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Arrependimento de banheiro

Por André Kind

“Esse cara tem cara de que chora no banho!”.

Essa frase acima é uma black joke, ou, humor negro, em português. Eu
mesmo já disse essa frase no meio de amigos em contexto de brincadeira. A
graça dessa “piada” é constranger alguém, mesmo que fora de contexto,
insinuando que esconde suas fragilidades, finge ser forte, mas desaba quando
está sozinho. E para o humor funcionar, precisa de contexto e contradição:
precisa ser inteligível para o interlocutor e, simultaneamente, tão comum que
suas contradições sejam facilmente percebidas – eis o gatilho da piada.

Particularmente aprecio muito o humor negro e pago um preço por isso.


Meus críticos, normalmente politicamente corretos ou inseguros de suas
convicções, me atacam como imoral, ora diretamente, ora com olhares tortos e
silêncio constrangedor. Isso acontece porque a essência do humor e extrapolar
as contradições cotidianas, ideologias, pré-conceitos e preconcepções. O humor
negro vai mais longe: ele aponta, fundamentalmente, as piores contradições e
aquilo que o ser humano tenta esconder, negando a existência óbvia.

Depois dessa breve contextualização, talvez desnecessária, sobre o que


é humor. Retomo à piada do começo: se você entendeu, ou, até mesmo riu, é
porque já chorou no banho. Se você nunca fez isso, recomendo procurar um
psicólogo e, mais importante que isso, permanecer no tratamento por mais de 8
sessões. Se você chora no banho assim como eu, não fique envergonhado.
Vamos fazer desse momento significativo, vamos levar o choro para fora do box
do banheiro.

Independente do seu motivo para chorar no banho, a causa deve ser uma
frustração. É verdade que já chorei de alegria por entrar no banho sem ter
motivos para chorar. Mas sempre que chorei naturalmente, foi por lamentar as
circunstâncias que não tenho controle e, depois de dias e dias assim, o choro
passou a ser motivado pela minha incapacidade de progredir, por ser limitado a
tais circunstâncias. E o cerne da coisa toda é minha espiritualidade. Vamos falar
um pouco sobre isso.

Não vou fazer nenhum tratado teológico e nem ensinar todos os aspectos
da espiritualidade. Se quiser saber mais, leia a Bíblia. Desculpa te frustrar sendo
tão direto, mas se você o fizer, mais cedo ou mais tarde vai me agradecer.
Enquanto não o fizer, provavelmente sempre terá aquela pulga atrás da orelha,
se perguntando em seu íntimo, se estou certou ou não. E adivinha? Você vai
tentar ler. Se não tentar, provavelmente você vive uma vida bem sem graça, sem
desafios. Enfim, onde estávamos? Bem, eu sempre chorei por minhas
frustrações espirituais. Como já disse, sempre começa nas circunstâncias:
cansaço da rotina, frustração com o emprego que não queria ter, ou desejo de
ter outro que julgo melhor, saudades da namorada, tempo perdido com bobeiras
e assim por diante. Depois de dias chorando minhas magoas, me dou conta que
estou focado nos fatores secundários, ignorando o principal: a fragilidade da
minha espiritualidade.

Algo que tenho pensado muito nos últimos dias é que Cristo é quem
sustenta o universo. No livro de Hebreu está escrito que Deus Pai deu à Jesus
Cristo, seu filho e segunda pessoa da Trindade, o nome acima de todos os
nomes. Isso significa que toda e qualquer contradição se resolve na pessoa de
Cristo. No entanto, Ele mesmo disse que nesse mundo encontraríamos aflições
no meio do caminho. Isso significa na prática que a vida material nunca será
perfeita, as circunstâncias em essência nunca estarão ao nosso favor, mesmo
porque, além da aleatoriedade da vida e suas possiblidades, o início do Livro de
Romanos deixa claro que somos pecadores e não merecemos nada senão a
morte. Essa mesma verdade desafiadora encontramos nas outras cartas de
Paulo.

Diante das possiblidades sarcásticas que a vida produz, produzindo


diariamente humor negro para nos deleitarmos, é redundante lamentar as
circunstâncias. A lógica de chorar no banho por esse motivo é similar ao ciclo
eterno denunciado por Jesus à mulher samaritana. Numa metáfora singular,
repetida tantas e tantas vezes por pregadores sem muita imaginação, Jesus
aponta que a sede daquela mulher sempre voltará enquanto não encontrar a
fonte de águas que jorra para toda a vida. Sabe aquele alívio no peito depois de
descarregar no ralo tudo que você não quer suportar? Se você toma um banho
por dia assim como eu, dentro de 24h terá que buscar esse alívio novamente
debaixo da Lorenzetti. O que Jesus oferece é a ducha eterna, ou melhor, a Vida
Eterna. O alívio que ele nos dá permanece mesmo quando às 17h13 da tarde
você descobre que vai precisar fazer hora extra no trabalho. Ou quando você
perde um amigo querido.

Quantas vezes entrei no banho disposto a lamentar minhas frustrações


decido a sair dali diferente. Já até espiritualizei o banho, associando a sujeira
que saia do corpo a um passado negativo que vivi até segundos atrás antes de
ligar o chuveiro. Mas não vou criticar totalmente o meu e o seu choro no banho,
porque seu desejo de ser diferente é extremamente válido e reconhecido pelo
Senhor. Gosto de uma letra do Resgate que diz: “O Mestre usa a vida, e a vida
usa tudo”, então, seu choro no banho pode ser o gatilho pra uma mudança
radical em sua vida. No entanto, existe uma diferença essencial entre remorso e
arrependimento. O que normalmente sentimos é remorso, ou, arrependimento
de banheiro.

O remorso é o sentimento de culpa pelo Pecado, enquanto o


arrependimento é a mudança de vida, é o abandono do Pecado. O remorso tem
uma lógica tóxica de autoconsolo que te leva a pensar que o lamento te faz
melhor. Olha, preciso te dizer que, diante de tanta bobagem que fazemos
diariamente, lamentar é o mínimo. Agora o arrependimento é libertador, lava a
alma melhor que sabão ipê no coro. Então chorar não vai mudar sua vida, mas
confessar seus Pecados a Cristo e receber o perdão que Ele nos dá, isso te fará
viver verdadeiramente. É como escreveu o grande Rei Davi no salmo 32: “Como
é feliz aquele que tem suas transgressões perdoadas e seus pecados
apagados”. Eu ainda acrescentaria “esse não chora no banho”.

Depois de ler isso tudo, talvez você tenha uma visão diferente sobre seus
lamentos cotidianos. E por favor, não pense que estou reduzindo a nada as
circunstâncias, porque sequer posso imaginar as batalhas que você trava
diariamente. Mas uma coisa eu sei, sua dor não supera aquela enfrentada por
Cristo no madeiro. Então, no teu próximo banho tenha decorado esse versículo
aqui: "Por isso não desanimamos. Embora exteriormente estejamos a desgastar-
nos, interiormente estamos sendo renovados dia após dia, pois os nossos
sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna
que pesa mais do que todos eles. Assim, fixamos os olhos, não naquilo que se
vê, mas no que não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é
eterno" (2 Coríntios 4:16-18).

Paz!

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