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Resumo
A presente entrevista com o professor e escritor Gustavo Bernardo Krause foi feita em abril de
2016, como atividade da disciplina Literatura em devir, então ministrada pelo professor Vitor
Cei. O trabalho contou com a coautoria de Eduardo Freire Ribeiro e colaboração de João Duarte
e Nara Peres Maister, discentes do curso de Letras-Português da Universidade Federal de Ron-
dônia. Em 2017 foram acrescentadas novas perguntas e respostas, contemplando o projeto de
extensão “Notícia da atual literatura brasileira: entrevistas”, que é um esforço no sentido de ma-
pear a literatura brasileira do início do século XXI a partir da perspectiva dos próprios escrito -
res.
Abstract
This interview with professor and writer Gustavo Bernardo Krause was made in April 2016, as
an activity of the course “Literature in Devir”, at that time taught by Professor Vitor Cei. The
work was supported by Eduardo Freire Ribeiro, João Duarte and Nara Peres Maister, language
and literature students from the Federal University of Rondônia. In 2017 new questions and an-
swers were added, to attend the extension project “News from Current Brazilian Literature: In-
terviews”, which consists of a mapping of Brazilian Literature of the beginning of the 21st cen -
tury from the perspective of the writers themselves.
1 Professor do Departamento de Línguas Vernáculas da Universidade Federal de Rondônia. Líder do grupo de pes-
quisa Ética, Estética e Filosofia da Literatura.
2 Aluno do curso de Licenciatura Letras - Língua Portuguesa e suas Literaturas, na Universidade Federal de Rondô-
nia.
Volume 4 Número Especial – Set/2017 4
www.revistaclareira.com.br
ISBN: 2359-1951
Introdução
Gustavo Bernardo Krause é professor associado do Instituto de Letras da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bolsista de Produtividade em Pes-
quisa do CNPq. Mestre em Literatura Brasileira e Doutor em Literatura Comparada
pela UERJ, fez pós-doutorado em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG).
Você concorda que alguns escritores brasileiros, tais como Machado de Assis,
Guimarães Rosa e Gustavo Bernardo são capazes de expressar intuições filo-
sóficas ligadas às suas respectivas épocas? Antonio Candido e Paulo Arantes
afirmam que a filosofia sempre ocupou um lugar subalterno na evolução de
conjunto da cultura nacional. Para eles, a literatura, mais do que a filosofia,
seria o fenômeno central da vida do espírito no Brasil. O que você pensa a
esse respeito?
Uma bela pergunta!, mais ainda por me colocar na companhia dos dois
maiores escritores brasileiros! Ainda poderíamos trazer para grupo tão seleto Carlos
Drummond de Andrade e Clarice Lispector: ambos também filosofaram em verso e
prosa, sem sombra de dúvida. Nesse sentido, concordo com Candido e Arantes, e
acrescento: a vida do espírito no Brasil resiste através da literatura. As obras destes
quatro autores, em que pesem as grandes diferenças, têm em comum o refinamento fi-
losófico no mais alto grau. Na verdade, não me vejo ao lado deles, se até hoje ainda não
sei se sou escritor, apesar dos onze romances que publiquei, mas reconheço que me ins-
piro neles desde sempre, principalmente no maior de todos: Machado de Assis. Meus
narradores são variações atualizadas dos narradores machadianos: todos sempre ten-
tam se duplicar e assim pensar não para frente nem para trás, em linha, mas sim “para
dentro”, formando espirais lógicas que chamo de “reviravoltas aninhadas”.
Escrevo desde criança, sem parar. Escrevo todo dia, de preferência pela ma-
nhã. Não espero nem busco inspiração, não acredito nela, apenas na transpiração. Por
isso, também, não confio nas primeiras coisas que escrevo, o que me obriga a reescre-
ver várias vezes cada texto, tanto faz se de ensaio ou de ficção.
Mal aprendi a ler, desejei ardorosamente entrar dentro dos livros, virar um
personagem! Como isso não era possível, passei logo a querer estar na outra ponta, ou
seja, no lugar do escritor. Já que não podia ser personagem, precisei me contentar em
ser escritor. No entanto, até hoje não me apresento como “escritor”. Se me perguntam a
profissão, respondo, com orgulho: “professor”. Professor eu sou, e bem razoável. Mas
os leitores é que me dizem, a cada livro, se consegui me tornar escritor, pelo menos na-
quele livro. Continuo dizendo que, quando crescer, quero ser um escritor (apesar de já
estar com 60 anos de idade). Continuo tentando ser um escritor, mesmo já tendo publi-
cado 11 romances e 12 livros de ensaio.
Bem, adoro ver um livro meu na prateleira de uma livraria, mas isso é me-
nos comum do que eu gostaria. Cada vez mais as livrarias mostram apenas os best-sel-
lers, e meus livros nunca atingiram esse status. Entretanto, como quase todos os meus
livros vendem sempre, consideram-me um “long-seller”, o que também é bastante
bom. Por isso, talvez, a minha emoção maior se dá quando descubro um livro meu no
sebo, melhor ainda se for num sebo na calçada, no meio de uma praça pública. Fico,
claro, fascinado em ver alguém lendo um livro meu, mais ainda se esse alguém me
manda uma carta (como antigamente) ou me escreve um email, me dizendo o que
achou da leitura. Portanto, meus amigos entrevistadores de tão longe, aguardo ansioso
o comentário de vocês sobre um ou mais de meus livros!
Quanto aos romances, você acredita que o público está preparado para rece-
ber novas obras, como Nanook, ou vê a sociedade muito ligada aos cânones
de eras passadas?
Como qualquer escritor, não sou o melhor juiz da minha obra. Feita a res-
salva, devo dizer que não me considero um autor inovador, como o foram Machado de
Assis e Guimarães Rosa. Embora eles me inspirem muito, não creio que tenha chegado
sequer aos pés deles. Tento contar uma história cada vez de um jeito ligeiramente dife-
rente, mas retomando sempre os cânones passados. Feita a autocrítica, no entanto, lem-
bro que a obrigação da originalidade era do romantismo, uma variante do realismo
burguês que gostava de fingir que era revolucionária, não o sendo de modo algum. Na
literatura como em toda arte, o presente não é necessariamente melhor do que o passa-
do. Nenhum dramaturgo superou Sófocles, assim como nenhum romancista superou
Cervantes ou Machado. Dada esta aula pedante, porém, creio que Nanook até merece a
deferência que vocês me fazem, porque nesse romance tentei combinar ficção e filoso-
fia com o máximo de leveza – e, por enquanto, acho que consegui!
Sim. Não um grande escritor, que isso quem decide são os outros, mas,
simplesmente, escritor. Acredito num único método de educação: o do exemplo. Só en-
sina a ler quem lê muito e mostra para seus alunos o que está lendo e como está lendo.
Só ensina a escrever quem escreve e reescreve muito, e mostra para seus alunos todo
esse processo. Se o professor de literatura apenas “manda” ler, mas não mostra que leu
e que o fez de maneira entusiasmada, o que ele ensina é o desprezo pela leitura e pela
literatura. Se o professor de redação apenas “manda” escrever para meter a caneta ver-
melha no texto do aluno, ele ensina apenas a desescrever. É lamentável que os nossos
cursos de Letras não se espelhem nos demais cursos de universitários de artes: enquan-
to quem faz música toca um instrumento, quem faz teatro sobe no palco, quem faz
dança dança muito, quem faz Letras costuma parar de escrever, envergonhado.
Você percebe de imediato aqueles alunos que têm talento para escrever, ou seja, que
já são escritores e prescindem do estudo universitário?
Não. Isso, acho que só o tempo percebe. Como professor, invisto mais aten-
ção naqueles que demonstram mais dificuldade. Escritores devem se descobrir sozi-
nhos, me parece. Por outro lado, não se aprende a escrever, principalmente ficção, na
universidade. Samba não se aprende na escola, já dizia o sambista. Na verdade, samba,
arte e literatura nunca se aprendem, estão sempre se aprendendo.
Referências
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