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Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Instituto de Psicologia

Programa de Pós-graduação em Psicologia Social e Institucional

Doutorado em Psicologia Social e Institucional

Disciplina: Métodos e Técnicas em Psicologia Social II

Aluno: Gildo Aliante

Profs:

Miriam Cristiane Alves & Rosane Azevedo Neves da Silva

Porto Alegre

Novembro de 2019
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Saúde mental de profissionais da educação pública: um olhar sobre professores nas


escolas da rede pública em Nampula – Moçambique

Com a conquista da independência nacional em 1975, a educação passou a constar no


topo das prioridades do governo de Moçambique. Deste modo, educação é encarada como um
direito humano e um instrumento chave para a consolidação da paz, da unidade nacional e
para o desenvolvimento econômico, social e político do país através da formação de cidadãos
com elevada auto-estima e espírito patriótico (Ministério da Educação de Moçambique
[MINED], 2013). É neste âmbito que a educação passou a constituir um direito e dever do
Estado, conforme instituído na Constituição da República de Moçambique (CRM) de 2004 e
na Lei nº 18/2018 de 28 de dezembro – Lei do Sistema Nacional de Educação (Moçambique,
2018). Com efeito, o Estado organiza e promove o ensino como parte integrante da ação
educativa nos termos definidos na CRM, visando o desenvolvimento sustentável, preparando
integralmente as pessoas para intervirem ativamente na vida política, econômica e social de
acordo com os padrões, morais e éticos aceites na sociedade, respeitando direitos humanos,
princípios democráticos, cultivando o espírito de tolerância, solidariedade e respeito ao
próximo e às diferenças conforme a alínea e) do artigo 3 da Lei nº18/2018 de 28 de dezembro.
No período pós-independência, a educação pública vem sofrendo diversas
transformações no que diz respeito a sua estrutura, organização, objetivos, propósitos e
currículos. Para assegurar o direito à educação básica, o governo de Moçambique aboliu em
2004, o pagamento de taxas de matriculas em todas as escolas do ensino primário (1ª a 7ª
classe). No mesmo ano, introduziu-se um novo curricular neste subsistema de ensino, visando
tornar o ensino mais relevante e que ao mesmo capaz de responder as necessidades sócio-
políticas e econômicas do país.
Entre as inovações introduzidas pela reforma curricular destacam-se: a introdução de
novas disciplinas (e.g., Educação Moral e Cívica, Ofícios, Inglês, Educação Musical,
Currículo Local, Línguas Moçambicanas, Educação Visual e Tecnológica), implicando
consequentemente, o aumento do número de disciplinas nas classes do ensino primário do
primeiro grau (EP1) de três para seis disciplinas na 1ª e 2ª classe1; três para oito na 3ª classe;
quatro para nove na 4ª classe e de cinco para nove na 5ª classe; bem como a duração de cada
trimestre em termos de número de semanas letivas de 11 para 13 semanas. Obviamente, a

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A partir do ano de 2016, a 1ª e 2ª classe passou a ter três disciplinas nomeadamente: língua portuguesa,
matemática e educação física.
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introdução de novas disciplinas propiciou um aumento qualitativo e quantitativo da carga


horária do professor.
No ensino primário do segundo grau (EP2) foi reduzido o número de professores a
lecionar em cada turma de seis/sete para três/quatro e aumento de número de disciplinas em
que cada professor deve lecionar de uma ou duas para três ou quatro. O Ministério da
Educação, órgão que subentende a área da Educação em Moçambique justifica a redução de
números de professores neste subsistema de ensino nos seguintes termos:
A redução do número de docentes por turma no ensino primário do
segundo grau (EP2), de sete, para três, tem, como pano de fundo, a
organização do currículo em áreas disciplinares. Essa opção tem em vista
uma rápida expansão da rede do EP2, a nível nacional, visto que o
sistema de três professores para o EP2 se afigura menos dispendioso
(MINED/INDE, 2003, p. 28).
Embora o Ministério da Educação reconheça que a chave do sucesso da
implementação dos propósitos das reformas em curso está nas mãos do professor e o
desempenho deste constitui um fator de relevo para o sucesso escolar (MINED, 2003), essa
ação nem sempre tem sido acompanhada pela adequada preparação e capacitação profissional
de professores, como também pela provisão de condições condignas de aprendizagem como
salas de aulas convencionais, bibliotecas, recursos e meios didáticos, ginásios e campos, o que
leva a que a maioria de professores improvisa as aulas, principalmente nas disciplinas práticas
e tecnológicas como Oficio, Educação Física e Educação Visual e Tecnológica. Nota-se que
as reformas em curso além de intensificarem o trabalho do professor e transformar o professor
como polivalente, tais reformas geraram um aumento significativo da carga horária dos
professores, o que torna a profissão docente cada vez mais complexa, podendo interferir
negativamente na sua vida e saúde física e mental destes profissionais.
Devido à precariedade de condições em que o processo de ensino-aprendizagem
decorre aliado a outros fatores sociais, culturais e políticos, a educação pública em
Moçambique tem sido alvo de críticas relacionadas à baixa qualidade, que se caracteriza pela
falta de desenvolvimento de competências e habilidades de escrita, leitura e cálculo nas
crianças que frequentam o subsistema de ensino básico. Em outras palavras, a educação
básica funciona com inputs insuficientes, com alta razão alunos/professor e alunos/turma, com
a falta de assiduidade de professores e alunos (MINED, 2014), o que interfere na qualidade do
ensino-aprendizagem, fazendo com muitos alunos terminem a escolaridade obrigatória (7ª
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classe) sem ter domínio das competências básicas como leitura, escrita e calculo (MINED,
2015).
A fraca aprendizagem demonstrada pelos alunos acaba recaindo muitas das vezes nas
mãos dos professores, desconsiderando-se os fatores sociais e estruturais que interferem no
mesmo resultado, o que tendem a aumentar o nível de cobrança desses profissionais.
Ademais, os professores moçambicanos particularmente do ensino básico confrontam-se, de
modo geral, precárias condições de trabalho e baixos salários (Abacar, Roazzi, & Bueno,
2017); com limitadas oportunidades de crescimento e desenvolvimento profissional (e.g.,
mudanças de carreira, progressões, promoções); políticas de educação e sobrecarga de
trabalho; maior quantidade de alunos por turma, comportamento e fraca aprendizagem dos
alunos e deficiente participação dos pais e/ou encarregados de educação; desvalorização da
profissão docente, falta de apoio social e falta de planos de benefícios sociais (Aliante &
Abacar, 2019), bem como as transferências involuntárias (Aliante & Tittoni, 2017). A
cronicidade destes fatores pode propiciar a degradação da saúde mental física e mental dos
professores, ou seja, impactar negativamente na sua subjetividade. Aliás, alguns estudos
realizados com amostra de professores da educação básica já evidenciaram sintomas de
estresse (Abacar, 2011; Abacar & Amade, 2018; Abacar, Aliante, & Nahia, no prelo; Abacar
et al., 2017) e de esgotamento profissional (Abacar, 2015; Aliante, 2018). Obviamente, estes
fenômenos podem comprometer o bem-estar, a longevidade na profissão, a qualidade das
interações com os alunos e a qualidade de vida no trabalho dos professores (Lhospital &
Gregory, 2009).
De modo geral, os estudos sobre a saúde mental de professores moçambicanos ainda
são escassos. No entanto, pesquisas realizadas em outros países do mundo evidenciam uma
situação de degradação da saúde psíquica dos professores, que se dá pelo número de pedido
de licenças por doenças psíquicas (Gomes-Souza et al., 2019), resultado de um quadro de
precarização, deterioração progressiva das condições e organização de trabalho dos
professores (Vasconcelos & Neves, 2010). Estresse, burnout, problemas de voz, depressão,
ansiedade (Cruz, Lemos, Welter, & Guisso, 2010), dores musculoesqueléticos (Cardoso et al.,
2009; Ceballos & Santos, 2015) são alguns problemas de saúde que afetam estes
profissionais da educação. Essas situações têm levado ao aumento de níveis de prevalência de
cada vez altos de transtornos mentais e comportamentais que tem sido motivos de pedido de
licença de afastamento de professores do seu trabalho (Carlotto, Câmara, Batista, &
Schneider, 2019), o que incentiva diferentes estudiosos a buscar compreender os reflexos e
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implicações das mudanças no mundo do trabalho no modo de adoecer e morrer dos


professores.
Estudos realizados a nível internacional revelam um aumento no número de
profissionais de educação, sobretudo professores que adoecem e se afastam do trabalho pelos
mais variados motivos de saúde (Araújo, Pinho, & Masson, 2019; Carlotto et al., 2019; Pinto,
2018; Pizzio & Klein, 2018; Reis, 2014). Por exemplo, Reis (2014) coletou dados sobre
professores atendidos pelo Núcleo de Atendimento à Saúde do Trabalho (NAST) e constatou
que o total de trabalhadores docentes afastados para tratamento de saúde era elevado se
relacionado a outras categorias de trabalhadores, sendo que dos 3.991 servidores da Secretaria
Municipal de Educação do município de Belém, 21% são de professores pedagógicos que se
encontram em processo de adoecimento. O perfil epidemiológico dos transtornos mentais e do
comportamento (TMC) de servidores públicos do Estado de Santa Catarina, afastados por
licenças para tratamento de saúde (LTS) entre 2010 e 2013, revelou que 40.14% dos
afastamentos foram decorrentes de TMC (Baasch, Trevisan, & Cruz, 2017). A maior
prevalência em trabalhadores foi encontrada nos setores de educação (39%). Entre servidores
públicos, a categoria dos professores foi a que mais se afastou por problemas de saúde e a
Secretaria de Estado da Educação foi responsável pelo maior número de LTS em decorrência
de TMC.
O estudo de Pinto (2018) sobre a degradação de saúde mental dos servidores públicos
em uma capital brasileira revelou o registro de 27.512 licenças, notificadas pelo CID F, ou,
17.8%, do total de licenças para tratamento de saúde, destacando-se como a segunda causa de
afastamento ao trabalho. Ademais, a Secretaria Municipal de Educação – SMED foi o órgão
municipal que apresentou maior número de licenças de saúde com cerca de 40.7% do total
dos casos notificados. Este achado deixa mais evidente que os profissionais de educação, em
particular os professores são os mais que desenvolvem os transtornos mentais e
comportamentais relacionados ao trabalho.
Investigação de Pizzio e Klein (2018) verificou que a soma dos índices de prevalência
dos cargos de Professor Ensino Básico Técnico-Tecnológico e Professor do Magistério
Superior colocam a docência em primeiro lugar de prevalência tanto para servidores do sexo
masculino quanto para o sexo feminino. A prevalência dos afastamentos do trabalho por
Transtornos Mentais e Comportamentais Relacionados Ao Trabalho (TMCRT) em
professores das escolas municipais de um município da Região Metropolitana de Porto
Alegre/RS (n=2.181) avaliada por meio de licenças médicas dos professores no período de
2012 a 2016 revelou que foi de 11% em relação ao número de trabalhadores da educação do
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município e 8% em relação aos motivos de afastamento em geral (Carlotto et al.,


2019).Estatísticas oficiais da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo apontam elevação
do número de professores/as afastados/as do trabalho por transtornos mentais e
comportamentais: em 2015foram 25.849 casos, subindo para 50.046 em 2016 (Araújo et al.,
2019).
Estes resultados são evidências empíricas que desvelam uma continua degradação de
saúde física e mental de professores nível global, e em Moçambique pode não constituir uma
exceção. Ou seja, é provável que um significativo número de professores esteja sofrendo de
problemas de saúde mental. À luz do referencial teórico apresentado, a pergunta que norteia
esta pesquisa se coloca nos seguintes termos:
 De que forma as características do trabalho docente estão interferindo na saúde mental
dos professores da educação básica da rede pública em Nampula – Moçambique,
considerando a atual demanda em serviços psiquiátricos desses profissionais?
O objetivo geral desta pesquisa é de analisar a saúde mental e seus determinantes
psicossociais em professores da educação básica na rede pública, de modo a contribuir no
delineamento e implantação da Política de Saúde do Trabalhador no Setor da Educação em
Moçambique.
De forma específica pretende-se: a) avaliar a saúde mental dos professores que
laboram nas escolas do ensino básico da rede pública; b) conhecer as características do
trabalho docente no contexto da organização escolar e seus possíveis efeitos na saúde mental
dos professores; c) identificar as estratégias de enfrentamento que os professores recorrem ou
utilizam para atenuar situações estressoras e de sofrimento no/pelo trabalho e; d) compreender
a integração de questões de saúde (mental) de professores.
Essa pesquisa é orientada pelas seguintes questões norteadoras: a) que características
do trabalho docente interferem na degradação de saúde mental dos professores?; b) que
problemas de saúde mental acometem os professores que laboram nas escolas do ensino
básico da rede pública? c) que estratégias de enfrentamento e/ou defensivas os professores
utilizam para atenuar situações estressoras ou geradores de sofrimento mental no/pelo
trabalho? e; d) como as políticas educacionais integram as questões de saúde (mental) dos
profissionais da educação?
O interesse em pesquisar a saúde mental em professores tem motivações pessoais e
profissionais. A vinculação do pesquisador em grupos de pesquisas que se dedicam no estudo
de Saúde e Trabalho, tais como Caópticos: Arte, Educação e Trabalho da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Grupo de Estudos em Saúde e Trabalho (GEST) da
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Universidade Rovuma em Moçambique (UniRovuma), e especificamente no Núcleo de


Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST/UFRGS) motivou-lhe a escolher essa
temática de saúde mental como sua proposta de tese. Além disso, o Programa de Pós-
graduação em Psicologia em Psicologia Social e Institucional conta com uma linha pesquisa
que aborda temáticas de Produção de Subjetividade e Políticas Públicas, em que a saúde
mental no/pelo trabalho se enquadra nessa perspectiva.
O Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde e Trabalho (NEST/UFRGS) objetiva a
produção de conhecimento no campo da Saúde do Trabalhador e da Proteção Social. Neste
sentido, reconhece que a saúde e o trabalho, assim como a proteção social, constituem-se
como categorias centrais nos estudos desenvolvidos pelo núcleo, perpassando os projetos de
pesquisa nos diferentes níveis de formação. As investigações assentam-se no desvendamento
da invisibilidade dos processos de saúde e adoecimento dos trabalhadores e da produção do
sofrimento social. Diante disso, busca contribuir para o enfrentamento dos agravos à saúde do
trabalhador, na perspectiva da integralidade e da prevenção, promoção e proteção da saúde
através da problematização dos diversos contextos sociais e das políticas públicas que
compõem o sistema de proteção social (Mendes et al., 2011).
Outra motivação para a escolha da temática de saúde mental de professores tem a ver
com o processo de produção da sua dissertação de mestrado. Deste modo, durante a realização
da pesquisa do mestrado (coleta de dados) nas diversas escolas da cidade de Nampula,
constatou-se que alguns professores tinham sido desviados da sua profissão de docência para
exercer atividades administrativas na secretaria da escola por motivos de problemas de saúde.
Neste sentido, percebe-se que compreender a saúde no trabalho é, atualmente, um enorme
desafio com o qual se defrontam os profissionais dedicados ao cuidado de Saúde dos
Trabalhadores (Glina & Rocha, 2010). E diante do recorrente cenário de precariedade das
características do trabalho docente, entende-se ainda que o estudo das relações entre o
trabalho docente, a saúde do professor e as reais condições sob as quais ele se desenvolve e o
possível sofrimento/adoecimento físico e mental dos professores é um desafio e uma
necessidade para se entender o processo saúde-doença do trabalhador docente e se buscar as
possíveis associações com o afastamento do trabalho por motivo de saúde (Gasparini et al.,
2005). Igualmente, destaca-se a necessidade de entender o campo da Saúde do Trabalhador
relacionado ao trabalho docente como uma forma de contribuir na produção de melhorias das
condições e da organização do trabalho dos professores.
Enfim, pesquisar questões relativas à saúde dos professores moçambicanos, e lutar
pela melhoria das condições de trabalho docente e promoção de bem-estar psicológico é, para
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o proponente desta pesquisa, um imperativo ético-político, enquanto administrador e gestor


educacional, bem como, primeiro filho de um casal de professores, esposo de uma professora
ambos do ensino primário, do que meramente cumprimento de uma exigência acadêmica.
Outras razões estão relacionadas às limitações das pesquisas anteriores e a escassez de
estudos sobre a temática de saúde do professor no contexto moçambicano. Certas limitações
dos estudos anteriores dizem respeito aos seus objetivos e metodologias utilizadas. Por
exemplo, alguns estudos (e.g., Baascha et al., 2017; Carlotto et al., 2019; Gaspirini et al.,
2005; Pinto 2018) objetivaram determinar o perfil epidemiológico a partir de documentos
secundários (banco de dados eletrônicos de armazenamento de informações sobre licenças de
saúde e/ou que quantificam o adoecimento), ou os sintomas que acometem os professores
(e.g., Souza & Coutinho, 2018; Tostes, Albuquerque, Souza e Silva, & Petterle, 2018) sem no
entanto, procurar analisar as causas associadas na percepção dos atingidos, neste caso os
professores. No entanto, este estudo se propõe em analisar a saúde mental e os possíveis
fatores psicossociais que interferem na degradação de saúde mental dos professores a serem
estudados e as estratégias de enfrentamento e/ou defesa na ótica dos próprios sujeitos que são
os mais afetados. Ainda, apela-se para privilegiar a multideterminação do processo de saúde-
doença no trabalho docente, uma compreensão interdisciplinar sobre o tema e a articulação
entre as pesquisas e a realidade de trabalho dos professores para que se possam desenvolver
metodologias e políticas públicas voltadas ao aprimoramento da saúde docente (Cortez,
Souza, & Amaral-Silva, 2017).
Igualmente observou-se a predominância de estudos transversais recorrendo o uso dos
questionários padronizados (fechados), o que limita a percepção de aspectos subjetivos que
são cruciais na compreensão da saúde no trabalho. Inversamente, este estudo pretende aplicar
a entrevista e a estratégia de história de vida (profissional) como técnicas que coleta de dados,
o que pode ajudar a aprofundar as situações subjetivas que são impossíveis de serem captadas
por meio de escalas. Além disso, será uma forma de dar voz aos professores para falarem
sobre si, seu oficio, sua saúde e propor ações e estratégias de promoção de saúde no trabalho
mais eficazes, tendo em conta que estes são os que melhor conhecem a realidade do seu
trabalho.
Julga-se que a realização desta pesquisa, possa dar visibilidade o sofrimento psíquico
dos professores a serem estudados, procurando compreender suas possíveis relações com as
características do trabalho. Assim, o estudo vai contribuir para desvendar a invisibilidade
social do sofrimento psíquico dos professores, que muitas vezes fica despercebido como um
efeito das condições, organização e do ambiente do trabalho.
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Os resultados a serem obtidos podem ainda apoiar aos gestores educacionais e a


comunidade escolar a tomarem providencias sobre os aspectos estressores e, auxiliar na
tomada de decisões para a concepção, delineamento e implantação de serviços de promoção
de saúde do trabalhador-professor, de modo a transformar o trabalho em prazeroso e saudável.
Espera-se, igualmente, que os resultados a serem obtidos sirvam de um aporte teórico para
futuras pesquisas e um conteúdo valioso, tanto para as autoridades educacionais, como as
instituições de ensino que se dedicam no estudo e pesquisa de questões de saúde e trabalho.
Esta pesquisa será do tipo exploratório e de natureza qualitativa. Para Minayo (2014),
o método qualitativo é que se aplica ao estudo da história, das relações, das representações,
das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações que os humanos
fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmo, sentem e pensam.
Assim, vai buscar compreender as opiniões dos professores sobre a sua saúde mental e as
condições de trabalho docente. Para Gil (2008), as pesquisas exploratórias são desenvolvidas
com objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato.
Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando o tema escolhido é pouco explorado e
torna-se difícil sobre ele formular hipóteses precisas e operacionalizáveis. Como foi dito
anteriormente, as pesquisa sobre a saúde mental dos professores em Moçambique ainda são
escassez. Neste contexto, essa pesquisa permitira fornecer resultados para uma maior e
melhor compreensão do fenômeno estudado em termos das suas manifestações,
conseqüências e prováveis causas.
A coleta de dados será realizada por meio de observação, entrevista e análise
documento. A observação terá como plano de fundo vivenciar as características do trabalho
docente. Assim, o pesquisador irá participar diversas atividades em diferentes escolas de
modo a o funcionamento das escolas e as condições físicas e materiais do processo de ensino-
aprendizagem e anotara no seu bloco de notas todas as situações que for a vivenciar. A análise
documental consistirá na consulta de documentos do Ministério da Educação (e.g., planos
estratégicos) de modo a verificar como são integrados e/ou abordados assuntos da saúde do
professor. Serão consultados documentos junto à direção Provincial da Educação e
Desenvolvimento Humano de Nampula para fazer o levantamento do número de professores
que estão em licença por motivos de saúde. Igualmente, serão consultados relatórios junto à
Direção Provincial de Saúde de Nampula (área de saúde mental) e hospital psiquiátrico de
Nampula para verificar o numero de consultas medicas feitas pelos professores nos últimos
cinco anos, seus prováveis motivos e principais problemas/transtornos diagnósticos.
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A entrevista semi-estruturada será realizada com vista de um lado, compreender as


percepções dos professores sobre sua história de vida (profissional), seus problemas de saúde,
sua avaliação a respeito das características das condições de trabalho e seus possíveis efeitos
na saúde deles, bem como as estratégias defensivas ou de enfrentamento a situações
estressoras. Para os gestores educacionais serão solicitados a explicar o que tem feito para
promover a saúde mental dos professores, tendo em conta o atual cenário que se vive. Prevê-
se que as entrevistas durarão uma media de 45 minutos e todas as falas serão gravadas para
sua posterior transcrição.
A história de vida (profissional) enquanto estratégia ou técnica de coleta de dados em
pesquisas qualitativas representa o melhor caminho para se chegar mais perto da experiência
vivida do ator – sua ideologia e sua práxis – possibilitando a compreensão dos significados
implícitos em suas ações (Camargo, 1984). A história de vida trata-se de uma investigação
que valoriza o significado simbólico que as pessoas atribuem aos fenômenos vividos por elas,
cujo caráter distintivo esta na contextualização pessoal, histórica, social, institucional e/ou
política de narrativas (Closs & Antonello, 2011). Estes autores argumentam ainda que a
estratégia de história de vida recoloca o ser humano diante de suas experiências e sentimentos
ao contarem suas próprias histórias. Assim, contribui com um resgate da valorização humana,
ao mesmo tempo em que possui grande potencial para a investigação social, uma vez que
permite compreender a dimensão subjetiva dos atores sociais, possibilitando que a história de
um indivíduo reflita um momento histórico revelando os valores da sociedade que podem
interferir na realidade organizacional.
Medeiros e Aguiar (2018) consideram que por intermédio da técnica de história de
vida (profissional) é possível captar a dinamicidade dos acontecimentos de uma vida e os
aspectos decisivos para denotação do que o sujeito é e de como se constituiu ao longo da
história. Outro potencial que essa estratégia de pesquisa é de conduzir o pesquisador a fazer
ciência considerando a subjetividade, imprevisibilidade e complexidade humanas e enriquece
os dados empíricos nas pesquisas qualitativas (Colet, Mozzato, & Grzybovski, 2016). Neste
contexto serão solicitados aos participantes a relatarem sua experiência profissional, aspectos
positivos que lhe marcaram, bem aspectos que considera de negativos relacionados ao seu
oficio. Especificamente, os professores afastados por doença, essa técnica será útil para
compreender em que momento estes entraram em colapso, bem como os prováveis motivos.
A coleta de dados será feita em 2021 junto a professores que laboram nas escolas do
ensino básico na província de Nampula – Moçambique. A pesquisa observará e obedecerá
todos os critérios vigentes em Moçambique no que diz respeito às normas de envolvimento
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dos seres humanos nos estudos. Para efeito, este projeto de pesquisa será submetido para sua
aprovação no Comitê de Ética da Faculdade da Educação e Psicologia da Universidade
Rovuma. Posteriormente, será solicitada a autorização da realização da pesquisa por meio de
uma carta a ser endereça a Direção Provincial de Educação e Desenvolvimento Humano de
Nampula, onde constarão os objetivos e os procedimentos de participação dos professores
gestores. Vai ser envolvida uma amostra não probabilística por acessibilidade de 40
participantes, sendo 30 professores e 10 gestores das instituições de ensino e de Recursos
Humanos.
Dos 30 professores, 15 serão participantes que estejam afastados do exercício da
docência e de igual número para professores em exercício. Para além desse critério, a inclusão
dos professores na pesquisa terá com conta a experiência profissional (ter pelo menos três
anos), de ambos os sexos, trabalhar escolas das zonas rurais e urbanas. Será garantida a
confidencialidade dos dados e o anonimato dos participantes. O envolvimento e participação
dos professores serão mediante a sua livre e espontânea adesão no estudo.
E a análise de dados vai ser com auxílio da técnica de análise-categorial. A técnica de
análise de conteúdo consiste em um conjunto de técnicas de análise das comunicações,
visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores que permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições
de produção ou recepção dessas mensagens (Bardin, 2011). Na fase pre-análise será feita a
leitura flutuante das entrevistas. Na será feita a escuta das falas e a codificação das entrevistas.
Para cada entrevistado receberá um código. Para os professores será P1, P2,....P30 e gestores
(G1, G2....G10). Ademais, nessa fase serão organizados os resultados em categorias e
subcategorias com base nos objetivos previamente definidos. Neste contexto, prevêem-se
quatro categorias, a saber: 1) problemas de saúde mental dos professores; 2) determinantes
psicossociais de saúde mental; 3) estratégias de resistência e enfrentamento; 4) ações dos
gestores para a melhoria de saúde mental e as que eventualmente poderão surgir à posterior.
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Referências
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