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problema-e-virar-solucao

Publicado em NOVA ESCOLA 15 de Maio | 2018

BNCC

“A formação precisa deixar de ser


problema e virar solução”
Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores, fala
sobre os desafios de formação docente
Laís Semis

Crédito: MD Duran/Unsplash

A falta de alinhamento entre a teoria da formação inicial e a prática do dia a dia na escola é uma
questão bem conhecida dos professores. Com a implementação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC), esse desafio ganha uma nova proporção. “Vamos ter que mexer muito nos cursos”, resume
Guiomar Namo de Mello, diretora da Escola Brasileira de Professores e integrante da equipe técnica da
BNCC. Para Guiomar, o trabalho de formação – tanto inicial quanto continuada – será tão grande
quanto o da própria construção da Base. O tema foi discutido durante a Bett Educar 2018, na palestra
“As 10 competências da BNCC e a formação de professores”.

Os resultados da Educação Básica refletem as falhas de formação


Na Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) referente ao ano de 2016, apenas 45,27% dos alunos do
3º ano do Ensino Fundamental obtiveram um nível de proficiência considerado satisfatório para
leitura. A taxa de reprovação na série é de 11% no Brasil. No 5º ano, ela chega a 19,6%. No 9º, ela atinge
24,2%. Embora os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do mesmo ano
apontem melhoria nos anos iniciais, transparece a estagnação no Ensino Médio. Além disso, 21,6% dos
professores em sala não possuem superior completo.
Evolução do Ideb do Ensino Médio. Fonte: INEP. Gráfico apresentado no relatório “Educação
para o Brasil avançar”

Para a especialista, os dados refletem as falhas de formação docente. “A qualidade das aprendizagens
[dos alunos da Educação Básica] depende da qualidade do trabalho do professor. Essa é uma premissa
básica”, afirma Guiomar. E considerando o atual contexto de implementação da BNCC, uma formação
que prepare tanto os professores em sala quanto os novos é peça essencial para que o documento se
torne realidade. Para ela, há um desencontro entre formação e BNCC. “É quase como dizer: a Base
depende do trabalho do professor. Precisamos que a formação inicial do professor deixe de ser parte
do problema e passe a ser parte da solução”, afirma.

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A formação pede prática


Guiomar de Mello diz que a distância entre o que é ensinado nos cursos do ensino superior e o chão
da sala de aula é grande. “Temos um modelo falido de formação”, diz, para logo complementar: “O
aluno tem que entender a dimensão prática da profissão”. Para isso, a teoria não deveria ser descolada
da prática, mas sistematizada e encarada como um componente curricular. A residência pedagógica
poderia ser um primeiro passo para corrigir esse fator. No entanto, ainda é uma iniciativa pequena
para o número de futuros professores que se formarão nos próximos anos.

Em fevereiro, o Ministério da Educação (MEC) anunciou 45 mil vagas para a residência pedagógica, mas
só nos cursos de Pedagogia há mais de 670 mil alunos matriculados. Os cursos de licenciatura passam
de 1,5 milhão de matrículas. Dados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) de
2012 mostram que dos estudantes que concluíram o Ensino Superior, 25% cursaram Pedagogia ou
licenciaturas.
Fonte: INEP/Censo da Educação Superior. Gráficos apresentados no relatório “Educação
para o Brasil avançar”

Fonte: INEP/Censo da Educação Superior. Gráficos apresentados no relatório “Educação


para o Brasil avançar”

De acordo com o estudo “Desigualdades institucionais e sociais nos cursos de Educação no Brasil”
(2017), o Brasil é um dos países que mais forma profissionais na área educacional. Para atender tal
demanda, seria preciso que as ofertas de programas como a residência pedagógica fossem muito mais
amplas. Outro ponto a considerar seria a revisão da estrutura dos cursos, para alinhar melhor teoria e
prática. Como comparação, Guiomar cita o exemplo das faculdades de medicina. “Não se pode abrir
um curso de medicina no Brasil sem provar que você dispõe de atendimento laboratorial e hospital
para praticar”, pontua. Nos cursos de formação de professores, não há determinações de
infraestrutura que guie a prática. “Nós nem sequer pensamos onde eles vão praticar”, diz.

LEIA MAIS MEC anuncia 190 mil vagas para formação de professores

Falta considerar o professor real


Para a especialista, é preciso que as universidades levem em consideração que o maior acesso ao
Ensino Superior traz para as salas de aula mais heterogeneidade. “Temos que levar em conta o aluno
de carne e osso e não o aluno ideal”, afirma Guiomar. Muitas vezes, diz ela, o aluno chega ao curso sem
ter uma base e a universidade não leva em conta seu referencial. “Já no 1º ano, damos [Jacques] Lacan
ou algum outro linguista famoso. Há uma sobrecarga de fundamentos da Educação nos cursos de
Pedagogia”, afirma. A matéria de capa da edição de maio da revista NOVA ESCOLA faz um mergulho no
perfil dos professores do futuro no Brasil (leia aqui). Os indicativos de estudos mostram uma queda no
perfil socioeconômico dos estudantes da área nas últimas três décadas. Suas matrículas estão mais
associadas à reserva de vaga para o ensino público e renda, além de enfrentarem mais dificuldade
para se manterem na faculdade. Em 72,6% dos casos, as mães dos futuros professores têm apenas o
Ensino Fundamental completo ou menos. O fato embasa a hipótese de que eles seriam a primeira
geração de suas famílias a alcançarem o Ensino Superior. Ainda assim, não é só pensar o perfil de
quem chega aos cursos, mas também considerar o que eles buscam para suas carreiras. “Hoje se faz
um curso [de Pedagogia] que serve para Educação Infantil, anos iniciais do Fundamental e gestão
escolar – inclusive gestão do Ensino Médio”, atenta. E conclui: “Nós estamos cometendo um crime com
a Educação brasileira se não pensarmos corretamente como vamos formar esse professor”.

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As instituições precisam ser ativas nas discussões


A Base, por exigir uma mudança do que é feito atualmente na sala de aula, pode ser o momento para
não só identificar problemas na formação docente, mas também mudar esse processo. “Não basta
saber o que é BNCC, mas é preciso entender os fundamentos, refletir o que e como trabalhar com os
alunos. É preciso estudar e aprender uma nova Pedagogia”, acredita Guiomar. Para a educadora, as
instituições têm que dar sua contribuição para a melhoria da Educação brasileira. E os profissionais em
sala de aula também podem ser protagonistas dessa transformação ao apontar o que foi útil na
formação inicial para a profissão, o que está de acordo e o que falta nela. Guiomar diz que o que
acontece nas universidades também respiga na formação continuada dos profissionais. “Geralmente,
são as mesmas instituições que são contratadas para a formação continuada e replicam isso”.

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