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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL


REIS FRIEDE

DIGNÍSSIMO PRESIDENTE DO EGRÉGIO


TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO

(Distribuído por prevenção ao Des. Federal Abel


Gomes, DD. Relator do Habeas Corpus de autos no
0012159-50.2018.4.02.0000)

Jacinto Nelson De Miranda Coutinho, Edward


Rocha de Carvalho, Bruna Araújo Amatuzzi Breus, Ana Maria Lumi
Kamimura Murata e Nikolai Olchanowski, advogados inscritos na Ordem dos
Advogados do Brasil, Seccional Paraná, sob números 8.862, 35.212, 57.632, 64.295 e
78.396, com escritório no endereço abaixo declinado, vêm, à presença de Vossa
Excelência, impetrar o presente

HABEAS CORPUS,
COM PEDIDO DE LIMINAR,

com base no art. 5º, LXVIII, da CR, e art. 647 e ss.,


do CPP, em favor de Horacio Manuel Cartes Jara, paraguaio, com Cédula de
Identidade Civil nº 492.599, residente e domiciliado na Avenida España, nº 801,
Assunção, Paraguai, tendo como autoridade coatora o d. Juízo da 7ª Vara Federal
da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro/RJ que, nos autos de nº 5078012-
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07.2019.4.02.5101, decretou a prisão preventiva do paciente, com base em


fundamentos genéricos e inidôneos, de modo a causar evidente constrangimento
ilegal, tudo por esperarem deferimento em face dos motivos adiante expostos:

BREVE SUMA
Prisão preventiva. Alegação de que o paciente teria fomentado e financiado
organização criminosa encabeçada por Dario Messer enquanto este estava foragido
no Paraguai, por ter alegadamente “ajudado” com dinheiro a tal pessoa nesse país,
com a finalidade de custear advogados paraguaios que o defenderiam perante o
Judiciário paraguaio.
Ausência de fundamentação idônea. O ato coator possui fundamentação genérica,
não individualizada em relação aos crimes que teriam sido cometidos (requisito do
art. 313, do CPP), sem indicar nenhuma possibilidade de influência no processo ou
na ordem pública (art. 312, do CPP).
Dario Messer é alvo de vários mandados de prisão, tendo sido a imputada
organização desbaratada, resumindo-se a alegada conduta do paciente como auxílio
para custear advogados de terceira pessoa (pouco importando o status, foragido ou
não). O fato (caso verdadeiro fosse), por sinal, merece ser lido criticamente: “ajuda”
com dinheiro próprio, de origem lícita, permitido pela legislação, para custear
advogados, tudo isso em outro país. Mais: imputação de fato posterior ao alegado
funcionamento da organização criminosa.
Impossibilidade de influência na instrução ou na ordem pública.
Constrangimento ilegal evidenciado. Necessidade de concessão de medida liminar e
sua confirmação.
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I. BREVE RELATO DOS FATOS

01. O paciente é investigado pelo i. órgão do


MPF nos autos precitados na denominada “Operação Patrón”, pela suposta prática
do delito de organização criminosa – art. 2º, da Lei nº 12.850/2013 –, por ter, segundo
o MPF, fomentado e financiado organização criminosa no período em que Dario Messer
esteve foragido das autoridades brasileiras e paraguaias.

02. Em 31/10/2019, a d. autoridade policial


representou pela prisão temporária e preventiva de outros investigados, requerendo
em relação ao paciente tão somente o compartilhamento de informações com
autoridades estrangeiras (DOC. 01).

03. O i. MPF, por sua vez, requereu, dentre


outras medidas, a prisão preventiva do paciente (DOC. 02), tendo a d. autoridade
coatora, em 13/11/2019, decretado a custódia por entender ser necessária para a
garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal (DOC. 03):

Como já dito linhas acima, e reiterando decisões cautelares anteriores, em se


confirmando as suspeitas inicialmente apresentadas, as quais seriam
suportadas pelo conjunto probatório apresentado em justificação para as
graves medidas cautelares requeridas, estaremos diante de graves delitos de
evasão de divisas, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Dessa forma, após a explanação sobre os requeridos, tenho por
evidenciados os pressupostos para o deferimento da medida cautelar
extrema, consubstanciados na presença do fumus comissi delicti, ante a aparente
comprovação da materialidade delitiva e de indícios suficientes que
apontam para a autoria de crimes graves.
Encontra-se também presente o segundo pressuposto necessário à
decretação da cautelar, qual seja, o periculum libertatis, nestes autos
representado pelo risco efetivo que o requerido em liberdade possa criar à
garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal e à aplicação
da lei penal (artigo 312 do Código de Processo Penal).
É ver que os investigados estavam supostamente auxiliando
DARIO, independente da sua situação de foragido da justiça
brasileira. Aliás, ao que parece, tal condição os levava a
tomarem certos cuidados pra não chamarem a atenção das
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autoridades, contudo, em nenhum momento os investigados


parecem ter hesitado em manter negócios com DARIO.
Como se nota dos elementos probatórios apreendidos na medida de
recolhimento efetivada em 31/07/2019, DARIO continuava em atividade,
por intermédio de MYRA.
No mais, os fatos revelam-se contemporâneos uma vez que se iniciaram com
a fuga de DARIO, em maio de 2018 e permaneceram até, pelo menos, a sua
prisão em julho de 2019.
Basta apurar o resumo encetado pela polícia federal, acima transcrito,
para se concluir que os investigados ainda armazenam e distribuem,
em tese, quantias vultosas entregues por DARIO.
Por isso, reafirmo a necessidade da prisão preventiva, que não é atendida
por nenhuma outra medida cautelar alternativa, mesmo as estipuladas
no art. 319 do CPP, ante o comportamento acima descrito dos
investigados requeridos.
(...)
Há de se observar, portanto, que os investigados auxiliaram DARIO a
se manter foragido por mais de um ano e que apresentam facilidades
em locomover-se para outros países, principalmente Paraguai. –g.n.–.

04. Especificadamente em relação ao paciente,


consta no decreto tão somente que “assim que iniciou sua empreitada de fuga das autoridades
brasileiras, DARIO foi se abrigar no Paraguai, onde o Presidente era HORACIO CARTES, o
seu “irmão de alma”, o qual lhe repassou, por intermédio do amigo ROQUE, montante de US$
500,000.00, para auxiliá-lo como foragido”, omitindo-se, propositadamente, na qualificação
do alegado auxílio, destinado a despesas jurídicas: “sua ajuda para com os gastos jurídicos”
(EVENTO 1, REPRESENTAÇÃO_BUSCA1, p. 10).

05. Eis o ato coator que está causando ao


paciente evidente constrangimento ilegal.
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II. DA ILEGALIDADE DA PRISÃO


PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.

01. Para a decretação de prisão preventiva, sendo


ela exceção, impõe-se uma regra simples: qualquer decisão em tal sentido
somente pode ser aplicada com a devida fundamentação (art. 93, IX, da CR1),
evidenciando estarem presentes os requisitos autorizadores da medida dispostos nos
artigos 312 e 313, ambos do CPP2; e tal fundamentação, por evidente, deve ser
real, passível de verificação no caso concreto, conforme entendimento dos e.
Tribunais Superiores3.

02. No presente caso, a d. autoridade coatora diz


haver fumus comissi delicti “ante a aparente comprovação da materialidade delitiva e de indícios
suficientes que apontam para a autoria de crimes graves”. Quanto ao periculum libertatis sustenta
estar representado “pelo risco efetivo que o requerido em liberdade possa criar à garantia da ordem

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Art. 93, IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito
à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
2Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando
houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro)
anos;
3 STF, HC 139.325, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 10/8/2017: “Ausência de fundamentação
idônea. Decisão contrária à jurisprudência dominante desta Corte. Constrangimento ilegal
configurado.”
STJ, RHC 116.635/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, DJe de 9/10/2019: “Embora a decisão
combatida haja mencionado indícios de serem os acusados integrantes da associação criminosa PGC - Primeiro Grupo
Catarinense, voltada à prática habitual do tráfico de drogas, não foram indicadas razões bastantes para embasar a
cautela pessoal mais extremada do recorrente. Em relação a ele é dito, apenas, que assinou a ata de uma reunião do
referido grupo e está registrado como contato na agenda telefônica de um dos coacusados. 4. Não há, pois, narrativa
individualizada de condutas do réu que revelem periculosidade concreta desmedida , a
evidenciar a mencionada necessidade de sua custódia provisória.”
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pública, da conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal”, porque os investigados


teriam, em tese, auxiliado Dario Messer a se manter foragido da justiça brasileira.

03. Com as devidas vênias, a r. decisão é


absolutamente nula porquanto desprovida de fundamentação idônea em
relação ao paciente. Ora, ela simplesmente repete o teor do art. 312, do CPP, sem
especificar quais atitudes concretas do paciente poderiam servir de
pressuposto à adequação de sua conduta à previsão legal de segregação como
forma de garantia do processo, o que é de todo inadmissível, sob pena de se ter
verdadeira antecipação de punição, de todo vedada pela Constituição da República.

04. Com as devidas vênias, os fundamentos


utilizados para decretar a prisão preventiva do paciente são absolutamente
genéricos e equivocados. A r. decisão faz uso de palavras-chave que podem ser
aplicadas a qualquer um dos investigados no caso, que também tiveram as suas prisões
cautelares decretadas. Aliás, vale notar que a quase integralidade da r. decisão é
repetida em praticamente todas as suas decretações de prisão preventiva em
todos os casos sob sua competência, o que é sintomático.

05. Quanto ao indigitado fumus comissi delicti


(prova de materialidade delitiva e indícios suficientes da autoria de crimes graves), a r.
decisão não diz nada pormenorizado em relação ao paciente.

06. O ato coator sequer menciona e qualifica


juridicamente o crime que o paciente teria supostamente cometido, a fim de
que se possa verificar a presença do requisito do art. 313, I, do CPP, ou para
deduzir a aludida gravidade. O que se tem é uma referência abstrata ao delito de
organização criminosa, de todo genérica, relativa a todos aqueles elencados no
denominado “núcleo político” que, de acordo com a r. decisão, abrangeria sujeitos com
influência no governo e “de poder”, supostamente responsáveis por manter as
atividades da organização criminosa e sua impunidade.
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07. No entanto, não individualiza quais seriam as


condutas de cada sujeito pertencente ao chamado “grupo político”, nem a
participação do paciente na prática de qualquer atividade criminosa da organização de
Dario Messer. Isso não é sequer cogitado porque se não tem notícia e, em
definitivo, não ocorreu!

08. O que consta no ato coator em relação ao


paciente – sem que se adentre na absoluta inveracidade do referido auxílio – é
tão somente uma alegada “ajuda” de dinheiro no Paraguai, mediante solicitação
feita no Paraguai, para um foragido em território paraguaio, a fim de custear
gastos jurídicos com advogados paraguaios para sua defesa em solo paraguaio.

09. Tal informação é extraída da manifestação


do próprio i. MPF, segundo a qual Dario Messer teria enviado carta manuscrita ao
paciente, fazendo-lhe uma solicitação – que teria sido atendida, de acordo afirmação
desprovida de amparo por parte da acusação –, nos seguintes termos: “Infelizmente fiquei com
os meus recursos bloqueados e preciso recorrer a sua ajuda para com os gastos
jurídicos. Nessa primeira etapa vou precisar de US$ 500.000,00 (quinhentos mil dólares). Com
isso consigo me apresentar, ficar numa prisão domiciliar em Assunção (...)” – g.n. – (DOC. 03
– EVENTO6, PROMOÇÃO1, FL. 24).

10. Apesar de não ser possível deduzir dessa carta


nenhuma atividade ilícita por parte do paciente ou sequer envolvimento na aludida
organização criminosa, a d. autoridade coatora, por meio de mera ilação, sustenta ter
havido uma “colaboração de Horacio com Dario, a fim de auxiliá-lo a manter-se foragido”.

11. Contudo, é incontroverso (e está nos


autos!) que o pedido de “ajuda” no montante de US$ 500.000,00 de Dario
Messer – conforme expresso na carta, da qual não se tem notícia que tenha chegado
ao destinatário – seria utilizado para pagamentos de despesas decorrentes da
sua defesa no âmbito jurídico. Ou seja, de acordo com o próprio MPF, tinha
como única finalidade custear gastos jurídicos, com advogados e sua defesa; tudo
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para, em tese, regularizar a sua situação perante as autoridades paraguaias. Ora, ofertar
“ajuda” financeira para custeio de defesa processual (direito constitucionalmente
assegurado) não é ilícito e não pode ser interpretado como auxílio a fuga!

12. Por amor ao debate e para demonstrar a


absoluta ilegalidade do que se está a passar, a “ajuda” supostamente realizada pelo
paciente a Dario Messer, ainda que fosse verdadeiro, evidentemente não constituiria
crime por vários motivos:

Primeiro, porque, se de fato a “ajuda” tivesse


acontecido, o dinheiro seria do próprio paciente, cuja origem é lícita e sequer foi
questionada;

Segundo, porque ainda que tal “ajuda” tivesse sido


concretizada, o dinheiro não seria de Dario Messer e, assim, não haveria que se cogitar
uma possível lavagem de dinheiro, também sequer mencionada.

Terceiro, porque qualquer “ajuda” de dinheiro,


entre particulares e para fins lícitos, é permitido pela lei e não constitui crime.

Quarto, a “ajuda” eventual de dinheiro para custear


advogados paraguaios, em solo paraguaio e para sua defesa no Paraguai, não
significa – e não pode haver presunção nesse sentido – que o paciente estivesse
auxiliando a organização criminosa, ou possibilitando e favorecendo Dario Messer
em sua fuga. Fosse assim, desde logo qualquer ajuda de custos jurídicos a terceiros
seria criminosa.

13. Além disso, se fora dada outra destinação ao


dinheiro (não foi indicada no ato coator), isso não pode ser imputado ao paciente.

14. Ademais, a ação imputada ao paciente (de


“ajudar” com dinheiro a Dario Messer) é posterior aos fatos criminosos
supostamente praticados por ele, no âmbito de uma organização criminosa; ou seja, a
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ação do paciente teria ocorrido tão somente no período de fuga de Dario Messer. Não
há dúvida, assim, que se está a falar de pós-fato impunível.

15. Portanto, ao não imputar a prática de


qualquer conduta criminosa ao paciente, o ato coator encontra-se desprovido de
fundamentação idônea no que toca aos requisitos da prova da materialidade e dos
indícios suficientes de autoria.

16. Em relação ao suscitado periculum libertatis, a r.


decisão é absolutamente genérica, pois se limita a afirmar que “os investigados auxiliaram
Dario a se manter foragido por mais de um ano e que apresentaram facilidades em locomover-se para
outros países, principalmente Paraguai”; bem como há “risco efetivo que o requerido [Dario
Messer] em liberdade possa criar à garantia da ordem pública, da conveniência da instrução criminal
e à aplicação da lei penal”.

17. Como já explicitado, a “ajuda” para custear


defesa jurídica, caso tivesse ocorrido, não pode ser entendido como auxílio à fuga. Ora,
são duas questões absolutamente independentes: a possibilidade de exercer o direito
de defesa nada influencia no status de fugitivo de uma pessoa. Além disso, não foi
apontado no ato coator – porque não há – qualquer elemento concreto no sentido de
que tenha a intenção de se furtar à aplicação da lei penal.

18. Do ato coator também não se pode


depreender de que forma o paciente – tão só por ter alegadamente ajudado a custear
defesa jurídica – poderia interferir no curso de um processo de uma suposta organização
criminosa já desbaratada, cujos principais “líderes” já são colaboradores premiados
ou estão com diversos decretos de prisão preventiva em seu desfavor, como é o caso
de Dario Messer.

19. Portanto, não há no ato coator


fundamentação idônea suficiente a demonstrar a necessidade da constrição cautelar
do paciente, porque inapta para o desmantelamento do grupo, sendo certo que a
medida cautelar é desproporcional e incongruente.
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20. Assim, diante da ausência de fundamentação


idônea do decreto de prisão preventiva (fumus boni iuris), bem como pelo fato de ter o
paciente um mandado de prisão em seu desfavor e de estar na lista de difusão
vermelha da Interpol (periculum in mora), é manifesto o flagrante constrangimento
ilegal impingido a ele, razão por que se mostra imprescindível a revogação liminar
da prisão preventiva, com o recolhimento do mandado.

POSTO ISTO,

requerem se digne Vossa Excelência receber o


presente habeas corpus, para o fim de conceder a medida liminar e, após e em
julgamento final, confirmá-la, com a concessão definitiva do writ. Em tempo,
requerem sejam os impetrantes notificados com antecedência para a r. sessão de
julgamento do presente writ, notadamente porque residem em outra unidade da
federação, a fim de que possam sustentar oralmente.

Pedem deferimento.

Curitiba, 20 de novembro de 2019

Jacinto Nelson de Miranda Coutinho Edward Rocha de Carvalho


O.A.B./PR nº 8.862 O.A.B./PR nº 35.212

Bruna Araújo Amatuzzi Breus Ana Maria Lumi Kamimura Murata


O.A.B./PR nº 57.632 O.A.B./PR nº 64.295

Nikolai Olchanowski
O.A.B./PR nº 78.396

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