: o
jusnaturalismo
. Jusnaturalismo: doutrina segundo a qual existe e pode ser conhecido um direito natural – jus
naturale - um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas
normas fixadas pelo Estado – direito positivo
- Este direito natural tem validade em si, é anterior e superior ao direito positivo e, em caso
de conflito, é ele que deve prevalecer
- Busca no indivíduo – e não no grupo – a origem do Direito e da ordem política legítima –
isso contraria a tradição filosófica (antes e depois)
- Quatro filósofos jusnaturalistas tiveram influência decisiva na formação do pensamento liberal:
. Thomas Hobbes (1588-1679)
. John Locke (1632-1704)
. Montesquieu (1689- 1755)
. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)

9 Karl Marx: teórico do socialismo. Junto com Engels publicou o “Manifesto do Partido Comunista”, primeiro esboço da
teoria revolucionária marxista. Foi ignorado pelos estudiosos acadêmicos da época, apesar de ser um dos pensadores que
mais influenciaram a história da humanidade.
10 Friedrich Engels: filósofo alemão. Junto Karl Marx, criou o marxismo (socialismo científico).
- Pensamento dos quatro filósofos jusnaturalistas:
. Se tomados separadamente: cada um é bastante singular e chegam a ser oposto um
ao outro
. Se tomados em conjunto: formam o alicerce sobre o qual se fundou o liberalismo
- cuja influência tem sido decisiva na dinâmica política das sociedades ocidentais do
final do século XVIII até os dias de hoje
- Destaque para as contribuições trazidas pelo pensamento dos 4 autores para a formação
do substrato comum do liberalismo
- Valores centrais e fundamentais do liberalismo: igualdade e liberdade
. Para sustentá-las como valores universais, a “teoria do direito natural” partiu das seguintes
premissas:
- a vida em sociedade não é o ambiente natural do homem, mas um artifício fundado em um
contrato
- antes de viver em sociedade, o homem vivia em meio ao estado de natureza
- no estado de natureza, as relações humanas eram regidas pelo Direito Natural
- a razão é o único meio de se conhecer os direitos naturais
- o Direito Natural constitui a única base legítima do Direito Civil
- Baseado nestes pressupostos e utilizando o método racional, os 4 autores trataram extensamente
do Direito Público e dos fundamentos e da natureza do poder do Estado
. Eles estabelecendo uma clara separação entre:
- Estado e sociedade civil
- esfera pública e esfera privada.
. Eles traçaram as referências básicas do Estado de Direito no mundo contemporâneo
- Estado de natureza: estágio em que a humanidade ainda não vivia organizada em sociedade (e
nem submetida ao poder de um Estado) – nela os indivíduos gozavam de plena liberdade e
usufruíam de tudo aquilo que pudessem possuir
. Não havia bem ou mal, noção de justo ou injusto – pois nenhuma convenção havia sido
estabelecida entre os homens, determinando e diferenciando o certo do errado
- Não havia qualquer lei a regular as relações: a não ser as leis da própria natureza
. Todos os indivíduos são naturalmente iguais e igualmente portadores de determinados direitos
naturais (que não podem, em hipótese alguma, renunciar)
- Entre os direitos naturais encontram-se:
. o direito a liberdade
. o direto a propriedade
. Se a condição humana “no estado de natureza” era de plena liberdade e independência, por
que a humanidade resolveu viver em sociedade e sob o domínio do Estado?
- Resposta dos 4 autores jusnaturalistas: por segurança e para proteção dos bens e vida de
cada um
. Hobbes: o “estado de natureza” seria também o estado de guerra generalizada de
todos contra todos – o homem seria o lobo do próprio homem
. Na obra “O Leviatã11” ele fez uma descrição sombria da condição humana no estado
de natureza:
- Tudo aquilo que é válido no tempo de guerra (todo homem é inimigo de todo
homem) também é válido para o tempo durante o qual os homens vivem sem outra

11 Leviatã: é um monstro bíblico que serviu de inspiração para obra de Hobbes que falava sobre a natureza e as funções do
Estado moderno. A diferença entre o mostro da Bíblia e o Leviatã moderno, é que este seria criado e composto pela união e
força de todos os homens que pactuaram em formar o Estado para lhes proteger. Na ilustração de capa da 1[ edição da
obra o Leviatã moderno é representado pela figura de um rei gigantesco que protege a cidade, portando a coroa sobre a
cabeça e empunhando a espada na mão direita, com a qual protege as pessoas dos campos e cidades. Seu corpo é
formado pelos corpos dos seus súditos, de quem recebe sua força. Acima da figura do Leviatã, encontra- se a seguinte
frase, escrita em latim: Non est potestas Super Terram quae comparetur ei (Não há poder sobre a Terra que a ele se
compare).
segurança senão a que lhes poder ser oferecida por sua própria força e sua
própria invenção
- Nesta situação, não há lugar para a indústria (seu fruto é incerto), não há cultivo
da terra, nem navegação, nem uso das mercadorias que podem ser importadas
pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e
remover as coisas que precisam de grande força; não há conhecimento da face da
Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade – só há
um constante temor e perigo de morte violenta
- A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta.
. Para Hobbes, a “condição miserável da humanidade no estado de natureza” é que
teria levado os homens a celebrar um pacto entre si (originando o Estado)
- Como acontece o pacto: cada indivíduo se compromete com os demais em
transferir o seu “direito natural” de utilizar a própria força para se defender e
satisfazer os seus desejos para um ser artificial e coletivo  o Leviatã ou melhor,
o Estado.
- Os homens trocam:
. liberdade natural pela liberdade civil
. independência por segurança
. Os outros 3 autores não compartilharam com Hobbes a concepção de estado de
natureza como estado de guerra
- Montesquieu chegou a indagar Hobbes: „por que os homens, mesmo quando não
estão naturalmente em guerra, estão sempre armados? E por que utilizam chaves
para cerrar as suas casas?‟ Não percebe que atribuímos aos homens, antes do
estabelecimento das sociedades, o que só poderia acontecer-lhes após esse
estabelecimento, que os leva a descobrir motivos para atacar e defender-se
mutuamente. Logo que os homens estão em sociedade, perdem o sentimento de
suas fraquezas; a igualdade que existia [no estado de natureza] desaparece e o
estado de guerra começa (extraído da obra o Espírito das Leis).
. Conclusão: para Montesquieu não foi a natureza humana, mas a vida em
sociedade que tornou os homens desiguais e os colocou em estado de guerra
- Rousseau: defendia uma dissociação ainda mais radical entre estado de natureza
e estado de guerra
. O homem no estado natural seria o bom selvagem, incapaz de fazer mal ao
seu semelhante porque imbuído do sentimento de compaixão
. Os conflitos começaram a surgir quando os homens passaram a se diferenciar
entre si (sobretudo com o desejo de propriedade) que vai do amor entre os
sexos (e consequentemente do ciúme) à posse de bens materiais
. Na obra “O contrato social”, ele associou a “guerra” ao “estado civil”, e não ao
estado de natureza:
- a guerra não representa uma relação de homem para homem, mas uma
relação de Estado para Estado, na qual os particulares só acidentalmente
se tornam inimigos, não o sendo como homens, nem como cidadãos, mas
como soldados
- Locke: também diferenciou o estado de natureza do estado de guerra
. Quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior comum
na Terra que possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se
propriamente o estado de natureza
- Mas a força ou o desígnio declarado de força, contra a pessoa de outrem,
quando não existe qualquer superior comum sobre a Terra para a qual
apelar, constitui o estado de guerra
- A vida no estado de natureza era boa e não teria se degenerado em
estado de guerra
- Os homens teriam trocado o estado de natureza pelo estado civil porque
sua vida sob este iria ser mais segura
- A maneira única em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia à
liberdade natural e se reveste dos laços da sociedade civil consiste em
concordar com as outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade
para viverem com segurança, conforto e paz umas com as outras,
gozando das propriedades que tiverem e desfrutando da maior proteção
contra quem quer que não faça parte dela
- Qualquer número de homens pode fazê-lo, porque não prejudica a
liberdade dos demais; ficam como estavam na liberdade do estado de
natureza
. Independentemente das divergências entre os 4 autores sobre “as motivações que
levaram a humanidade a deixar o estado de natureza para ingressar no estado civil”,
todos concordavam que:
- Sob a ordem civil, os direitos naturais dos indivíduos têm necessariamente de ser
preservados – direito à liberdade e à propriedade
- A renúncia a qualquer desses direitos (mesmo que voluntária) seria sempre
ilegítima – seria a mesma coisa que abdicação à própria condição humana (um
absurdo)
- Foi por causa da teoria e gênese presumida do estado civil, que o liberalismo passou a
considerar a “liberdade e propriedade individuais” como direitos humanos inalienáveis
. Eles devem ser mantidos como cláusulas pétreas12 – cláusulas imutáveis em qualquer
contrato social, celebrado em qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias
. Toda ameaça ou tentativa de usurpação desses direitos é tida como espúria – uma vez
que contraria à própria motivação que levou a humanidade a criar o Estado e a ele se
submeter
- Os homens, ao pactuarem, abdicaram do uso da sua “força física individual” em
favor do Estado – justamente para que este garantisse a liberdade e propriedade,
e não para que contra elas atentasse
. Toda ação do Estado que se opuser a esses direitos básicos será ilegítima – e a um
poder ilegítimo nenhum indivíduo deve moralmente se submeter
- Locke chegou a defender o direito de rebelião em caso do abuso do poder do
Estado contra os direitos dos cidadãos
. em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio contra a “força sem
autoridade” é opor-lhe a força – pois o emprego da força sem autoridade
coloca sempre quem dela faz uso num estado de guerra (como agressor) e
sujeita-o a ser tratado da mesma forma
- A gênese do Estado (descrita e concebida sob a ótica dos os filósofos jusnaturalistas) não
encontra qualquer comprovação histórica
. Arqueologia + antropologia nunca encontraram indícios de que o homem tenha, em
qualquer momento, vivido isolado, e não em grupos.
. Não existem provas da existência de um “estado de guerra generalizado” anterior à
formação do Estado, nem de pacto fundador da união política
- Mas o fato de não haver base factual para a teoria não foi problema: os jusnaturalistas
utilizaram o método de trabalho “racional e dedutivo”, que dispensa comprovações
empíricas
. Hobbes: aos adeptos do método histórico (que faziam críticas à teoria jusnaturalistas)
ele argumentou que:

12Cláusulas pétreas: são limitações materiais ao poder de reforma da constituição de um estado. São disposições que
proíbem a alteração (por meio de emenda) tendentes a abolir as normas constitucionais relativas às matérias por elas
definidas.
- Poderão pensar que nunca existiu no tempo, nenhuma condição de guerra como
esta [de todos contra todos] e acredito que jamais tenha sido assim, no mundo
inteiro. Como for, é fácil conceber qual seria o gênero de vida quando não havia
poder comum a recear, através do gênero de vida em que os homens que
anteriormente viveram sob um governo pacífico costumam deixar-se cair, numa
guerra civil
- Conclusão: para Hobbes, a “comprovação histórica” da existência do estado de
natureza é absolutamente irrelevante – o que importa é a natureza do homem em
qualquer tempo.
. Ele descreveu a condição humana no “estado de natureza” considerando o
homem tal como ele é e age na sociedade, movido por suas paixões e
interesses
. A partir dos traços comportamentais tipicamente humanos, presumiu como
seria a vida humana caso não houvesse um Estado a limitar as ações de cada
um
. Rousseau: chegou a desdenhar da “comprovação histórica”
- Ele sustentou sua alegação com a frase “O homem nasce livre, e por toda a parte
encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais, não deixa de ser mais
escravo do que eles. Como adveio tal mudança? Ignoro- a. Quem poderá legitimá-
la? Creio poder resolver esta questão” (primeiro capítulo do livro O Contrato
Social)
- Ao rejeitarem a história como fonte do conhecimento da natureza e dos fundamentos de
uma ordem política legítima e aterem-se estritamente à razão, os “pensadores liberais” (ou
jusnaturalistas) romperam com a “tradição como fonte de legitimação do poder” – a base
de justificação da dominação dos reis e príncipes da Europa até o século XVIII
. Ao imaginar como seriam, viveriam e agiriam os seres humanos “fora do convívio
social e cultural”, a teoria jusnaturalista procura encontrar a “fonte original do poder
político” aplicável a toda humanidade, independentemente das circunstâncias
temporais e dos costumes dos diferentes povos
- Foi a pretensão “universalista e atemporal” que animou os revolucionários franceses de
1879 a elaborarem a “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”.
. Mesmos princípios e ideais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada
pela ONU em 1948.
. O liberalismo caracteriza-se por:
- um humanismo radical: ao contestar o princípio do fundamento divino da lei e do poder dos
governantes (vigentes até o século XVIII)
- afirmar a igualdade absoluta entre todos os homens, independentemente das suas
condições sociais, econômicas ou culturais específicas
. A ideia de que a união política surge de um pacto de submissão – onde cada indivíduo abre
mão do uso legítimo da sua força física, transferindo-o ao Estado – está fundamentada na
noção de “representação popular como fundamento do exercício do poder político”
- A 1ª edição do Leviatã já defendia, em sua capa, que são a vontade e a força do povo que
se encontram por de trás do poder do Estado (mesmo nas monarquias hereditárias) e não
a vontade e a força de Deus
. A armadura do rei (o Leviatã desenhado na capa) ergue uma espada em proteção do
povo, que é composta pelo próprio povo que a ele se encontra submetido
- A força do Estado (a qual nada há sobre a Terra que a ela se compare 13) é a força do
próprio povo
. A teoria jusnaturalista abriu caminho para o surgimento da democracia (2 séculos mais tarde):
- Motivo: rompimento com o Direito divino + introdução das noções de representação e
soberania popular como bases de qualquer regime político legítimo

13 Em latim: Non est potestas Super Terram quae comparetur ei.


. Virada do século XIX para o XX: países onde o liberalismo havia se tornado o “princípio
organizador do poder do Estado” tornaram-se democracias – consagrando o princípio da
soberania popular
- Mas um longo percurso teve de ser percorrido até que os liberais admitissem a democracia
– por muito tempo, liberalismo e democracia eram princípios inconciliáveis
. Para o liberalismo: todo indivíduo é portador de direitos irrevogáveis, que devem ser
respeitados por qualquer governo (seja o governo de um só, de poucos ou de muitos)
- O poder do Estado deve ser sempre limitado pelos direitos naturais
. Para a concepção aristotélica de democracia (conceito dominante da Antiguidade até o
século XIX): nessa forma de governo a maioria governa no seu próprio interesse, em
detrimento dos interesses da minoria e sem reconhecer qualquer limite ao seu poder
- A democracia dos antigos desconhecia limites ao poder da maioria
- Conclusão: a forma de organização da sociedade (democracia) e a forma de exercício do
poder (liberalismo) pareciam ser irremediavelmente excludentes
. Portanto, havia uma incompatibilidade fundamental entre os “princípios liberais” e a
“prática democrática”
. Rousseau: pensador que assentou as bases teóricas da democracia moderna, tinha visão
muito crítica em relação à democracia (dos antigos)
- Na obra “O contrato social”, ele afirmou que “um povo que jamais abusasse do governo,
também não abusaria da independência; um povo que sempre governasse bem, não teria
necessidade de ser governado”.
. É contra a ordem natural governar o grande número e ser o menor número governado.
Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Governo tão
perfeito não convém aos homens
- Diante da visão negativa de Rousseau sobre a democracia, questiona-se:
. Como explicar que os liberais de hoje se digam “democratas e defensores dos
sistemas democráticos no mundo”, quando todos os seus teóricos foram ferrenhos
críticos da democracia?
. O que fez com que liberalismo e democracia fossem incompatíveis até o século XIX, e
se tornassem mãe e filha nos séculos XX e XXI?
- Respostas estão na próxima Unidade: estudo das formas de governos e regimes políticos
- Características principais do Liberalismo:
. O liberalismo funda-se no jusnaturalismo, que tem o indivíduo por ponto de partida
. Todos os indivíduos são iguais e dotados de direitos universais e irrevogáveis
. Todos os indivíduos têm direito à liberdade e à propriedade
. Todo o poder legítimo, independente da sua forma, tem de respeitar o direito à liberdade e à
propriedade
. A função do Estado é a de garantir a segurança, a liberdade e a propriedade dos indivíduos
. O poder do Estado funda-se em uma relação de representação entre governantes e
governados

Dica do professor para a leitura anterior: Ao ler este capítulo, gostaria que vocês refletissem sobre as seguintes
questões:
- Para os jusnaturalistas, o "Estado de natureza" era m dado da realidade, empiricamente verificável, ou uma espécie de
metáfora para defender uma visão sobre o mundo moderno, mais especificamente, a defesa de valores como o "direito à
vida e à propriedade"?
- A relação entre liberalismo e democracia é automática, isto é, a defesa dos princípios liberais (por ex., os já citados "direito
à vida e à liberdade") está necessariamente ligada à defesa dos princípios democráticos (por ex., o governo deve ser
exercido em nome do povo/da maioria)?
- Ao romper com os princípios do "direito divino", o liberalismo propõe uma igualdade de todos perante a lei - em que
medida esta igualdade pode ser considerada um projeto político factível e em que medida pode ser considerada uma
utopia?
Pensamento Marxista
- Ele partiu de um universo filosófico e conceitual distinto do utilizado pelo pensamento liberal
. Enquanto o liberalismo “parte do indivíduo para explicar as relações de poder na sociedade e a
função do Estado”, o marxismo “toma por ponto de partida o grupo social”
- Neste ponto, o marxismo trás de volta uma tradição filosófica posta de lado durante os 200
anos de domínio do jusnaturalismo no pensamento europeu
- A dinâmica das sociedades humanas volta a ser compreendida e analisada a partir das
relações estabelecidas entre os seus grupos sociais (que o marxismo chama de classes
sociais) e não entre indivíduos abstratos e atemporais
- Por outro lado, a história (colocada em plano secundário pelos jusnaturalistas) volta a ser o
objeto central da reflexão dos filósofos e economistas alemães do século XIX (entre eles
Marx)
- Pensamento de Marx:
. Contrapôs inteiramente ao pensamento político liberal sem, contudo, se referir diretamente a
ele
- Sua teoria dialogou e se opôs a outras teorias e correntes filosóficas vigentes no século
XIX: à filosofia alemã e à economia política inglesa – e não diretamente ao jusnaturalismo
. Ele inspirou-se na dialética hegeliana, mas criticou o idealismo do pensamento de Hegel14
. Desenvolveu toda uma teoria econômica em contraposição à economia política inglesa
. Ao se contrapor, ao mesmo tempo, a dois universos teórico-filosóficos distintos e
independentes, Marx criou uma “nova teoria social”
- Base sobre a qual se fundou o pensamento de Marx:
.  a história: material de trabalho
.  a dialética: método
.  o materialismo: perspectiva de análise da história
- Os três se inter-relacionaram no pensamento marxista, dando origem a uma teoria
inteiramente original
-  a história: não é uma mera sucessão temporal e aleatória de fatos nem de diferentes formas de
organização da produção econômica, da dominação política e das formas de representação do
mundo
. Ela possui um motor (a luta de classes) que a conduz a certo fim e que independe da
consciência dos homens
- Mas apesar de ser dotada de um motor e de uma finalidade, ela não é um movimento
linear em direção ao seu fim, mas se desenvolve por meio de contradições (dialeticamente)
- Para Marx, o movimento dialético da história se dá no plano concreto das relações
humanas de produção da riqueza social – no plano material e não no plano das ideias
(defendido por Hegel)
. Marx articulava, de forma indissociável, história, dialética e materialismo – por isso,
denominava o seu método de trabalho de:
- Materialismo dialético: quando se contrapunha à dialética hegeliana, qualificada por ele
como idealista
- Materialismo histórico: quando se contrapunha ao que ele chamava de “materialismo
vulgar”, corrente filosófica alternativa ao idealismo na Alemanha do seu tempo
. Conceitos-chave do pensamento marxista:
-  Classes sociais: identificadas e definidas por sua inserção no processo produtivo,
resultante da divisão social trabalho – em cada período da história, as classes
fundamentais de uma sociedade seriam aquelas diretamente ligadas ao modo de produção
dominante

14 Georg Wilhelm Friedrich Hegel: um dos mais influentes filósofos alemães do século XIX. Escreveu sobre psicologia,
direito, história, arte e religião. Concebeu um modelo de análise da realidade que influenciou Marx, Rousseau, Goethe e até
Wagner. Debruçou-se sobre domínios diversos, como lógica, direito, religião, arte, moral, ciência e história da filosofia, e em
todos eles viu a manifestação do Espírito Absoluto que se materializava através da História da Humanidade.
-  Modo de produção: central na periodização marxista da história da humanidade e
resulta da combinação de dois fatores:
. Forças produtivas: trabalho humano + meios de produção (terra, máquinas,
equipamentos + tecnologias empregadas na produção)
. Relações de produção: se estabelecem entre as diferentes classes sociais e que
envolvem a propriedade sobre os fatores de produção e sobre o produto do trabalho e
o mando e controle sobre o processo de produção
. “O capital” de Marx:
- Objetivo principal ao escrevê-lo: dissecar e compreender a lógica e o funcionamento do
modo de produção capitalista
. O capitalismo emergiu nas sociedades europeias ao longo de séculos e era, então, o
modo de produção dominante no continente
- Mas a obra não se resume à análise do capitalismo: ela oferece também uma “teoria geral
da história da humanidade” – ele examinou os modos de produção anteriores ou estranhos
à civilização ocidental
. Comunismo primitivo: modo de produção vigente antes do surgimento das primeiras
civilizações (característico da Pré- História)
- A humanidade vivia em tribos: não havia Estado, divisão social do trabalho, classes sociais
ou propriedade
- Produção e consumo coletivos
- Toda a produção era imediatamente consumido – não havia excedente de riqueza a ser
acumulado
- Os homens viviam em meio a mais absoluta igualdade – mas premidos pela escassez e
miséria
. O excedente econômico só se tornou possível com a invenção da agricultura e da divisão
social do trabalho – estas trouxeram consigo a divisão do grupo social em diferentes classes –
que se apropriaram de forma desigual da riqueza produzida
- Surgiram nas sociedades civilizadas uma classe dominante e uma, ou mais de uma, classe
dominada
- Para assegurar a dominação de uma classe sobre outra, surgiu o Estado
- Conclusão: pela teoria marxista, a principal razão para o surgimento e a existência do
Estado foi a garantia da dominação da classe dominante sobre a classe dominada
. Era das lutas de classe: etapa após o comunismo primitivo
- Marx chegou a definir a história da humanidade como sendo a história das lutas de classe
- A história conheceu quatro modos de produção dominantes:
.  Asiático: englobou neste todos os modos de produção estranhos à civilização
ocidental
- Predominou entre as civilizações surgidas nos vales do Rio Nilo (Egito), Rios Tigre
e Eufrates (Mesopotâmia), Rio Amarelo (China)
. Nestas civilizações, as relações de escravidão e servidão não eram
predominantes (ao contrário do Ocidente, antes do capitalismo)
. Uma classe dominante (que também exercia funções religiosas) dominava e
explorava tribos e comunidades rurais, extraindo destas a sua riqueza, com a
qual promovia a construção das grandes obras - pirâmides do Egito, grandes
templos da Mesopotâmia, Pérsia e Índia, Muralha da China
.  Antigo: ocorreu no Ocidente (em torno do mar Egeu e da bacia do Mediterrâneo),
durante a Antiguidade.
- Foi fundado na escravidão e caracterizado por uma divisão de classes em que a
classe dominante era proprietária de todos os fatores de produção – inclusive de
homens, mulheres e crianças escravos, que eram destituídos de propriedades e
de direitos
- Existiam três classes sociais fundamentais:
. senhores e proprietários dos meios de produção: os patrícios, na Roma
republicana e imperial
. homens livres: mas não proprietários de terras e de escravos
. escravos
- O oposição fundamental nessas sociedades residia na relação entre senhores e
escravos: sendo frequente as revoltas dos cativos
. A mais célebre dessas revoltas foi a comandada por Espártaco15 (109 a.C. –
71 a.C.)
.  Feudal: tornou-se predominante após o modo de produção antigo. Foi vigente na
Europa (Idade Média)
- Foram classes fundamentais nas sociedades europeias medievais:
. nobreza
. senhora das terras
. servos da gleba
- A dominação de nobres sobre servos era exercida por meio de um sistema
complexo de obrigações e direitos mútuos e desiguais – fundamentado no uso da
terra (um bem comum e não propriedade da nobreza)
- Os servos eram considerados como uma emanação da terra onde nasceram e
inseparáveis dela: sendo assim, denominados servos da gleba – servos daquele
pedaço de terra
- Os senhores controlavam a terra e exerciam poder sobre os servos que se
encontravam sobre ela, apropriando-se da produção agrícola.
.  Capitalista: veio após o declínio do modo de produção feudal e o desenvolvimento
da economia mercantil – foi predominante na Europa
- Classes fundamentais:
. Burguesia: proprietária de todos os meios de produção
. Proletariado: destituído de toda propriedade (exceto a sua força de trabalho)
- Grande diferença:
. Nos 3 primeiros: a classe dominante dispunha de meios legais para coagir a
classe dominada a trabalhar em seu benefício
. Modo de produção capitalista: os trabalhadores são formalmente livres e
vendem voluntariamente sua força de trabalho para os burgueses em troca de
um salário livremente contratado entre as partes no mercado
- A igualdade formal entre burgueses e proletários perante o Estado e no mercado
mascarava a “dominação e exploração dos primeiros sobre os segundos”
. Aos proletários (destituídos de todas as posses) só restava vender a sua força
de trabalho à burguesia para sobreviver – não havia verdadeiramente
liberdade de escolha para aqueles que nada possuíam
- Predominava na sociedade capitalista:
. Aparentemente: uma “ordem liberal” – livre e igualitária e pretensamente
fundada nas leis da natureza
. Só que na verdade: estava fundada na “ordem burguesa” – que impunha a
toda a sociedade os interesses econômicos da burguesia, assegurando a sua
condição de classe dominante
- Marx chamou a aparente naturalidade das relações sociais estabelecidas
no mercado de “fetichismo da mercadoria”
- Ao transformar todos os fatores de produção em mercadorias – terra,
capital (dinheiro, fábricas, máquinas e equipamentos) e força de trabalho –
uma vez que eles passaram a ser livremente trocados no mercado  o

15Espártaco: gladiador de origem trácia, foi líder da mais célebre revolta de escravos na Roma Antiga, conhecida como
"Terceira Guerra Servil", "Guerra dos Escravos" ou "Guerra dos Gladiadores". Espártaco liderou, durante a revolta, um
exército rebelde que contou com quase 100 mil ex-escravos.
capitalismo transformou as relações sociais subjacentes a essas trocas
(relações de produção) – que eram relações essencialmente humanas –
em relações entre coisas (mercadorias)
- O “fetichismo da mercadoria”: significa que relações de dominação entre
classes sociais adquirem a aparência de troca entre coisas no mercado –
segundo uma dinâmica e uma lógica regidas pela lei impessoal da oferta e
da demanda, aparentemente independente da vontade e da ação das
pessoas
- Ideologia: visão de mundo, dominada pelo fetichismo da mercadoria e vigente nas
sociedades liberais do século XIX
. Para Marx, a ideologia dominante em uma determinada sociedade é a
ideologia da sua classe dominante
. Portanto, é natural que nas sociedades capitalistas a ideologia dominante seja
a ideologia burguesa
. A visão que os burgueses têm da sociedade foi formada a partir do ponto de
vista da sua inserção econômica e de seu interesse de classe
- Existe uma relação direta entre “representação que os homens têm da realidade” e
“inserção econômica na sociedade”
. Superestrutura: representação que os homens têm da realidade
. Infraestrutura (ou apenas estrutura): inserção econômica na sociedade
- Para a teoria marxista: a estrutura determina a superestrutura – a inserção
concreta dos homens no processo econômico é determinante da sua forma de ver
e de conceber o mundo
. A determinação da superestrutura pela estrutura deriva do materialismo
dialético
- Ao examinar as relações materiais estabelecidas entre os homens na sociedade
capitalista – as relações estabelecidas entre eles no processo de produção
industrial - Marx formulou a “teoria do valor” – identificando as leis que regem o
capitalismo
. A “teoria do valor” e as leis do capitalismo são complexas e demonstradas por
meio de fórmulas e de uma longa argumentação – o que extrapola os objetivos
da disciplina
- Conclusões de Marx sobre o funcionamento do capitalismo: elas fundamentam a teoria
política marxista
. o sistema capitalista é baseado na exploração do proletariado pela burguesia
. a revolução proletária e a passagem do capitalismo para o socialismo e do socialismo
para o comunismo foram não apenas desejáveis, mas também necessárias para o
progresso da humanidade
- Adam Smith16 (antes de Marx) já havia defendido na obra “A riqueza das nações” que o
trabalho humano é a fonte geradora da riqueza de uma sociedade – e não os recursos
naturais disponíveis no seu território
. Marx foi além de Smith: ele identificou na força de trabalho a origem da criação do
valor
. O capital é trabalho morto – a parte do valor produzida pela força de trabalho (pelos
trabalhadores) que não lhes foi paga sob a forma de salários, mas acumulada pelo
capitalista e reinvestida na produção
- Mais-valia: parte do valor criado pelo trabalho humano e não apropriada pelos
trabalhadores

16 Adam Smith: filósofo e economista escocês. É considerado o pai da Economia Moderna e o mais importante teórico do
liberalismo econômico – fundador da Economia Liberal Clássica, pregava a não intervenção do Estado na economia, e um
Estado limitado às funções de guardião da segurança pública, mantenedor da ordem e garantia da propriedade privada.
. Ex.: Um empresário capitalista, que possui uma fábrica de calçados, gasta
mensalmente:
- R$ 500 mil na compra de matérias-primas (couro, cola etc.), aluguel de máquinas
e equipamentos, pagamento de energia elétrica e demais insumos envolvidos na
produção de 50 mil pares de sapatos
- R$ 200 mil no pagamento de salários ao conjunto de operários que produziram os
calçados
- Gasto mensal: R$ 700 mil reais para produzir 50 mil pares de sapatos – sendo o
custo de produção unitário igual a R$ 14,00
- Se ele vendesse casa par por R$ 20,00, ganharia R$ 6,00 em cada mercadoria
vendida, totalizando um ganho de R$ 300 mil reais por mês
. Lucro: diferença entre a receita e o que capitalista gastou em insumos (R$ 500
mil) e salários (R$ 200 mil) – constitui o valor a mais produzido pelos
trabalhadores e não apropriado por eles, mas pelo capitalista
. Marx chamou o valor produzido a mais e não apropriado por quem o produziu
de Mais-Valia
. Conclusão: a lógica dos capitalistas é de aumentar constantemente a extração da
mais-valia dos seus trabalhadores – acumulando capital e reinvestindo na produção,
aumentando constantemente a sua riqueza
- Observe que o objetivo do capitalista não é acumular dinheiro para usufruir dos
bens que a sua riqueza lhe proporciona – para eles, o gozo de conforto e de luxo é
um benefício marginal do seu sucesso como empresário
. Diferença entre capitalista e marajá: o destino que cada um dá a sua riqueza
- O marajá utiliza a riqueza para o seu deleite
- O capitalista utiliza a riqueza para reinvestir no seu negócio e produzir e acumular
cada vez mais
- A lógica de acumulação incessante de capital independe da vontade dos capitalistas – ela
é inerente à condição de classe e sobrevivência do capitalista no mercado
. A concorrência entre capitalistas os leva a procurar aumentar constantemente a
produtividade de suas empresas, investindo cada vez mais em máquinas,
equipamentos e tecnologia e, proporcionalmente, cada vez menos em trabalho
humano
- A lógica implacável do capital tem diversas consequências:
. Tendência à concentração do capital: por meio da concorrência, os capitalistas cujas
empresas são mais produtivas acabam por eliminar do mercado os capitalistas e
empresas menos produtivas – essa tendência leva, no longo prazo, a uma situação de
oligopólio e, finalmente, ao monopólio, exterminando a concorrência
. Redução proporcional do número de trabalhadores e o aumento de desempregados:
segundo Marx, o exército industrial de reserva
- A combinação dessas duas tendências conduziria ao fim do próprio capitalismo
. o meio para a sobrevivência do modo de produção capitalista é o mercado – ele
desapareceria sob uma situação de monopólio - levando ao fim do capitalismo
. a condição para a constante acumulação e valorização do capital é a mais-valia
extraída da força de trabalho – se o contingente fosse reduzido devido à tendência dos
capitalistas a investir cada vez mais em máquinas e tecnologia (para poder sobreviver
no mercado) perder-se-ia a fonte da criação do valor
- Essas contradições inerentes e insuperáveis ao capitalismo levariam a humanidade a se
defrontar com duas alternativas: socialismo ou barbárie
. Barbárie: resultado natural da crescente acumulação da riqueza nas mãos de uns
poucos e da extensão da miséria – já que o desenvolvimento do capitalismo tende a
dissolver as demais classes sociais existentes na sociedade em apenas duas:
- proprietários capitalistas: cada vez menos numerosos e mais ricos
- proletários: cada vez mais numerosos e sempre miseráveis
. Socialismo: uma alternativa à barbárie – dependendo da ação deliberada do
proletariado
- A classe operária teria de se organizar em um partido político com o objetivo de
tomar o poder e, tendo o Estado, implantar uma ordem social conforme os seus
interesses de classe – os quais seriam também os interesses da maioria, uma vez
que o proletariado seria a classe majoritária na sociedade
- A mudança da ordem social por meio de uma revolução de classe não seria uma
novidade na história
. Foi uma revolução burguesia emergente que derrubou a monarquia francesa
(final do século XVIII) pondo fim ao Antigo Regime e instituindo a ordem liberal
e burguesa, primeiro na França e depois em toda Europa
- No entanto, a revolução burguesa não se fez sem um novo projeto de mundo e de
organização social, construído pelos pensadores liberais como alternativa à velha
ordem e às velhas ideias dominantes
. Para Marx, esse mesmo percurso deveria ser seguido pelo proletariado
industrial
- Da mesma forma que a burguesia francesa construiu uma visão de mundo
conforme os seus interesses de classe (assimilada posteriormente pelas
demais classes da sociedade, tornando-se ideologia dominante), o
proletariado deveria desenvolver a sua própria visão de mundo a fim de
tornar-se classe dominante
- Antes, eles deveriam desenvolver a consciência dos seus próprios
interesses de classe para poder transformá-los em interesses coletivos
. A tomada de consciência é um processo eminentemente político, não
derivado automaticamente da inserção econômica de uma classe
social no processo produtivo
. Marx subdivide o conceito de classe social em classe em si e classe para si:
- classe em si: grupo de homens e de mulheres que se encontram sob
condições econômicas idênticas, mas que não tem consciência dos seus
próprios interesses
. é a condição dos camponeses (em todos os tempos), dos escravos
(Antiguidade), dos servos da gleba (Idade Média) e do proletariado
industrial (século XIX)
. O último grupo (proletariado industrial) tinha uma grande vantagem
sobre os camponeses, servos e escravos: eles podiam desenvolver a
consciência dos seus próprios interesses – permitindo passar da
condição de classe em si para a de classe para si
- Motivo: os camponeses, servos e escravos (classes exploradas
antes da sociedade industrial) encontravam-se espalhados pelo
território sem contato uns com os outros, o que não favorecia o
desenvolvimento de uma consciência comum (de classe) que lhes
permitisse formular um projeto alternativo de organização da
sociedade
. As condições para que o proletariado industrial desenvolvesse a sua
consciência de classe já existia no século XIX – o desenvolvimento da
grande indústria os havia concentrado num mesmo local, sob
condições idênticas de vida e de trabalho
. Papel do partido comunista: organizar politicamente a classe operária,
desenvolvendo a sua consciência de classe e conduzindo-a na
tomada do poder
. A construção do socialismo rumo ao comunismo passaria por algumas etapas
necessárias – ao tomar o poder do Estado, o proletariado deveria:
- acabar com a propriedade privada dos meios de produção: base material,
infraestrutura sobre a qual a burguesia exerce o seu poder sobre o
proletariado
- instituir a ditadura do proletariado: pondo fim ao ordenamento político
então vigente – ordem liberal – superestrutura da sociedade burguesa
. Termo ditadura: Marx não porpôs uma forma de governo mais dura ou
autoritária que a dos governos liberais e monarquias parlamentares do
seu tempo – deixava claro que aquele seria um governo de classe, e
não um governo de todos
. Em uma sociedade de classes, todo governo é sempre uma ditadura
da classe dominante sobre a classe dominada
. Se países passassem da ordem capitalista do século XIX para o
socialismo – eles iriam passar de uma “ditadura da burguesia” para
uma “ditadura do proletariado” – mesmo que eles fosse um Estado
liberal (Inglaterra) ou uma monarquia absoluta (Rússia)
- Sob o capitalismo, a sociedade viveria sob a ditadura da minoria
(burguesia), enquanto que no socialismo, a sociedade iria viver
sob a ditadura da maioria (o proletariado)
. Mas o socialismo seria apenas uma fase transitória: entre o
capitalismo e o comunismo
- Durante o socialismo, o proletariado teria uma missão histórica e
libertadora: acabar com as classes sociais, restabelecendo a
igualdade inicial entre os homens
. Diferentemente do comunismo primitivo (situação em que todos eram
iguais na pobreza e em meio à escassez), na sociedade comunista
pós-capitalista e pós-socialista, os homens iriam ser iguais na
abundância, podendo, finalmente, desenvolver plenamente o seu
potencial
. Situação em que o homem iria se encontrar sob o comunismo (trecho da
“Ideologia alemã”, de Marx e Engels)
- Desde o momento em que o trabalho começa a ser repartido, cada
indivíduo tem uma esfera de atividade exclusiva que lhe é imposta e da
qual não pode sair; é caçador, pescador, pastor ou crítico e não pode
deixar de o ser se não quiser perder os seus meios de subsistência
- Na sociedade comunista, porém, onde cada indivíduo pode aperfeiçoar-se
no campo que lhe aprouver, não tendo por isso uma esfera de atividade
exclusiva, é a sociedade que regula a produção geral e me possibilita
fazer hoje uma coisa, amanhã outra, caçar de manhã, pescar à tarde,
pastorear à noite, fazer crítica depois da refeição, e tudo isto a meu bel-
prazer, sem por isso me tornar exclusivamente caçador, pescador ou
crítico
. Depois que as classes fossem finalmente abolidas, o próprio Estado deixaria
de existir – ele perderia completamente a sua função (garantir a dominação de
uma classe sobre as demais)
- O comunismo seria o estágio superior da condição humana, em que o
homem viveria em uma sociedade civilizada e sem Estado
. Marx acredita que a “teoria da revolução e tomada do poder pelo proletariado” não é utópica,
pois se encontra cientificamente embasada.
- Ele chama suas ideias de “socialismo científico”, em contraponto ao socialismo utópico,
proposto por filósofos do seu tempo
. Ele avaliar a história através do método do materialismo dialético – sendo, portanto, uma
análise científica
- Por ser científico, o socialismo de Marx não poderia ser instituído em qualquer sociedade,
sob quaisquer circunstâncias – ele dependeria de determinadas condições objetivas
. Estas condições seriam precisamente as do capitalismo industrial plenamente
desenvolvido
- o capitalismo desempenhou um papel progressista na história da humanidade:
pois libertou o homem das condições de dominação existentes nas sociedades
tradicionais – soltou as amarras que até então impediam o pleno desenvolvimento
das forças produtivas nas sociedades humanas
- Foi somente sob o capitalismo que foram criadas as condições para o aumento
crescente da riqueza social e consequente superação do quadro de escassez a
que a humanidade vivia submetida
- Conclusão: a perspectiva de Marx não pode jamais ser tomada por anti-capitalista
(como alguns socialistas utópicos), mas sim pós-capitalista
. Para Marx, a burguesia foi revolucionária e cumpriu o seu papel histórico ao promover
o desenvolvimento do capitalismo e subverter completamente a ordem das sociedades
tradicionais
- Mas, a partir do momento em que o capitalismo e a ordem burguesa não
estivessem mais trazendo qualquer progresso à humanidade, eles deixariam de
ser revolucionários para tornarem-se reacionários
. Essa era a situação das sociedades capitalistas industrialmente desenvolvidas
da Europa (Inglaterra e Bélgica, no século XIX)
- Nessas circunstâncias e nas sociedades capitalistas desenvolvidas, o proletariado
(organizado em um partido revolucionário) tinha por missão histórica tomar o poder
e conduzir o gênero humano à sua libertação

Dica do professor para a leitura anterior: Atentem para as diferenças entre as abordagens liberal e marxista,
notadamente na construção do argumento sobre o poder.
Por um lado, o pensamento marxista irá enfatizar as classes sociais como variável-chave na definição da ordem política,
enquanto para o argumento liberal, o indivíduo surge como referência principal. Observem também as diferenças internas a
cada uma das vertentes.

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