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Aliança de Obras
O
s teólogos puritanos de Westminster afirmaram era o representante de todos os homens dele gerados. A
que há uma distância tão grande entre Deus e o repercussão disso e seu resultado seria de que ele, caso
homem, que além deste homem dever toda obe- obedecesse, poderia comer da árvore da vida e assim re-
diência ao seu criador, ele não pode receber de Deus ne- ceber a vida eterna, jamais poderia pecar e morrer. Isso
nhum bem ou desfrutar de Seu amor se não for por Sua seria imputado a todos os homens se o “primeiro” Adão
graça e condescendência. Mas aprouve a Deus beneficiar obedecesse. O que podemos ver é que o homem teria um
o homem através de um relacionamento de amor, por Ele nível de vida muito superior ao que Adão teve ao ser cria-
iniciado, e com consequências de vida e morte. Este é do, livre de cair, livre do pecado e da morte.
um relacionamento pactual. A isso a Confissão de Fé de
Westminster e outras Confissões Reformadas chamam É necessária aqui uma consideração importante. Em
de Pacto ou Aliança. sua essência, esta aliança também é uma “aliança de
graça” porque graciosamente Deus promete vida eterna
Então, Deus toma a iniciativa e estabelece um relacio- em um relacionamento de amor com Ele como galardão.
namento de amor entre duas partes, fazendo promessas, Na mensagem/artigo do Dr. Murray, o que nos chama
sob condições, e apresentando consequências de caráter a atenção é a manifestação do amor gracioso de Deus
eterno. Temos diversos exemplos de pactos na Bíblia e na “aliança de obras”. Vemos o amor de Deus no fato
que contam com a presença de todos estes elementos de Ele mesmo iniciar a aliança; na simplicidade do seu
envolvidos, como os que Deus fez com Noé, Abraão, Davi mandamento; na clareza da sua ameaça; no tamanho da
e com Adão. Com Adão Deus fez um pacto no qual Adão sua recompensa; na “espora” da sua motivação; na curta
é o representante de toda a humanidade e assim ele age duração da sua prova. Nela vemos toda a graciosidade
como representante de todos os seus descendentes, to- do nosso bom Deus especialmente na figura do segundo
dos os homens. Adão, que ao contrário do primeiro Adão, obedece per-
feitamente às exigências da “aliança de obras” em nosso
Deus faz com Adão “um pacto de vida na condição de lugar. Como diz o Dr. Murray, se você acha que não tem
obediência pessoal, perfeita e perpétua, da qual a árvore nada a ver com o primeiro Adão, não tem também nada
da vida era o testemunho; e proibiu de comer da árvore a ver com o segundo Adão. Johannes G. Vos comentan-
do conhecimento do bem e do mal, sob pena de mor- do o CM disse: “assim como o primeiro Adão trouxe o
te” (CM Perg. 20). Este pacto é chamado de “pacto ou pecado ao mundo, o segundo Adão trouxe- nos justiça e
aliança de obras” porque havia uma condição envolvida: vida eterna. Adão foi o nosso representante na aliança de
obediência perfeita à lei de Deus. Foi chamado assim obras; Jesus, o nosso representante na aliança da graça.
de “aliança de obras” também para fazer diferença com Aqueles que rejeitam a doutrina da aliança de obras, não
a “aliança da graça” que descansa em bases diferentes. têm o direito de reivindicar as bênçãos da aliança da gra-
No pacto de obras é prometido ao homem alcançar vida ça, porque os dois são paralelos, e juntos ou se mantém
eterna, se Adão obedecer a Deus perfeitamente. De uma de pé ou caem, como prova Romanos 5”.
forma ou de outra, tremenda seria a repercussão deste
ato de Adão e extensiva a toda a raça humana porque ele Boa leitura.
E
m primeiro lugar quero dar uma definição e depois salário nós entendemos, mas graça e depois
do que é uma Aliança → Aliança é um relacio- gratidão, disso nada entendemos. Mas as pessoas que
namento de amor que é iniciado e imposto por viveram na época bíblica estiveram bem familiarizadas
Deus, com consequências de vida e morte. Quando a com este conceito de graça-gratidão. Arqueólogos têm
maioria das pessoas pensa em uma aliança, em um descoberto muitas antigas alianças entre as nações da-
pacto, elas imaginam se tratar de um acordo comercial, quela época e elas tinham cinco partes.
algo frio que ocorre no mundo dos negócios. Mas não 1) A primeira parte era uma introdução, ou inicia-
é assim! Uma aliança é um relacionamento de amor. ção. Normalmente nesta introdução o grande rei no-
Além disso, as pessoas pensam em uma aliança como meava o rei menor. Esta iniciação falava do grande rei
sendo duas pessoas que fazem um acordo mútuo; pes- como aquele que iniciava a aliança e o pequeno rei
soas que estão negociando algo mutuamente aceitável. como aquele que recebia esta aliança.
Uma delas diz: “Eu vou lhe dar isso e você vai me dar 2) Na segunda parte da aliança havia uma descrição
aquilo, em troca”. A outra pessoa então, vem com uma de todas as maravilhosas coisas que o grande rei tinha
contraproposta e por fim encontram um meio termo. feito ao rei menor. Por exemplo. “Eu tenho feito todas
Mas uma aliança não é assim. Uma aliança vem de um estas guerras por você; eu tenho protegido sua cidade;
lado único; é algo que vem e é imposto por Deus. Mui- tenho proporcionado todos negócios comerciais que
tas pessoas pensam no conceito de aliança como algo lhe beneficiam; veja todas as grandiosas coisas que eu
que tem consequências mínimas e que se não der cer- tenho feito por você, meu pequeno rei”.
to não terá resultados muito graves. Mas uma aliança 3) Na terceira parte desta aliança havia uma expli-
não é assim, ela tem consequências de vida ou morte. cação; o grande rei explicava ao pequeno rei como ele
Então, o que é uma aliança? Uma aliança é um relacio- podia demonstrar sua gratidão por tudo que lhe tinha
namento de amor, iniciado e imposto por Deus com feito. Ele dizia: “Se você quer manter nosso relaciona-
consequências de vida e morte. mento saudável, aqui estão algumas regras para ajudá-
lo a fazer isso”.
TIPOS DE ALIANÇA 4) A quarta parte da aliança envolvia motivações.
Achamos na Bíblia dois tipos de aliança: Havia muitas promessas de recompensa para o peque-
(a) Aliança de obras (trabalho) e então, salário. Nes- no rei se ele fosse obediente às exigências do grande
te tipo de aliança, alguém tem de fazer um tipo de obra rei. Mas havia também ameaças para o pequeno rei
para ganhar um tipo de salário. Seria assim: Obra, obra, caso não obedecesse.
obra e depois salário. É este tipo de aliança que vere- 5) A última parte da aliança era algo administrativo,
mos agora. era algo ligado ao gerenciamento da aliança. Por exem-
plo. Como seria a renovação daquela le evento e usa a palavra aliança para Deus nesta aliança de obras e salário,
aliança; como o documento pactual de- descrevê-la. de sete maneiras.
veria ser guardado ou arquivado. Na aliança que trataremos aqui em
Estes são pontos muito importantes. Gênesis 2 não vamos achar a palavra O AMOR DE DEUS NA ALIANÇA
Primeiro a aliança é iniciada pelo rei. “aliança”. Mas temos aqui todos os ele- (1) Em primeiro lugar nós vemos o
Isso nos chama a atenção para a graça mentos de uma aliança de obras e en- amor de Deus no fato de Ele mesmo
deste grande rei que mostra ao peque- tão, salário. Mais tarde, nos livros dos iniciar a aliança. Adão, como criatura
no rei como manter um relacionamen- profetas Jeremias e Oséias, veremos de Deus, devia-lhe obediência total. Se
to saudável e lhe promete recompensa que esta aliança de obras é chamada Adão obedecesse perfeitamente, ele es-
caso corresponda em tudo. de “aliança”. Portanto, o que vamos taria simplesmente cumprindo com seu
Vemos, então, que o povo do passa- considerar aqui no Capítulo 2 de Gêne- dever e não podia reivindicar nenhuma
do conhecia e compreendia bem este sis, é a aliança de obras e então, salário. recompensa especial. Deus não lhe de-
conceito. Como veremos neste estudo Creio que você conhece o pano via nada, pois estaria apenas fazendo o
das Alianças, parece que Deus tomou de fundo aqui e o seu contexto. Deus que devia fazer. Mas é aqui que vemos o
um conceito conhecido daquela época deu a Adão um mundo lindo para se amor de Deus, porque Ele permitiu que
e usou-o para comunicar ao seu povo a deleitar nele. Deu-lhe um jardim. E no um ato levasse Adão a adquirir alguma
sua GRAÇA e como o povo deveria res- meio do jardim Deus colocou uma ár- coisa. Deus está permitindo que Ele
ponder a esta graça. vore ― a árvore do conhecimento do próprio fique “devendo” alguma coisa
bem e do mal. E disse: “Desta árvore a Adão. Deus está permitindo que Ele
A Aliança das obras & salário → não comerás e se comerdes, morrerás”. mesmo seja devedor a Adão. Deus não
Algumas vezes na Bíblia nós vemos Isso implica em que, se ele obedecer, precisava fazer isto. Deus não ganha
alianças, mas a Bíblia, para descrevê- então terá vida. Se há trabalho e este nada fazendo esta aliança. Mas Ele faz
las, não usa a palavra “aliança”. Porém, trabalho ou obra é obedecer ao manda- esta aliança com o propósito de dar e
o mero fato de não existir a palavra mento, então haverá salário, e se há sa- não de receber. Isso é amor.
escrita, isso não significa que não seja lário, ele será vida. Ao ouvir tudo isso, Vejamos uma ilustração. Imagine-se
uma aliança. Por exemplo, a aliança você pode ficar pensando: “Isso parece andando por uma estrada. De repente
que Deus faz com Davi em 2 Samuel tão frio e legalista! Será que Deus é as- você vê ao lado do caminho um bebê.
7 é de fato uma aliança, mas a Bíblia sim mesmo, um Deus de obra e salário Se deixar este bebê sozinho ele morrerá.
não menciona a palavra “aliança” na- como se Ele fosse um empregador? Mas você o toma e leva para casa e o en-
quele contexto. Porém, mais tarde, no Por acaso existe amor nesta aliança?”. trega a seu empregado, dizendo: “Crie
livro de 2 Samuel 23:5 e no Salmo É esta questão que eu gostaria de res- este bebê para mim”. Além disso, você
89:3,28,34,39, a Bíblia se refere àque- ponder. Gostaria de mostrar o amor de faz toda provisão para esta criança
dando-lhe comida e bebida para que ela
cresça com saúde. Quando esse bebê
crescer ele estará lhe devendo tudo
que é. Agora ele irá trabalhar como seu
Aliança é um relacionamento de amor servo, em sua casa, em seu jardim, mas
você não lhe paga nada. Na verdade ele
que é iniciado e imposto por Deus. é que lhe deve toda sua vida e não pode
reclamar de nada, porque estará rece-
Quando a maioria das pessoas pensa bendo justiça, estará recebendo o que
lhe é justo. Então, imagine novamente
em uma aliança, ela imagina ser um aquele bebê agora já crescido, já ho-
mem, e você se achega a ele e diz: “Veja
acordo comercial, algo frio no mundo aquela árvore. Digo-lhe que não coma
do fruto desta árvore por um tempo.
dos negócios. Mas não é assim! Se você conseguir fazer isso, então não
será mais um servo em minha casa e
sim meu filho. Eu o receberei em minha
Veja o tamanho da recompensa e tudo pelo fato de que muitos outros estão semanas, isso manifesta amor; é uma
por tão pouco. dependendo de sua obediência. prova verdadeira, não é uma prova
Pense em Adão naquele jardim. Adão cruel, mas tem amor nela. Aqui temos
(5) Em quinto lugar vamos conside- está sabendo que, por sua sua obediên- amor na curta duração da prova.
rar a espora da motivação1. Vamos a cia, pode ganhar uma vida maravilhosa
Romanos 5 onde temos a exposição de para si e para todas as pessoas que dela (7) Em sétimo lugar vemos amor na
Paulo deste capítulo 2 de Gênesis. Pau- irão desfrutar eternamente. Isso não é provisão de um sinal pactual. Como ve-
lo apresenta Adão como representante uma motivação muito grande? “Adão, remos em nossos estudos, toda aliança
de toda a raça humana. Paulo mostra você pode fazer isso pelo mundo intei- bíblica tem o seu sinal. Cada aliança
claramente que um está representan- ro!”. Que incentivo! Então, há o amor de tem uma promessa verbal e uma ilus-
do muitos. Vemos no v. 12: “Portanto, Deus na espora da motivação. tração física. Deus falou e também de-
assim como por um só homem entrou (6) Também o amor de Deus se ma- senhou uma ilustração para estimular
o pecado no mundo, e pelo pecado, a nifesta na curta duração da prova. Deus e encorajar a obediência. O sinal nesta
morte, assim também a morte passou poderia ter mantido Adão em suspense aliança é a árvore da vida. Quando o
a todos os homens, porque todos peca- pelo resto de sua vida..., dez anos, vinte pacto foi quebrado, esta árvore foi tira-
ram”. Também no início dos vv. 17, 18, anos, cem anos..., sempre com aquela da. Há algumas discussões sobre esta
19: “Se, pela ofensa de um e por meio prova diante dele. Mas nós não cremos questão. Foi permitido a Adão comer
de um só, reinou a morte...”; “Pois assim que Deus tenha feito isso. Ele permitiu a da árvore da vida durante a prova?
como, por uma só ofensa, veio o juízo permanência temporária (por um tem- Será que esta árvore lhe deu fortale-
sobre todos os homens para condena- po) do “um”, para ganhar a vida eterna cimento e um encorajamento extras
ção...”; “Porque, como, pela desobediên- dos “muitos”. Você pode até perguntar para obedecer? É possível e seria mais
cia de um só homem, muitos se torna- onde encontramos isso na Bíblia. uma vez uma manifestação de amor.
ram pecadores...”. Em outras palavras, A. Em primeiro lugar na natureza A outra possibilidade é que aquela
Adão representava um por todos. Deus de Deus. Ele é um Deus gracioso. árvore estava sendo colocada perante
estava deixando que a obediência de B. Como veremos mais adiante, te- ele como uma recompensa para que
um homem fosse imputada a toda a hu- mos aqui a árvore de vida. Ela está sen- aproveitasse dela depois que passasse
manidade. Mais uma vez digo que Deus do colocada diante de Adão como uma pela prova. Como Deus lhe prometeu
não teria escondido essa realidade de recompensa e quando ele falha, isso vida melhor, Deus também ilustrou
Adão. Se Paulo sabia, será que Adão não lhe é tirado para que não viva eterna- esta vida. O senhor falou para o servo
sabia? Que incentivo tão grande foi este mente. Parece que há uma recompensa no jardim: “Não toque naquela árvore!
para motivá-lo à obediência! material, física e visível que é colocada Mas aqui há uma árvore para você dela
Você quando é um homem solteiro diante de Adão para que ele logo usu- desfrutar, se obedecer”.
que teve muito trabalho para fazer du- frua dela. Mas acima de tudo a razão O que nos sugere a árvore da vida?
rante o dia e no outro dia, pela manhã, é a seguinte: Era necessário esta pro- Isso não nos sugere que seria uma árvo-
quando toca o despertador, você pode va se encerrar antes da concepção do re mais verde do que a mais verde e mais
dizer: “Estou muito cansado hoje; será primeiro filho de Adão, pois o pecado é frutífera das árvores da Amazônia? Uma
que eu tenho mesmo de ir ao trabalho? transmitido na concepção. E se um filho árvore que manifestava e ilustrava para
Eu vou dormir mais um pouco e depois fosse concebido antes do final da prova, Adão uma vida maravilhosa que o espe-
eu enfrento as consequências; talvez teríamos duas raças no mundo: Os que rava, se ele obedecesse. Então uma vida
receba uma advertência, ou até perca eram da raça do pai, o diabo, mas que de escravo se tornaria uma vida de filho.
meu emprego, mas... não tem proble- haviam gerado um filho perfeito.2 [VIDE Uma vida de estado incerto se tornaria
mas”. Quando solteiro você pode até NOTA] Já imaginou? Isso é impossível! em uma vida de estado permanente em
agir assim, porém depois você se casa Por isso, acreditamos que esta prova ti- que nunca poderia cair dele. Vendo esta
e se vê com filhos. Agora irá pensar: nha uma duração bem curta. árvore todos os dias e imaginando aque-
“Bem, agora o problema não tem a ver Mais uma vez pensemos no servo la vida que ele iria gozar, isso seria um
apenas comigo, mas se eu ficar dor- do jardim. Seu senhor poderia dizer- amável sinal da parte de Deus. Especial-
mindo meus filhos vão passar fome”. lhe: “Eu quero 50 anos de obediência”. mente porque o Novo Testamento des-
Bem, isso ajuda a tirar você da cama, Isso é demais. Mas se o senhor disser creve esta árvore como representando o
certo? Agora você está sendo motivado que é alguns dias, apenas algumas Senhor Jesus Cristo o Filho de Deus.
No fundo, todos experimentam uma sensação de solidão. Isso não está sempre claro na
rotina da vida diária. Muitos nunca entenderam o significado deste vazio. Para eles a vida
nada mais é do que viver em sociedade com os outros. Eles não sabem o que é estar sozinho
porque eles estão sempre com outras pessoas.
Isto mudará quando questões cruciais da vida começarem a penetrar as profundezas de sua
alma. Então o homem irá perceber que ele está sozinho. Há momentos na vida, quando uma
mãe não pode ajudar seu filho, quando um marido não pode ajudar sua esposa, e quando
amigos não podem se ajudar. Quando ele chega ao fim de seus dias, o homem está sozinho.
Ele está sozinho quando a dor lança-se em seu corpo. Ele está sozinho quando as mágoas o
afligem. Ele está sozinho quando as cargas o abatem e o arrependimento o atormenta em
sua alma. Ele está sozinho quando o pecado o aflige e a luta contra o pecado é individual-
mente experimentada. Ele está sozinho quando a morte, com o seu frio domínio se agarra a
ele e ele deve adentrar o portão escuro da morte para individualmente encontrar Deus do
outro lado da sepultura.
Os mais severos sofrimentos acontecem enquanto experimentamos esta solidão. Desde que
uma pessoa seja capaz de derramar o seu coração para outros, desde que olhos amoro-
sos permaneçam fixos nele, desde que haja aqueles que emprestem um ouvido atencioso
quando você derrama o seu lamento, desde que haja um coração cheio de compaixão para
sofrer junto com você, desde que haja um ombro para se confortar, e desde que haja mãos
amigas para te ajudar –o sofrimento é muitas vezes suportável.
Mas quando uma pessoa tem que lutar, carregar fardos e trabalhar sozinha, então sentimen-
tos de total desolação nos dominam. De onde vem este sentimento de desolação? Por que
isto nos faz sentir completamente abandonados? É porque colocamos a nós mesmos nesta
posição de abandono. Nós abandonamos a Deus e por essa razão nós estamos abandona-
dos. Nós viramos as nossas costas para Deus e como resultado nos viramos uns contra os
outros. No meio da vida nós podemos estar tão sozinhos. Mesmo quando estamos rodeados
por aqueles que nos amam, o vazio daquele sentimento de solidão permanece. E aqueles
que não conseguem entender esse vazio em vida, ainda vão experimentar solidão na morte.
O salmista entende a causa da sua solidão. É por isso que ele dirige sua oração a Deus com
esta petição: “Volta-te para mim e tem compaixão, porque estou sozinho e aflito”. Somente
Deus pode preencher o vazio na sua vida. Você compreende que está sozinho? Você sabe a
causa desse vazio? Somente o Senhor pode satisfazer essa urgente necessidade.
Por Rev. Frans Bakker. Esta meditação foi adaptada pelo Rev. C.R Procee das obras do antigo Rev. Frans Bak
ker, ministro em Christelijke Cereformeerde Kerken na Holanda. Essas meditações de um autor contemporâneo
demonstram as origens e afinidades “experimentais” que nossas igrejas querem manter com nossas raízes e
heranças. Rev. Procee é o pastor da Igreja Reformada Independente de Hamilton, Ontário.
P
or volta de 1541 os católicos Romanos pareciam ministrar fielmente os sacramentos, e para pastorear
fazer progresso em empurrar Genebra de volta conscientemente a congregação. Os doutores deviam
para o catolicismo. O cardeal Jacopo Sadoleto objetivar o treinamento teológico dos seminaristas e
(1477-1547), o bispo reformador de Carpentras, tinha pastores, prover palestras teológicas regulares, ins-
escrito uma carta pública aos genebrinos, arrazoando truir os jovens e guardar a pureza doutrinária da
com eles para que retornassem à Santa Madre Igreja. igreja. Os presbíteros, que eram leigos, eram respon-
O Conselho da cidade de Genebra pediu para Calvino sáveis por assistir os pastores em manter supervisão e
responder, o que ele fez, com efeito, em sua Resposta disciplina sobre as vidas dos membros. Eles deveriam
a Sadoleto, um dos melhores sumários primitivos da também engajar-se em oração intercessora continua.
posição doutrinária da igreja Reformada. Reconhecen- Os diáconos estavam divididos em duas ordens ― a
do a necessidade de uma liderança protestante forte, primeira para administrar os recursos da igreja e dar
o conselho da cidade convidou Calvino para retornar uma supervisão administrativa; a segunda, para visitar
à Genebra. Após relutantemente concordar em fazê-lo, os doentes e necessitados e conduzir a igreja no minis-
Calvino prontamente aplicou-se ao duro trabalho de tério de misericórdia e caridade.
reformar Genebra. Essa tarefa consumiu os últimos Os pastores e doutores formavam um grupo cha-
vinte e quatro anos da sua vida. O segundo ministério mado a Companhia Venerável, que se reunia semanal-
de Calvino em Genebra pode ser dividido em duas par- mente para estudo da bíblia. Calvino moderava a Com-
tes: anos de oposição e anos de apoio. panhia Venerável e apresentava suas recomendações
aos conselheiros da cidade. Os pastores e presbíteros
Anos de Oposição (1541-4555) Em Genebra, uma encontravam-se em um corpo chamado Consistório
das primeiras responsabilidades de Calvino foi escrever uma vez por semana para subministrar aconselha-
várias leis para a nova república. Ele rascunhou uma mento pastoral, censura, e escolher novos membros.
nova ordem de culto, um novo catecismo e uma nova Os diáconos também se reuniam semanalmente para
ordenança o que foi na sua totalidade, com várias emen- levar a cabo suas tarefas.2
das, eventualmente aprovado pelo Conselho da cidade. Ao lado desta estrutura eclesiástica, a cidade for-
Calvino ofereceu uma estrutura igreja/sociedade que mava uma pirâmide de três Conselhos que incluía o
cultivaria a participação do poder entre a igreja e o esta- menor e mais poderoso Conselho de vinte-e-quatro
do como dois reinos separados. A estrutura de Calvino, (usualmente chamado o Conselho da cidade) e os maio-
que foi grandemente influenciada por Bucer, ressoaria res, menos poderosos conselhos de sessenta e de cem.
em graus variados, através de todo continente europeu. Nem o lado eclesiástico nem o civil de Genebra obtinha
As Ordenanças Eclesiásticas, que definiram clara- totalmente seus objetivos mas conseguiam trabalhar
mente a ordem da vida congregacional, deu à igreja juntos a despeito de uma tensão não resolvida, por
Reformada autonomia em assuntos de fé e de moral. muitos anos. Por exemplo, todos os conselhos da cida-
A igreja devia escrever seu poder através de quatro de tinham alguma voz ativa na escolha dos presbíteros
ordens de ministérios: Pastores, doutores (i.e., profes- da igreja, mas aos próprios pastores era permitida a
sores e conferencistas), presbíteros e diáconos.1 Os escolha dos pastores.
O rumor de que Calvino foi um tira- A despeito da formidável oposição, para instrução elementar e uma “escola
no em Genebra e governava com mão Calvino manteve um intenso programa pública” (schola publica), que oferecia
de ferro é visivelmente falso. Calvino de pregação. Até 1549, Calvino prega- estudos mais avançados nas línguas
nunca manteve um ofício civil em Ge- va duas vezes no domingo, em um dos bíblicas e em teologia. O amigo e suces-
nebra. Ele nem mesmo foi um cidadão dois cultos matinais, e novamente à sor de Calvino, Theodore Beza, serviu
da cidade até bem adentrado em 1540, tarde. Ele também falava três vezes du- como o primeiro reitor da escola. Os
e a primeira metade de 1555, quando rante a semana.3 Em Outubro de 1549, estudantes vieram do mundo inteiro
os seus inimigos (os Libertinos) não o número de sermões aumentou de para a academia. Quando Calvino mor-
conseguiram ser reeleitos para o Con- uma vez em dias alternados a uma vez reu, a escola tinha 1.200 estudantes
selho da cidade. por dia, por ordem do Conselho da ci- junior e 300 estudantes sênior. Ho-
Qualquer que tenha sido a influência dade.4 mens treinados para o ministério abri-
que Calvino exerceu em Genebra du- A frequente e fiel pregação de ram o leque de Genebra para muitos
rante os anos de 1540 à primeira meta- Calvino frutificou na conversão indivi- outros países da Europa. A maioria foi
de de 1550, ela foi baseada na autorida- dual dos genebrinos. No devido tempo, para a França, onde o movimento refor-
de moral da sua pregação, ensino e sa- o Conselho da cidade também inclinou– mado cresceu cerca de 10 por cento da
bedoria. Mesmo então, o Conselho da se ao modo de Calvino. população antecedente ao massacre do
cidade frequentemente operava contra- dia de São Bartolomeu. Um número sig-
riamente aos seus julgamentos e reco- Anos de Apoio (1555-1564) → Quan- nificante de pastores e líderes leigos
mendações. Por exemplo, Calvino que- do os Libertinos foram derrotados em foram também para a Bretanha (e.g.,
ria a celebração da Ceia semanalmente, 1555, o Conselho da cidade finalmen- John Knox, o reformador da Escócia),
mas o Conselho da cidade insistiu que a te tornou-se encorajador de Calvino e Alemanha (e.g. Gaspar Olevianus, o re-
Comunhão deveria ser administrada concedeu por longo tempo o disputado formador do Palatinado), e a Holanda
apenas quatro vezes por ano. Além dis- direito de excomunhão ao Consistório. (e. g. os irmãos Marnix, líderes do movi-
so, Calvino também enfrentou batalhas Genebra tornou-se a cidade de Calvino, mento reformado ali). Naqueles países,
maiores com diversos indivíduos, in- finalmente! Nos últimos nove anos da os seguidores de Calvino ― frequente-
cluindo o humanista reformado Sebas- sua vida, Calvino executou muitas das mente com sua assistência ― adotaram
tian Castellio (1513-1563), o líder do suas longas e acariciadas visões. Em diversas declarações confessionais
conselho, Ami Perrin, o livre-pensador sua década final Calvino revelou sua para fortalecer a causa da Reforma.
Jacques Gruet, o ex-Carmelita Jerome competência como um capaz profes- Eventualmente, a academia evoluiu
Bolsec (d. 1584), o violento Philibert sor de teologia, um escritor bíblico, um para a Universidade de Genebra.
Berthelier, e o anti-trinitariano Michael pregador fiel, um sábio conselheiro e Em 1559, Calvino completou sua
Servetus (c. 1511-1553). Batalhas pro- um líder da igreja amadurecido. edição final definitiva das Institutas,
longadas com cada um destes homens Em 1558, Calvino estabeleceu a aca- que se tornaram o livro mais famoso
foram um pesado tributo sobre Calvino demia de Genebra que foi dividida em da Teologia Reformada já escrito. Se-
no meio destes anos atarefados. uma “escola particular” (schola privata) guindo a estrutura completa do Credo
dos Apóstolos, Calvino dividiu este tra-
balho em quatro livros. O primeiro li-
vro é sobre Deus o criador, e o homem,
trazido à criação por Deus.
Em tudo Calvino comprometeu-se com Este livro discute a providência de
Deus e a superintendência de Deus so-
Deus e Sua glória e ansiava apenas bre todas as coisas. O segundo livro
cobre a queda do homem no pecado, o
promover a preeminência de Cristo na caráter do pecado e a obra de Cristo
em redimir o homem do pecado. O ter-
dependência do Espírito. ceiro livro explica como o Espírito San-
to aplica a redenção à humanidade. O
quarto livro é primariamente sobre a
Igreja de um ponto de vista positivo, a
Soli Deo Gloria (a glória de Deus so- Zelândia, Singapura, Coréia do Sul, Chi- de dormir”. É nossa oração que este es-
mente) é o que a vida e a teologia de na, as Filipinas, Rússia, Egito, Paquis- pírito de piedade que tanto envolveu
Calvino têm em toda parte. Este é o tão, Índia e Israel, o Calvinismo ainda Calvino e Cotton possa também pene-
tema comum de Calvino o teólogo, está sendo propagado hoje. Realmente, trar você enquanto lê este livro.
Calvino o reformador, Calvino o pas- o Calvinismo tem um futuro brilhante,
tor-conselheiro, Calvino o membro da pois oferece muito às pessoas que bus-
Prefácio do livro: 365 Days With Calvon, Joel R. Be-
igreja, Calvino o evangelista e Calvino cam crer e praticar todo o conselho de eke e Michael A. G. Haykin
o escritor. Em todas as áreas da sua Deus. O Calvinismo objetiva fazer as- 1. David F. Wright, “Calvin’s Role in Church History”,
em The Cambridge Companion to John Calvin,
vida pessoal e ministerial Calvino com- sim tanto com a fé de mente-clara ed. Donald K. Mc Kim (Cambridge: Cambridge
University Press, 2004), 284.
prometeu-se de todo o coração com quanto com a piedade de coração- 2. Derek Thomas, “Reforming the Church” em Joel
Deus e sua glória e ansiava apenas pro- aquecido, produzindo uma vida vibran- R. Beeke, Living for God’s Glory: Na Introduction
to Calvinism (Lake Mary, FL: Reformation Trust,
mover a preeminência de Cristo na de- te no lar, na igreja e na sociedade, para 2008). 225-7.
3. T. H. L. Parker, The Oracles of God: Na Introduc-
pendência do Espírito. a glória de Deus. tion to the Preaching of John Calvin (Londres:
Primeiramente através dos seus es- Hoje, o legado de Calvino é extensi- Lutterworth Press, 1947), 33.
4. Parker, Oracles, 39.
critos, a influência de Calvino tem per- vo a nós de formas adicionais. David 5. Cited Parker, John Calvin, 154.
6. Karl Gottlieb Bretschneider et al. eds., Corpus
manecido através dos séculos e per- Hall sugere dez áreas-chaves em que Reformatorum, 101 vols. (Halle: Schuvetske,
meou milhões de corações. Hoje essa nossa cultura é diferente por causa de 1863-1900). The Calvin works comprise Series 2
desta coleção, Ioannis Calvini, Opera Quae Su-
influência é comumente chamada cal- Calvino. Ele inclui, educação, cuidado persunt Omnnia, vols. 29-87. Cf. Robert Rey-
mond, John Calvin: His Life and Influence (Fearn,
vinismo e é um sinônimo aproximado dos pobres, ética, autonomia da igreja, Tain, Ross-shire, UK: Christian Focus, 2004), 13n.
de fé Reformada. A tripla influência do governo de colegiado, político descen- 7. David W. Hall, The Legacy of John Calvin: His In-
fluence on the Modern World (Phillipsburg, NJ: P
calvinismo de Calvino foi resumida por tralizado, a paridade entre as profis- & R, 2008), 60.
8. T.H.L. Parker, Portrait of Calvin (Londres: SCM
Burke Parsons como devoção, doutrina sões, economia, o Saltério e a impres- Press, 1954), 82.
e doxologia ― a “devoção do coração são de livros.14 9. Parker, John Calvin, 92.
10. Steven J. Lawson, “The Preacher of
ao Deus bíblico, a busca mental da bí- O livro devocional 365 Dias com God’s Word”, in John Calvin: A Heart for Devotin,
Doctrine and Doxology, Ed Burk Partsons (Lake
blica doutrina de Deus, e a total rendi- Calvino objetiva capturar algo da pie- Mary, FL: Reformation Trust, 2008). 72-79.
ção do ser à doxologia”.13 dade devocional autêntica e doxolo- 11. Joel Beeke, “Calvin’s Evangelism”, Puritan Refor-
med Spirituality (Darlington, UK: Evangelical
A maior influência do calvinismo foi gia15 que promove todo o conselho de Press, 2004), Capítulo 3.
12. The Life of John Calvin in The Banner of Truth,
na Grã Bretanha e suas colônias da Deus. Cotton Mather escreve que John 227-228 (1982), 56-7.
América do Norte, a Holanda, Ungria e Cotton ao ser perguntado por que em 13. John Calvin: A Heart for Devotin, Doctrine and
Doxology, 5.
partes da Alemanha. Em todas estas seus últimos dias condescendeu com 14. Hall, Legacy of John Calvin, 13-41.
15. Cotton Mather, The Great Works of Christ in
áreas e muito mais ao redor do mundo, os estudos noturnos, alegremente res- America, vol. 1 (reprinted Edinburgh: Banner of
incluindo Polônia, Itália, Brasil, África pondeu “Porque eu amo adoçar minha Truth Trust, 1979), 274.
do Sul, Malawi, Zâmbia, Austrália, Nova boca com uma porção de Calvino antes
Confissão de Fé de Westminster
Capítulo VII → Do Pacto de Deus com o Homem
I. Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe
devam obediência como ao seu Criador, nunca poderiam fruir nada dele como bem-
aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de
Deus, a qual foi ele servido significar por meio de um pacto.
II. O primeiro pacto feito com o homem era um pacto de obras; nesse pacto foi a vida pro-
metida a Adão e nele à sua posteridade, sob a condição de perfeita obediência pessoal.
I. Ref. Jó 9:32-33; Sal. 113:5-6; At. 17:24-25; Luc. 17: 10. II. Ref. Gal. 3:12; Rom. 5: 12-14 e 10:5; Gen. 2:17; Gal. 3: 10.
John Owen
Mas logo a carne se cansa. A pessoa dá desculpas
por não continuar com alguns deveres. A carne rece-
A
santidade bíblica requer contínua batalha espi- be muito apoio da mente carnal, não espiritual, não
ritual para que seja mantida. O diabo, a carne e convertida. Um dever atrás do outro é omitido e final-
o mundo lutarão para nos afastar da verdadeira mente abandonado. O dever de conservar o corpo em
santidade do evangelho para algo inferior, mas inacei- sujeição é negligenciado (1 Co 9.27).
tável a Deus. Os crentes verdadeiros ficam humilhados por terem
Portanto somos instruídos a “resistir” ao diabo (1 Pe desertado do dever assim, e retornam pela graça de
5.8, 9). Para fazer isso, precisamos nos revestir de toda Deus à diligência de antes (Sl 119.176). Mas os hipó-
a armadura de Deus (Ef 6.12, 13). critas não ficam preocupados demais por estarem ne-
Devemos “fugir”, “abster-nos” das paixões carnais gligenciando deveres bíblicos.
que fazem guerra contra a alma (1 Pe 2.11). O pecado que neles habita está guerreando contra
E compete-nos “não amar o mundo nem as coisas a santidade e prevalecendo, muitas vezes. Ele obtém
que há no mundo” (1 Jo 2.15). Mas compete-nos ven- êxito em desgastar a mente com seus rogos contínuos
cer o mundo pela fé, aquela fé que crê que Jesus é o pelo seu antigo domínio. O hipócrita no passar do tem-
Filho de Deus (1 Jo 5.4, 5). po dá atenção ao pecado que reside nele, enquanto que
Deus não aceitará o desempenho indolente, desani- o crente se firma na promessa de que “o pecado não
mado de algumas obrigações com a abstinência de al- terá domínio” sobre ele (Rm 6.14).
guns pecados. Crucificar o pecado, mortificar paixões A pessoa não convertida desconhece o meio certo
irrestritas, resistir ao diabo, fugir de apetites carnais e de se achegar ao Senhor Jesus Cristo a fim de ter a gra-
não amar o mundo são obrigações bíblicas que deve- ça e o auxílio do Espírito para conservá-la num estado
mos manter constantemente enquanto vivermos neste de santidade bíblica. Por isso tem que lutar por si só e
mundo. logo se satisfaz com aquela santidade que a carne pode
Assim como os israelitas foram desalentados e de- produzir. Mas o cristão verdadeiro não se satisfaz com
sencorajados pelos dez espias quando chegaram pela uma santidade que pode ser produzida e existir sem
primeira vez às fronteiras de Canaã, assim muitos que Cristo e seu Espírito. O cristão sabe que sem Cristo ele
não estão longe do reino de Deus ficam desencoraja- nada pode fazer, muito menos produzir uma santidade
dos e desanimados quando são informados dessa guer- aceitável a Deus (Jo 15.5).
ra espiritual que dura até o fim da vida (Nm 13.32; Mc Assim como a ignorância da justiça de Cristo é o
12.34). Se não se cuidam, vêem os gigantes espirituais motivo pelo qual os homens andam por aí tentando es-
pela frente, mas não vêem o poder e a graça de Cristo. tabelecer sua própria justiça, assim a ignorância sobre
Só aqueles que são de fato “nascidos de novo” entrarão saber viver de contínuo pela graça e força de Cristo é
no reino de Deus e batalharão. a razão pela qual muitos se voltam a um padrão mais
baixo de santidade, que não é santidade nenhuma.
Alguns procuram entrar no reino de Deus sem que
sejam regenerados, e assim não têm nenhuma força O Verdadeiro Arrependido → A pessoa não con-
espiritual para lutar contra os inimigos da santidade. vertida não conhece e não pode produzir um arrepen-
Acham que vão vencer pela força da carne somente. dimento bíblico verdadeiro. Arrependimento é o dom
As pessoas também se voltam da e dos juízos de Deus sobre o pecado delas estivessem poluídas, suas pai-
santidade bíblica porque suas graças não são coisas que os homem louvam. xões não fossem mortificadas, que o
não gozam de alta estima em nosso Mas estas são as jóias preciosas do coração fosse soberbo e teimoso, e a
mundo coração com que Deus se agrada. alma destituída das graças espirituais
Os filósofos morais proclamaram O mundo, no entanto, considera-as e celestes, porque essas suas obras ex-
seu amor à virtude porque ela andava fracas, supersticiosas, tolas e insensa- teriores gloriosas, vistas e admiradas
de mãos dadas com sua própria honra, tas. O mundo não reconhece que a san- pelos homens, com certeza as levariam
glória e bom nome pessoal. As virtudes tidade bíblica trata com o coração e a a uma bendita imortalidade na glória
consideradas por eles como as maio- mente que nenhum olho mortal pode eterna.
res eram as mesmas vistas e louvadas ver e com o qual poucos se preocupam. Este véu hipócrita estando rasgado,
pelos homens. Os fariseus praticavam Portanto as virtudes do evangelho são cuidemo-nos para que não negligencie-
sua religião para serem vistos pelos rejeitadas em favor daquelas virtudes mos deveres externos que são para a
homens. Amor por si e amor de serem que o mundo tem em alta estima. glória de Deus e o bem da humanidade
louvados pelos homens eram a motiva- Quando a grande apostasia teve iní- em troca de graças interiores somente.
ção de toda sua religião. cio e as igrejas se afastaram do poder A verdadeira santidade do evangelho
Mas mansidão, bondade, negação e da pureza do evangelho, o primeiro não só purifica o homem interior, mas
de si próprio, pobreza de espírito, cho- passo foi conseguir que as pessoas ne- também conduz àquelas boas obras
rar pelo pecado, ter fome e sede de gligenciassem as graças principais do “que Deus preparou de antemão para
justiça, ter misericórdia e compaixão, evangelho, tais como a necessidade da que andássemos nelas” (Ef 2.10).
pureza de coração, honestidade e sim- regeneração e um princípio celestial
Extraído do livro A Apostasia do Evangelho, John
plicidade de espírito, disposição para de vida espiritual; fizeram isso incenti- Owen, “Editora Os Puritanos”, pp. 139-144
sofrer e perdoar injúrias, zelo por Deus, vando obras esplêndidas de piedade e
desprezo pelo mundo e temor de pecar caridade. Não importava que a mente
Imagens Mortas
“Os que desejam cumprir corretamente o ministério do evangelho
devem aprender não apenas a falar e a citar textos, mas também a
penetrar a consciência das pessoas, de modo que os homens ve-
jam Cristo crucificado e o derramamento de seu sangue. Quando
a igreja tem pintores como estes, ela não precisa mais de imagens
mortas feitas de madeira e pedra, nem de quaisquer pinturas. Com
certeza, as imagens e pinturas foram inicialmente admitidas nos
templos cristãos quando os pastores se tornaram mudos e se tor-
naram meras sombras ou quando passaram a falar poucas palavras
do púlpito, de modo tão frio e negligente, que o poder e eficácia
do ministério foram completamente extintos”.
João Calvino. Comentário de João Calvino na epístola aos Galátas, cap. 3, v. 1b.
João Calvino. Extraído do livro “The Reformation” de Hans F. Hillerbrand, págs. 207.208
“P
orque o nosso evangelho não chegou até vós tão Ó minha alma! tu estás contente em receber o evan-
somente em palavra, mas sobretudo em poder, gelho somente em palavra? Pode um faminto ser ali-
no Espírito Santo e em plena convicção, assim mentado somente com o aroma do alimento? Ou pode
como sabeis ter sido o nosso procedimento entre vós, um mendigo tornar-se rico somente ouvindo o tilintar
e por amor de vós.” (1 Ts. 1:5). do dinheiro? E pode a minha alma faminta encontrar
Muito feliz é o pastor que pode dirigir ao seu povo descanso pelo ouvir dos címbalos do evangelho? É te-
estas palavras. Ó! que todos os nossos pastores pudes- meroso cair no inferno sob o som da misericórdia do
sem, verdadeiramente, dizer isto. Porque não é assim? evangelho.
Certamente se fossemos determinados, como Paulo, Mas há alguns que não somente ouvem o evan-
a “nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este gelho, mas conhecem o evangelho; e ainda assim ele
crucificado”, se fôssemos cheios do mesmo Santo Espí- chega a eles somente em palavras. Quantas crianças
rito, se vivêssemos a mesma vida devota e levássemos crescem sujeitas a pais piedosos, bem catequizadas
a mesma mensagem noite e dia, com lágrimas, deve- nas verdades divinas, bem disciplinadas na Bíblia, ten-
ríamos ser capazes de usar estas preciosas palavras. do compreensão do evangelho e possuidoras de todo
“Aquele que sai chorando, levando a semente para se- conhecimento; nenhum ponto é novo para elas. E mes-
mear, voltará com cânticos de júbilo, trazendo consigo mo assim, não têm visão espiritual; não provam nem
os seus molhos”. vêem que Cristo é bom; não há pedra embaixo de seus
O dia de Pentecostes foi a época dos primeiros fru- pés. Ah! estes são os mais miseráveis de todos os ou-
tos. O dia da colheita está por vir. Os apóstolos tiveram vintes inconversos. Eles afundarão mais baixo do que
a primeira chuva. Nós esperamos pelo tempo das últi- Cafarnaum. Ah! quantos filhos de pastores, quantos
mas chuvas. professores de escola dominical, quantos pregadores
do evangelho podem saber, que o evangelho os alcan-
Um ministério mal sucedido → O evangelho che- ça somente em palavras e nunca em poder. Quão triste
ga ao povo só em palavras. Quão frequentemente um é perecer apontando para a cidade de refúgio; pregar a
pastor fiel prega o evangelho e o povo parece bebê-lo outros para então ser rejeitado.
com alegria! Uma áurea de eloquência natural ilumi- Mas há um caminho mais excelente. Voltemo-nos
na tudo o que ele diz ou ele tem um estilo emociona- para meditar nele:
do e brando que prende a atenção deles, mas nenhum
efeito salvífico parece segui-lo. Corações não são Um ministério bem sucedido → “nosso evangelho che-
quebrantados e nenhuma alma adicionada à Igreja. gou ate vocês em poder”. Que coisa ineficaz o evange-
Assim foi com Ezequiel “Eis que tu és para eles como lho parece algumas vezes. O pastor é meio envergo-
quem canta canções de amor, que tem voz suave e nhado dele. O povo dorme ante suas mais impactan-
tange bem; porque ouvem as tuas palavras, mas não tes afirmações. Porém, em outras vezes, o evangelho
as põem por obra” (Ez. 33:32). Estes são aqueles que é evidentemente, “o poder de Deus para a salvação”.
recebem a palavra em solo pedregoso; eles ouvem a Um poder invisível acompanha a palavra pregada, e
palavra e sem demora, com alegria, a recebem, mas o templo parece ser a casa de Deus e o portão do céu.
terra” (Sl.104:30). Mas acima de tudo, Quando um homem contempla o Fragmentos do prefácio de Calvino à versão francesa do NT
(1534) por Pierre Robert Olivétan. Traduzido por Marcos
é trabalho do Espírito Santo retirar a sol, ele sente uma certeza de que ele Vasconcelos.
O
povo do livro de Deuteronômio é formado dos
filhos de Israel que saíram do Egito e acabaram Josué entendeu muito bem que a Palavra escrita, a
morrendo no deserto por terem sido rebeldes lei do Senhor, era suficiente para conduzi-lo no seu mi-
para com a lei de Deus e à liderança de Moisés. A rebel- nistério, pois o próprio Senhor lhe garantiu que assim
dia do povo se deu em desconsiderar a suficiência da seria se ele permanecesse fiel a essa lei e se dedicasse
Escritura ao transgredir o mandamento do Senhor em à sua meditação diuturnamente.
Deuteronômio 4:2: “Nada acrescentareis à palavra que “Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado
vos mando, nem diminuireis dela, para que guardeis os de fazer segundo toda lei que Moisés te ordenou; dele não
mandamentos do Senhor, vosso Deus, que eu vos man- te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para
do”. Esse texto refere-se ao momento em que Moisés que sejas bem-sucedido por onde quer que andares. Não
está ordenando aos seus ouvintes a se reportarem para cesses de falar deste livro da lei; antes, medita nele dia
aquilo que o Senhor havia ordenado em sua lei, pois e noite, para que tenhas cuidado de fazer segundo tudo
foram testemunhas oculares da revelação do Senhor quanto nele está escrito; então, farás prosperar o teu ca-
no Sinai. minho e serás bem-sucedido” (Js.1.7,8; cf. 8:30-35; 24:26).
Mas como já havia se passado certo tempo, Moisés
achou importante lembrá-los que a Palavra do Senhor Essa verdade também se encontra nos escritos dos
escrita era completa para conduzi-los à obediência, e profetas do Velho Testamento. Deus falou de forma au-
por isso ela não poderia ser alterada pelo povo. Ou dível com o profeta Samuel (1Sm. 3) e o ordenou que
seja, não poderia ser nem diminuída nem acrescenta- escrevesse num livro os regulamentos do reinado de
da, excetuando-se as informações que seriam inseridas Israel e o colocasse diante do Senhor (cf. 1Sm. 10:25),
pelos profetas sob a orientação do Espírito Santo, até mostrando o papel do profeta em escriturar aquilo que
o momento em que a Bíblia se tornasse completa com havia sido revelado oralmente. É interessante notar
as revelações da Nova Aliança no Novo Testamento. que Samuel organizou a casa dos profetas (1Sm. 10:5-
Moisés advertiu aos seus ouvintes que, quando entras- 11) para “estudar a lei de Deus, guardar um registro
sem na terra prometida, observassem cuidadosamente da história de Israel e para preservar seus próprios
a lei escrita do Senhor para que não lhes sucedesse o escritos proféticos”.1 Por exemplo, Samuel, Natã e
mesmo que ocorreu com os seus pais que morreram Gade registraram a história de Davi (cf. 1Cr. 29:29);
no deserto. Natã, Aías e Ido registraram a história de Salomão (2Cr.
A partir de Deuteronômio, a leitura pública da lei 9:29); Semaías e Ido registraram o reinado de Roboão
do Senhor e a conclamação do povo à obediência se (2Cr. 12:15); Ido registrou a história do rei Abias; Jeú
tornam uma constante, tendo como base o modelo mo- registrou o reinado do rei Josafá (2Cr. 20:34); Isaías
saico seguido fielmente por Josué: registrou as histórias de Uzias e Ezequias (2Cr. 26:22;
“Depois, leu todas as palavras da lei, a bênção e a maldição, 32:32); videntes desconhecidos registraram a vida de
segundo tudo que estava escrito no livro da lei. Palavra Manassés (2Cr. 33:19).
nenhuma houve, de tudo que Moisés ordenara, que Josué As evidências escriturísticas veterotestamentárias
não lesse, para toda a congregação de Israel, e para as apontam fortemente para a realidade de que os livros
aquilo que Deus revelou por meio de vos segundo as vossas famílias, segun- damentar uma prática sobre uma tradi-
um profeta, sendo depois escrito. Logo, do os vossos turnos, segundo a pres- ção oral é o mesmo que construir uma
para a frustração dos católicos roma- crição (ênfase nossa) de Davi, rei de casa sobre a areia (cf. Mt. 7:26-27). A
nos, as instruções não eram extra-bí- Israel, e a de Salomão, seu filho”. A pa- tradição necessita da Escritura para se
blicas, mas totalmente escriturísticas, lavra “prescrição” pode ser traduzida firmar, porém o Velho Testamento em
por causa de sua forma de preservação por “escrito” ou “registrada”, desta lugar algum fornece base ou justificati-
(escriturada) e de sua natureza (divina- forma “é preciso a febril imaginação va para uma tradição oral independen-
mente inspirada). Isso pode ser com- de um romanista para transubstanciar te e no mesmo nível da Palavra escrita
provado pela simples razão de que as [transformar] instruções escritas em de Jeová.
orientações de Davi, registradas pelos tradições orais. [...] Ironicamente, Ma-
Extraído da monografia apresentada por Tiago Baía
profetas, entraram no cânon do Velho drid [Blosser e Krehbiel] apela[m] para e Daniel Souza ao Seminário Presbiteriano Teológi-
Testamento posteriormente (cf. 1Cr. a palavra escrita a fim de estabelecer co do Nordeste, Teresina-PI, para obtenção do grau
de Bacharel em Teologia/2007.
6:31ss; 16:4-7, 40-42; 23:13, 24, 30- a alegada autoridade da tradição oral. 1. REYMOND, op. cit., p. 7.
2. SUNGENIS, op. cit., p. 48.
31; 25:1-6), testificando a necessidade Porque a tradição oral não pode se es- 3. CRAMPTON, Gary W. By Scripture Alone: the suffi-
de escrever aquilo que Deus tinha fala- tabelecer por si mesma”?3 A verdade ciency of scripture. Unicoi: Trinity Foundation, 2002,
p. 161-162. Visto que as tradições na visão romana
do para guiar o povo pactual e impedir pura e simples é esta: se a tradição oral têm a mesma autoridade das Escrituras e é base
do entendimento ou interpretação da Bíblia, então
que a lei do Senhor fosse transmitida depender de si mesma, ela desaba; ine- elas deveriam ser, assim como as Escrituras, auto-
por uma tradição de viva-voz. xistem na tradição oral, preservada por sustentáveis. Porém, isso está longe de ser o caso!
Gen. 1:28, e 21:15-16, e 1:26, e 3:8, e 2:3, Exo. 20:11; Gal. 3:12; Gen. 2:9, 16-17.
Aqui o profeta exorta os israelitas ao arrependimento, mas ainda lhes dá alguma esperança
de misericórdia. Isso pode parecer inconsistente, já que antes ele tinha testificado que não
havia mais remédio, porque o povo tinha provocado Deus excessivamente. Mas a resposta
está à mão e é esta: ao falar anteriormente da destruição final do povo, o profeta havia se
referido ao povo como um todo, agora, porém, dirige suas palavras aos poucos que ainda
permanecem fiéis. Essa diferença deve ser vista com atenção, caso contrário ficaremos con-
fusos em muitas partes da Escritura. Ora, Deus havia mesmo decidido destruí-los e quis que
o soubessem pela pregação de Oséias, mas o Senhor sempre teve algumas sementes res-
tantes no meio do seu povo eleito. Ainda restavam alguns membros saudáveis, da mesma
maneira como num montão de palha ainda encontramos alguns grãos de cereal escondidos.
Aqui, deve se aplicar o discurso do profeta especialmente aos eleitos de Deus, os quais, em-
bora tenham caído temporariamente e se enredado nos vícios comuns da época, ainda não
estão totalmente sem cura. O profeta agora lhes faz um contive amoroso, pois fracassaria
com palavras severas sem mesclar alguma esperança de favor, pois bem sabemos que, sem
fé, não pode haver esperança de arrependimento.
Oração:
Concede, ó Deus onipotente, que assim como agora arrastamos conosco este corpo mortal
e, pelo pecado, alimentamos em nós milhares de mortes; — ó concede que, pela fé, volte-
mos sempre nossos olhos ao céu àquele poder ilimitado que se manifestará no último dia
através de Jesus Cristo, nosso Senhor, para que tenhamos em meio à morte a esperança de
que serás o nosso Redentor e desfrutemos da redenção que Cristo completou ao ressuscitar
dos mortos; para não duvidarmos que o fruto então produzido por ele, pelo seu Espírito, será
também produzido em nós quando o próprio Cristo vier julgar o mundo; para assim camin-
harmos no temor do teu nome, sendo realmente contados entre os seus membros; para ser-
mos feitos participantes da glória, que, mediante a sua morte, ele adquiriu para nós. Amém.
João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pag-
es. Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 28 e 29. Tradução: Marcos Vasconcelos, julho/2009.
E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com
João Calvino
amor sem limites! Nós vemos, então, em tudo isso
quão necessária era a oração para ele. Assim, quando
“R
etirou-se para o monte, a fim de orar, e passou a ele escolhe seus discípulos, pede a Deus, seu Pai, para
noite orando a Deus” (Lucas 6:12). Aqui iremos direcioná-lo e guiá-lo em sua escolha. Pois aqui ele está
apenas mencionar o tema da oração, deixando agindo em sua capacidade como homem; como Deus,
maior aprofundamento para uma hora mais apropria- tal coisa jamais aconteceria. Mas como nosso cabeça,
da.1 É verdade que nosso Senhor não precisava orar ele é tão unido a nós que o que é nosso se torna, por
por ele mesmo. Visto, porém, que ele era o cabeça da transferência, dele; sempre e em todo o lugar ele é nos-
igreja, e visto que esteve sujeito a todas as nossas en- so modelo.
fermidades, exceto o pecado (sendo inculpável), e visto Era necessário, então, que Deus guiasse a escolha
que ele assumiu nossa natureza e foi verdadeiramente que ele viria a fazer. É por isso que ele orava tão inten-
unido a nós, tornou-se necessário para ele, sendo nos- samente. Não como nós estamos acostumados a orar,
so irmão, orar. De fato, ele nos estabeleceu um exem- descuidados e como uma mera formalidade, ele ficou
plo de oração. Seria bastante errado pensar que oração a noite inteira em oração. Perceba como isso desafia
para ele era apenas fingimento, e que ele simplesmen- nossa própria prática preguiçosa e fria da oração. Ima-
te nos mostrou o que fazer sem ser tocado por qual- ginamos fazer maravilhas ao orar de manhã e de noite;
quer senso de necessidade. Nós veremos em seu devi- nós nos sentimos satisfatoriamente espirituais mesmo
do tempo o quão determinado ele era em matéria de perante as distrações que ficam em nosso caminho.
oração. Nós mostramos tanta intensidade e fervor que Mas é muito diferente o exemplo que o nosso Senhor
quando clamamos ao Senhor suamos sangue e água? deixou. Ele mantém a vigília até o amanhecer, preocu-
Se nós choramos quando pedimos a Deus em oração, pado e em sofrimento de espírito até achar descanso
não mostramos que realmente estamos movidos, e que em Deus, colocando diante dele seus muitos cuidados
isso não é vergonha alguma, mas que essa necessidade e preocupações por sua igreja.
nos compele? Nós lemos no décimo primeiro capítu- Se escolhermos argumentar que o que Jesus fez foi
lo do São João que Jesus derramou lágrimas quando exclusivo dele, nós devemos apenas ver o que Davi diz
trouxe Lázaro de volta aos vivos.2 sobre si mesmo, ou como São Paulo ― falando não para
Resumindo, sempre que a Escritura diz que Jesus se gloriar, mas para instruir crentes em todo o lugar ―
Cristo orou, nós devemos concluir que ele não apenas passou noite e dia ajoelhado perante Deus.4 Portanto,
se humilhou mas se tornou, para nossa salvação, como aprendamos a disciplinar a nós mesmos quando nos
nada. Como um nada ― esse é o termo que São Paulo sentirmos letárgicos e com preguiça de orar ― ou pior,
usa para descrevê-Lo.3 Agora, se nosso Senhor se re- quando o desejo de orar é apenas um décimo ou um
signou a uma posição mediana, isso por si só deveria centésimo do que deveria ser. Deixemos o exemplo de
ser algo a ser admirado. Mas escolhendo ser sujeito Cristo nos motivar a reparar nossa leviana prática de
a todas as nossas enfermidades, ao tomá-las sobre si oração. Pelo menos, vamos gemer perante Deus, pedin-
mesmo, exceto, como eu disse anteriormente, nossas do a ele que perdoe nossas faltas, pois elas podem se-
concupiscências (pois nada nele era contrário à justa lar nosso caminho até Ele, negar-nos acesso, e impedir
lei de Deus: ele era livre do pecado e da própria apa- que nossas preces sejam respondidas.
rência do pecado) ― que exemplo de amor foi esse, Isto é o que deveríamos dizer: “Senhor, sou uma po-
bre, desprezível criatura, e não mereço to de tudo o que fiz, derramai seu po- p. 22-25. 1. Uma referência a Mt 6.5-15 e paralelos,
os quais Calvino provavelmente tenha alcançado
olhar para o alto e vos pedir qualquer der sem limites sobre mim, e ouvi meu no começo de 1561. A passagem é tratada com
uma certa amplitude em Harm. I, pp 202-14.
coisa. Mesmo assim, constantemente pedido”. Esta, portanto, é outra verda- 2. João 11:35
estendeis sua mão a mim. Vosso alcan- de a ser aprendida desta passagem. 3. FI 2.7 Cf. Comentário a Fl 2.7, onde Calvino assim
traduz o verso: “Ele esvaziou a si mesmo” (OC 52.26).
ce é grande. Mesmo estando longe de 4. No caso de Davi, Calvino poderia ter tido em
Extraído do excelente livro “Beatitudes — Semões mente um verso como Sl 55.17. A referência a Pau-
vós, não me negai sua graça. A despei- sobre as Bem-aventuranças”. Fonte Editorial LTDA, lo é mais clara, Ef 3.14-15 (livremente parafraseado).
Esta passagem pode ser explicada de duas maneiras: como uma frase irônica, ou como uma simples e grave
exortação ao arrependimento. Se a considerarmos ironicamente, o sentido seria: “Venham agora, encontrem-se
comigo com toda a obstinação de vocês e com tudo o mais que lhes possa valer. Acaso conseguirão escapar da
minha vingança opondo-se a mim, como têm feito até agora?”. E, por certo, ao denunciar o juízo final sobre o
povo, é como se aqui o profeta quisesse tocar de propósito no âmago deles, quando diz: “Encontrem-se agora
com o seu Deus e preparem-se”, quer dizer, “reúnam todas as energias, forças e auxiliares de vocês; apelem a
tudo o quanto esses recursos lhes oferecem”. Mas como no capítulo seguinte o profeta exorta novamente os
israelitas ao arrependimento, e põe diante deles a esperança da graça, esse trecho deve ser tomado com outro
sentido, como se o profeta dissesse: “Já que você se consideram culpados e parecem admitir que buscam sub-
terfúgios inúteis, sendo totalmente incapazes de deter a mão do juiz de vocês, então procurem, pelo menos, ir
ao encontro do seu Deus, antecipando-se à ruína iminente”. Os profetas, depois de ameaçarem de destruição o
povo eleito, sempre amenizavam a aspereza da doutrina deles, visto que sempre havia um remanescente, em-
bora oculto.
Oração:
Concede, ó Deus onipotente, que assim como tua palavra nos convida amorosamente a ti mesmo, que não te
fechemos os nossos ouvidos, mas nos antecipemos à tua vara e à tua disciplina; e quando, em razão da estupi-
dez e insensatez com as quais nos embriagamos, tu acrescentas as punições com que nos instas incisivamente
ao arrependimento, ó concede que não continuemos completamente intratáveis, mas que ao final volvamos
nosso coração ao teu serviço, submetendo-nos ao jugo da tua palavra, e aprendamos pelos castigos com que
nos afligistes, e ainda afliges, de sorte que volvamos a ti, de fato e de coração, oferecendo-nos em sacrifício, para
que nos governes conforme a tua vontade, e assim domines todos os nossos sentimentos pelo teu Espírito, para
que durante toda a nossa vida nos empenhemos na glorificação do teu nome, em Cristo Jesus, teu Filho nosso
Senhor. Amém.
João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing
pages. Org. Charles E. Edwards, Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 44 e 45. Tradução: Marcos Vasconcelos, setem-
bro/2009. E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com
“Q
uando ele vier, convencerá o mundo do pecado, mente filho de um carpinteiro, mas “verdadeiramente,
da justiça e do juízo” (João 16:8) este homem era justo”, como o centurião romano de
Uma das belezas principais das Escrituras é repente confessou (Lucas 23:47). Isto foi provado pelo
que elas contém as maravilhosas promessas de Deus, fato de Deis o ressuscitou dentre os mortos. A ressur-
em que em tempos de dificuldades servem como uma reição de nosso Senhor é a prova incontestável que Ele
âncora e conforto para os filhos peregrinos de Deus. era e é o Filho imaculado de Deus. Se Ele tivesse ape-
Que conforto maior pode existir do que fixar-se no nas um pecado, o túmulo teria triunfado sobre Ele; Ele
fundamento seguro da Palavra de Deus e não nas pre- teria morrido no seu próprio pecado e nós estaríamos
tensões vãs e falhas dos homens? Às vezes, porém, os em nossos pecados: “E, se Cristo não ressuscitou, é vã
resquícios da descrença interior, inflamados pelo dia- a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados” (1
bo, se levantam de dentro da igreja como uma torrente Co 15:17).
e nos fazem questionar a bondade de Deus e se estas
preciosas promessas realmente se aplicam a nós pes- 3. O Santo Espírito convencerá → o mundo do juízo
soalmente. Felizmente, a Palavra também contém o do maligno. Através da obra poderosa do Santo Espíri-
cumprimento de muitas promessas de Deus, que nos to os homens não mais será cegados por Satanás com
provam que suas promessas podem ser confiadas de respeito às realidades eternas tais como céu, inferno
que Sua Palavra é realmente verdadeira. e o juízo que virá – coisas que no presente eles ridi-
João 16:8 dá uma das grandes promessas pentecos- cularizam. Ao invés disso, a eternidade abre-se como
tais de Cristo, preanunciando a vinda do Consolador — uma cortina que se desenrola e a verdade de um futuro
o Espírito Santo — e a obra de reprovar ou convencer juízo se torna real, não sendo mais algo a ser escarne-
que Ele realizará nos corações dos homens. Mais tarde, cido, mas tratado com um temor reverente. Através da
no livro de Atos, temos um exemplo de como esta pro- obra poderosa do Santo Espírito os homens também
messa foi cumprida. vêem que Satanás permanece condenado na cruz. Nos-
so Senhor morreu no madeiro a fim de que “por sua
1. E na sua obra de convencer → a primeira coisa morte, destruísse aquele que tem o poder da morte, a
que o Espírito Santo convencerá o homem é do pecado saber, o diabo” (Hb 2:14). O filho de Deus não é mais
da incredulidade. O mundo não precisa ser convenci- cativo pelo medo da morte; com o olho da fé, ele vê a
do da realidade do pecado; o pecado é abundante por condenação da própria morte. Além do mais, quando
todos os lados de tal forma que até os incrédulos têm Cristo ressuscitou dentre os mortos, Ele foi levantado
conhecimento da sua presença perversa. Os homens a um alto lugar acima de todo principado e potestade
precisam ser convencidos do pecado particular de não para governar eternamente sobre seus inimigos der-
crer em Jesus e como isto é ofensivo à vista de Deus. rotados que permanecem julgados e condenados (Cl
Ele deu o Seu Filho e os homens recusam-se a crer nEle. 2:15).
Estas palavras de Cristo, então, contém a segura
2. O Consolador também convencerá → os ho- promessa. A Escritura nos revela a maneira como esta
mens da justiça de Cristo. Com clareza, eles verão que promessa foi cumprida. Depois de Pedro ter pregado
o sermão de Pentecostes, lemos que Davi no Salmo 110, ele diz “Assenta-te o que Ele havia prometido. Essa convic-
aqueles que a ouviram foram compun- à minha direita, até que eu ponha os ção pentecostal trazida pelo Espírito
gidos de coração ou, mais literalmente, teus inimigos por estrado dos teus pés” Santo, contudo, não foi apenas o cum-
foram convencidos ou apunhalados no (At 2:34-35), a morte como único ini- primento da promessa. Em letras gar-
coração (At 2:37). A convicção da Pala- migo tem sido vencida. rafais, nos é soletrado o que significa
vra carrega consigo a noção de culpa Quando confrontado com estas ver- se tornar um cristão, porque Ele con-
e condenação. Com seus próprios co- dades, aqueles pecadores assassinos tinua até este dia a trabalhar no modo
rações os condenando à vista de Deus, de Jerusalém, com o sangue de Cris- como foi descrito. Isso é o que significa
a sentença da morte pesa fortemente to ainda fresco em suas mãos, foram cristianismo experimental. Quando a
sobre eles levando-os ansiosamente a abatidos pela vergonha de sua culpa Igreja cessa em não mais enfatizar a
clamar para serem salvos do seu hor- e clamaram por salvação. Nós somos necessidade da convicção trazido pelo
rível fim. menos culpados do que eles? De for- Espírito como parte da verdadeira ex-
O que disse Pedro para trazer isso ma alguma, porque foram também os periência cristã, resultará, como vemos
à tona? Ele os acusou da culpa de as- nossos pecados que pregaram Jesus na em nossos dias, em um cristianismo
sassinato do Messias: “sendo este en- cruz. Se sua culpa, pelo que seu pecado superficial e insípido. Isto, em contra-
tregue pelo determinado desígnio e fez com Cristo não o leva à convicção, partida, produz um cristão superficial
presciência de Deus, vós o matastes, nada o levará. e até mesmo espúrio.
crucificando-o por mãos de iníquos” Num período curto de tempo, a pro-
Dr. Arthur Miskin é ministro Heritage Reformed
(At 2:23). Pedro afirma o senhorio de messa de Cristo encontra cumprimen- onde serve como professor na Escola Teológica
Jesus Cristo sobre todas as forças do to na própria Jerusalém. Isto prova a Mukhanyo na África do Sul.
Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus teve
liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era o livre ar-
bítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom de Deus, assim
dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da
semente de Adão tem uma centelha do bem. Por esta causa diz São Paulo, que o homem
sensual não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filhos de Israel: “Tua
perdição é de ti ó Israel”. Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo San-
to Espírito. Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha
em novidade de vida, Nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio e reforma a
vontade para todas as boas obras, não, todavia, em perfeição, porque a execução de boa
vontade não está em seu poder mas vem de Deus, como amplamente este Santo Apóstolo
declara no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: “Tenho o querer mas em mim não acho
o perfazer”. O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade hu-
mana, todavia não pode cair em impenitência. A este propósito, São João diz que ele não
peca porque a eleição permanece nele.
A Confissão de Fé da Guanabara ou Confissão Fluminense é uma das mais antigas confissões reformadas e a primeira confissão redigida na América,
na primeira igreja do Brasil.
Por Dr. Joel Beeke Se Cristo tivesse morrido e ressuscitado, mas não
houvesse aplicado sua salvação aos crentes, visando
“A
doutrina de Calvino referente à união com Cris- à regeneração e à santificação deles, a sua obra teria
to, se não é o ensino mais importante que inspi- sido ineficaz. A piedade mostra que o Espírito de Cris-
ra todo o seu pensamento e sua vida, é uma das to está realizando em nós aquilo que já foi realizado
características mais influentes de sua teologia e ética”, em Cristo. Cristo ministra sua santificação à igreja por
escreveu David Willis-Watkins.1 meio de seu sacerdócio real, de modo que a igreja pos-
sa viver piedosamente para Ele.8
A Raiz Profunda da Piedade: A União Mística → O pulso da teologia prática e da piedade de Calvino
Calvino não tencionava apresentar teologia como se era a comunhão (communio) com Cristo. Isso envolve
esta fosse uma doutrina única. Seus sermões, comen- participação (participatio) nos benefícios de Cristo,
tários e obras teológicas estão repletos da doutrina que são inseparáveis da união com Ele.9 Essa ênfase
da união com Cristo, a ponto de que esta se toma o já se achava evidente na Confessio Fidei de Eucharis-
foco da fé e da prática cristã.2 Calvino disse: ‘’A união tia (1537), assinada por Calvino, Martin Bucer e Wol-
da Cabeça com os membros, a habitação de Cristo fgang Capito.10 Todavia, a comunhão com Cristo, para
em nós - em resumo, a união mística - são tratadas Calvino, não era moldada pela sua doutrina sobre a
por nós com o mais elevado grau de importância, de Ceia do Senhor. Pelo contrário, a sua ênfase na comu-
modo que Cristo, tomando-se nosso, nos faz, junta- nhão espiritual com Cristo ajudava-o a moldar o con-
mente com Ele, participantes dos dons com os quais ceito a respeito desta ordenança.
Ele foi dotado”. 3 De modo semelhante, os conceitos de communio e
Para Calvino, a piedade está arraigada na união mís- participatio ajudavam Calvino a moldar o seu enten-
tica (unia mystica) do crente com Cristo; assim, essa dimento quanto à regeneração, à fé, à justificação, à
união tem de ser nosso ponto de partida.4 Essa união santificação, à segurança de salvação, à eleição e à
se torna possível porque Cristo assumiu nossa natu- igreja, visto que ele não podia falar sobre qualquer
reza humana, enchendo-a com suas virtudes. A união doutrina à parte da comunhão com Cristo. Esse é o
com Cristo em sua humanidade é histórica, ética e pes- âmago do sistema de teologia de Calvino.
soal, mas não essencial. Não há qualquer mistura gro-
tesca de substâncias humanas entre Cristo e nós. No O Duplo Vínculo da Piedade: O Espírito e a Fé → A
entanto, Calvino afirma: “Cristo não somente se une a comunhão com Cristo se realiza tão-somente por meio
nós por meio de um laço indivisível de comunhão, mas da fé produzida pelo Espírito. É uma comunhão real, não
também cresce mais e mais em um corpo, conosco, por porque os crentes participam da essência da natureza
meio de uma comunhão maravilhosa, até que se tor- de Cristo, e sim porque o Espírito de Cristo une os cren-
na completamente um conosco”.5 Essa união é um dos tes tão intimamente a Cristo, que eles se tornam carne
grandes mistérios do evangelho.6 Por causa da fonte de sua carne e osso de seus ossos. Do ponto de vista de
da perfeição de Cristo em nossa natureza, os piedosos Deus, o Espírito é o vínculo entre Cristo e os crentes. De
podem extrair, pela fé, o que necessitarem para sua nosso ponto de vista, a fé é o vínculo. Esses pontos de
santificação. A carne de Cristo é a fonte da qual seu vista não se chocam, uma vez que uma das principais
povo deriva sua vida e poder.7 realizações do Espírito é produzir a fé em um pecador. 11
tã. Ele a chamou de “a coluna principal renúncia do mundo.34 Exige arrependi- Calvino em A Pneumatological Light. In: DEKLERK,
Peter (Ed.). Calvin and the Holy Spirit. Grand Rapids:
que sustenta o cristianismo”, o solo mento, mortificação e conversão diária. Calvin Studies Society, 1989. p. 39-62. - JOHNSON,
Merwyn S. Calvin’s Ethical Legacy. In: FOXGROVER,
do qual se desenvolve a vida cristã e A justificação e a santificação são in- David (Ed.). The legacy of John Calvin. Grand Rapi-
a substância da piedade. 31
A justifica- separáveis, disse Calvino. Separar uma ds: Calvin Studies Society, 2000. p. 63-83
10. OS. 1:435-436; SPIJKER, Willem van’t. Extra
ção não somente honra a Deus, por da outra é o mesmo que despedaçar a nos and in nos by Calvin in a Pneumatological Li-
ght. p.44.
satisfazer as condições para a salvação, Cristo35 ou tentar separar a luz solar 11. Institutes. 3.1.4.
mas também oferece à consciência do do calor que ela produz.36 Os crentes 12. Institutes. 4.17.6. Commentary, Atos 15.9.
13. Commentary, Efésios 5.32.
crente “descanso pacífico e tranquili- são justificados para adorar a Deus em 14. Institutes. 3.1.1; 4.17.12.
15. Calvinus Vermilio (# 2266, 8 agosto 1555). CO.
dade serena”.32 Conforme diz Roma- santidade de vida.37 15:723-724.
nos 5.1: “Justificados, pois, mediante a 16. CO. 50:199. Ver também PITKIN, Barbara. What
Extraído do livro Vencendo o Mundo, Dr. Joel Be- pure eyes could not see: Calvin’s doctrine of faith in
fé, temos paz com Deus por meio de eke, Editora Fiel, pgs 45-52 its exegetical contexto New York: Oxford University
Press, 1999.
nosso Senhor Jesus Cristo”. Isto é o 17. Institutes. 2.9.2. Commentary, 1 Pedro 1.25. Ver
1. THE UNIO Mystica and the Assurance of Faith. In:
âmago e a vida da piedade. Visto que SPIJKER, Willem van’t (Ed.) Calvin: erbe und auftrag: também FOXGROVER, David. John Calvin’s Unders-
festschrift fur Wilhelm HeinrichNeuserzum 65, Ge- tanding of Conscience. 1978.407 f. Dissertação (Ph.
os crentes são justificados pela fé, eles burtstag. Kampen: Kok, 1991. p. 78. D). Claremont, 1978.
18. THE COMMENTARIES of John Calvin on lhe Old
não precisam se preocupar com sua 2. Ver, por exemplo:
Testament. 30 v. Edinburgh: Calvin Translation So-
- PARTEE, Charles. Calvin’s Central Dogma Again. Six-
posição diante de Deus. Podem renun- teen century journal. 18.2 (1987): 184. ciety, 1843-1848. Comentário sobe Gênesis 15.6.
- GRUNDLER, OUo. John Calvin: Ingrafting in Christ. Daqui para frente, a nota dirá apenas Commentary
ciar voluntariamente a glória pessoal e In: ELDER, Rozanne (Ed.). The spirituality of western e citará o texto bíblico. Ver também Commentary,
Lucas 2.21.
aceitar, dia a dia, a sua vida como um Christendom. Kalamazoo, Mich.: Cistercian, 1976.
19. Institutes. 3.2.6.
p.172-187.
dom procedente das mãos do Criador - ARMSTRONG, Brian G. The Nature and Structure 20. Institutes. 3.2.30-32.
of Calvin’s Thought according to the Institutes: 21. Institutes. 3.2.24. Commentary, 1 João 2.12.
e Redentor. Algumas batalhas diárias Another Look. In: John Calvin’s magnum opus. Po- 22. Sermons on the Epistle to the Ephesians. Arthur
Golding (Trad).
podem ser perdidas para o inimigo, tchefstroom, South Africa: Institute for Reformation
Reimpressão. Edinburgh: Banner of Truth Trust,
Studies, 1986. p. 55-82.
mas Jesus Cristo venceu a guerra para - HAAS, Guenther. The concept of equity in Calvin’s 1973. 1.17¬18. Daqui para frente, a nota dirá ape-
ethics. Waterloo, Ont.: Wílfrid Laurier University nas Sermon e citará o texto de Efésios.
os crentes. Press, 1997. 23. Commentary, Efésios 3.12.
24. Sermon, Efésios 3.14-19.
A santificação se refere ao proces- 3. Institutes. 3.11.9. Ver também C0. 15:722.
25. Commentary, Habacuque 2.4.
4. HAGEMAN, Howard G. Reformed Spirituality. In:
so pelo qual o crente é conformado, SENN, Frank C. (Ed.). Protestant spiritual traditions. 26. The Third Part of Christian Freedom Misplaced.
New York: Paulist Press, 1986. p. 61. In: GRAHAM, W. Fred (Ed.). Later calvinism: interna-
cada vez mais, a Cristo, em seu cora- 5. Institutes. 3.2.24. tional perspectives. Kirksville, Mo.: Sixteen Century
Journal, 1994. p. 484-485.
ção, comportamento e devoção a Deus. 6. Dennis Tamburello ressalta que há “pelo
27. Institutes. 3.11.1.
menos sete ocasiões em que, nas Institutas,
A santificação é um refazer contínuo Calvino usa a palavra arcanus ou incomprehen- 28. Sermons on Galatians. Kathy Childress (Trad.).
sibilis para descrever a união com Cristo” (2.12.7; Edimburg:
do crente, por meio do Espírito Santo; 3.11.5;4.17.1,9,31,33;4.19.35). Unionwith Christ: Banner ofTruth Trust, 1997.2.17-18. Daqui para fren-
te, a nota dirá Sermon e citará o texto de Gálatas.
é a permanente consagração do corpo John Calvin and the Mysticism of St. Bernard. Lous-
29. Institutes. 3.11.2.
ville: Westminsterl John Knox Press, 1984. p. 89, 144.
e da alma a Deus.33 Na santificação, o Ver também EVANS, William B. Imputation and 30. Ibid.
impartations: the problem of union with Christ 31. Institutes. 3.11.1; 3.15.7.
crente oferece-se a si mesmo como in nineteenth-century american reformed theo- 32. Institutes. 3.13.1.
33. Institutes. 1.7.5.
sacrifício a Deus. Isso não ocorre sem logy.1996. f. 6-68. Dissertação (Ph. D). VanderbUt
34. Commentary, João 17.17-19.
University, 1996.
grandes lutas e progresso lento. Exige 7. Commentary, João 6.51. 35. Institutes. 3.11.6.
8. Institutes. 2.16.16. 36. Sermon, Gálatas 2.17-18.
a limpeza da corrupção da carne e a 9. SPIJKER, Willem van’t. “Extra nos” e “in nos” por 37. Commentary, Romanos 6.2.
Os Cânones de Dort
Artigo 2 → A Propagação da Corrupção
Depois da queda o homem se tornou corrompido e como pai corrompido gerou filhos corrompidos. Assim
a corrupção, de acordo com o justo juízo de Deus, propagou-se de Adão a todos os seus descendentes — à
exceção de Cristo somente — não por imitação, como afirmavam os antigos pelagianos, mas pela propa-
gação de uma natureza pervertida
Esta é uma passagem extraordinária. O Filho de Deus citou-a duas vezes. Os fariseus repreen-
deram-no por se relacionar com pessoas de vida má e dissoluta, ao que ele lhes replicou, no
capítulo nove de Mateus: “Misericórdia quero e não holocaustos”. Com essa defesa, Jesus
mostra que Deus não é adorado mediante cerimônias exteriores, e sim quando os homens
se perdoam e se toleram e não são exageradamente rígidos. E quando os fariseus acusaram
os discípulos por colherem espigas de milho, Cristo citou-a novamente para mostra-lhes
que, quem faz a santidade consistir de cerimônias, adora a Deus tolamente; e mostrou tam-
bém que acusaram os irmãos deles sem motivo, além de converterem em crime o que in-
trinsecamente não era pecado e poderia ser facilmente defendido por qualquer expositor
sábio e sereno. As duas orações seguintes devem ser lidas em conjunto: a misericórdia apraz
a Deus; e a fé apraz a Deus. Não é possível à fé sozinha agradar a Deus, já que nem mesmo
pode existir sem o amor ao nosso próximo; e, depois, a misericórdia humana não basta, pois
se alguém jamais prejudicasse ou ferisse seus irmãos, ainda assim continuaria a ser profano
e desprezador de Deus e a sua misericórdia certamente não lhe valeria de nada. Vale notar
também que Jesus chama a fé de conhecimento de Deus.
Oração
Concede, ó Deus onipotente, já que somos inclinados a todo tipo de perversidade e facil-
mente levados a imitá-la e a nos desviarmos sempre que há desculpa e se ofereça oportuni-
dade. — Ó concede que, fortalecidos pelo socorro do teu Espírito, conservemos a pureza
da nossa fé e nos seja proveitoso o que aprendemos a teu respeito, que tu és Espírito, para
te adorarmos em espírito, com coração sincero, sem jamais nos desviarmos indo atrás das
corrupções do mundo, nem imaginar que somos capazes de te enganar; antes consagremos
a ti nossa alma e corpo de tal maneira que a nossa vida, em todas as suas particularidades,
testifique que somos um sacrifício puro e santo dedicado a ti em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Amém.
João Calvino. Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected payers on facing pages.
Org. Charles E. Edwards. Old Paths Gospel Press. S/d. Pags. 18 e 19. Tradução: Marcos Vasconcelos, junho/2009.
E-mail: mjsvasconcelos@gmail.com
A
pietas de Calvino não subsistia à parte das Es- Idealmente, todo o corpo usa esses dons em simetria
crituras ou da igreja. Pelo contrário, era funda- e proporção, sempre reformando e desenvolvendo em
mentada na Palavra e nutrida na igreja. Embora direção à perfeição.7
tenha rompido com o absolutismo da Igreja de Roma,
Calvino tinha um elevado ponto de vista sobre a igreja. A Piedade da Palavra → A Palavra de Deus é central
“Se não preferimos a igreja a todos os outros objetos de ao desenvolvimento da piedade no crente. A piedade
nosso interesse, somos indignos de ser contados como genuína é uma “piedade da Palavra”. O modelo relacio-
membros da igreja”, ele escreveu. nal de Calvino explica como.
Agostinho dissera: “Aquele que se recusa a ter a A verdadeira religião é um diálogo entre Deus e o
igreja como sua mãe não pode ter a Deus como seu homem. A parte do diálogo que Deus inicia é a revela-
Pai”. Calvino acrescentou: “Não há outra maneira de ção. Nisso, Deus vem ao nosso encontro, fala conosco
entrarmos na vida, se esta mãe não nos conceber em e se nos torna conhecido na pregação da Palavra. A
seu ventre, der-nos à luz, alimentar-nos em seu seio outra parte do diálogo é a resposta do homem à re-
e, por último, não nos manter sob os seus cuidados e velação de Deus. Essa resposta, que inclui confiança,
orientação, até que, despidos desta carne mortal, nos adoração e temor reverente, é o que Calvino chama de
tornemos como os anjos”. À parte da igreja, há pouca pietas. A pregação da Palavra nos salva e nos preserva,
esperança de perdão dos pecados ou salvação, Calvino enquanto o Espírito nos capacita a apropriar-nos do
escreveu. Sempre é desastroso deixar a igreja.1 sangue de Cristo e responder-Lhe com amor reveren-
Calvino ensinava que os crentes estão enxertados te. Por meio da pregação de homens dotados de poder
em Cristo e sua igreja, pois o crescimento espiritual pelo Espírito Santo, “a renovação dos santos se realiza,
ocorre na igreja. A igreja é a mãe, educadora e nutri- e o corpo de Cristo é edificado”, disse Calvino.8
dora de todo crente, visto que o Espírito Santo age na A pregação da Palavra é o nosso alimento espiritual
igreja. Os crentes cultivam a piedade por meio do Espí e o remédio para nossa saúde espiritual. Com a bênção
rito Santo mediante o ministério de ensino da igreja, do Espírito, os pastores são médicos espirituais que
progredindo da infância espiritual à adolescência e à aplicam a Palavra à nossa alma, assim como os médi-
maturidade em Cristo. Eles não se graduam na igre- cos terrenos aplicam remédio ao nosso corpo. Com a
ja enquanto não morrem.2 Essa educação vitalícia é Palavra, esses médicos espirituais diagnosticam, pres-
oferecida numa atmosfera de piedade genuína, uma crevem remédios e curam doenças espirituais naqueles
atmosfera na qual os crentes cuidam uns dos outros que estão contaminados pelo pecado e pela morte. A
em submissão à liderança de Cristo.3 Essa educação en- Palavra pregada é um instrumento para curar, limpar e
coraja o desenvolvimento dos dons e do amor uns dos tornar frutífera nossa alma propensa a enfermidades.9
outros, uma vez que somos “constrangidos a receber O Espírito, ou “o ministro interior”, desenvolve a pieda-
dos outros”. 4
de usando o “ministro exterior” na pregação da Palavra.
O crescimento na piedade é impossível sem a igre- Conforme disse Calvino, o ministro exterior “proclama
ja, porque a piedade é fomentada pela comunhão dos a palavra falada, e esta é recebida pelos ouvidos”, mas
santos. Na igreja, os crentes “se unem uns aos outros o ministro interior “comunica verdadeiramente a coisa
proclamada... que é Cristo”.10 vo, já preparado com total disposição dia que o amor e a lei não são contrá-
Para desenvolver a piedade, o Espí- de coração para se recomendar ao seu rios, e sim correlatos”.14 Para Calvino,
rito usa não somente o evangelho para senhor, tivesse de descobrir e conside- o crente segue a vontade de Deus, não
produzir fé no profundo da alma dos rar os caminhos de seu senhor, para se motivado por obediência obrigatória, e
seus eleitos, como já vimos, mas tam- conformar e se acomodar a estes. Além sim por obediência agradecida. Sob a
bém a lei. A lei promove a piedade de disso, embora sejam impulsionados tutela do Espírito, a lei produz gratidão
três maneiras: pelo Espírito e mostrem-se dispostos a no crente; e esta conduz à obediência
(1) A lei restringe o pecado e pro- obedecer a Deus, os crentes ainda são amorosa e à aversão ao pecado. Em ou-
move a justiça na igreja e na sociedade, fracos na carne e prefeririam servir tras palavras, para Lutero o propósito
impedindo que ambas cheguem ao ao pecado e não a Deus. Para a nossa primordial da lei era ajudar o crente
caos. carne, a lei é como uma chicotada em a reconhecer e confrontar o pecado.
uma mula ociosa e obstinada, uma chi- Para Calvino, o propósito primário da
(2) A lei disciplina, educa, convence cotada que a faz animar-se, levantar-se lei era levar o crente a servir a Deus
e nos move de nós mesmos para Jesus e dispor-se ao trabalho”.12
motivado por amor.15
Cristo, o fim e o cumpridor da lei. A lei Na última edição das Institutas
Extraído do livro Vencendo o Mundo, Joel Beeke,
não pode nos levar a um conhecimento (1559), Calvino é mais enfático a res- Editora FIEL, pgs. 53-57
salvifico de Deus em Cristo. Pelo con- peito de como os crentes se beneficiam Notas:
1. Institutes. 4.1.1, 3-4. Ver também BEEKE, JoelR.
trário, o Espírito Santo usa a lei como da lei. Primeiramente, ele diz: “Este é Gloriouslhings of Thee Are Spoken: The Doctrine of
the Church. In: KISTLER, Don (Ed.). Onward, chris-
um espelho para nos mostrar nossa o melhor instrumento para os cren- tian soldiers: protestants affirm the church. Morgan,
culpa, nos privar da esperança e trazer- tes aprenderem mais completamente, Pa.: Soli Deo Glory, 1999. p. 23-25.
2. Institutes.4.1.4-5.
nos ao arrependimento. Ela nos con- a cada dia, a natureza da vontade do 3. Commentary, Salmos 20.10.
4. Commentary, Romanos 12.6.
duz à necessidade espiritual que gera Senhor, a qual eles aspiram, e para 5. Commentary, 1 Coríntios 12.12.
a fé em Cristo. Esse uso convencedor confirmá-Los no entendimento dessa 6. Commentary, 1 Coríntios 4.7.
7. Commentary, Efésios 4.12.
da lei é essencial à piedade do crente, vontade”. Em segundo, a lei faz o servo 8. Commentary, Salmos 18.31; 1 Coríntios 13.12.
Institutes, 4.1.5, 4.3.2.
pois impede a manifestação da justiça de Deus, “por meio de meditação fre- 9. Sermons ofM. John Calvin, on the Epistles ofS.
própria, que é inclinada a se reafirmar quente, ser despertado à obediência, Paule to Timothie and Titus (1579). L. T. (Trad.).
Edinburgh: Banner of Truth Trust, 1983. Comentá-
até no mais piedoso dos santos. ser fortalecido na lei e restaurado de rio em 1 Timóteo 1.8-11. Daqui para frente a nota
dirá Sermon e citará o texto bíblico. Reimpressão
um caminho de transgressão”. Calvino fac-símilar.
(3) A lei se torna a norma de vida conclui que os santos devem prosse- 10. REID, J. K. S. (Ed.). Calvin: theological treatises.
Philadelphia:
para o crente. “Qual é a norma de guir desta maneira, “pois o que seria Westminster Press, 1954. p. 173. Ver também
ARMSTRONG, Brian. lhe Role of the Holy Spirit in
vida que Deus nos outorgou?” Calvino menos amável do que a lei, com impor- Calvin’s Teaching on the Ministry. In: DEKLERK, P.
pergunta no catecismo de Genebra. E tunações e ameaças, atribular as almas (Ed.). Calvin and the Holy Spirit. Grand Rapids: Cal-
vin Studies Society, 1989. p. 99-111.
responde: “A sua lei”. Posteriormente, com temor e as afligir com pavor?”13 11. BEVERIDGE, Henry; BONET, Jules (Eds.). Selected
works of John Calvin: tracts and letters. Grand Rapi-
Calvino disse que a lei “mostra o alvo O ponto de vista que considera a ds: Baker, 1983. 2:56,69. Reimpressão.
que devemos ter em vista, o objetivo lei primariamente como um guia que 12. Institutes of the Christian religion: 1536 edition,
p. 36.
que devemos perseguir; e que cada um estimula o crente a apegar-se a Deus e 13. Institutes. 2.7.12. Calvino extrai dos salmos de
Davi grande apoio para esse terceiro uso da lei. Ver
de nós, de acordo com a medida de a obedecer-Lhe ilustra outra instância também Institutes 2.7.12 e Comentário no livro dos
graça recebida, pode se esforçar para em que Calvino difere de Lutero. Para Salmos, Valter Martins (Trad.), Vol. 4. (São José dos
Campos: Editora Fiel, prelo 2009).
estruturar sua vida em harmonia com Lutero, a lei é primariamente negativa. 14. HESSELINK, I. John. Law - lhird Use of the Law. In:
McKIM, Donald K. (Ed.). Encyclopeadia of the refor-
a mais elevada retidão e, por meio de Está ligada ao pecado, à morte e ao dia- med faith. Louisville:
estudo constante, avançar cada vez bo. O interesse predominante de Lutero Westminster/ John Knox, 1992. p. 215-216. Ver tam-
bém:
mais, ininterruptamente. 11
é o segundo uso da lei, o uso convence- - DoWEY JR., Edward A. Law in Luther and Calvin.
Theology Today, 41.2 (1984).
dor ― mesmo quando ele considerava - HESSELINK, I. John. Calvin’s concept of the law. Alli-
Calvino escreveu a respeito do ter- o papel da lei na santificação. Por con- son Park, Pa.:
Pickwick, 1992. p. 251-262.
ceiro uso da lei na primeira edição de traste, Calvino entendia a lei como uma 15. BEEKE, Joel; LANNING, Jay. Glad Obedience: The
Third Use of the Law. In: KISTLER, Don. Trust and
suas Institutas: “Os crentes... se benefi- expressão positiva da vontade de Deus. obey: obedience and the Christian. Morgan, Pa.:
ciam da lei porque dela aprendem mais Como disse John Hesselink: “O ponto Soli Deo Gloria, 1996. p. 154-200.
- GODFREY, W. Robert. Law and Gospel. In: FERGU-
completamente, cada dia, qual é a von- de vista de Calvino podia ser chamado SON, Sinclair B.; WRIGHT, David F.; PACKER, J. I. (Eds.).
New dictionary of theology. Downers Grove, 111.:
tade do Senhor... Isto é como se um ser- de deuteronômico, porque ele enten- InterVarsity Press, 1988. p. 379.
A
s reformas religiosas, que culminaram em avi- da tradição oral e da interpretação infalível das auto-
vamento espiritual em Israel, ocorreram quan- ridades eclesiásticas para entender a Palavra escrita e
do o povo voltou-se, exclusivamente, para a Pa- promoverem as mudanças. Os textos repudiam todas
lavra escrita do Senhor, que é a sua lei santa e perfeita. as concepções e ensinamentos do Catolicismo Romano
“O rei subiu à casa do Senhor, e com ele todos os homens sobre a tradição oral e Magistério infalível. A autori-
de Judá, todos os moradores de Jerusalém, os sacerdotes, dade e a revelação divina na concepção de Neemias,
os profetas e todo o povo, desde o menor até o maior; e leu Esdras e Josias estavam na Escritura somente. De acor-
diante deles todas as palavras do livro da aliança que fora do com as passagens, o padrão da verdade para refor-
encontrada na Casa do Senhor. O rei se pôs em pé junto à mar Israel não era uma tradição oral, mas a Lei escrita
coluna e fez aliança ante o Senhor, para o seguirem, guar- do Senhor. O apelo por mudança não era direcionado
darem os seus mandamentos, os seus estatutos, de todo às autoridades de Israel, pelo contrário, elas próprias
coração e de toda a alma, cumprindo as palavras desta necessitavam de mudança e reforma. Nem a lideran-
aliança, que estavam escritas naquele livro; e todo o povo ça nem o povo precisaram de auxílio fora da Lei para
anuiu a esta aliança” (2Rs. 23:2-3). entender o que estava escrito. A reforma aconteceu
por causa da dependência e obediência exclusiva à lei
Esse foi um momento na história de Israel em que preservada na Escritura, como está escrito sobre o rei
o sumo sacerdote Hilquias, ao encontrar os pergami- Josias: “Antes dele, não houve rei que lhe fosse seme-
nhos da lei do Senhor desaparecidos, os entrega ao rei lhante, que se convertesse ao SENHOR de todo o seu
Josias, que, profundamente quebrantado realiza uma coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças,
grande reforma em Israel, principalmente na área cúl- segundo toda a Lei de Moisés (ênfase nossa); e depois
tica e convida o povo a se santificar por meio da obe- dele, nunca se levantou outro igual” (2Rs. 23:25).
diência à lei escrita do Senhor. Essa mesma reforma Contrariando essa verdade sobre as reformas em Is-
ocorreu em Israel, anos depois, quando o povo retor- rael, o apologeta católico romano Patrick Madrid ainda
nou para sua terra no final do cativeiro babilônico com tenta argumentar contra os protestantes com respeito
Neemias e Esdras: à suficiência das Escrituras do Antigo Testamento, da
“Naquele dia, se leu para o povo no livro de Moisés; achou- seguinte maneira:
se escrito que os amonitas e os moabitas não entrassem “No Antigo Testamento, Deus deu autoridade aos sacerdo-
jamais na congregação de Deus, porquanto não tinham sa- tes para interpretar sua lei e emitir doutrina obrigatória
ído ao encontro dos filhos de Israel com pão e água; antes, baseada nessas interpretações, mesmo com respeito a
assalariaram contra eles Balaão para os amaldiçoar; mas questões civis e criminais — ambos por revelação divina
o nosso Deus converteu a maldição em benção. Ouvindo (cf. Lv. 20:1-27; 25:1-55). [Há] referências claras a um
eles, os povos, esta lei, apartaram de Israel todo o elemen- corpo autoritativo de professores constituídos por Deus e
to misto” (Ne.13:1-3). pelos seus profetas e reis designados”.
As reformas com Josias, Neemias e Esdras não fo- É ilógico e anti-bíblico concluir que existe um Ma-
ram um retorno ou obediência a uma tradição oral nem gistério infalível hoje só porque havia sacerdotes, in-
térpretes da lei em Israel. A forma sacerdotes, no decorrer da história de a tua lei! É a minha meditação, todo o
como Madrid raciocina é errônea. Di- Israel, prevaricaram e ensinaram a lei dia! Compreendo mais do que todos os
zer que Deus estabeleceu líderes para de forma incorreta, como é o caso de meus mestres, porque medito nos teus
auxiliar o povo em compreender a sua Israel antes da reforma do Rei Josias testemunhos” (Sl. 119: 97, 99). “Buscai
Lei é ponto pacífico. “A perfeição da e também na época dos profetas Ma- no livro do SENHOR e lede” (Is. 34:16).
Escritura [...] não exclui o ministério laquias e Miquéias: “Mas vós [os sacer- A autoridade sacerdotal defendida
eclesiástico [...]. Apenas exclui a ne- dotes] vos tendes desviado do caminho por Patrick Madrid é pura suposição.
cessidade de outra regra para direção e, por vossa instrução (ênfase nossa), Há falta de prova textual afirmando
externa adicionada às Escrituras a fim tendes feito tropeçar a muitos; violas- que Deus deu autoridade infalível aos
de torná-las perfeitas. Uma régua não tes a aliança de Levi, diz o SENHOR dos líderes sacerdotais de Israel. A autori-
é, portanto, imperfeita porque necessi- Exércitos” (Ml. 2:8). “Os seus cabeças dade não era inerente, mas declarativa,
ta do arquiteto para sua aplicação”. O dão as sentenças por suborno, os seus ou seja, a autoridade eclesiástica isra-
problema na lógica de Madrid é o fato sacerdotes ensinam por interesse, e os elita era subordinada às Escrituras so-
de sua conclusão não ser um resulta- seus profetas adivinham por dinheiro; mente, de maneira que só podiam de-
do necessário de suas premissas. Deus e ainda se encostam ao SENHOR, di- clarar aquilo que estivesse em confor-
estabelecer sacerdotes e intérpretes da zendo: Não está o SENHOR no meio de midade com a Palavra escrita. “No caso
lei não significa necessariamente que nós? Nenhum mal nos sobrevirá” (Mq. de Israel, Deus trabalhava por meio
eles eram infalíveis e muito menos que 3:11; cf. Jr. 5:30-31; Ez. 22:26; Os. 5:1; de suas autoridades religiosas institu-
o povo era incapaz de interpretar a lei Zc. 3:4). ídas apenas quando essas autoridades
por si mesmo (cf. Sl. 1:2, Dt. 6:6-9). Ademais, ordenava-se ao povo que buscavam alinhar-se com a palavra es-
lesse, entendesse, meditasse na lei do crita”. Em Israel, as Escrituras tinham
As duas únicas relações do povo de Senhor e ensinasse os filhos por eles autoridade absoluta e eram claras o
Israel com a Palavra divina eram com mesmos, porque a Escritura era clara bastante para guiar, serem entendidas
a interpretação correta, privada ou o suficiente para ser entendida e ter e tornarem sábias as pessoa simples da
não, do que já estava escrito ou com o autoridade divina inerente: “Estas pala- nação de Israel (cf. Dt. 27:2-8, Hc. 2:2;
exercício do dom profético revelando a vras que, hoje, te ordeno estarão no teu Sl. 19: 7-8; 119: 105, 130; Pv. 6:23).
Palavra de Deus e jamais com uma tra- coração; tu as inculcarás a teus filhos, e
Extraído da monografia apresentada por Tiago Baía
dição oral ou uma Igreja infalível. Na delas falarás assentado em tua casa, e e Daniel Souza ao Seminário Presbiteriano Teológi-
interpretação, a autoridade estava nas andando pelo caminho, e ao deitar-te, e co do Nordeste, Teresina-PI, para obtenção do grau
de Bacharel em Teologia/2007.
Escrituras e não no sacerdote. Muitos ao levantar-te” (Dt. 6:6-7). “Quanto amo
Quando Deus criou o homem, fez com ele um pacto de vida, com a condição de perfeita obediência,
proibindo-lhe comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, sob pena de morte.
Ref. da P.12: Compare Gn. 2.16.17 com Rm 5.12-14; Rm10.5; Lc 10.25-28, e com os pactos feitos com Noé e Abraão. Gn.
2.16.17; Rm 5.12-14; Rm. 10.5; Lc. 10.25-28; Gn 2.17
Ref. da P.16: At. 17.26 - veja também a questão 12; Gn 2.17; Rm. 5.12-20; I Co 15.21,22
Ian Hamilton
shabbat? Isso ficará claro à medida que formos expon-
do o assunto.
A
té algum tempo atrás, uma das marcas distinti- Os que crêem na perpetuidade do sábado cristão
vas do culto reformado era o seu compromisso como sendo uma ordenança da graça que é obrigató-
com a santificação do Dia do Senhor como o ria para todo povo de Deus, precisam lembrar que não
tempo divinamente prescrito para que o povo da alian- estamos simplesmente engajados num conflito para
ça de Deus adorasse esse Deus da aliança. persuadir nossos irmãos em Cristo e que passagens
Esta perspectiva puritana possivelmente está me- como Colossenses 2:16-17 não estão abolindo o sába-
lhor demonstrada na Confissão de Fé de Westminster: do cristão que foi instituído na criação. Nossa batalha
“Como é lei da natureza que, em geral, uma devida pro- é muito mais séria que isto, pois estamos batalhando
porção de tempo seja destinada ao culto de Deus, assim para resgatar os irmão cristãos dos efeitos corrosivos
também, em sua Palavra, por um preceito positivo, moral da cultura contemporânea. O que estamos dizendo é,
e perpétuo, preceito que obriga a todos os homens, em to- que o assunto tratado aqui, dentro da tradição refor-
das as épocas, Deus designou particularmente um dia em mada, não é somente de persuadir nossos irmãos em
sete para ser um sábado (= descanso) santificado por ele; Cristo do caráter divino, mandatório do sábado cristão
desde o princípio do mundo, até a ressurreição de Cristo, (shabbat) como sendo uma ordenança vinda da cria-
esse dia foi o último da semana; e desde a ressurreição ção e do Evangelho, mas na verdade estamos diante de
de Cristo, foi mudada para o primeiro dia da semana, dia um trabalho ainda mais exigente. Ou seja, de persuadir
que na Escritura é chamado dia do Senhor (= domingo), e nossos irmãos em Cristo da sabedoria daquele que nos
que há de continuar até ao fim do mundo como o sábado deu o shabbat, do regozijo que é o sábado cristão e dos
cristão”. efeitos corrosivos e fatais de permitirmos que nossa
cultura contemporânea venha formatar nossa vida es-
Dizendo isso, os puritanos estavam em consonância piritual e dos nossos filhos.
com os reformadores ao dizer que o shabbat (sábado) Fiquei extremamente espantado quando, há alguns
não era o único dia em que o povo de Deus se reunia anos, passei um período nos Estados Unidos e vi que
para o culto e também não estavam dizendo que a ado- o dia da final do campeonato de futebol, o evento es-
ração é um tipo de atividade exclusivamente corporati- portivo mais enfatizado do ano, era praticado no Dia
va e que apenas acontece quando a igreja se une para do Senhor e que muitas igrejas evangélicas, cristãs,
adorar. naquele dia, até mesmo que professavam a fé refor-
Foram os reformadores e puritanos que resgata- mada, cancelavam até os seus cultos dominicais para
ram para nós a idéia de que adoração é a resposta do permitir que as pessoas fossem assistir este jogo. Qua-
crente momento após momento à Palavra de Deus. Ao se não acreditei que isso estivesse acontecendo. Porém,
mesmo tempo eles tinham uma convicção apaixonada disseram-me que mais igrejas mudariam até o horário
quanto a este ponto. Diziam que o culto cristão tem de culto para permitir aos crentes irem a esta final de
que ser ancorado e baseado no Dia do Senhor. Existe campeonato.
um debate que sempre está presente entre os próprios Eu tenho um filho que gosta muito de futebol e gos-
reformados com relação ao Dia do Senhor e o shabbat ta muito de jogar. Outro dia ele me perguntou por que
(sábado). Devemos considerar o Dia do Senhor como o se marcavam tantos jogos exatamente no Dia do Se-
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