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Os Estudos Culturais constituem-se em um campo de teorização, investigação e intervenção que
estuda os aspectos culturais da sociedade, que têm sua origem a partir da fundação do Centro de
Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, Inglaterra, em 1964.
conhecimento é produzido, em qualquer lugar em que existe a possibilidade de
traduzir a experiência e construir “verdades”, mesmo que essas “verdades”
pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar comum.
Segundo Ribeiro (2002), as pedagogias culturais que ensinam tipos de
pensamento e de ações em relação a si, as/aos outr@s e ao mundo estendem-se
a diferentes práticas que, ao produzirem e compartilharem determinados
significados, ensinam configurando tipos particulares de identidades e de
subjetividades. Tais pedagogias culturais produzem valores e saberes, regulam
condutas e modos de ser, fabricam identidades e representações e constituem
certas relações de poder2, entre outras coisas (SABAT, 2001).
Cabe salientar o entendimento de representação que trago neste texto.
Representação, na perspectiva dos Estudos Culturais – nas vertentes pós-
estruturalistas – é entendida como um modo de produzir significados na cultura
através da linguagem. Conforme destaca Silva,
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Utilizo poder numa perspectiva foucaultiana, ou seja, como uma relação de ações sobre ações –
algo que se exerce, que se efetua e funciona em rede. Nessa rede, os indivíduos não só circulam,
mas estão em posição de exercer o poder e de sofrer sua ação e, conseqüentemente, de resistir a
ele (FOUCAULT, 2006).
relacionadas às diferenças na anatomia e fisiologia do cérebro de meninas e
meninos.
O texto começa respondendo a pergunta que intitula a reportagem. A
resposta é afirmativa, ou seja, meninos possuem mais neurônios que as meninas.
Ressalta que os garotos “[...] têm o cérebro 3% maior [...] e, por isso, têm mais
neurônios” e que as garotas são beneficiadas por terem “[...] mais fibras que
conectam o lado direito e esquerdo” (FATURETO e MORAES, 2007, p. 90).
Segundo as autoras, isso explicaria as habilidades específicas de cada sexo.
Destaco abaixo fragmentos e imagens de tal reportagem. Analiso texto e
imagem, pois a relação entre esses elementos torna-se importante, na medida em
que eles são indissociáveis na (re)produção de representações culturais (SABAT,
2001).
Cérebro masculino:
Cérebro feminino:
Esses dois exemplos possibilitam observar que tanto em uma revista para
o público adolescente, como a Capricho, quanto uma revista que tem como
leitor@s alvos pessoas inseridas ou interessadas nesse campo de estudos
(neurociências) – Viver, Mente e Cérebro – apresentam discursos construídos pela
linguagem biológica e marcados pela autoridade da ciência, tendo, com isso, sua
legitimidade dificilmente questionada. Esses discursos vêm mostrando as
diferenças entre meninas e meninos relacionadas ao funcionamento do cérebro de
ambos, focando nesse órgão a origem das distinções/diferenciações entre os
gêneros.
Cabe salientar que entendo os gêneros como construções sócio-históricas
produzidas sobre as características biológicas (LOURO, 2000), produto e efeito de
relações de poder, incluindo os processos que produzem, distinguem e separam
os corpos dotados de sexo, gênero e sexualidade (MEYER, 2003). Contudo, ao
enfatizar o caráter construído dos gêneros não estou negando a materialidade
biológica dos corpos, mas sim busco problematizar as representações que se
apóiam nas características biológicas para justificar diferenças, desigualdades e
posicionamentos sociais.
Os discursos científicos presentes nessas pedagogias sugerem que o
gênero encontra-se inscrito na anatomia do sujeito, numa determinada região do
cérebro, pré-existindo uma normalização na conduta de meninos e meninas
(MEYER, 2003). Espera-se, então, que essas “marcas naturais” expressem a
subjetividade e a identidade dos indivíduos. Ribeiro e Soares (2007, p. 27)
destacam que
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Segundo Silva (2000, p. 39), determinismo é a “tendência a atribuir um peso e um grau
exagerados à determinação que um certo fenômeno exerce sobre outro. Dependendo de qual fator
se considera determinante, pode-se falar em determinismo biológico, determinismo econômico,
determinismo tecnológico etc.”
medida em que o conceito de gênero afirma o caráter social do feminino e do
masculino, pretende-se afastar as proposições essencialistas. A ótica fica dirigida
para um processo, para uma construção, e não para algo como dado a priori.
Essas pedagogias culturais interpelam os sujeitos, (re)afirmam as
diferenças entre os gêneros. Segundo Silva (2004), embora não tenham o objetivo
explícito de ensinar, elas acabam transmitindo uma variedade de formas de
conhecimentos. Ensinam modos de ser uma ou um adolescente, ou seja, tais
pedagogias também têm um currículo. Tal como o currículo escolar, o chamado
currículo cultural contém um conhecimento organizado em torno de relações de
poder, de regulação e controle (SABAT, 2001). Ainda que não sejam, de maneira
geral, reconhecidas como tais, as pedagogias culturais são importantes na
formação das identidades e subjetividades dos sujeitos.
Conforme destaca Silva,
CAVALCANTI, Laura Battaglia Pires. Na sala de aula. Viver Mente & Cérebro
Scientific American, São Paulo, n. 10, p. 62-67, edição especial 2007.