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Filosofia

quarta-feira, 8 de abril de 2009


Conclusão do ceticismo e sofística

Na aula passada vimos o ceticismo e também a


formulação do Trilema de Münchhausen como uma crítica dos
céticos ao ponto de que não é possível estabelecer um critério que
validaria um método. Uma pergunta é: no final das contas, no
momento em que se cria todo um sistema criado baseado no
Trilema, não seria esse sistema mesmo um método? Sexto
Empírico (~160 – 210), um notável cético, responde, comparando
o método do ceticismo a um purgante: quando os médicos da época
queriam limpar o organismo de qualquer infecção ou elemento que
não seja natural do corpo, usavam-se purgantes. Quando ele faz
efeito, ele se auto-elimina junto com o “poluente”. Sexto Empírico
diz que no momento em que ele acaba com toda a possibilidade de
desconstrução, o próprio método se auto-critica no sentido de que
ele não é nenhum critério para conhecimento. Ao estabelecer a
própria crítica contra essa idéia do ceticismo, acaba-se com
qualquer possibilidade de se criar um método, levando a crítica
para o espaço juntamente com o “modelo” que o crítico quis
impingir contra o cético. Então não se usa todo o sistema lógico da
crítica cética, como fez René Descartes, em que ele duvidava de
tudo até chegar a um dogma, apresentando uma idéia clara e
distinta. O modelo cético, no momento em que é criticado, leva seu
critério à destruição junto com a crítica feita.

O ceticismo não quer estabelecer um sistema. Como o


modelo é impossível e o próprio sistema demonstra isso, então
abandona-se o modelo teórico e adota-se o conhecimento comum,
como faz o médico, que tira todo seu conhecimento a partir da
observação. É o conhecimento do senso comum, em que se tiram
informações das fontes consuetudinárias. Claro que esse não é o
conhecimento comum de botequim, mas um conhecimento comum
sofisticado, de pessoas educadas. A resposta do cético à decisão do
juiz, vista ontem, é dada a partir da crítica de que é impossível
legitimar, de qualquer modo, especialmente por um critério formal
com um método, aquela decisão; então simplesmente nós
abandonamos todo sistema e admitimos que o juiz toma suas
decisões baseando-se na construção da compreensão que a própria
sociedade tem de valores como justiça e parcimônia até trazer
resoluções que pacifiquem a lide.

O Direito, como teoria, não precisa construir um método


para dar respaldo à decisão do juiz. Ele toma a decisão porque há
um conjunto de leis (da sociedade) formuladas a partir de um
empirismo mesmo. Não confunda este empirismo com o
empirismo teórico, pois há o empirismo como teoria desenvolvido
na era moderna; o que se tem, no final, é que o Direito é a
consolidação de hábitos de julgar. Homens criam leis, e precisa-se
julgar. Mas antes mesmo de haver as contemporâneas teorias do
Direito já havia leis e litígios; o Código de Hamurábi, por exemplo,
é uma clara evidência disso. Qual era a teoria vigente no século
XVIII a.C.? O que se precisa, então, é de um constructo habitual
daquela sociedade. É como ela resolverá suas questões jurídicas e
políticas. Viu como não é necessário um método?

Observação interessante: os princípios legais que temos e


as estruturas de decisão do juiz também não seriam critérios? Não,
dizem os céticos; eles dirão que são diretrizes, já que o critério tem
que ser unívoco. O Direito pode ser alterado de acordo com as
necessidades da sociedade. Uma diretriz é um enunciado lógico
aberto; não tem mais de um significado, mas tem uma condição
aberta ou vazia de significado. Na medida da necessidade, se dão
significados ao Direito de acordo com a realidade social e política
da época. O Direito, portanto, tem que ser flexível.

Logo, ao questionar um cético usando a lógica


contemporânea, ele dirá: “não são critérios, são enunciados
abertos, apenas”. Por isso podemos, num determinado momento,
ter uma pena para adultério, e hoje adultério não ser nem crime
mais. Hoje podemos entender a vida e o Direito à vida, mas a
própria conceituação de vida pode ser alterada de acordo com os
valores da sociedade ¹. Então teríamos, quando muito, diretrizes, e
nada além disso. Ao adotar as diretrizes, está-se adotando também
o conhecimento comum, desvinculado de critérios, um
conhecimento sem univocidade. Daí segue que, para o cético, não
há que se falar em um modelo melhor que outro, pois não há
critérios. Num modelo de critérios, sim. Se se buscasse subjugar o
modelo do outro, o cético diz que isso levaria a uma forma de
domínio. “Se tenho uma cultura mais desenvolvida, tecnologia mais
avançada (que é conseguida por métodos) e melhor forma de
resolver as lides, então tenho condições de dominar melhor, pois
meu sistema é melhor.” Isso é o colonialismo.

Para o cético, o sistema de valores que uma sociedade


adota é fruto de suas concepções consuetudinárias. Logo, não há
uma sociedade ou comunidade melhor que outra. São apenas as
diretrizes que a comunidade usa para dirimir o conflito. Mas o
cético não é relativista absoluto; a noção de justiça é da
comunidade, uma diretriz valorativa dela. Mas, de qualquer modo,
não há, intra corporis, a “minha justiça” ou “sua justiça”; há aquela
cujo teor foi desenvolvido pela sociedade. Não há critérios; quando
muito, há diretrizes gerais.

Os direitos são diretrizes. Tomem, por exemplo, o


conceito de direito à liberdade: no século XVII, a noção de
liberdade que se tinha era a de ir e vir, literalmente, oposta à noção
de liberdade que se tinha na antiguidade (aquela relacionada à
cidadania), e também é diferente do conceito de liberdade que se
tem hoje, que é bem mais amplo: não só de ir e vir, mas também de
expressão, de pensamento, de crença, de ação, etc.

Neste caso então, o que o cético faz? Ele tem um conceito


muito interessante com relação à teoria. No final, quando se resolve
a crítica final ao modelo teórico, suspende-se o juízo. É um termo
grego denominado ataraxia (de ataraktos, imperturbado: a =
não; tarassein, tarak- = perturbar). Por que ele deve ser suspenso?
Porque ao se emitir um juízo já se está fazendo teoria. Em vez disso,
adota-se o modelo comum de conhecimento. Notem: não é
qualquer coisa que é valida como conhecimento comum. O que é
válido é aquilo que é determinado por aquela comunidade. Uma
conclusão chegada por um sujeito qualquer não traduz o que é
válido para sua comunidade. ²

É exatamente essa a posição de um cético, com relação ao


conhecimento e todas as formas de práxis.

Então o ceticismo faz uma crítica à estrutura do


conhecimento, que todo o conhecimento de forma teórica é
impossível devido às condições da crítica ao uso de critérios. Um
último exemplo que demonstra que os céticos não podem ser
acusados de criar um modelo, ou de que eles estariam usando um
método para fundar uma teoria, é exatamente a réplica de que
Sexto Empírico faz em sua obra quando acusam os céticos de serem
ateus. Houve muitas críticas a céticos por filósofos gregos de que
eles negam a existência de Deus ou dos deuses. Sexto responde
assim: “não sou ateu, e vocês não podem afirmar isso, porque, para
admitir que Deus não existe, eu estaria estabelecendo um critério
dogmático, um método teológico para provar que Deus não existe.”
Um teísta parte do postulado de que Deus existe, enquanto o ateísta
parte do postulado de que Deus não existe. Um está assumindo
uma posição tão dogmática quanto o outro. Daí o cético suspende o
juízo sobre a existência de Deus, se abstendo de criar uma teoria
sobre isso, e diz que a razão não tem condições de alcançar qualquer
prova da existência de Deus. Em outras palavras ele diz que
ninguém pode se comprometer com uma teoria, mas no máximo
dizer “Deus existe segundo a minha sociedade”. A condição de
crença ou não em Deus é o resultado de uma construção habitual
ou consuetudinária sobre a figura de Deus ou dos deuses. Neste
caso, a noção de Deus é uma noção própria daquela determinada
sociedade. Para alguns isso é um agnosticismo: a razão não
consegue provar Deus; entretanto isso não se encaixa bem no
agnosticismo pois esta na verdade não é uma questão de não ter
condições de provar Deus, até porque o agnosticismo é uma forma
teórica; na verdade é uma omissão de se tentar provar Deus, e
admitir aquilo que a sociedade aceita, admite e/ou construiu. É
exatamente essa a idéia cética.

Então, neste caso, nós vamos fechar a matéria desse


módulo. Já vimos os modelos teóricos e os não teóricos. Nos
ateóricos vimos a Filosofia anímica e a Filosofia anti-teórica.
Dentro da anti-teórica já vimos o existencialismo e o ceticismo, que
acabamos de fechar, e agora partiremos para a última concepção,
a...

Sofistica

A sofística estabelece toda a crítica à teoria em relação à


questão da linguagem. São os três grandes campos da Filosofia:
realidade, conhecimento e linguagem. Esses são os campos
clássicos; a partir desses os demais são criados.
A sofística faz sua crítica a partir da linguagem. Qual a
proposta da sofística? Pois bem, todo bom sofista faz uma crítica à
linguagem, opondo o constructo lógico à retórica (a lógica é o
fundamento de todo o método, de toda a teoria, como estudamos).
Para os sofistas, não é possível criar um modelo que se baseie na
esfera da lógica. Por quê? Vejam: a linguagem como constructo
lógico tem um problema, que é exatamente dimensionar a
possibilidade de resolver, na esfera da linguagem, todas as questões
ligadas aos discursos humanos. Quando muito, podemos usar a
lógica na Matemática, ou em outras esferas bem específicas. Mas aí
está o problema: ela usa princípios e critérios de tal magnitude de
univocidade que a lógica acaba sem ficar relacionada a exatamente
aquilo que é importante para o homem. Podemos construir um
modelo teórico sobre a realidade, inclusive como fez Aristóteles ao
criar um modelo de Física. A Física de Aristóteles tem todos seus
fundamentos na lógica. Para o sofista, podem-se ter preocupações
com a realidade. Mas é aí que está: para ele, qual é o discurso que
importa ao homem? Qual é a verdadeira preocupação do homem?
É com a natureza? Aqui começam as idéias sofísticas.

Eles opõem dois grandes conceitos: um deles é


chamado physis, termo grego para a Natureza. Physis (que vem do
grego pré-homérico) significa “desabrochar de uma flor”. O homem
pode controlar esse fenômeno? Desse conceito de desabrochar de
flor saiu o conceito de Natureza, que o conjunto de todas as
determinações e elementos que estão para além do controle
humano. Quando muito, eles podem ser explicados. A astronomia
consegue explicar porque a Lua gira em torno da Terra. Pode-se
explicar porque terremotos acontecem, e também determinar a
extensão dos danos. E também podemos explicar os pequenos raios
que ocorrem nos cumes dos vulcões. Mas nenhum desses
fenômenos podemos controlar, e alguns deles, como os terremotos,
sequer podemos prever. A physis então é toda a condição de
eventos que o homem não pode intervir. No máximo, ele pode se
precaver; o homem pode saber exatamente como e onde surgem os
furacões, mas, quando acontecer de fato, o que fazer? Salve-se
quem puder. São, portanto, eventos que acontecerão independente
de o homem querer ou não, logo estão além da vontade humana.

O que se pode fazer quanto à physis é apenas elaborar um


modelo teórico. Podem-se usar tais conhecimentos para trazer
benefícios para o homem, mas ainda assim se estará sob controle
da Natureza. E se houver um desvio climático? Toda a pretensão de
controle que se tinha vai para os ares. Vento solar: pode nos levar
de volta à Idade Média se um disparo do Sol for de intensidade
maior do que a regular. Todas as telecomunicações podem falhar.

Dado tudo isso, o que realmente interessa ao homem? É


a natureza? O que está no âmago de nossas preocupações? Eles vão
dizer que não é a physis a preocupação, mas a própria relação entre
os homens, o que está sob o poder de controle deles. E todo homem,
para alcançar a felicidade nesse sentido, no âmbito social ou da
política, o que ele busca? A paz! Inclusive é a paz o fim do Direito.
O que eles buscam é a tranqüilidade da alma; no campo político, ela
é atingida quando se têm condições de viver numa pacífica
sociedade política. É por isso que os sofistas colocam o conceito
de Physis oposto ao de nómos, que significa lei em conceito geral,
em sentido amplo. Não lei jurídica, mas no sentido de relação
política, ou relação comunitária. São todas as normas. Normas,
portanto, em sentido muito amplo, que vão além da
concepção jurídica.

Enquanto physis é o conjunto de eventos que estão fora


de controle, o nómos é o conjunto de eventos que estão sob o
controle do homem. O homem pode controlar sua vida em
comunidade através da política. Daí ele tem acesso às condições de
controle que o permitem guiar seu destino na vida em sociedade.
Disso tiramos a tradução de nómos para norma. Isso permitirá a
nós a chegar à eudaimonia: em grego, significa felicidade, mas não
como estado da mente humana, mas num sentido mais próximo
de tranqüilidade da alma.

Essa tranqüilidade deve ser atingida exatamente na Polis.


Eudaimonia, então, significa “um bom demônio”, ou “uma boa
alma” (ou espírito). Isso não está no cosmos, entendido como toda
a estrutura da Natureza, mas na comunidade.

Neste caso, onde surge o problema da linguagem? A


lógica nos permite construir explicações, mas isso não leva a muito
longe, porque continuamos subordinados à força da Natureza.
Dado que nossa preocupação fundamental é com o nómos, nossa
preocupação imediata então é construir discursos que permitam
alcançar essa eudaimonia, e não constituir um discurso lógico de
explicação. Já que a lógica busca a explicação, sendo aquela
fundamento desta, como é que se consegue alcançar, na
comunidade, nossa eudaimonia? Para o sofista, a Sociologia seria
uma disciplina desnecessária: “explica a sociedade, mas e daí?” –
perguntaria ele. Se explicar não leva a nada, já que não tem o fator
interessante de trazer a tranqüilidade, o que se deve, portanto, é
criar um discurso não de explicação, mas de convencimento.
Da physis deriva a explicação, enquanto do nómos deriva o
convencimento. Exemplo: houve uma propaganda da IBM,
veiculada recentemente, na qual uma gerente de departamento se
dirigia ao diretor e lhe falava de sua proposta, que seria de investir
em soluções ecologicamente corretas. Falou do mérito da
climatologia global e tudo que a Natureza ganharia com isso. Ao
final, o chefe lhe pergunta: “OK, mas o que a empresa ganha com
isso tudo?” A mulher responde: “uma economia anual de 5 milhões
de dólares.” Surpreso, o chefe rapidamente diz: “Certo, me dá aqui
que vou assinar.” Notem como o convencimento venceu qualquer
outro fato exposto pela mulher. Ela deu todas as explicações
teóricas e lógicas, e pode ter até usado a emoção e a simpatia para
com a Natureza para conseguir o que queria, mas o que contou?
Justamente o que interessava à sua audiência – o chefe.

Na verdade, dentro do campo da política, que é o que


interessa ao homem (dado que política, para os gregos, era o
conjunto de todos os conhecimentos ligados à moralidade e às
ações do homem na polis), o que interessa para o sofista é provar
que o seu modelo trará resultados melhores para a comunidade. É
por isso que temos que tomar o cuidado de não confundir o modelo
sofístico, na confusão causada por Platão, que estava em busca de
salvar seu mestre, Sócrates, contemporâneo dos sofistas. Se
olharmos propriamente o modelo de diálogo socrático, que não é
nenhum modelo especificamente retórico, ainda assim ele tem uma
grande dose de sofística (o modelo maiêutico). O problema para
Platão é que o sofista tinha má fama na época. Eles vinham da
região da Sicilia, portanto eram metecos (estrangeiros que viviam
na polis), e não tinham direito de propriedade privada, nem direito
algum dentro de Atenas. Eles vendiam o seu trabalho. Isso era algo
que nunca um ateniense admitiria, porque achavam eles que o
conhecimento tinha que ser doado, nunca cobrado. Sócrates, por
exemplo, que era pobre, era sustentado por seus discípulos, que
eram ricos. Sofistas não tinham patrocinadores, então cobravam
pelas aulas que davam. É assim que começaram. Neste caso, os
sofistas também eram famosos devido aos discursos retóricos, e
também se ocupavam em abraçar o interesse daquele que queria
resolver suas lides na assembléia, no tribunal. Ele usava seu
trabalho de formulação de um discurso lógico nisso. Por exemplo:
sou sofista, e você quer defender sua lide sobre uma posse de uma
ovelha. Então, como antigamente não havia o advogado no sentido
contemporâneo, as pessoas se autodefendiam em juízo. Elas, então,
recorriam a um sofista e pediam um discurso para defender a causa.
Daí eles cobravam pelo conhecimento, que não tinha amparo numa
verdade absoluta teórica. Não é que o sofista nega a verdade; Platão
é que não queria ver o mestre dele identificado com esse tipo de
gente. Então ele faz todo o esforço, em todas suas grandes obras,
nas quais falava sobre Górgias, Protágoras e Hípias, de trazer uma
má impressão dos sofistas, atribuindo-lhes peso negativo,
contrastando com o conhecimento de Sócrates. O fato de o
conhecimento ser vendido não interferia na idoneidade do
conhecimento em si.

Dado que se vai buscar o conhecimento, qual é a verdade?


Existe uma verdade estabelecida por um método, logicamente
estruturada? Não. A verdade que vale, portanto, seria a verdade que
resulta da interação de formas de convencimento. Uma delas é o
discurso. Verdade, para o sofista, não é a verdade a partir de um
critério. As lides são resolvidas e nelas se busca a justiça, mas ela é
buscada na arte do convencimento. No momento em que temos
vários retores (retor é o homem que domina a linguagem), a
verdade era aquela que convencia a assembléia. Não é uma
imposição malévola do discurso e distorção do que outros
chamariam de verdade absoluta. O discurso é uma interação entre
o retor e a audiência. Nisso elimina-se a idéia de Platão de que se
busca, com a sofística, simplesmente manipular a vontade e o
conhecimento. Para o sofista, na verdade, o convencimento é de um
discurso que a própria audiência aceita. É aquele que tem a melhor
condição de convencer mostrando que determinada proposta é a
que trará melhores condições de felicidade. O retor domina, com
relação ao discurso, a gramática da linguagem (a regra, dando um
discurso fluido), para que não se tenham dificuldades de expressão,
mesmo que sua assembléia não detenha essa erudição. A
assembléia não gostava de que se falasse feio apenas para
aproximar o locutor de seu público (o povo), pois o povo mesmo
não quer ver alguém despreparado numa posição importante,
mesmo que seja alguém semelhante a ele. Em segundo lugar, ele
tem que dominar a arte da oratória, ou seja, a arte da fala: como
expor o discurso. Não só discursar, falando gramaticalmente
correto, mas como apresentar esse discurso. Aquele que consegue
dominar sofisticadamente esses dois aspectos está em condições de
convencer. Esse é o ponto importante: não há a verdade para o
sofista. Ele nega a verdade? Não, ele diz que ela está determinada
pelo convencimento que saiu vencedor, logo, ele relativiza a
verdade. Ao convencer alguém, tem-se a verdade. Daí a verdade é
sempre um constructo. Não há uma verdade a priori logicamente
determinada por um critério. A verdade é enquanto meu
conhecimento durar. Disso não segue que o vencedor do debate é o
imperador da verdade e da realidade; ele apenas venceu a simpatia
da audiência naquele aspecto. Vamos ilustrar.

Tribunal do Júri: um sujeito é acusado de homicídio. A


promotoria, que o acusa, pinta um quadro, constrói uma narrativa
na qual ele é culpado, e expõe o discurso. O advogado construirá
outra narrativa na qual o réu é inocente. Agora suponham que o
sujeito saia absolvido da acusação. Significa que ele é inocente
mesmo? Não necessariamente. Apenas foi o discurso que melhor
satisfez a audiência (o júri), no caso, o discurso da defesa. Para o
sofista, a realidade é exatamente esse quadro criado pelo advogado.

Isso posto, porque existe, então, a instituição do Supremo


Tribunal Federal? Não seria nele que chegaria aquele problema em
último caso? Quer dizer então que a decisão do Supremo é a
verdade absoluta? Não. Ele também foi criado pelo Poder
Constituinte Originário, que por sua vez é mais um constructo
consuetudinário já que a nossa sociedade, como quase todas as
outras, busca a paz social. Sem uma decisão final, a inquietação
perduraria. Mas observe: as construções do nómos não são
verdades absolutas e eternas; elas foram criadas apenas porque,
dado que o homem é incapaz de controlar a Natureza, ele deve criar
condições para chegar à paz e mantê-la na medida do possível,
então a razão de ser da atividade sofística, que é a do discurso de
convencimento, é criar a paz para aqueles que forem convencidos.
Górgias dizia: “que belo órgão é a língua humana! Ela pode curar.
Não curar no sentido fisiológico do termo, que é a competência da
medicina; mas ela pode curar o caos social através da atividade
política, do discurso, que gerará a calmaria para as lides no
momento em que ele convence.” ³

Por fim, vejam qual era a situação de Helena de Tróia:


como descrito nas obras de Platão, depois da conquista de Tróia,
Helena foi capturada pelos gregos e trazida para a polis para ser
julgada pelos homens e pelos deuses. Górgias, o sofista, intervém e
diz: “espere, isto aqui não passa de um esmagamento do mais fraco
pelo mais forte.” Então ele apresenta uma defesa para ela, e diz que
a mulher poderia até disputar com os deuses, mas quando isso fosse
feito, ela teria alguma chance de vencer? Não. Por isso a disputa
deve se dar entre homens, não entre um humano e um deus.
Analogamente, ele não deve querer disputar com a Natureza
justamente por não ter controle sobre ela. Daí o mote da sofística:
preocupar-se com as relações humanas na esfera da política, não
com a relação entre homem e Natureza. Hípias, um sofista menor,
critica a idéia grega, especialmente a aristotélica, de controle por
escravatura, já que Aristóteles dizia que alguns eram escravos por
natureza. Hípias dizia que os homens eram iguais por natureza,
mas eles mesmos se fizeram desiguais, através do nómos, com a
criação de leis que deixa uns em posição melhor que outros. Daí,
Hípias defende que todos os homens deveriam ter pelo menos a
mesma condição de debate. Só assim se conseguiria a harmonia na
vivência. É a defesa do que depois se consolidou como o princípio
da paridade das armas, derivado do princípio do devido processo
legal.

Acabou a matéria da primeira prova.

1. Ou de acordo com os valores que


certos grupos de pressão, normalmente
de fachada como esse do link, tentam impor.
2. Especialmente se essa conclusão tiver sido
alcançada depois de uns goles no boteco. Em
outras palavras, a chamada Filosofia de boteco
não é propriamente Filosofia; ela não se encaixa
em nenhuma concepção de Filosofia que
estudamos, nem mesmo nesta.
3. Não exatamente com essas palavras, mas é
essa a idéia. A transcrição aqui ficou difícil.

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