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Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2012

9ª edição

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Presidenta da República
Dilma Rousseff

Ministra da Cultura
Marta Suplicy

Fundação Nacional de Artes


Presidente
Antonio Grassi

Diretora Executiva
Myriam Lewin

Centro de Artes Visuais


Diretor
Francisco de Assis Chaves Bastos
(Xico Chaves)

Coordenadora de Artes Visuais


Andrea Paes

Coordenadora de Comunicação
Camilla Pereira

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Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2012
9ª edição

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Rede Nacional Funarte
Artes Visuais 2012 - 9ª edição

Coordenação
Izabel Costa

Comissão de Seleção
Jared Domício, Marcelo Campos,
Maria Helena Bernardes,
Marília Panitz e Marisa Mokarzel

Administração
Marco Antonio Figueiredo

Apoio Administrativo
José Rocha, Rui Pitombo,
Rachel Barreto da Silva e Rodrigo Braga

Agradecimentos
Vera Rodrigues, Ana Paula Santos,
Flávia Junqueira e Isabella Schmidt

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Rede Nacional Funarte de Artes Visuais (9. : 2012).

Rede Nacional Funarte de Artes Visuais / Izabel Costa (Coord.). – Rio de

Janeiro : FUNARTE, 2013.

140 p. ; 21x21cm .

Catálogo do Programa.

ISBN 978-85-7507-155-7

1. Artes – Brasil. 2. Artes – Brasil (Programas de incentivo). I. Costa, Izabel.

CDD 709.81

FUNARTE / Coordenação de Documentação e Informação

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Rede Nacional Funarte Artes Visuais 2012

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Topografia Aérea: uma Fábula sobre Poleiros e Artistas
Foto: Filipe Britto

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O Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais resistiu ao tempo. Idealizado em 2003 e implantado
em 2004 pelo recém-criado Centro de Artes Visuais, quando da minha primeira gestão como presidente
da Funarte, foi inovador quanto à forma logística de abordagem sobre intercâmbio entre artistas e demais
profissionais das artes visuais e de outros segmentos artísticos que dialogam e interagem entre si. Realizou
oficinas, exposições, palestras, documentações em vídeo, mapeamentos, catálogos e publicações, ações e
articulações entre secretarias e fundações de arte e cultura, universidades, pontos de cultura, artistas, críticos,
professores, grupos independentes, gestores, produtores e uma diversidade de atividades correspondentes ao
extenso campo das artes visuais hoje, em que estão incluídas linguagens diversas, reflexões e formas de
manifestação artística.

A Rede Nacional Funarte Artes Visuais já previa desde o início sua própria renovação a cada nova versão. Foi
assim se desdobrando, construindo seu próprio caminho e incorporando as novas realidades. Agregou formas
de organização próprias de cada lugar, ampliou seu papel educativo, institucional e informal, cobriu lacunas
fechadas pela sedimentação de programas convencionais e atualizou sua articulação e difusão via redes de
comunicação. Ao estabelecer um diálogo direto e interpessoal com os territórios e geografias diversos, criou,
em conjunto com agentes culturais locais, modelos diferenciados e possibilitou a compreensão do fazer
artístico como fator estruturante e representativo da sociedade.

É com grande satisfação que apresento o catálogo da 9ª edição da Rede Nacional Funarte Artes Visuais,
dando continuidade ao programa, com novos projetos selecionados por edital, que será realizado já neste
ano de 2013, complementado por uma nova atividade, com oficinas, palestras e ações diretas em todas as
regiões do país.

Antonio Grassi
Presidente da Fundação Nacional de Artes

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C oncebida em 2004 como sistema de intercâmbio, difusão, fomento e programa transterritorial, a Rede
Nacional Funarte Artes Visuais chega a sua 9ª edição integrando na trajetória todas as atividades artísticas
compreendidas no extenso campo das artes visuais. Articulada para esse fim e pensada para funcionar como
um conjunto de ações artísticas de livre expressão, esteve presente em todas as regiões e estados brasileiros,
reuniu artistas, críticos, curadores, gestores, educadores e público para praticar e debater esse universo em
expansão, incorporador de fronteiras e linguagens que denominamos arte contemporânea. Mesmo porque essa
atividade de múltiplas tendências e linguagens, com suporte nas artes visuais, teve oportunidade histórica de
não mais caracterizar como vanguarda as expressões artísticas mais ousadas e experimentais.

Coube a essa arte contemporânea incorporar e fazer dialogar diversas origens, correntes de pensamento e
formas de expressão que eram identificadas por diversos ismos, manifestos e corporações estéticas. Destinou-se
a ela conectar em um território sem fronteiras as mais diversas atitudes artísticas consideradas experimentais,
as expressões populares e atividades acadêmicas. No entanto, imprimiu a todo esse campo leituras, releituras
e formas de abordagens de uma realidade em processo de mutação, em que a contemporaneidade é uma
síntese histórica de um espaço-tempo no qual as transformações sociopolíticas ocorrem de forma simultânea.
Não sendo possível mais classificar tais linguagens, elas foram se multiplicando e produzindo a cada momento
formas autônomas individuais e coletivas de comunicação para expressar o pensamento por meio de uma
estética plural.

A Rede Nacional Funarte Artes Visuais acompanhou o processo e contribuiu para imprimir-lhe mais movimento.
Chegou ainda a organizar programas de debates ideológicos sobre as questões das artes e a colaborar
diretamente para constituir nacionalmente essas representações, como a Câmara Setorial de Artes Visuais,
que se desdobra, hoje, no Colegiado Nacional de Artes Visuais. No entanto, seu objetivo prioritário foi praticar
as linguagens e reflexões desse amplo campo das artes visuais, presente em todos os espaços de circulação
e compartilhamento como um conglomerado de linguagens artísticas, tendo como suporte o exercício do
pensamento e a liberdade de expressão, sem excluir as formas de expressão convencionais, como a pintura, a
gravura, o desenho e a escultura.

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As artes visuais passaram a reincorporar ainda a fotografia, o vídeo, o cinema de arte, a videoinstalação,
o design, a performance, a instalação, a intervenção artística, os coletivos, as artes gráficas, a crítica, a
curadoria, a poesia visual, o livro-objeto, o objeto e o não objeto, as ferramentas de linguagens tecnológicas,
as fronteiras entre diversos segmentos artísticos (representações cênicas, cenográficas, imagéticas, a arte
popular, sonoridades, sensorialidades e todo o complexo sistema de expressões e percepções que compreendem
a consciência e capacidade de leitura estética da realidade). Atuar nesse território ilimitado passou a ser um
desafio, um prazer e uma sedução, reunindo sentimentos, conteúdos e aventuras diversas que aproximam
representação e manifestação, experiência estética, linguagem e conhecimento do mundo − um “olhar”
aberto para a infinitude da expressão humana. Ao referenciar a manifestação, consideramos o conjunto de
expressões que compreendem o universo da linguagem em seu contexto cultural, sendo a representação
uma forma de evidenciar simbólica e estrategicamente as formas dessa manifestação, que nem sempre estão
contextualizadas na sua integralidade.

As classificações e nomenclaturas parecem agora existir apenas para se ter um referencial, uma sinalização.
O conceito de obra artística se estendeu de fato, e cada artista ou obra que se torna referência determina
seu processo identitário, sua própria classificação. Essa expansão de linguagens compreendidas na arte
contemporânea tornou-se já irreversível. No entanto, o que essa arte ainda nos aponta não é uma novidade,
uma descoberta, mas a revelação de que a expressão artística consiste em tudo isso desde sua origem, desde
que tivemos capacidade perceptiva para articular um pensamento crítico capaz de mudar a realidade através
da linguagem. Assim, essa arte com múltiplas articulações tornou-se polêmica por natureza, educativa por
finalidade.

Ao propagar-se e constituir-se em um programa nacional de grande alcance, a Rede foi reformulada a partir
de 2009 para atender à grande procura de profissionais que ela própria já havia estimulado e à quantidade
cada vez maior de propostas, advindas do campo das artes visuais que se havia redimensionado e ampliado.
Transformada em edital público, não perdeu, no entanto, suas características agregadoras de tendências,
linguagens e procedimentos quanto ao exercício do processo criativo, propiciando o surgimento de mais
proposições e a consolidação de propostas já estabelecidas. Novos artistas se inscreveram, novas áreas de
atuação se diversificaram, novos programas autônomos se proliferaram em todo o país, demonstrando que o

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projeto, como havia sido concebido, manteve-se como um programa aberto e inclusivo, correspondendo ao
que ocorre com as artes visuais contemporâneas. Para atender à demanda crescente junto ao Centro de Artes
Visuais, em 2011 foi implementado junto à equipe técnica um programa de gestão para adequação dos editais
a novas exigências e enquadramento em formatos próprios para cada ação. O edital da Rede, flexibilizado,
tornou-se ainda mais permeável para assimilar e atender as mais recentes e inovadoras proposições, modelado
para se estender a outros territórios ainda não experimentados.

A Rede Nacional Funarte Artes Visuais cumpre o papel de abrir os caminhos a várias possibilidades das artes
visuais e estimular outros programas autônomos que possam apontar outras interpretações e desdobramentos
institucionais e independentes. Na Funarte, deu origem a outros projetos, como o Conexão Artes Visuais
MinC/Funarte/Petrobras, e serve permanentemente para debater e difundir programas, seminários, editais,
projetos e ações  do Centro de Artes Visuais e outras instituições e atividades alternativas. A Rede consiste,
portanto, em um circuito aberto a práticas de processos criativos e à ampliação do campo de atuação das
artes visuais.

Francisco de Assis Chaves Bastos (Xico Chaves)


Diretor do Centro de Artes Visuais/Funarte

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O Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais é, sem dúvida, no âmbito das políticas públicas para as
artes visuais, um dos principais instrumentos de aproximação dos sujeitos atuantes nesse campo tão rico
e tão diverso. Por meio do intercâmbio proposto em suas ações, vem contribuindo de forma única para a
construção da rede que traz no próprio nome. É a consolidação de uma rede ampla entre artistas, produtores,
arte-educadores, gestores e demais profissionais atuantes nesse campo, o que o programa busca quando
põe em diálogo os agentes e a produção dos mais diferentes pontos do país, descobrindo convergências e
negociando conflitos ora latentes ora explícitos da pluralidade de linguagens e práticas que passaram por
suas ações.

Como instrumento de política pública que é, busca fazer-se cada vez mais acessível a uma produção vasta
em suas possibilidades, como talvez só mesmo as artes visuais na contemporaneidade possam proporcionar.
Produção esta que é flexível, mutável, e, por isso, dificilmente enquadrada em modelos institucionais
previamente estabelecidos. Este é o principal desafio de qualquer política pública voltada para a Cultura:
como se fazer acessível à totalidade de possibilidades que brotam todos os dias em solo tão fértil?

O entendimento de que a totalidade, pela característica plural e mutável das práticas culturais, estará
sempre além de seus limites, próprios de sua condição de programa de Estado, é o que faz o Programa
Rede Nacional Funarte Artes Visuais chegar a sua 9ª edição sem esgotamentos. Tal entendimento permite
que a Rede Nacional se mantenha permeável à influência daqueles que a compõem ou que nela pretendem
ingressar. Ao longo desse caminho, agilizamos processos e adaptamos formatos, evitando consolidar margens
rígidas que, se por um lado delimitam e orientam as ações no sentido de um objetivo, por outro podem
também dela excluir uma diversidade ímpar de sujeitos e práticas. Na 9ª edição do programa, pela primeira
vez, o intercâmbio se dá no sentido de mão dupla, podendo não só levar sujeitos autores das propostas
contempladas para outras localidades, conforme acontecia nas edições anteriores, como também, a partir
desta edição, trazer convidados de outras regiões para atuar nas localidades onde o projeto está inserido,
permitindo a inscrição de mais propostas e atendendo a uma diversidade maior de condições e interesses
de produção.

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Muito se caminhou, mas ainda há muito a se avançar no sentido da democratização das políticas públicas
de Cultura, não apenas em termos de acesso ao produto por elas fomentado, mas principalmente no que
se refere à democratização dos incentivos para as produções se materializarem. O Programa Rede Nacional
Funarte Artes Visuais vem fazendo isso de forma muito rica, criando um circuito inter-regional de circulação e
produção de conteúdos, que se fortalece e ganha autonomia, como podemos comprovar pelo grande número
de desdobramentos dos projetos contemplados. Para as edições futuras, precisamos refinar essa capilaridade
e trabalhar novas potencialidades, democratizando as ações não só em termos de regionalidade como também
em termos de territorialidades, contemplando mais ações em territórios ainda pouco inseridos no circuito já
estabelecido, como as periferias das grandes e médias cidades, por vezes muito mais distantes dos centros de
produção cultural do que indica a quilometragem que os separa.

Izabel Costa
Coordenadora do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais
9ª edição

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Nuvem Móvel
André Amaral
Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Campinas (SP)

Formado originalmente por sete integrantes vindos de áreas tão diversas e complementares como artes
visuais e design, e atuando como DJs, produtores, cicloativistas, hackers e entusiastas da mentalidade
do “faça você mesmo”, o coletivo Nuvem está em atividade no Rio de Janeiro desde o fim de 2011 e foi
concebido para ser uma plataforma multidisciplinar, móvel, modular e autônoma.

A proposta do Nuvem é circular em diferentes lugares da cidade a fim de explorar, através da relação de
seus habitantes e os espaços, questões subjacentes a políticas urbanas públicas, mobilidade, restrição,
uso e finalidades do espaço público, a criação/liberação de uma zona autônoma temporária e promoção
de uma deriva psíquica e cartografia afetiva dos locais e cidades por onde o coletivo Nuvem passa,
sempre aglutinando, por meio de seus happenings, o encontro e deslocamento entre pessoas e áreas da
cidade por diversos locais, de forma gratuita e não seletiva.

O Nuvem nasceu de um momento muito peculiar da história política e urbana do Rio de Janeiro, como
resposta e alternativa ao momento em que uma grande reforma urbana (leia-se: gentrificação) está em
curso na cidade. A proximidade dos megaeventos que serão sediados na cidade até o ano 2016 trouxe à
tona um perfil sombrio à vida cotidiana das pessoas, refletido na especulação imobiliária, nas parcerias
público-privadas obscuras e predatórias, no encarecimento geral do custo de vida para todos os cidadãos
e na falta de oportunidades de manifestações e alternativas que promovam a cidadania, o que está
criando, rapidamente, seletividade e polarização cada vez maiores entre as classes dos favorecidos e dos
desfavorecidos − e o lugar que cada um “deve” ocupar dentro da cidade.

Uma vez mais e à revelia de muitos setores da sociedade, o projeto de uma cidade ilusória e esquizofrênica
toma forma aos olhos de todos: excluindo, selecionando, expulsando e criando uma regulação da circulação
e do acesso de seus habitantes.

Na contramão desse processo de exclusão urbana e social, o coletivo Nuvem surgiu naturalmente como
estratégia de ação que reclamasse para si e para todos o uso da rua como pertencente a qualquer cidadão,

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posicionando-se, dessa maneira, contrário às iniciativas particulares e comportamentais que privilegiam a cultura da
exclusão e da formação de nichos.

A lógica do Nuvem (se é que há alguma), por ser aberta e na rua, quer mostrar, através de sua existência, que é possível
e necessário permitir o livre acesso e a circulação das pessoas dentro da noção de outra possibilidade de convívio e
conhecimento, já que essas são coisas cada vez mais limitadas e distantes em uma sociedade acelerada, predatória,
injusta e superindustrializada, que disponibiliza na maioria das vezes a seus indivíduos − além da ideia de controle e
regulação − apenas recursos de acesso ao consumo e isolamento.

Não é difícil de entender onde isso vai dar...

Em nossos passeios e oficinas buscamos a integração e o interesse gerados pelo afeto, curiosidade, maravilhamento e
pela vontade de participação ativa nos locais por onde passamos. Acreditamos que o Nuvem atue como a ideia de um
levante, conforme sugerida por Hakim Bey em seu livro TAZ (Zonas Autônomas Temporárias).

Resolvemos que a melhor maneira de fazer isso seria viável com a construção de um sistema inclusivo, não seletivo, aberto,
participativo, acessível, agradável, surpreendente, autônomo e que crie experiências de pico nos participantes por sua
existência mutável, fluida, livre e lúdica... E nada melhor para integrar as pessoas do que um passeio e uma festa.

Para colocarmos isso em marcha, decidimos pela celebração coletiva da rua, dos encontros, do livre deslocamento
e ocupação dos espaços públicos, para onde convocamos as pessoas das cidades a fim de participarem de nossos
happenings, divulgados basicamente pelas redes sociais e por nosso site.

O Nuvem circula por aí com caixas de som alimentadas à bateria, conectadas por transmissores e montadas em bicicletas,
formando um sistema de som de grande capacidade sonora e com autonomia para doze horas de uso.

A ausência de cabeamento nos permite continuar tocando mesmo em deslocamento, o que foi pensado pelos
integrantes do coletivo, dentro da cultura e construção do “faça você mesmo”. Toda a pesquisa para a otimização e
o desenvolvimento do sistema, construção de caixas de som (nosso próximo passo), detalhes e soluções técnicas foi
basicamente feita por documentação e instruções obtidas na internet. Mais do que ser um grupo ou um coletivo, no
sentido geral dos termos, Nuvem é uma ideia de autonomia gerada por uma política da convivência, da inclusão participativa,
da celebração insubstituível da experiência e, sobretudo, da liberdade que queremos ver reproduzida no mundo.

André Amaral

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Fotos: Michelle Castilho, Tita Nigri e Quito

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Diálogos ArteCiência: Rede Colaborativa de Arte Interativa
Associação Casa da Árvore
Origem: Palmas (TO)
Ação: Macapá (AP), Cachoeira (BA), Rio de Janeiro (RJ), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS)

As relações entre Arte e Ciência compreendem importante aspecto para a cultura contemporânea. Longe
de ser uma novidade, a relevância tida se organiza em face de um momento anterior, de especialização,
que manteve diretivas específicas e que, atualmente, se veem mais transversais e holísticas. A compreen-
são de que o todo é mais que a junção das partes resulta de uma observação sistêmica, em que a ciência e
a arte são resultantes sociais e, por conseguinte, culturais. Vê-se, então, uma série de relações da cultura
visual nas ciências e das ciências nas artes.

A partir dessa compreensão, a Associação Casa da Árvore, o Laboratório de Pesquisa, Desenvolvimento e


Inovação em Mídias Interativas – Media Lab/UFG – e seus parceiros – Unifap, UFRGS, UFRB, UFRJ e RNP –
realizaram um conjunto de atividades colaborativas – workshops nas cinco macrorregiões brasileiras, em
Macapá, Cachoeira–BA, Rio de Janeiro, Goiânia e Porto Alegre – e um simpósio em Goiânia, discutindo as
articulações entre Arte e Ciência, campos de conhecimento com grande convergência, a despeito do uso
de metodologias distintas, como foco de interesse, assumindo a tecnologia enquanto modelo propulsor
dessa convergência. Nesse sentido, buscou-se discutir a produção artística e cultural, primordialmente
de base tecnológica, articulando atores das cinco regiões brasileiras, horizontalizando o alcance e envol-
vimento da área cultural. Mais que discussão, os workshops possibilitaram a produção de trabalhos em
Associação Casa da Árvore

arte a partir de referências nas ciências, com vagas gratuitas e abertas ao público.

As oficinas foram realizadas em estrutura de rodízio, permitindo que cada localidade recebesse a oficina
de um parceiro e ofertasse outra oficina em outra localidade, intensificando as relações em rede, um dos
elementos motivadores do projeto.

Os Diálogos ArteCiência intensificaram as relações iniciais dos participantes, fazendo estreitar as relações en-
Foto: Aldrin Santana (Macapá)

tre os parceiros, bem como possibilitaram ao público a utilização de laboratórios acadêmicos, disponibilizados
para o projeto. Com isso houve o fomento de ações em laboratórios de experimentação audiovisual e arte
tecnológica, um ensaio para o atendimento da meta 43 do Plano Nacional de Cultura, a saber, a existência de
laboratórios de experimentação audiovisual e arte tecnológica em todas as unidades federativas do país.

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Há de se apontar, ainda, que o circuito das artes esteve, em praticamente todos os tempos, circunscrito aos maiores
centros, cujo mercado cultural instaura dinâmicas de produção, circulação e difusão dos produtos artísticos. Com as
redes, há a ampliação das possibilidades de acesso, embora o circuito ainda dê preferência para os grandes centros.
É nesse sentido que o projeto assumiu sua importância, ao desenvolver um trabalho de abrangência nacional, articulando
os vários atores em atividades culturais de formação e de educação estética do público. Observou-se, ainda, o foco em
arte e cultura digital, eleito pelo projeto como acertada medida de aglutinação, haja vista a relevância da tecnologia
para a cultura contemporânea e o interesse público dos inscritos nas várias oficinas.

Os temas abordados percorreram desde a cultura da remixagem, passando por novos organismos, pintura digital, arte
interativa e vídeo na web, em um percurso abrangente das poéticas e das estéticas vinculadas à vertente tecnológica
da arte contemporânea, vertente esta que mais dialoga com a ciência, seja em uma práxis metodológica, seja no uso
operacional dos recursos e das teorias aplicadas.

Se as vozes em diálogos ainda ecoam nas artes e nas ciências, as realizações do projeto almejam continuidade, como
todo fluxo da cultura que se quer permanente, ampliando o público médio atingido de 300 pessoas em todas as etapas
realizadas do projeto.

Oficinas realizadas:

Etapa Macapá – AP Etapa Porto Alegre – RS


Territórios do Remix: VJclip Videografismo em rede e pintura digital
18 e 19 de março de 2013 – Campus da Unifap 10 e 11 de abril de 2013 – Campus da UFRGS

Etapa Rio de Janeiro – RJ Etapa Goiânia – GO


Vídeo e web Arte interativa
2 e 3 de abril de 2013 – Campus da UFRJ 24 e 25 de abril de 2013 – Centro Cultural Gustav Ritter

Etapa São Félix – BA Simpósio da Rede


BEAM: Biologia, Eletrônica, Arte e Mecanismos Goiânia – GO
8 e 9 de abril de 2013 – Campus da UFRB 8 a 10 de maio de 2013
Centro de Cultura e Eventos da UFG – Campus II

Cleomar Rocha

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Foto: Jarbas Jacome

Oficina BEAM: Biologia, Eletrônica, Arte e Mecanismos (Bahia)


Foto: Veramar Martins

Simpósio em Goiânia

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Foto: Jarbas Jacome

Oficina BEAM: Biologia, Eletrônica, Arte e Mecanismos (Bahia)

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Universidade das Quebradas em Rede
Associação Cultural
Estudos Contemporâneos Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Belém (PA), Iporá (GO) e João Pessoa (PB)

O projeto Universidade das Quebradas (UQ), idealizado por Heloisa Buarque de Hollanda e Numa Ciro
na UFRJ, é uma experiência na área da cultura para consolidar ambientes de trocas entre práticas,
reflexões e saberes, articulando a produção cultural e a de conhecimento situadas dentro e fora da
academia. A Universidade das Quebradas, desde 2009, tem o compromisso de potencializar relações
entre cultura e desenvolvimento, como base para a formulação de políticas públicas e novas formas de
conhecer e atuar no âmbito da cultura.

A experiência exitosa da UQ encorajou o estabelecimento de uma rede em direção a outras regiões


do país com o projeto Universidade das Quebradas em Rede, apoiado pela Funarte. Os conceitos
de periferia e comunidades que representam a realidade da metrópole carioca ampliaram-se para a
diversidade cultural e geográfica brasileira, em direção ao interior, o sertão, o entorno. As regiões
envolvidas foram assim representadas:
Norte: professora-doutora Valzeli Sampaio, da UFPA
Nordeste: professores-doutores Guido Lemos e Luciana Chianca, da UFPB
Centro-Oeste: professores-doutores Cleomar Rocha e Alice Fátima Martins, da UFG
Sudeste: professores-doutores Heloisa Buarque de Hollanda e José Otávio Pompeu e Silva, da UFRJ
Sul: professores-doutores Sandra Regina Ramalho e Mayco Nunes, da Udesc

Nos dias 5 e 6 de março de 2013, no Rio de Janeiro, os integrantes da rede realizaram um seminário para
planejamento do projeto e se encontraram com os quebradeiros, vivenciando a troca de saberes entre
academia e periferia, que é a marca da UQ. Percorridas grandes distâncias de volta a seus estados, cada
um assimilou as referências da UQ, gestando novas propostas, incorporadas aos diferentes contextos
brasileiros:

Belém, no Pará, terra do tecnobrega. Ali se pirateiam discos e se reinventa o mercado da música. É um
terreno propício para análise da interação entre tecnologia e cultura. Ali, a Universidade das Quebradas
em Rede promoveu o Colóquio “TecnoMídia, TecnoCorpo, TecnoBrega”, em parceria com a artista e

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professora do Instituto de Ciências da Arte da UFPA. A professora Valzeli Sampaio também navegou no barco da UFPA,
ao encontro da cultura e dos saberes de ilhas e recantos da grande Belém.

No Centro-Oeste, os participantes da Universidade das Quebradas em Rede, em parceria com o MediaLab/UFG, no dia
25 de maio embarcaram em direção ao interior, liderados pelo prof. Cleomar Rocha. Em Iporá, a padroeira da cidade era
celebrada com a Festa de Maio. Ali, os viajantes se reuniram ao Gira, grupo de artistas e promotores culturais de Iporá,
para realizarem as oficinas em que aconteceriam as trocas de aprendizagens: video mapping, leitura de portfólio, pátina
provençal, produção de vídeo com celular, fotografia.

À noite, sobre a superfície branca do corpo de um boi feito com fibra de vidro, no centro da Festa de Maio, foram
projetadas as imagens produzidas na oficina de fotografia, e as do quadricóptero (projeto desenvolvido pelo mestrando
Pablo de Regino). O boi, referência à economia da região, à cultura do lugar, transformou-se no Boi de Maio, vestido
por imagens que se relacionaram com o público da festa, com a cidade, com o imaginário da região. O boi retribuiu,
acolhendo os quebradeiros, num encontro denso, intenso, que impactou a todos.

Em João Pessoa, na Paraíba, o Quebradas em Rede embarcou em busca dos saberes artístico-culturais locais, numa parceria
com o Programa Patrimônio, Memória e Interatividade (Pamin), que propõe uma abordagem social e tecnológica para as
questões relativas a armazenamento, catalogação e disseminação de informações espaço-temporais sobre manifestações
do patrimônio cultural material e imaterial que representam a diversidade cultural da Paraíba e do Brasil.

O Pamin, conectado a grupos e experiências em curso na cidade de João Pessoa (PB), colabora para a inversão desses
processos sociais de “ocultação” da produção das Quebradas. Através do seu vínculo com a Universidade das Quebradas,
o Pamin amplia a visibilidade de grupos, pessoas, processos e movimentos artísticos e culturais em atividade no Brasil e
disponibiliza o site http://pamin.lavid.ufpb.br para que os quebradeiros possam cadastrar o seu olhar sobre arte e cultura.

Nesta viagem, o Quebradas em Rede iniciou a semente de uma conexão entre a academia e a sociedade, o Brasil de
Dentro, que em consonância com a missão da Universidade das Quebradas se define como um campo experimental
de intervenção nos modelos tradicionais da produção de conhecimento tanto nas periferias quanto na academia.

Para saber mais e entrar na rede da Universidade das Quebradas acesse: www.universidadedasquebradas.pacc.ufrj.br

José Otávio Pompeu e Silva


Professor-doutor/UFRJ

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Foto: Alice Fátima Martins

Foto: Universidade das Quebradas Foto: Alice Fátima Martins


Foto: Walquíria Borges

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Poemas aos Homens de Nosso Tempo – Hilda Hilst em Diálogo
Ateliê Aberto
Produções Contemporâneas Origem: Campinas (SP)
Ação: Campinas (SP)

O projeto nasce do desejo de experienciar mundos entrelaçados e encontra em Hilda Hilst um ponto de
conversão para esses mundos, dadas a pungência, inteireza e profundidade de uma obra que anseia por
diálogos. Assim, propusemos um rito para fazer conviverem público, artistas, produtores, críticos e cura-
dores com as auspiciosas palavras dessa escritora que traz o lado esférico do amor, do divino, do desejo,
da dor e da morte. Especialmente em seu conjunto de poesias “Poemas aos Homens do Nosso Tempo”,
Hilda expõe as vísceras de um corpo político, hoje anestesiado. O projeto está desdobrado em três atos
distintos e complementares: a residência, a exposição com trabalhos inéditos e a publicação. Fazem par-
te, conosco, dessa ciranda os artistas Paulo Meira (PE), Nazareno (SP), Divino Sobral (GO), Thiago Martins
de Melo (MA), Adir Sodré (MT) e a designer Daniela Brilhante (PE).

“Poemas aos Homens do Nosso Tempo − Hilda Hilst em Diálogo” é uma evocação à série de poemas ho-
mônima reunida no livro Júbilo, Memória e Noviciado da Paixão (1974). Publicada em plena ditadura, a
obra utiliza vozes masculinas como repertório poético-político no qual a escritora estava imersa naquele
momento. Nesse sentido, os cinco artistas convidados e suas criações passam a ecoar como vozes políti-
cas contemporâneas de Hilda Hilst. O projeto foi idealizado e desenvolvido por um único corpo tripartido:
a crítica de arte e pesquisadora Ana Luisa Lima (PE), o Ateliê Aberto (SP) e o diretor de projetos do
Instituto Hilda Hilst, Jurandy Valença (AL), que propõe uma forma de construção curatorial que anseia
pelo lado profundo do experimental e experiencial da arte. É a construção de um espaço-tempo para ser
vivenciado com inteireza. A curadoria está firmada no entendimento de que uma residência artística não
deve só promover o deslocamento geográfico, mas o deslocamento espacial-subjetivo: aquele desloca-
mento que se dá cá dentro, na possibilidade de poder ir de um mundo a outro, através do mergulho dado
na vida e obra de um artista, um escritor, um cineasta, trazendo a possibilidade de relocar significados
Divino Sobral - Foto: Ateliê Aberto

no convívio de uns com os outros.

Todos os atos que constituem o projeto foram pensados como desencadeadores de situações para promo-
ver o encontro, o diálogo, a pesquisa, a criação e a fruição. Desse modo é que a residência, a exposição e
a publicação se põem como “lugares” de experiência e experimentação. Ainda que de naturezas diversas

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(objetos, instalações, vídeos, videoinstalações, performances, pinturas, áudios, desenhos e pinturas), as obras dos ar-
tistas têm em comum a ideia de narrativa. Narrativas que, apesar de possuírem vozes autônomas, se entrelaçam umas às
outras compondo um grande livro expandido, que convida a uma leitura impertinente, através da qual se deve estar livre
de qualquer regramento gramatical ou visual. A leitura do livro, então, se faz na experiência do corpo. Do mesmo modo
que a experimentação pelo corpo carrega em si a possibilidade de leitura única do livro. Esse corpo que experiencia,
participa também de uma estesia e se reencontra com sua natureza: de ser um corpo político.

Ana Luisa Lima, Ateliê Aberto e Jurandy Valença

Foto: Ana Luisa Lima

Adir Sodré - processo de trabalho

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Foto: Ateliê Aberto

Paulo Meira – Cantos de Cacos (videoinstalação) Thiago Martins de Melo – processo de trabalho Foto: Ateliê Aberto

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Foto: Guilherme Gomes

Nazareno – (Coisas) Para se ter muito cuidado

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Projeto Vetor
Associação Cultural Atelier Subterrânea
Origem: Porto Alegre (RS)
Ação: Pampa, Serra e Litoral do Rio Grande do Sul (RS)

Desde que surgiu, em 2006, o Atelier Subterrânea tem como objetivo ativar uma rede de artistas,
pesquisadores, curadores, colecionadores, produtores e demais públicos interessados em arte através de uma
plataforma de projetos. Hoje, a Subterrânea é um espaço independente de forte atuação em Porto Alegre,
que busca expandir suas atividades, dentre elas exposições, conversas, cursos, lançamentos, palestras e
residências artísticas para as demais regiões do país, a partir de parcerias e articulações em rede.

Durante esse percurso, o Projeto Vetor começou a ser desenvolvido na Subterrânea. O mapa do Rio
Grande do Sul foi segmentado e dividido entre o Pampa, a Serra e o Litoral. A ideia era ambiciosa:
selecionar, em âmbito nacional, três propostas de residências artísticas específicas para cada região,
com o objetivo de ampliar a interação de artistas de outras regiões do país com a cultura do interior do
estado. Nas diferentes cidades, o projeto encontrou articuladores locais que permitiram que as ações se
consolidassem.

Ícaro Lira, do Ceará, foi selecionado para a residência no Litoral, durante o mês de março. Seu projeto
Náufrago esteve centrado na ideia de trafegar por terras desconhecidas em busca de objetos em ruína.
Iniciou a viagem por Tavares, passou por Mostardas, São José do Norte, Pelotas, Rio Grande e chegou ao
extremo sul, no Chuí. O artista registrou o percurso através de fotografias e vídeos, produzindo cadernos
de viagem e coletando objetos por meio dos quais é possível perceber a ação do tempo na oxidação,
fossilização, no craquelado da pintura e nas superfícies desgastadas. Esses objetos nos dão apenas
pistas da trama dessa viagem, que nos reporta a uma região atravessada por intempéries e naufrágios.
A dimensão humana, em um Litoral onde o abismo se confunde com a linha do horizonte, é apenas a do
fragmento. Todo e qualquer gesto vertical na paisagem parece frágil e insustentável, como o farol caído
de Bojuru, que pouco a pouco vem sendo engolido pela água do mar.

Luísa Nóbrega, de São Paulo, frequentou os cultos da Igreja Deus é Amor desde o primeiro dia de
residência em Bagé. Sua proposta inicial consistia em pesquisar a presença da voz e do corpo dentro do
ritual evangélico. Na cidade fronteiriça, onde a presença da pecuária marca toda a história do município,

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a investigação se ampliou para as questões do sacrifício animal e do sangue, também presentes no discurso religioso.
A rememoração discursiva do sangue divino, do cordeiro, da purificação, da devoção, entre outros elementos, levou
a artista a um espaço de reflexão que já era circundado por realizações anteriores e que se tornou inevitável com a
evidência verbal e contextual da residência em Bagé. Assim, uma série de performances e vídeos resultou da experiência
no coração do Pampa. Um dos vídeos produzidos mostra, de maneira sutil e poética, um gesto que perpassa as culturas
gaúcha e judaico-cristã carregado de simbolismo: o abate do carneiro. Em uma fazenda, a artista, vestida com uma
camisa limpidamente branca, entra no abatedouro junto com o grupo de trabalhadores que habitualmente realiza o
trabalho. O silêncio, resultante do corte no pescoço do animal, pesa sobre o registro e contrasta com a força da imagem.
A potência recai justamente sobre o caráter delicado: tudo é filmado através de uma fresta da porta que faz a mediação
entre o interno e o externo. Ao final, a artista sai com a camisa manchada com o sangue metaforicamente sacrifical que
transita pelas questões investigadas.

Sara Lambranho, de Minas Gerais, desenvolveu o projeto Notícias de Casa a partir de um olhar para o micro que
representa o macro. Realizada na Serra Gaúcha, a proposta consistiu no vídeo homônimo que apresenta imagens em
planos fechados do interior de moradias da região. A fragmentação de imagens se unifica em uma narrativa que discorre
sobre o espaço urbano e seus interiores a partir de um viés misterioso conferido às imagens. Sem ter a intenção de
revelar o que está sendo filmado, o registro ultrapassa o limite da residência individual e passa a problematizar como
questões políticas, econômicas e comportamentais interferem na arquitetura e na composição urbana da região. Apesar
de a presença humana não ser retratada no vídeo, o contato com os moradores é uma parte essencial do projeto, uma
vez que ele só se fundamenta com a dinâmica da negociação constante com os moradores para que a câmera penetre no
espaço reservado.

Ao término de Vetor, os projetos foram exibidos em mostra em Porto Alegre, no Atelier Subterrânea, e, durante as
residências, os artistas realizaram palestras e oficinas nas cidades onde trabalharam.

Isabel Waquil e Lilian Maus

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Frame de vídeo: Sara Lambranho
Foto: James Zortea

Performance: Luisa Nóbrega

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Foto: Ícaro Lira

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Lastro – Intercâmbios Livres em Artes: Encontros de Arte e Crítica
Beatriz Lemos
Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Salvador (BA), Recife (PE), Aracaju (SE), São Luís (MA), Natal (RN) e João Pessoa (PB)

Lastro – Intercâmbios Livres em Artes é rede, pesquisa, viagem, (re)conhecimento e proposta curatorial. É
também lugar de informação, comunicação, encontros e trocas. Pretende ser abrigo e rizoma de práticas e
reflexões sobre arte contemporânea no contexto da América Latina e suas reverberações além-territórios.
Lastro tem como objetivo maior a intensificação de redes de trabalho ao redor do mundo através de
viagens de pesquisa e uma série de desdobramentos curatoriais que envolvam agentes atuantes na cena
contemporânea e espaços de arte.

Assim, o projeto Lastro NE – Encontros de Arte e Crítica se coloca como desdobramento das atividades
que a rede Lastro tem desenvolvido, mais diretamente na série de palestras, workshops e visitas a artistas
e espaços culturais em cidades do Nordeste brasileiro.

Renata Lucas, Marcos Chaves, Laura Lima, Yuri Firmeza, Marisa Flórido e Paulo Miyada foram convidados
a refletirem sobre a experiência de ministrar um “curso” como uma obra, ou como pesquisa para o
desdobramento em trabalho de arte/crítica nas cidades de Salvador, Recife, Aracaju, São Luís, Natal e
João Pessoa, respectivamente. Para a elaboração dessas propostas, os artistas e críticos receberam como
premissa de pensamento a ativação de deslocamentos, ressignificações e diálogos sobre a atuação crítica
e artística no Brasil, sobre processos criativos e formatos de trabalhos artísticos; o apontamento para
mapeamentos e formação de arquivos como processos curatoriais; e a promoção de uma difusão maior e
redes de trocas artísticas através da plataforma virtual do Lastro.

Os workshops foram acompanhados de palestras de apresentação da plataforma virtual, oportunidades


de lançamento da página nessas cidades, além de pesquisa com entrevistas e vistas a artistas e
espaços de arte.

Como desdobramento dos workshops e das vivências em viagem, Lastro NE – Encontros de Arte e Crítica
se materializará em uma publicação editada por todos os envolvidos, que abordará as experiências

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individuais e coletivas dos quatro artistas e dois curadores participantes, aproximando-se de um caderno de viagens. Além
disso, a publicação irá trazer ao público o arquivo de pesquisa do Lastro realizada nas cidades da região Nordeste.

Nesse sentido, o projeto contemplado pela 9ª edição do Programa Rede Nacional se estrutura em seis viagens, em que a
problemática em torno do deslocamento universal atual se entremeia a trabalhos de artistas e curadores contemporâneos e
à pesquisa realizada em campo. Desse modo, entender a mobilidade na arte como detonadora de uma ampla compreensão
do sentimento de pertencimento e do que venha a ser a noção cartográfica do mundo impulsiona o artista ou curador
à experimentação do decurso enquanto poética em si. Essa intangibilidade da obra e a individualidade do processo
podem encontrar certa resistência no exterior e interior do sistema da arte, por parte da crítica incrédula da condição
irreversível do transbordamento dos limites da arte. Pode a experiência ser obra?

Imbuídos da sensação de mobilidade, artistas e curadores se tornam agentes de um movimento global por diluição
de fronteiras e novas cartografias de mundo. Antimapas libertários em prol da utopia da deslocalização como
processos de pensamento. São processos de reflexão que se fazem por dúvidas e hesitações, porém com a convicção
de vulnerabilidade, desfrute do acaso e atenção aos terrenos e contextos que se entrelaçam.

Beatriz Lemos

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Fotos: Equipe Lastro NE

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A. E. T. – Ativador de Espacialidades Temporárias
Breno Silva
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Cuiabá (MT),
Brasília (DF), Palmas (TO), Belém (PA), Salvador (BA) e Fortaleza (CE)

O A.E.T. [Ativador de Espacialidades Temporárias] consiste na realização de ocupações urbanas experi-


mentais a partir de usos culturais temporários de espaços privados emprestados. Inicialmente, o A.E.T.
funciona como uma plataforma virtual que possibilita a comunicação para a colaboração e a negociação
entre pessoas que desejam emprestar temporariamente espaços diversos, pessoas que desejam propor
algo nesses espaços e pessoas dispostas a colaborar e financiar para que tais proposições ocorram. As-
sim, através dessa plataforma, espaços como terrenos vagos, casas, construções abandonadas, varandas,
quintais, lajes, muros, terraços, garagens, estacionamentos etc. ganham temporariamente outros usos:
áreas de lazer, festas, cultivos diversos, criações de animais, bibliotecas, locais de trocas, apresentações
artísticas, exposições, entre outros. O site A.E.T. é uma espécie de “classificados dinâmicos” promo-
vendo agenciamentos, e, à medida que os espaços são ativados nas cidades, ele propicia postagens
dos processos e resultados das ocupações. Assim, também funciona como um arquivo das ocupações
experimentais que ocorreram.

Como forma de disseminação do A.E.T., entre fevereiro e junho de 2013 foi realizada uma série de dez
workshops em capitais brasileiras, abrangendo duas capitais em cada região do país: Porto Alegre,
Florianópolis, Rio de Janeiro, São Paulo, Cuiabá, Brasília, Palmas, Belém, Salvador e Fortaleza. Com du-
ração entre quatro e cinco dias e com vagas para cerca de vinte pessoas em cada, nesses workshops os
participantes foram instrumentalizados para o uso da plataforma A.E.T. a fim de desenvolver e realizar
propostas para ocupações temporárias de espaços diversos em suas cidades. Esses workshops funciona-
ram como uma primeira alimentação do site e um mapeamento inicial para promoção de redes colabora-
tivas para ocupações urbanas experimentais em, ao menos, três escalas: uma dada pelas pessoas que se
agruparam no workshop, uma segunda que engloba a multiplicação da proposta pelos participantes nas
cidades em que moram, e a terceira com a possibilidade de intercâmbios entre as cidades brasileiras.

As ocupações urbanas experimentais a partir do A.E.T. promovem uma reinvenção temporária do espa-
ço das cidades a partir da revisão da noção de propriedade. Com os empréstimos de espaços privados
tornados temporariamente públicos, pode-se traçar um pensamento artístico e urbanístico a partir do

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espaço privado temporariamente coletivizado. Ocorrem algumas subversões sobre uma perspectiva urbanística centra-
da na binaridade entre o espaço público e o privado, pensando o público na suspensão temporária do privado como
a possibilidade de reinvenção dos modos de entendimento e usos das cidades. Nesse sentido, as ocupações urbanas
experimentais realizadas nos workshops acenam para a possibilidade de essas cidades se conectarem por variações
heterotópicas. Essas variações condizem com a sobreposição de lugares num mesmo espaço e subversões de usos
pre-definidos, como, por exemplo: quintais de casas que se tornaram espaços expositivos de esculturas orgânicas;
terrenos baldios que foram utilizados para experiências sensoriais coletivas; varandas para apresentações musicais;
quartos em um apartamento que se tornaram ambiências luminosas a percorrer; casas com suas cozinhas abertas para
festas/jantares públicos; estacionamentos onde aconteceram saraus e apresentações de dança; lajes de prédios como
cinemas e locais de encontros, onde tais fragmentos heterotópicos, em seu conjunto, talvez constituam a narrativa de
uma cidade expropriada por usos culturais. Expropriada porque ela se conecta a partir da suspensão temporária da pro-
priedade e consiste na dimensão festiva como forma de arranjo social, que não se sustenta geograficamente, mas num
conjunto de espacialidades heterogêneas e nos processos de subjetivação coletiva na constituição de espacialidades
experimentadas.  Essas ocupações são concretizadas a partir de ambientes criativos colaborativos, ou seja, enfatizando
a capacidade criativa que temos de reinvenção de nós mesmos, do nosso entorno, das nossas cidades. Estabelecem
instâncias de corresponsabilidade nessas alterações, envolvendo as pessoas que emprestam, propõem, colaboram e
participam. E deixam em aberto a possibilidade da construção de espacialidades da experiência onde os habitantes
experimentadores formam comunidades temporárias em fragmentos de cidades reinventadas cujos comuns dessas co-
munidades são enfatizados nas diferenças expressas.

Breno Silva

www.ativador.org
ativadorcontato@gmail.com

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Fotos: Breno Silva e Amanda Castro

São Paulo Rio de Janeiro

Palmas Florianópolis

Cuiabá Salvador

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Brasília

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Muros: Territórios Compartilhados – Residência Salvador
Bruno Vilela de Oliveira
Origem: Conceição do Mato Dentro (MG)
Ação: Salvador (BA)

A proposta de Muros: Territórios Compartilhados é ativar imaginários coletivos através da produção de


trabalhos de arte contemporânea inseridos na cidade. Por meio de uma convocatória pública convidamos
artistas de diferentes regiões do Brasil para pensar trabalhos que utilizem os muros das cidades como
estrutura de suas obras, considerando o contexto onde cada muro se encontra.

A partir desse dispositivo pretendemos ressignificar os muros, imaginá-los como estruturas de trocas
simbólicas, fomentar discussões sobre a cidade, os espaços de compartilhamento, a relação entre o
privado e o público, os territórios e suas fronteiras. O muro está sendo pensado aqui por vários prismas,
como um território, um limite, um espaço de separação e, ao mesmo tempo, como um lugar de encontro.
Essas relações complexas e ambíguas, expressas no próprio nome do projeto, pretendem provocar nossa
imaginação para outras configurações possíveis nas cidades. Somando as três edições, foram realizados
22 trabalhos em três cidades diferentes. A cada edição é realizado um seminário, que é um momento
de reflexão sobre a proposta do projeto e de reverberação das questões levantadas pelos trabalhos
realizados.

O projeto começou na cidade de Belo Horizonte em 2011, com o foco nos artistas locais. Foram feitos
sete trabalhos usando-se muros como estrutura. A segunda edição, em 2012, foi aberta para artistas
de todo o Brasil e aconteceu na cidade de Fortaleza. Os artistas tiveram uma semana para realizar o
trabalho, e foi a partir dessa experiência que entendemos que era necessário alargar o tempo de execução
dos trabalhos e do convívio dos artistas com os contextos nos quais os muros se encontram e com a
própria cidade. Tais experiências levaram o projeto a uma mudança de formato.

Nesta terceira edição, realizada na cidade de Salvador em 2013, optamos por fazer o projeto em formato
de residência. Propusemos a nova estrutura com a intenção de provocar um deslocamento de tempo e
espaço nos artistas participantes. Os deslocamentos conduzem a outros modos de enxergar e de operar
em realidades circunscritas à medida que levam os artistas a lidar com situações que na maior parte
das vezes são inusitadas e estimulantes para eles. Com o período de experimentação e de vivência nos

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locais, ocorrem instâncias de imersão para o artista que o levam a contextualizar seu trabalho diante de uma situação
específica; no caso, a partir de locais que eles elegeram para realizar as intervenções. Assim, não se trata de uma
abordagem generalista sobre o lugar escolhido, mas sim de uma imersão em realidades não absolutas, mas que são
permeadas de trocas com o lugar e com as pessoas que habitam e transitam no entorno de cada muro. O formato de
residência proporcionou também um rico intercâmbio entre os artistas residentes, que vieram de diferentes contextos, e
os artistas da cidade. Eles foram acompanhados presencialmente, durante todo o período, pela equipe curatorial e pela
coordenação do projeto, proporcionando trocas que favoreceram os desdobramentos dos trabalhos.

Como resultado de Muros: Territórios Compartilhados − Residência Salvador, além das sete propostas dos muros, foram
produzidos um seminário para ampliar o debate sobre modos criativos de se pensar e construir as cidades, ocorrido
nos dias 24 e 25 de abril no auditório da Dimas (Biblioteca Pública dos Barris), e também um catálogo que compila
os desdobramentos dos trabalhos e traz textos produzidos a partir do seminário e do acompanhamento da equipe do
projeto.

Coordenação: Bruno Vilela


Curadoria: Breno Silva, Brígida Campbell, Luís Parras
Produção: Patrícia Bessa
Artistas residentes: Anne Solimar Pacheco Félix, Bárbara Tavares Schiavon Machado, Bruno Gonçalves Oliveira Rios,
Dalton Oliveira de Paula, Gustavo Salvadori Ferro, Raphael Martins Escobar, Rodrigo Gratacós Brum

Bruno Vilela

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Fotos: Bruno Vilela

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Topografia Aérea: Uma Fábula sobre Poleiros e Artistas
Carolina Fonseca
Origem: Catalão (GO)
Ação: Macapá (AP), Cachoeira (BA), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO)

O projeto Topografia aérea: uma fábula sobre poleiros e artistas investiga o poleiro em diferentes acepções,
abarcando desde o sentido da domesticidade, da casa, do íntimo, até o sentido do pouso, do descanso,
do sono. Afloramentos do espaço remetidos à pausa, à permanência duradoura, à estação intermediária
para acolhimento frente às grandes travessias. O poleiro de quintal refere-se geralmente à presença de
galináceos (galinhas, codornas, galos, angolas) e incorpora os modos de habitar de natureza sedentária,
existências territorializadas em perímetro restrito. O poleiro-estação conecta territórios distanciados,
é esteio de travessias de aves de voos de longas distâncias, uma espécie de ilha entre áreas de pouca
vegetação, onde qualquer elemento vertical, pontiagudo, apontando para o céu, converte-se em pouso
para as aves migratórias.

Essas existências − quintal e estação − compõem a fábula original deflagradora do processo criativo de
caráter imersivo realizado na Fazenda Fortaleza, ao longo de 19 dias em abril, envolvendo os artistas/
arquitetos/designers/geógrafos: Ana Reis (MG/GO), Thiago Costa (SP/MG), Maicyra Leão (SE/BA/
Alemanha), Cristiano Piton (BA), Tiago Ribeiro (BA), Glayson Arcanjo (MG/GO), Pedro Britto (SP/BA),
Cacá Fonseca (GO/BA) e Renata Marquez (MG). O processo criativo articulou duas abordagens: a princípio
instalou-se no quintal e nos pequenos galpões circundantes à casa-sede da Fazenda Fortaleza, um ateliê
de enfoque construtivo, e deste emergiram objetos, paisagens efêmeras, inscrições desde o tramado
de cordas até grandes estruturas infiltradas nas suas distintas territorialidades, mais pontualmente nos
enclaves e nas sobreposições do campo sujo e do campo limpo, delimitados pela sedimentação histórica
desse lugar. Nesse ínterim, instaurou-se uma residência artística, cujo modo de ocupação desses objetos/
estruturas e de outras territorialidades da fazenda orientou-se pelo sentido do habitar e pelo confronto
com a imanência da adversidade e do inóspito, absolutamente preponderantes em tais territorialidades.

O ateliê e a residência pousaram sobre as instalações da fazenda, que se encontravam num estado de
indistinção entre a inoperância, o sucateamento, o arruinamento, o abandono e o envelhecimento. Em
geral ocupadas por animais de pequeno e grande portes, seus ninhos, casas, poleiros e resíduos de
outros tempos em que tudo se definia de forma implacável pela utilidade hoje inexistente. As ações

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de habitar, pousar, repousar, permanecer agrupadas pelo artifício do poleiro mobilizaram diversas táticas de infiltração
nesses estados, na imanente adversidade de tais instalações, das áreas degradadas pela pecuária extensiva, da mata
resiliente, do insistente curso d’água, da mina de argila ora embargada, das esparsas e solitárias árvores do campo
limpo. A experimentação cultivou o desejo de outros modos de ocupação, vinculados à dimensão sensorial e afetiva,
à possibilidade estética inerente à terra, explorando suas dimensões sonora, plástica, corporal, visual, arquitetônica e
geográfica.

As topografias aéreas e a fabulação enquanto horizontes estéticos acionaram os testemunhos desses estados, o último
vestido abandonado no mofo do armário, as serras e correias atracadas à ferrugem da serraria desativada, o mobiliário
manco, a argila em latência, a motosserra ociosa, a ruína de uma tapera, as rodas de arado relegadas à solidão inerte do
quintal; ativaram campo sujo e campo limpo, bambuzal, rio, mina, pontilhão ferroviário, garagem, galpões; e imantaram
a memória dessa adversidade com outras territorialidades, outras paisagens, de intensidades estéticas aí infiltradas pela
possibilidade do pouso e da permanência.

O projeto realiza na sequência uma itinerância com o formato de seminário-instalação em Aracaju (SE), Belo Horizonte
(MG), Goiânia (GO) e Salvador (BA), cidades onde os criadores habitam e atuam junto às respectivas universidades
federais. A itinerância, convertida em expansão desse primeiro processo de ocupação da fazenda, é instigada pela
ideia de transporte de paisagens e de territorialidades, com a partilha dos registros, fragmentos, objetos, protótipos,
ações performáticas, conversas e o lançamento do livro-frame. Uma nova rota para o pouso desse agrupamento de
criadores faz-se como possibilidade de dilatar o tempo-espaço da residência-ateliê em um processo de formação e crítica
expandida, migrações entre a geografia remota circunscrita à fazenda e suas microrredes de vizinhança e às múltiplas
conexões deflagradas pela dimensão pública assumida pela itinerância.

Carolina Fonseca

Montagem balanço

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Fotos: Filipe Britto

Tríptico vestido

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II Seminário Panorama do Pensamento Emergente
Cristiana Tejo
Origem: Recife (PE)
Ação: Recife (PE)

O Panorama do Pensamento Emergente é um projeto que busca cartografar o campo da curadoria no Brasil
por meio de um recorte geracional a cada cinco anos e que fomenta a troca horizontal entre curadores de
uma mesma geração, ressaltando questões éticas, estéticas, de formação e de inserção na curadoria.

A expectativa é de que em vinte anos o projeto possa ser uma espécie de registro vivo da solidificação do
pensamento curatorial brasileiro. Procura ainda formular uma plataforma para a contextualização entre
pares, além do estabelecimento de redes de colaboração, discussão, intercâmbio, mapeamento de estra-
tégias, trocas de ideias e experiências, formação, visibilidade e estímulo ao cultivo de novos talentos no
campo da curadoria no Brasil. O Pensamento Emergente é uma proposição da curadora Cristiana Tejo.

Sua segunda edição ocorreu nos dias 22 e 23 de maio, no Espaço Fonte – Centro de Investigação em
Arte, no Recife, e contou com a organização da Freelance Comunicação e o patrocínio do Programa Rede
Nacional Funarte Artes Visuais 9ª edição. O segundo encontro buscou reunir dez curadores que emergiram
ou se solidificaram profissionalmente no final dos anos 2000, mais precisamente a partir de 2008, ano em
que ocorreu a primeira edição do encontro. Esse segundo recorte apresentou uma geração que se profis-
sionaliza em curadoria muito cedo, e num contexto de institucionalização e de internacionalização ainda
mais voraz. Apresentaram-se: Ana Maria Maia, Clarissa Diniz, Felipe Scovino, Fernanda Albuquerque, Júlia
Rebouças, Kamilla Nunes, Luiza Proença e Renan Araújo. Por motivo de saúde, duas curadoras convidadas
e confirmadas não puderam participar do encontro: Beatriz Lemos e Thereza Farkas. As apresentações
foram mediadas pelas curadoras e críticas de arte Cristiana Tejo, Luisa Duarte e Marisa Flórido César, par-
ticipantes do I Panorama do Pensamento Emergente, que também serão as responsáveis pela publicação
gerada a partir do encontro. O evento contou com 100 participantes oriundos não apenas do Recife, mas
de cidades como Maceió, Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Florianópolis e Garanhuns.

Em comparação ao primeiro seminário, notam-se mudanças nítidas do contexto no qual se formam e se


inserem os curadores que iniciaram suas trajetórias no final dos anos 2000. Pertencentes a um momento
de expansão institucional e de solidificação de políticas culturais públicas, os novos curadores adentram

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o campo da curadoria com sólida preparação intelectual e iniciam projetos curatoriais ou editoriais independentes,
apoiados por muitos dos programas de fomento público. Por encontrar um sistema minimamente estruturado e um re-
pertório teórico já constituído em torno das práticas curatoriais, essa geração apresenta um olhar mais crítico e refinado
para não apenas sua atuação, mas toda a forma de funcionamento do mundo da arte. Além disso, eles começam muito
cedo na prática da curadoria e passam a ocupar espaços de poder também em idade muito jovem. Como saldo do encon-
tro, temos a impressão de que a profissionalização do meio das artes do Brasil tem atingido certa maturidade, a despeito
das flutuações de investimento público nas instituições brasileiras.

Cristiana Tejo

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Fotos: Antonio Martins Neto

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Estação Videoarte
Divino Sobral
Origem: Goiânia (GO)
Ação: Goiânia (GO)

Atualmente, têm chamado a atenção e despertado interesse na cena artística brasileira as produções
de artistas que operam no sentido de aprofundar suas poéticas e aprimorar suas linguagens, dando ao
vídeo um papel relevante. A produção de videoarte é uma das extremidades da arte contemporânea e
sua importância é capital, tanto por afetar inúmeras áreas da visualidade quanto por enfeixar os mais
diversos discursos proferidos pelos artistas sobre o espaço e o tempo em que vivemos.

Estação Videoarte é um projeto orientado à difusão da produção e à formação de novos artistas e de


público. Operando dentro do âmbito de intercâmbio inter-regional, o projeto traz a Goiânia os artistas
paraenses Alberto Bitar e Armando Queiroz, para realizar exposição de suas obras junto a um programa
de atividades educativas. A exposição apresenta o total de oito obras reveladoras das operações técnicas
e poéticas efetuadas pelos dois artistas, que se estruturam na superfície de contato entre as suas
subjetividades e a realidade do espaço e tempo em que vivem. O programa educativo, constituído por
palestras, leitura de portfólio e workshop, discute e trabalha conceitos e procedimentos técnicos da
videoarte.

A obra de Alberto Bitar surge da expansão da fotografia. Seus vídeos são fotografados, e não filmados,
tencionam aspectos da fotografia documental partindo da captação da realidade na sua integridade.
Depois a obra passa a questionar a imagem enquanto representação objetiva do real. Com ferramentas
digitais programadas industrialmente, ele edita e manipula a imagem, inserindo-a numa narrativa
equilibrada entre documento e ficção, mostrando-a com aparência adensada pela atmosfera particular de
sua linguagem poética.

A produção videográfica de Alberto Bitar parece surgir da insatisfação com a natureza estática e com o
instantâneo da fotografia. Porém, leva o vídeo de volta à fotografia estática, que é a origem mais remota
da imagem em movimento. Promove o dilatamento do tempo da fotografia, criando uma duração no
interior da imagem ou na sua relação com outras imagens, encaminhando para temporalidades próprias

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da memória, seja individual, seja coletiva, que surgem das narrativas tramadas entre presente e passado, construídas por
meio de estratégias como a apropriação, a pesquisa de fotografia autoral e a colaboração de diversos autores.

De Alberto Bitar são exibidas obras que manifestam as preocupações do artista com a memória afetiva contida nas
imagens e com a questão da passagem do tempo enquanto movimento da luz. O vídeo Partida (2005) é construído a
partir de uma única fotografia extraída de um antigo álbum de família; Vazios (2012) é feito pela junção de dois outros
vídeos que refletem sobre o espaço esvaziado, mas preenchido pelas marcas de seus ex-moradores. Memória, saudade e
espaços íntimos é o assunto de Sobre Distâncias e Incômodos e Alguma Tristeza (2009); Quase Todos os Dias – São Paulo
(2008) é um registro poético sobre o espaço e tempo da vida urbana.

A obra videográfica de Armando Queiroz afirma-se como atividade política, discutindo as relações de poder que definiram
o território amazônico, busca a narrativa do explorado e do excluído, registra o pronunciamento dos que não dispõem de
tribuna ou defesa, dá visibilidade ao não visto e recupera a memória das vítimas sacrificadas no processo histórico dos
conflitos políticos, sociais, econômicos, agrários e indígenas, que se arrastam há séculos sem solução.

Armando Queiroz produz vídeos com equipamentos e tecnologias simples. Com equipe técnica exígua, opta por
procedimentos documentais que resultam no mínimo de edição. Seus vídeos são pensados com síntese e se baseiam em
ações cotidianas, destacadas da banalidade por procedimentos que operam a ressignificação por meio de poucos recursos
estéticos e de linguagem crítica politizada. A performance instaurada pelo uso de seu próprio corpo ou do corpo de outro
representa um modo de corporificar os traumas em forma de rito agregado a simples ações cotidianas, executadas com
precisão para o olhar fixo da câmera.

De Armando Queiroz são exibidas obras que evidenciam as relações entre vídeo, performance e política. O vídeo Estátua
Viva (2007) é o registro de um artista popular almoçando em um restaurante do Mercado Ver-o-Peso; Midas (2009)
evoca as narrativas feitas pelos garimpeiros que viram o enriquecimento e o empobrecimento; Pilatos (2010) lembra
os genocídios, massacres, assassinatos praticados tanto no passado quanto na atualidade; Pé na Cova (2008) registra
a imagem de moscas e marimbondos devorando uma manga, caída no local da vala comum onde foram sepultados 252
revoltosos, mortos por sufocamento no porão do navio Brigue Palhaço em 1823.

Divino Sobral
Autor e curador do projeto

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Alberto Bitar – Sobre Distâncias e Incômodos e Alguma Tristeza – 2009 – 06’06”

Armando Queiroz – Estátua Viva – 2007 – 11’13” Alberto Bitar – Partida – 2005 – 05’

Armando Queiroz – Pilatos – 2008 – 03’99”

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Armando Queiroz – Midas – 2009 – 09’59”
ArtePraia – 2ª Edição
Espaço Cultural Casa da Ribeira
Origem: Natal (RN)
Ação: Natal (RN)

A proposição de uma experiência de alargamento dos espaços para a arte na cidade pouco deve assumir o
contexto do acesso à arte para a população, mas de um contato das pessoas com as proposições em arte
em lugares inusuais, o que ganha contornos e sentidos inesperados. Torna-se instigante para o ArtePraia
trazer para lugares privilegiados da cidade de Natal (RN), Brasil – as praias –, dispositivos que busquem
ampliar o diálogo entre arte e sociedade, visando facilitar a relação de cada um com a “paisagem”.

Em espaços não institucionalizados onde não se espera ver arte, despontam algumas situações de tensão
e embate. Algo que mais dificilmente ocorreria numa sala de exposições ou em um museu, por exemplo.
Na praia, semidesnudo de legitimações e de preconceitos – inclusive consigo –, talvez o sujeito possa
experimentar um contato mais autêntico e suspenda, nele mesmo, suas convicções. Como comenta
Dally Schwarz, “remover sentidos dos lugares demasiadamente saturados de sentidos, deixar relaxar,
distensionar e fascinar sem fins lucrativos”.

Intervenções/Situações – O edital ArtePraia segunda edição recebeu 98 propostas de intervenções


artísticas, das quais quatro foram selecionadas, com curadoria de Gustavo Wanderley,  para ocupar as
quatro praias urbanas de Natal entre os dias 10 e 12 de maio de 2013. No total, inscreveram-se artistas
e/ou coletivos de quinze estados brasileiros: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas
Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e São Paulo.

Campo Elétrico − Marcelo Armani (RS) – Intervenção acústica produzida em tempo real a partir da
captação, manipulação e composição de sons e ruídos produzidos na paisagem sonora do local. Os
fragmentos foram reproduzidos em uma série de alto-falantes instalados na areia da praia. O artista foi
contaminado e surpreendido pelos sons ao redor, e cada instante captado foi reproduzido contaminando-
se também a paisagem visual, pois a vibração do som movimentava a areia e a água onde foram instalados
os alto-falantes. Um dos resíduos do artista foi um vídeo em que pai e filhos jogavam capoeira com a
reprodução da música gravada pouco antes, quando o artista registrou o áudio do seu berimbau.

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Entrelinhas e Peixes − Rita Machado (RN) – Peixes feitos de material reciclado e com sensores magnéticos foram
dispostos na areia da praia. A ideia era que os peixes fossem “pescados” pelo público com uma vara adaptada e um fone
de ouvido. Ao pescar, o público ouvia uma lenda ou causo da praia de Ponta Negra. A experiência teve um sentido mais
amplo que a pescaria em si, aproximando as pessoas da cultura e história da cidade, por meio da oralidade e memória
local. Ponta Negra é a menina dos olhos do turismo potiguar, e é caracterizada pelo grande número de ambulantes e
comércio pela orla. Isso influenciou o olhar das pessoas para a intervenção de Rita, imaginando que teriam que pagar
para participar.

Paisagem: Tempo em Suspensão − Felipe Góes (SP) – Felipe propõe a alteração dos sentidos através de cubos translúcidos
de diferentes cores e dimensões, dispostos na areia da praia. O público foi convidado a entrar nesses cubos, criando uma
espécie de “consciência ” que tornou a presença do corpo provocativa por isolamento, cor e temperatura. Provocou
uma dupla vivência, alterando a paisagem para quem vê de dentro e de fora.

Paleta Marinha − Fernando Limberger (SP) − Artista Convidado – Utilizando quatro toneladas de areia orgânica colorida,
nas cores branca, ocre, verde e azul, o artista formou na praia da Redinha, em Natal (RN), quatro grandes círculos de
dez metros de diâmetro cada um. Com a colaboração de moradores e frequentadores da praia, em pouco mais de duas
horas a obra estava pronta para ser apreciada, adentrada, desconstruída e, por fim, levada pelo mar. Diversas foram as
impressões do público e suas interações e intervenções na obra. O imprevisível é característico em obras de arte efêmera
e o mais incrível foi revelado quando o mar fez o papel do artista: a areia da praia ficou sobreposta na areia colorida, e
crianças, ao brincarem onde havia os círculos, foram surpreendidas com a areia colorida brotando na beira-mar.

Personal DJ − Baile da Mudança − Tiago Rivaldo (RJ)/Susana Guardado (Portugal) – O encontro entre duas pessoas e
uma caixa que utiliza a técnica de câmera obscura. Assim foi possível enxergar através, ver a paisagem sem obstáculos,
mesmo estando com a visão “encaixotada”. Cada pessoa via a paisagem atrás de si, projetada de forma invertida no rosto
do outro, e vice-versa. A participação e a convivência foram essenciais para que a proposta acontecesse. O inusitado, o
inusual e o desconhecido despertaram curiosidade e medo por desejar saber o que se encontraria ao colocar o rosto na
caixa de papelão.

Gustavo Wanderley

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Fotos: Maurício Cuca
Foto: Alex Fernandes

Campo Elétrico – Marcelo Armani Personal DJ Baile da Mudança – Tiago Rivaldo e Susana Guardado

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Paleta Marinha – Fernando Limberger

Entrelinhas e Peixes – Rita Machado Paisagem Tempo em Suspensão - Felipe Góes Foto: Maurício Cuca

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Trocas Contemporâneas – Interações Artísticas Regionais
Fase 10 Produções Artísticas
Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Rio Grande (RS), Londrina (PR), Olinda (PE), Aracaju (SE), Salvador (BA), Xapuri (AC),
Brasília (DF), São Paulo (SP), Uberaba (MG), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ)

Trocas se dão e nos constituem. São feitas de gestos, atitudes, olhares, energia. Realizam-se no âmbito
privado, na reclusão dos apartamentos, bem como no âmbito público, quando nos lançamos em direção
ao mundo, forjado por toda sorte de possibilidades e riscos. Elas fluem intensas em nosso caudaloso
corpo, e nos meandros da natureza. São mortais quando trazidas pelos cataclismos, mas igualmente
associadas à celebração da vida. São as trocas que nos tiram da inércia; são elas que permitem ao
indivíduo ser um ser político que interage com os seus pares e com o entorno. Assim, trocas e interações
se fundem a todo instante.

Com base nessas elucubrações é que surge o edital Trocas Contemporâneas – Interações Artísticas
Regionais, projeto da produtora Fase 10 – Ação Contemporânea, um dos vencedores do edital Rede
Nacional Funarte Artes Visuais 9ª edição.

Procuramos, ao propor um edital para um edital, potencializar fluxos, dinamizar ações, ampliar, enfim, o
alcance das artes visuais contemporâneas e as diversas linguagens inerentes a sua estrutura. Apropriamo-
nos dos princípios da Rede Nacional Funarte Artes Visuais, calcada na difusão e circulação de projetos,
como ponto de partida. Deglutimos a essência do mais bem-sucedido programa federal do governo
brasileiro para as artes visuais, e o digerimos, introduzindo novos elementos. Depois, expelimos um edital
nacional. Antes, no entanto, criamos algumas ferramentas em nosso site que permitissem o recebimento
dos projetos via web, sem a necessidade de custos para os participantes, envolvendo cópias, correio etc.
Sabíamos, também, que seria necessária a divulgação maciça e, para esse fim, utilizamos as redes sociais,
e-mail, marketing, e contratamos um produtor que durante trinta dias alinhavou contatos com todas as
secretarias de Cultura espalhadas pelo território nacional, além de centros culturais, museus, bibliotecas,
galerias e universidades de artes. No final das inscrições, em 30 de abril de 2013, recebemos 127 projetos
de todas as regiões do Brasil.

Os critérios de avaliação buscaram circunscrever não só a linha conceitual, por nós estabelecida, com
fulcro na valorização de ações experimentais, como a demonstração, por parte do proponente, em gerir
de maneira profissional o seu projeto, através da apresentação de orçamentos/cronogramas factíveis
e da escolha de locais viáveis (segmento 1), conjuminado com as efetivas articulações com parcerias
locais. Outro critério muito importante foi a apresentação de uma estratégia para a documentação das

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atividades em fotografia, visando à composição de um encarte, que acompanhará um DVD, contendo textos e imagens
de todas as ações realizadas. Esse produto será distribuído gratuitamente.

A escolha dos projetos se deu por uma comissão de avaliação, formada pela crítica/curadora Marisa Flórido e pelos
integrantes da Fase 10, o artista/produtor Nelson Ricardo Martins e a gestora Lisiane Mutti. É bom frisar a importância da
equipe da produtora em todo o processo, formada por Dani Vieira, Luiz Picanço e Breno Araújo. Sem o empenho, paixão
e entusiasmo desse time, nada seria possível.

A seguir, alguns dados estatísticos a partir do material que recebemos.

Total de projetos recebidos:


127 (segmentos 1 e 2)

Regiões:
Região Sudeste: 98 (77,1%); Região Nordeste: 14 (11%); Região Sul: 11 (8,6%); Região Norte: 2 (1,5%); Região Centro-Oeste: 2
(1,5%)

Linguagens artísticas:
Performance: 38 (29,9%); Instalação artística: 23 (18,1%); Oficina artística: 22 (17,3%); Videoarte: 17 (13,3%); Videoinstalação:
14 (11%); Webarte: 8 (6,2%)/ Grafite: 5 (3,9%)

Proponentes:
Mulheres: 64 (50,3%); Homens: 53 (41,7%); Coletivos: 10 (7,8%)

Projetos vencedores (segmento 1)


1- Arte na Ruína (Xapuri, AC): Cleilson Alves da Silva
2- Desterro (São Paulo, SP): Icaro Nunes Garcia Lira
3- Dois Franciscos (Aracaju, SE) / Performance: Maicyra Teles Leão e Silva
4- Mekarõ – Imagens em Diálogos (Brasília, DF): Ana Carolina Caetano Matias
5- ZONAS – Margem de Segurança (Rio Grande, RS): Cássia Correa

Projetos vencedores (segmento 2)


1- 7Olho (Rio de Janeiro, RJ): Biu
2- Em Exposição (São Paulo, SP): Jaime Lauriano
3- Paisagens Emocionais (Rio de Janeiro, RJ): Rodrigo Moreira
4- Panóptico (Uberaba, MG): Aldo Pedrosa
5- Paralelos (Rio de Janeiro, RJ): Proposta A6 Produções Culturais
6- Ponto, Linha e Plano (Rio de Janeiro, RJ): Lia do Rio
7- Revista Twent (Belo Horizonte, MG): Paula Assis
8- Salão Virtual de Arte Contemporânea Stressionista (Londrina, PR): Wilson Inacio
9- Trinus Capillus (Olinda, PE): João Manuel Feliciano
10- Windows Travelling (Salvador, BA): Grima Grimaldi Lisiane Mutti e Nelson Ricardo Martins

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Desterro – Foto: Ícaro Lira

Trinus Capillus – Foto: João Manuel Feliciano Paralelos – Foto: Ana Claudia Castro

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Mekarô – Foto: Carol Matias

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Fotografia Esperimental e Fotoclubismo:
Fernanda de Oliveira Antoun Hiatos, Fricções e Encontros com a Arte Contemporânea

Origem: Rio de Janeiro (RJ)


Ação: Rio Branco (AC), Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ)

Fotografia Experimental e Fotoclubismo: Hiatos, Fricções e Encontros com a Arte Contemporânea


triangulou pesquisas e práticas em torno da fotografia experimental e do exercício do fotoclubismo
a partir de iniciativas realizadas pelo PIUMFotoclube, no Acre, pelo Lab Clube – núcleo de fotografia
experimental do coletivo Filé de Peixe, no Rio de Janeiro, e pelo grupo de estudos Espírito dos Sais, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre.

Através do deslocamento cruzado dos três grupos para regiões distintas dos seus lugares de origem,
foram realizados cursos de capacitação e transferência de saberes entre eles, oficinas gratuitas para
as comunidades locais, palestras e debates entre os representantes de cada uma das entidades e entre
pesquisadores e críticos, além de textos e uma residência imersiva para criação coletiva e compartilhada
entre as três iniciativas.

O projeto refletiu sobre a produção de imagens a partir da convergência de meios técnicos capazes de
configurar uma prática fotográfica híbrida, em que as relações entre fotografia e contemporaneidade
foram pensadas tendo em vista a multiplicidade de experimentações e a permeabilidade entre processos
distintos.

Fotografia Experimental e Fotoclubismo: Hiatos, Fricções e Encontros com a Arte Contemporânea foi
articulado como um vetor capaz de pôr em rede ações desenvolvidas por um fotoclube na região norte,
por um coletivo no sudeste e por um grupo de estudos na região sul, dando início a um circuito aberto
e permanente de produção e difusão artística entre as três regiões/grupos, estimulando e fomentando
futuras mostras, exposições e festivais, fortalecendo espaços alternativos voltados para formação,
pesquisa e produção no campo da arte, valorizando a invenção de dispositivos próprios de autonomia,
mobilidade e inserção, ampliando perante o público de cada local a oferta/acesso a conteúdos artísticos
ricos por sua diversidade cultural.

Lab Clube Filé de Peixe

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Foto: Zé Antunes

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Foto: Fernanda Antoun Foto: Filé

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Foto: Filé
Foto: Alex Topini

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Oficinas de Video Mapping
Frida Produções e Serviços
Culturais e Artísticos Origem: São Paulo (SP)
Ação: Belém (PA), Fortaleza (CE), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS)

Os chamados VJs, videoartistas ou ainda videoperformers são os mais novos protagonistas da arte
contemporânea. Artistas que surgiram dentro desse cenário possuem diversas formações, como design,
cinema, informática, tecnologia, arquitetura, vídeo e televisão, direcionando seus conhecimentos para o
objetivo de integrar artes visuais, eletrônica e cultural digital. Frequentemente, o desafio desse artista
é criar uma ambientação visual que, junto com a música, gere um ambiente imersivo com o intuito de
estimular sensações ampliadas no público.

O Video Mapping (mapeamento de vídeo), por sua vez, é uma das linguagens mais utilizadas por tais
profissionais atualmente. Trata-se de uma técnica de criação que permite projetar conteúdos como
imagens, vídeos e animações sobre relevos e superfícies. Hoje o recurso é utilizado para a apresentação
de elementos artísticos, em intervenções urbanas, eventos, instalações etc.

Como instrumentos do campo das artes visuais, o Video Mapping e as projeções mapeadas carecem de
espaços que promovam o seu desenvolvimento, o compartilhamento de olhares e saberes, a produção
de conhecimento, a qualificação de seus profissionais e a formação de público. Faz-se necessário o
desenvolvimento de atividades que fomentem essa linguagem artística no Brasil.

Embora seja uma linguagem utilizada na Europa há bastante tempo, no Brasil ainda estamos falando de
uma técnica pouco difundida. São poucos os cursos e eventos que promovem formação e capacitação nas
técnicas de vídeo interativo e projeções mapeadas. Os que existem, quase todos, se resumem à região
Sudeste, restringindo a possibilidade de capacitação dos artistas e estudantes das outras regiões do país.

O projeto Oficinas de Video Mapping foi desenvolvido pensando-se nessa necessidade. Foram programadas
quatro oficinas de formação nessa linguagem, uma em cada região do Brasil (com exceção do Sudeste),
viabilizadas através da parceria com instituições locais que promovem atividades relacionadas às artes
visuais.

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Nossos parceiros foram:
Região Norte/Belém, em parceria com a Associação Fotoativa;
Região Nordeste/Fortaleza, em parceria com a Travessa da Imagem;
Região Centro-Oeste/Goiânia, em parceria com a Oscip Ideia Cultural e Ambiental;
Região Sul/Porto Alegre, em parceria com a Galeria Mascate (Barraco Estúdio).

As oficinas foram realizadas entre fevereiro e maio de 2013. Cada uma delas disponibilizou quinze vagas para participantes
locais.

As atividades foram ministradas pelo VJ pixel, da memeLab (SP). Atuando como VJ desde 2002, pixel, além de performances
audiovisuais, desenvolve obras de multimídia que questionam a relação das pessoas com tecnologias digitais através da
utilização de tecnologias livres e/ou pervasivas em que o público assume o papel de autor.

A programação buscou privilegiar debates, experimentação e circulação de ideias sobre a produção e utilização das
técnicas de Video Mapping. Foram apresentados aos participantes os principais conceitos sobre vídeo interativo e
projeções mapeadas, e também ferramentas e softwares livres para a produção e viabilização de seus projetos pessoais.

No encerramento de cada oficina, realizamos uma exposição, que exibia as instalações interativas, produzida pelos
participantes durante as atividades do projeto. A mostra era aberta ao público em geral e tinha como objetivo disseminar os
conteúdos artísticos feitos pelos participantes, promovendo uma experiência sensorial diferenciada aos espectadores.

Um site está encarregado de divulgar os processos técnicos e artísticos desenvolvidos durante o projeto Oficinas de Video
Mapping. É mais um instrumento para promover o intercâmbio de conhecimentos sobre projeções mapeadas ao público
interessado nessa linguagem artística: www.memelab.com.br/videomapping.

Frida Projetos Culturais e memeLab

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Fotos: memeLab

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Brasis – Residências Artísticas em Rede e Cooperação entre Artistas
José Luiz Sampaio
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Aracaju (SE), Macapá (AP), Corumbá (MS), Rio Grande (RS) e Ouro Preto (MG)

Formar uma rede inter-regional de artistas e produtores culturais que perpasse os grandes centros e
chegue até cidades que pouco participam dos circuitos convencionais de arte, potencializando ações
e propostas entre artistas das cinco regiões do Brasil, é um dos principais objetivos de Brasis, projeto
que procura ainda valorizar o patrimônio imaterial dos artistas participantes ao chamá-los para
compartilhar seus conhecimentos e contatos com outros que desejam se deslocar até suas regiões,
para pesquisar e produzir.

O projeto visa estimular experiências artísticas sobre uma percepção territorial e cultural que propõe
deslocar o olhar para regiões geograficamente equidistantes que pouco dialogam entre si. Ao mesmo
tempo, Brasis estimula que os artistas se tornem os protagonistas de ações de intercâmbio inter-regional
mediante a construção de uma rede que conta com uma plataforma virtual, na qual se encontrarão
interlocutores de diversos pontos do país, com consonância de objetivos.

Graças ao incentivo do Programa Rede de Artes Visuais da Funarte, na sua 9ª edição, Brasis – Residências
Artísticas em Rede – promoveu encontros entre os autores e realizadores do projeto, Yili Rojas e Isaumir
Nascimento, e artistas locais de Aracaju (SE), Macapá (AP), Corumbá (MS), Rio Grande (RS) e Ouro Preto
(MG). Ao longo de três dias de encontro em cada uma dessas cidades, foram debatidas iniciativas locais,
urgências e necessidades, possíveis estratégias de organização e a criação da rede. Foram compartilhadas
as expectativas dos artistas em participar de uma residência feita tendo como princípio a cooperação,
assim como possíveis futuras ações colaborativas a serem realizadas em caráter inter-regional.

O projeto ainda realizou um mapeamento do pensamento e da produção artística de cada localidade,


visitando espaços, escolas de arte e ateliês. As informações desse levantamento alimentam a rede que
se encontra em permanente construção e suscitam questões que serão levadas para a segunda edição do
projeto.

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Artistas que participaram dos encontros em cada cidade enviaram posteriormente suas inscrições via e-mail para a
seleção das residências artísticas, que acontecem simultaneamente em junho de 2013. Os artistas de Aracaju apresentaram
propostas a serem realizadas em Ouro Preto, os de Ouro Preto em Macapá, os dessa cidade ressaltaram nas suas propostas
as relações geográficas entre o Macapá e Corumbá − como a marcante presença de rios nas duas cidades. Os artistas
de Corumbá olharam para Rio Grande, enquanto os dessa cidade do sul do Brasil inscreveram ideias de ações a serem
realizadas em Aracaju. Os sergipanos, por sua vez, miraram a cidade mineira de Ouro Preto.

Os artistas inscritos selecionaram quem iria realizar a residência na sua cidade a partir de dossiês disponíveis no período
no site artistasbrasisrede.wordpress.com. Por meio das suas propostas e de cinco imagens de trabalhos recentes, com
uma identificação numérica (omitiram-se no processo nome, contatos e currículo), foram selecionados para a primeira
versão do projeto: Moema Costa, de Aracaju; Jarbas Macedo, de Rio Grande; Vitor Hugo Souza, de Corumbá; Lene Moraes,
do Macapá; e Barbara Mol, de Ouro Preto.

Cada um deles tem como tarefas, além de desenvolver sua proposta, fortalecer vínculos e alimentar futuros deslocamentos
e intercâmbios entre localidades, assim como, ao retornar para sua cidade, compartilhar a experiência estimulando a
continuidade e o fortalecimento da rede inter-regional. Durante a residência os artistas deverão alimentar o blog do
projeto (artistasbrasisrede.wordpress.com), permitindo que os outros participantes da rede e o público tenham contato
com as suas ações e reflexões.

A primeira edição de Brasis – Residências Artísticas em Rede e Cooperação entre Artistas – contou com a produção de
OIYA Projetos Culturais, a coordenação de Yili Rojas, realização e documentação de Isaumir Nascimento, e com a parceria
do Sesc em Aracaju e Macapá, do Artestação em Rio Grande, da Fundação de Arte de Ouro Preto nessa cidade e do Moinho
Cultural em Corumbá.

Com o acréscimo de experiências e de conhecimentos gerados pelo deslocamento que a equipe do projeto fez ao longo
das cinco regiões do Brasil, tendo percebido, graças a ele, a relevância de se alimentar cada vez mais o diálogo inter-
regional – num país de enormes distâncias físicas e culturais a serem transpostas –, e devido, sobretudo, ao vivo contato
com práticas, posições, urgências e expectativas de artistas de pontos geográficos tão diversos do Brasil, construímos
bases para uma teia que deve se expandir, abrangendo, nas próximas edições, outras localidades de um país que optamos
por nomear de forma plural.

Yili Rojas

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Fotos: Isaumir Nascimento

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Olhar Brasileiro – Interações Culturais –
Latitude 7 Produções Culturais Do Sertão de Virgulino ao Berço de Canaima

Origem: Serra Talhada (PE)


Ação: Serra Talhada (PE) e Assentamento Anauá e Vila Martins Pereira (RR)

O projeto Olhar Brasileiro consiste em promover oficinas de formação inicial em fotografia e gestão
cultural para moradores de comunidades tradicionais, visando não apenas ao ensino artístico em si, mas
transformar a fotografia em ferramenta de preservação cultural e de protagonismo social.

As aulas permitem aos participantes dominar ferramentas que lhes possibilitam reconstruir visualidades
de sua cultura, demonstrando novas perspectivas de salvaguardar os bens culturais por intermédio do
fazer artístico. Nas capacitações de gestão cultural, os alunos aprendem como gerir e intermediar suas
produções fotográficas, além de realizar a autogestão dos produtos finais de projetos de cunho cultural,
que, no caso do projeto Olhar Brasileiro, se fundamentam em exposições sobre um tema relevante da
cultura e da vida local.

Além de participarem como autores das fotos, os alunos também estruturam e participam da divulgação,
da produção e de outras vertentes da exposição final, de forma que, com a passagem do projeto pelas
comunidades, os moradores capacitados possam replicar os conhecimentos adquiridos em futuros proje-
tos próprios.

Confiando na fotografia como alicerce ideal para troca de experiências, foi proposta, nesta etapa de
Olhar Brasileiro, a realização de um intercâmbio entre Pernambuco e Roraima, onde oito comunidades
localizadas na zona rural ou em áreas de difícil acesso dos estados supracitados foram contempladas com
as oficinas e exposições.

Foram selecionadas quatro comunidades do distrito rural de Caiçarinha da Penha, Serra Talhada: Fazenda
Barreiros, Santana de Cima, Vila de Caiçarinha da Penha e Conceição de Cima, comunidades muito visita-
das pelo bando do cangaceiro Virgulino Lampião na década de 20.

Em Roraima o projeto passou pelo Assentamento Anauá (Vicinal 06) e pela Vila Martins Pereira, além de
Foto: Álvaro Severo

ter outras duas turmas na comunidade indígena da Maturuca, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com
o povo Macuxi, explorando as belezas das terras em que vigora o poder de Macunaíma.

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Intitulado Olhar Brasileiro – Interações Culturais – Do Sertão de Virgulino ao Berço de Canaima”, o projeto promoveu
um intercâmbio cultural que capacitou quinze moradores em cada comunidade, com uma carga horária de 32 horas/aula,
intercalando teoria e prática, nas quais os alunos se lançaram a fotografar aspectos que envolvem sua cultura.

Em cada oficina, os participantes deliberaram em comum acordo sobre a temática abordada nas fotografias da exposição
e elegeram os temas conforme descrito a seguir:

Penambuco:
Vila de Caiçarinha da Penha: “O Carro de Boi” – O veículo movido à tração bovina ainda é uma realidade no distrito,
inclusive como meio de locomoção para algumas crianças irem à escola.
Fazenda Barreiros: “O Vaqueiro” – Documentação do trabalho diário do típico vaqueiro nordestino.
Santana de Cima: “Trabalho Rural” – A agricultura, a pecuária, o artesanato, o trabalho do lar e tantas outras vertentes
do trabalho rural foram o foco da exposição.
Conceição de Cima: “Uma Comunidade de Idosos e Crianças” – Fruto do efeito das grandes obras federais no sertão per-
nambucano, a população economicamente ativa deixou o vilarejo, de maneira que hoje só idosos e crianças em idade
escolar vivem na região.

Roraima:
Vila Martins Pereira: “Igarapé Martins Pereira” – Fonte de alimentos e de muitas lendas locais, o Igarapé foi também a
fonte artística da exposição.
Assentamento Anauá (Vicinal 06): “Trabalho Rural na Amazônia” – A exposição explorou a relação agrícola com a flo-
resta.
Comunidade da Maturuca (turmas 1 e 2): “A Cultura Macuxi” – As duas turmas da Maturuca optaram por focar a vertente
cultural Macuxi, tão ameaçada por conflitos agrários no passado. As exposições aconteceram nas próprias comunidades,
possibilitando o acesso do homem do campo à produção artística dos moradores.

Como grande final, aconteceu a mostra “Do Sertão de Virgulino ao Berço de Canaima”, que congregou as oitenta melhores
fotos das oito exposições e aconteceu tanto na cidade de Serra Talhada quanto em Boa Vista, contando com a visita de
representantes de todas as turmas. Quatro moradores pernambucanos viajaram a Roraima para o lançamento da mostra,
e quatro assentados e indígenas de Roraima vieram ao sertão pernambucano para presenciar o lançamento da exposição,
estreitando o laço de culturas distantes geograficamente, mas próximas em muitos de seus detalhes e no amor pelas
suas terras.

Luiz Netto

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Fotos: Álvaro Severo

Indígenas Macuxi, alunos das turmas na Maturuca, documentam crianças e mulheres em trajes típicos Macuxi
Foto: Luiz Netto

Entrega dos certificados pelo instrutor Alvaro Severo Aluna da turma de Santana de Cima (PE) dá entrevista para o SBT, que realizou uma matéria sobre o lançamento das exposições em Pernambuco
aos alunos da Fazenda Barreiros (PE)
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Alunos da turma da Vila de Caiçarinha da Penha realizam
a produção e montagem da exposição que documentou o “carro-de-boi”,
veículo tradicional na região puxado por tração bovina

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Entresilhas
Luciana Miranda Penna
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Ilha de Marajó (PA) e Ilha de São Sebastião (SP)

Entresilhas é uma construção poética entre dois espaços e suas ilhas: a Ilha de Marajó, sua cidade
Cachoeira do Arari, e a Ilha de Montão do Trigo, sua cidade São Sebastião. Uma no Norte e outra no
Sudeste do país. No processo do Entresilhas, muitas questões vieram à tona, mas a videoarte e o livro de
artista estão firmes e fortes, como processo, experiência compartilhada e possível. Museu de nós. O entre
que pudemos alçar. Um trabalho com seis cabeças entre duas ilhas na busca de uma terceira foi como dar
uma volta ao mundo, ao Brasil e em torno de nós mesmos em seis meses, tempo de feitura do projeto.
Tempo curto, aliás, para tanta descoberta, para tanta ilha.

Por que a sensação de intensidade e incontinência? Provavelmente porque as ilhas são, numa primeira
visada, incontinentes, e isso não é trocadilho. Em boa medida mais que tema, mais que glosa, a imagem
da ilha nos espelhou o tempo todo. A unidade da ilha firmada numa superfície tão móvel e inconstante
foi nosso retrato mais fiel. O mistério do que seriam as ilhas geograficamente postas e que poderíamos
criar juntos se amplificava. Perguntas de mais, quedas de conexão na rede, ligações DDD caras demais.
O que nos unia? O desejo de descobrir o entre, o que quase não se vê.

E, talvez, essa viagem ao encontro do outro justifique todo o projeto, para além das ilhas, para além dos
produtos finais, para muito além de nós mesmos. Pois, se por um lado, em alguma medida, não diferimos muito
dos descobridores cheios de escorbuto ou dos astronautas e suas cápsulas que não fazem ideia do lado de lá,
por outro, muitos souberam escapar e experimentar suas Entresilhas em trocas intensamente construtivas e
horizontais. Nesse contexto, as oficinas oferecidas às crianças foram exemplares dessa troca.

Ilha de Marajó
A primeira imersão foi na Ilha de Marajó, em Cachoeira do Arari, onde os viajantes foram recebidos
na casa de Maria José Conceição Gama, Dona Zezé, senhora que cuida da preservação do Museu
do Marajó e é da sua atual diretoria, formada predominantemente por pessoas de Cachoeira,
que cuidam do acervo ao seguir e atualizar a política comunitária do seu fundador, Padre Gallo. O
museu em si revela a história da  construção  da identidade do sujeito ilhado: arte, língua, história
natural, técnicas de sobrevivência, culinária, costumes, lendas, agricultura, pecuária, pesca, carpintaria

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naval etc. Em boa medida, quase passamos pelo risco de, no Marajó, cair na falácia de descobridores do passado, mas
não, a resistência marajoara é uma dimensão viva e explícita do museu, com soluções interativas sofisticadíssimas.

Outro encontro importante foi com Analu Santos, professora formada fora de Marajó, mas que retornou ao local. Uma
guerreira devotada a aprender e devolver o que há de melhor à sua comunidade, para fortalecê-la. Líder quilombola de
nascença, levou-nos ao que ela chama de “seu interior”: uma comunidade remanescente quilombola no município
de Gurupá, que está sempre em enfrentamento com as políticas truculentas dos fazendeiros.

Não bastasse o Museu do Marajó, não bastasse o Museu Interior de Analu, ainda nos deparamos com o professor de
português Raimundo Tadeu Gama, que cuida da preservação da memória do escritor Dalcídio Jurandir. Nem é preciso
dizer que a casa do autor, que bem poderia ser um museu, foi perdida. Mas quem sabe um dia? Os marajoaras são um
povo de bravos.

Ilha do Montão do Trigo


Na Ilha do Montão do Trigo, a relação com o entorno foi muito diferente da experiência de Marajó. Trata-se de uma
microilha habitada por caiçaras no século XVIII. Hoje, os moradores denominam-se ilhéus e, em virtude do trabalho
conjunto, a ilha é uma reserva, não está sujeita a projetos imobiliários de terceiros.

Montão do Trigo pareceu a muitos de nós uma espécie de museu cujo interior, ainda que a céu aberto, pedia bastante
cautela para ser visto. Certo é que houve encontros como aquele com o senhor Alfredo Olegário de Oliveira, que nos
contou das festas de São Sebastião e dos bailinhos ao som da rabeca, que nos remeteram à comemoração de São
Sebastião, em Cachoeira.

Houve, também, uma personagem, verdadeira lenda viva da região, que interessou a todos: Maria Caetana, negra ex-
escrava que foi dona de boa parte das terras do Sahy, com terras em sua homenagem, e remeteu alguns dos viajantes
à quilombola Analu. Ou seja, a questão da terra neste país de águas e ilhas mantém-se quase intocada. De um lado,
acirrando o desconhecimento do que o outro pode oferecer e, no limite, do que aproxima e distancia Cachoeira e Montão;
de outro, excitando nossa curiosidade do entre. Nosso desejo de retorno a essas Entresilhas.

Como justapor Marajó e Montão? Deixamos mais uma questão, aberta em videoarte e em livro de artista.
E outra: você que lê, qual é a sua (Entres)Ilha?

Fernanda Grigolin, Irene Almeida, Karina Francis Urban,


Lucas Gouvêa, Luciana Miranda Penna e Ionaldo Rodrigues

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Fotos: Ionaldo Rodrigues

Barra da Sahy

Fragmento Marajó

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Foto: Karina Francis Urban

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Lab Verde: Experimentações Artísticas na Amazônia
Manifesta Arte e Cultura
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Manaus (AM)

Lab Verde: Experimentações Artísticas na Amazônia é um projeto multidisciplinar que integra arte,
paisagem e meio ambiente, promovendo o exercício estético por meio da prática artística na floresta
amazônica. Criado para ser um programa de reflexão em torno da experimentação e transformação da
paisagem, o projeto realizou a convocação de artistas para participarem de um período de imersão em
uma reserva e a intervenção em um parque público na cidade de Manaus.

A primeira edição do programa recebeu 162 propostas, mobilizando diferentes reflexões sobre as
possibilidades da prática artística na floresta. Diante de um vasto acervo, representado pela pluralidade
de linguagens e suportes criativos e que abordavam a Amazônia em sua complexidade, foram selecionadas
cinco propostas criativas:

Proteção feita pelo homem para proteger a natureza do homem, de autoria do jovem artista Felipe Cidade,
é uma instalação site-specific que consiste em uma estrutura em tela tapume para o resguardo de uma
árvore. O trabalho se apropria de materiais utilizados nas construções para ironizar a relação do homem
com a natureza e evidenciar o tênue limite entre a proteção e a dominação.

Experiente no diálogo entre arte e natureza, a artista Fernanda Rappa apresenta ADAPTAÇÃO e a hipótese
da palmeira errante. O trabalho é uma obra de técnica mista que se apropria da essência fotográfica para
a observação da planta Socrateaexorrhiza, também conhecida como paxiúba. Um conjunto de evidências
constituído de informações gráficas, imagens e textos científicos auxilia o observador a intuir sobre a
hipótese de a palmeira andar. Ao se utilizar da metodologia científica, a artista instiga a imaginação do
público e suscita as incertezas do fazer científico.

A obra Midori, da artista e realizadora audiovisual Lívia Santos, propõe o estímulo visual por meio da
radiação da luz solar. Consciente da percepção humana das cores, que é mais sensível à luz na região
amarelo-verde do espectro, a artista cria na floresta uma zona de estímulo sensorial por meio de rebatedores
de luz. A reflexão da luz solar nesse ambiente específico provoca no espectador sensações profundas,
aprimorando sua percepção estética e o capacitando a experimentar novas realidades possíveis.
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Recorrente no uso de narrativas que se relacionam com a natureza, o artista visual Rodrigo Braga propõe o diálogo entre
fauna e flora com a criação de híbridos naturais, evidenciando a semelhança estética entre os seres vivos. Dessa simbiose
poética, na qual não há categorias ou hierarquias, o artista recria o reino animal nos indicando que na natureza nada
pode ser compreendido de forma isolada. Ao longo das trilhas, o artista instala fotos nas placas de sinalização do parque,
gerando estranhamento para o conteúdo das imagens e colocando em evidência o abandono do Parque do Mindu.

A obra Círculo som, da artista multimeios Val Sampaio, discute a noção de lugar por meio do som. A artista mapeia a
área da floresta com o uso de instalações de sinos pin interativos, criando uma nova perspectiva de experimentação do
espaço. Em referência aos pássaros que delimitam o território por meio do canto, a artista explora a dimensão espacial
do som e nos induz a um jogo de busca e imersão na natureza.

A vivência contextualizada na região Amazônica, promovida pelo projeto Lab Verde, contribuiu para fomentar uma série
de questionamentos sobre as formas de ocupação do território e para desenvolver a percepção crítica em relação às
intervenções do homem na paisagem.

Lab Verde, além de criar o diálogo entre arte, natureza e sociedade, contribuiu para institucionalizar uma prática artística
ainda pouco usual no Brasil. Promoveu, portanto, a reflexão e o debate crítico tanto na esfera do fazer artístico, com o
desafio da investigação de um novo meio, quanto na esfera social, com a problematização das questões socioambientais
da Amazônia.

Lilian Fraiji

Foto: Val Sampaio

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Foto: Felipe Cidade Foto: Fernanda Rappa

Foto: Livia Pasqual

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Foto: Rodrigo Braga

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Contra Escambos – Geografias Imaginativas de Experiências nos Trópicos
Metrópole Serviços Artísticos e Culturais
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Belo Horizonte (BH) e Recife (PE)

Antes. Será que los españoles vencieran a los índios con ayuda de los signos? El problema del otro.
Joguemos o jogo do artista como arqueólogo dos tempos. Na América 30 mil anos atrás, todos
os ameríndios compartilhavam de um fundo cultural comum, em que se radica o perspectivismo:
diferentes cosmologias assumiam que o mundo era povoado por muitas espécies de seres (humanos e
não humanos) dotados de consciência e de cultura. E cada uma dessas espécies via a si mesma como
humana, assumindo todas as demais como não humanas. Em seguida. É preciso recordar que o tecido
sociocultural das Américas pré-colombianas era denso e contínuo: os povos indígenas estavam em
interação constante, intensa e de longo alcance. Ideias viajavam, objetos mudavam de mãos entre
pontos muito distantes e as populações se deslocavam em todas as direções. Tempos depois. Com os
sucessos arqueológicos e etnológicos e a voga do primitivismo, da banana e da arte africana, no começo
do século XX, era natural que a metáfora do canibalismo entrasse para a semântica dos vanguardistas
europeus. Mas o canibal não passou de mais uma fantasia dada para assustar as mentes burguesas
europeias. Já a ideologia antropofágica pindorama – a de consumir o consumo num counterstrike
consomê – se desenvolveu em meio e às margens de um “salve-se quem puder” modernoso, que causou
uma tremenda ressaca internacional de arte moderna. Mas mesmo a négresse das vanguardas europeias
continuou relatada como uma história alva. Agora. Cada vez mais projetos de arte tratam de interferir
e/ou processar os grandes fluxos econômicos e culturais que atravessam as esferas da sociedade, numa
nova noção de arte global. Essa noção torna-se um ponto inicial que permite verificar como a arte pode
operar realidades e materialidades locais frente a discursos globais.

Contra Escambos se movimenta entre os interstícios dessas vertentes, configurando-se como uma
maneira gestual, simbólica e performática para lidar com narrativas culturais, vetores políticos e
matrizes econômicas do passado colonial-moderno, que ainda se manifestam no presente. Operamos a
partir da ideia de que modernismo e colonialismo sempre foram duas faces de uma mesma moeda, ambos
situados em enclaves de primitividade que serviram como os melhores laboratórios de modernidade.

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Configurado como uma mostra-encontro itinerante, o projeto articula uma seleção de obras de arte, material de arquivo
e pesquisas visuais para estimular o debate aberto e a realização de desdobramentos práticos, traçando conexões
entre certos impasses locais e os assuntos do projeto. Assim, Contra Escambos ganha forma como um processo em
longo prazo, de intercâmbio inter-regional e pan-americano, encontrando seu paralelo num histórico de escambo.

Mas por que Contra Escambos? Transação de bens e serviços entre duas ou mais partes, escambo é o gesto inaugural
das relações coloniais, a matriz de desenvolvimento e exploração nas Américas. Escambo remete ainda a histórias
de trocas surreais: espelho por pau-de-tinta, papagaio por ferro cortante, sino por farinha de mandioca, tecido por
gente. O termo implicou, assim, o enfrentamento de sistemas-mundo estranhos uns aos outros, mas que logo se
reinventaram em paralelos, coincidências e misturas, estabelecendo uma economia de apropriação e violência que
envolveu a todos: seja pedra, seja planta, seja bicho, seja humano.

Trabalhamos com a ideia de que os objetos são impregnados por um poder que advém de matrizes coloniais, ou seja,
por um complexo de significados socioculturais em constante disputa. Essa colonialidade do poder – que organiza a
diferença colonial e coloca a periferia como natureza e a natureza como periferia – configura-se, então, como uma
das principais estratégias da modernidade. E desde o momento da expansão da cristandade hacia Américas e Ásia,
esse movimento contribuiu para a autodefinição de um pensamento eurocêntrico, constituindo-se parte indissociável
do capitalismo. Desse modo, questionar a história do colonialismo é rever a do capitalismo, que muitas vezes nos é
apresentada como um fenômeno europeu e não planetário, do qual todos são partícipes, mas com posições de poder
e subordinação predefinidas.

Através de narrativas e ações que ficam à margem de movimentos oficiais, lidamos com histórias, rumores, legados
e contra-ataques, com remediações do espaço urbano e cultural. O termo contra torna-se, assim, o ato crítico de
questionar a ordem de certas imposições oriundas desses processos, já automatizados, de escambos.

Beto Shwafaty e Leandro Nerefuh


contra-escambos.info

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Leandro Nerefuh – História da Banana – vídeointalação – 2011/2013 Beto Shwafaty – Remediações – vídeo intalação – 2010/2012

Pôster Contra Escambos – BH

Ruso Logomarsino – More Delicate than the Historian’s are the Map - Makers Colours – 2012/2013

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Fotos: Contra Escambos

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O Museu no Balanço das Águas
Museu Coleção Karandash de
Arte Popular e Contemporânea Origem: Maceió (AL)
Ação: Belo Monte, Ilha do Ferro e Entremontes (AL)

Reflexões sobre um barco-museu: projeto Museu no Balanço das Águas

A ideia de expor trabalhos da área das artes visuais e promover oficinas de arte, fazendo interagir
profissionais com pessoas desejosas de expressão artística em um barco itinerante, pode estar relacionada
com a ideia, bem antiga, da viagem por águas profundas, como a que fez Ulisses, na Odisseia, de Homero,
ou, mais recentemente, como a que se vê no “Conto da ilha desconhecida”, de José Saramago. Embora
esses textos não falem exatamente disso − o aproveitamento de uma experiência artística em um barco
ou navio −, o que há de comum entre a proposta de desenvolver atividades de pintura, gravura, desenho
e fotografia (ensinando, divertindo, levando à participação) e as obras literárias há pouco apontadas é
a possibilidade de, pela viagem, ser possível também propiciar a reflexão sobre a arte no mundo, que
é um fazer efetivo, e não um sopro individual de inspiração, como há muito tempo se pensou. O projeto
Museu no Balanço das Águas, sob a organização e orientação do Museu Coleção Karandash, por meio
de seus representantes, os artistas plásticos Dalton Costa e Maria Amélia Vieira, guarda essa sintonia
com a aventura, o prazer e a busca do conhecimento do novo (tema tanto da Odisseia quanto do conto
contemporâneo de Saramago, ambos dialogando com a construção da essencialidade humana, o fazer-se
enquanto se procura e busca um conceito de arte).

A vantagem de uma experiência como essa, nada convencional, é bom insistir nisso − por fugir da sala
e do ateliê, das portas fechadas e da reclusão, embora voluntária, em um espaço próprio e particular,
quase sacralizado, fato em que ainda se pensa, mesmo nos dias de hoje −, é passar uma concepção,
cada vez mais atual, de interação e desmistificação desse tipo de atividade. É poder encontrar, nos mais
variados tipos de pessoas, de comunidades que por princípio não tiveram acesso ao museu, sentidos e
expectativas que, no fim, podem ser aproveitados artisticamente. É a arte que se pratica indiferentemente
− sem preconceitos ou elitismos de classe − na rua, no palco, na praça, nas margens do rio (no caso, o
Foto: Pablo de Luca

Rio São Francisco, não sendo à toa que tenha sido batizado Rio da Unidade Nacional), enfim, nos mais
inesperados recantos de um Brasil rural, posto à margem dos grandes centros. Por chamar atenção para
o próprio fenômeno, por tirá-lo dos lugares consagrados e por envolver o maior número de pessoas, por

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definição alheias à visão que a arte traz, o projeto consegue realizar o que o crítico Antonio Candido chamou, em um
ensaio seu, de “direito”. Direito à arte, à capacidade de entrar em um mundo fabulado, seja pelo chiste, pela anedota,
pela canção popular, até chegar às formas mais complexas de elaboração ficcional e artística. Chegou a dizer o crítico,
acertadamente, segundo penso, que a arte é um fato de equilíbrio social, indispensável, portanto, ao homem, como
são indispensáveis a habitação e a alimentação. Esse é também, pois, um direito que o homem tem, além do direito ao
acesso a bens incompressíveis, como a casa, o alimento, a roupa, o atendimento médico e a escola. Comida, diversão
e arte, sentenciaram os Titãs, grupo musical que, entre nós, se diferenciou, dos anos 80 para cá, por ser talvez o único
neste país, salvo engano, a refletir metalinguisticamente, no interior de suas composições, sobre a própria condição da
arte na realidade contemporânea.

A iniciativa de trazer a arte para onde geralmente ela não está, ao menos em sua versão erudito-popular − sim, porque
o que o projeto prevê e faz é a união do estudo com a experiência, numa unidade que foi e é aquilo que foi idealizado
pelo proponente −, sem estabelecer divisões e separatismos que só estragam e diminuem, se tivesse sido o caso,
é a importância da proposta. Mas o que se presencia é justamente o seu contrário: atendendo a uma prerrogativa
contemporânea, a arte, tal como o projeto dos artistas Maria Amélia Vieira, Dalton Costa, Rubem Grilo, Adriana Maciel,
Juarez Cavalcanti e Celso Brandão, prevê, se faz com matéria bruta, com pessoas ainda não educadas nesse campo
de atuação e prestes também a receber essa educação, com recontextualização de materiais e, finalmente, com o
apagamento da linha limítrofe entre o popular e o erudito, por meio de evidentes mesclas de estilos e atitudes artísticas.
Dadas essas características fundamentais, comprovadamente testadas e realizadas, convenho que o projeto deva se
prolongar e continuar o trabalho de arte-educação e de contínuo reexame de seus fundamentos e objetivos.

Roberto Sarmento Lima


Crítico literário e professor-doutor de Teoria da Literatura da Universidade Federal de Alagoas

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Fotos: Pablo de Luca
Foto: Juarez Cavalcanti

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Performance, Corpo, Política
Olhar Multimídia e Propaganda
Origem: Brasília (DF)
Ação: Brasília (DF)

A rede Performance, Corpo, Política,  realizada na Casa da Cultura da América Latina (CAL−UnB), de
22 a 27 de abril  de 2013, discutiu a linguagem artística performance enquanto campo híbrido da
arte contemporânea: performance, corpo, coletivo, cidade e política. Aconteceram discussões que
questionavam e problematizavam o conceito de arte da performance como arte em rede; as relações
de poder e performance; performance, cidades e coletivos;   performances, redes e outras políticas,
com o objetivo de estimular o intercâmbio inter-regional e nacional. Além de mesas-redondas, houve
também debates, performances de rua, exposição, publicação on-line e oficinas artísticas (Performance
e Tecnologia; Videoarte e Webarte), gerando material fotográfico, videográfico e bibliográfico, assim
permitindo a contínua pesquisa de linguagem teórica e prática (www.performancecorpopolitica.net).

Todas as atividades foram transmitidas via internet e estão disponibilizadas gratuitamente para o grande
público: https://new.livestream.com/accounts/3738761/events/2052786.

Participaram de Performance, Corpo, Política: Adauto Soares (DF),  Aline Castelar (DF), Alonso Bento
(DF), Anna Prado (Capital Trashion Week, DF), Anderson Romanery (MG), Alex Topini (Grupo Filé de Peixe,
RJ), Alexandra Martins (DF), Artur Cruvinel (DF), Bárbara Viana (DF), Beatriz Provasi (RJ), Bia Medeiros
(curadora do evento, DF), Camila Soato (arte do evento, DF),  Camila Melchior (DF),  Cedric Aveline
(gravações em vídeo, RJ), Coletivo ES3 (RN), Coletivo Palavra (DF), Diego Azambuja (direção artística
do evento, DF), Edgar de Oliva (BA−RJ), Fabrício Araujo (DF), Fernando Aquino (DF), Fernando Ribeiro
(PR), Fernando Villar (DF), Ines Linke (MG), Isabela Vitório (DF), Jackson Marinho (transmissões on-line
Performance: Grupo Empreza – Foto: Luiz Filipe Barcelos

e realizador do site, DF), Jessica Vasconcelos (DF), João V. Borges (DF), Larissa Ferreira (BA−DF), Lilian
Amaral (SP), Grupo Empreza (GO), Luara Learth (DF), Luiz Filipe Barcellos (fotógrafo, DF), Mayara Almeida
(DF), Malu Engel (DF), Malu Fragoso (RJ), Márcio Mota (gravações em vídeo, DF), Márcio Shimabukuro
(SP−MG), Maria Eugênia Matricardi (DF), Maria Thereza Azevedo (Coletivo à Deriva, MT), Mariana Brites
(DF), Mateus Costa (DF),  Maurício Chades (DF), Moara Iazlane (DF), Natasha de Albuquerque (DF),  Grupo
Obs.: Cênicos (DF),  Pâmela Guimarães (fotógrafa, AL), Thalita Perfeito (DF), Victor Carballar (Paraguai),
Victor Valentim (controle sonoro, DF), Zmário (BA).

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Performance, Corpo, Política teve como realizadora a empresa Olharmídia, DF. Curadoria, direção artística e realização
do grupo Corpos Informáticos (www.corpos.org): Adauto Soares,  Bia Medeiros (coordenadora), Camila Soato, Diego
Azambuja, Fabrício Araujo, Fernando Aquino, Jackson Marinho, Luara Learth, Márcio Mota, Maria Eugênia Matricardi,
Mariana Brites, Mateus de Carvalho Costa,  Natasha de Albuquerque.

Corpos Informáticos

Performance: Coletivo A Deriva - Foto: Pamela Guimarães

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Performance Cenoura e Bronze – Foto: Pamela Guimarães Composição urbana – Ines Link – Foto: Pamela Guimarães

Almoço no Concreto – Natasha de Albuquerque – Foto: Pamela Guimarães

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Conceito Contra Concreto – Marai Eugenia Matricardi com participação Diego Azambuja – Fotos: Pamel

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Projeto Fora do Eixo – Vol. 4
Ossos do Ofício –
Confraria das Artes Origem: Brasília (DF)
Ação: Brasília (DF)

Em sua quarta edição, o Projeto Fora do Eixo traz novamente a Brasília destaques garimpados da recente
produção experimental na cena da contemporânea arte brasileira.

Contemplado pela segunda vez no programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais, e com a parceria do
Museu da República e da Universidade de Brasília, dentre outros, o projeto propõe uma articulação entre
perspectivas políticas, inovações, suportes e espaços coletivos para a criação, fruição, intercâmbio e
produção em arte. Tal conjunção apresenta-se como um importante instrumento para aferir as realidades
sociológicas entre arte e sociedade, uma vez que, por meio da sistemática experimental, a linguagem
torna-se cotidiano e, pela dinâmica instrumental do espaço, o cotidiano torna-se arte.

É importante frisar que o Projeto Fora do Eixo, surgido entre 2005 e 2006, em Brasília, nunca teve
nenhuma relação ou proximidade com a “Rede Fora do Eixo”, que é voltada mais para a cadeia musical.
O nosso projeto prima pela autonomia conceitual, curatorial e artística, é apartidário e compromissado
com a cultura e com a arte contemporânea e vertentes híbridas do Distrito Federal e do Brasil.

Os caminhos até aqui traçados comprovam-nos a necessidade da iniciativa como importante plataforma
para a produção e reflexão contemporâneas. Se, por um lado, a situação local exige uma dimensão
monumental para as obras, por outro, a representação multicultural do Brasil, presente nos 2,5 milhões de
habitantes provenientes de diversos estados e países, prepara a cidade para um acolhimento conceitual e
uma intensificação do capital social, considerado aqui bens não monetários, frutos de confiança e fazeres
compartilhados entre as pessoas afins.

Estruturalmente concentrado no período de uma semana, antecedida pela residência artística, o projeto
é um encontro e panorama que promovem intercâmbios e mostras trazendo a Brasília diversos artistas e
Foto: Wosley Casado

realizadores que apresentam exposições, lançamentos de publicações, debates, mostra de vídeos, oficinas
e shows – campos propícios para o conhecimento, a discussão e análise do panorama artístico. Desse

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modo, buscam-se produções inovadoras em ações pontuais, processos artísticos efêmeros, qualidades efetivas de uma
arte destinada ao movimento dinâmico do espaço e do tempo contemporâneo da cidade.

Como fruto desse compromisso, em suas três edições anteriores, já trouxe a Brasília 235 artistas das mais variadas
linguagens, contemplando assim múltiplas dimensões possíveis para a forma e o conteúdo, como intervenções urbanas,
performances, música experimental, visualidade e tecnologia, além das formas tradicionais como desenho, pintura,
vídeo e fotografia. Esses encontros alcançam dimensões e magnitudes variáveis, características de um setor produtivo
gerido por artistas e produtores autônomos, abrangendo do fazer artístico até a reflexão teórica, passando também por
atividades formativas e continuadas.

Partindo do ponto de vista em que a escala da cidade é a monumentalidade, é natural também a ocorrência de trabalhos
e perspectivas dialógicas com esse espaço. Sendo um projeto construído a partir de chamada pública para projetos
artísticos, tem uma dinâmica geralmente privilegiada pelo conselho curatorial em confluência com o fortalecimento da
produção experimental independente brasileira, juntamente com a característica marcante da arte brasiliense destinada
ao urbano e, muitas vezes, ao efêmero. Assim, cria um contexto e uma “zona” dificilmente possíveis a outras cidades
pelo mundo.

Se a composição histórica e heterogênea torna complexa a compreensão sobre o que é Brasília, podemos lembrar que
essa é a mesma característica do Brasil e da América Latina, reflexo da transmigração recursiva da sociedade e composta
por movimentos migratórios, candangos históricos e atuais, nativos, indígenas, brasileiros e estrangeiros, cidadãos do
mundo inteiro, das mais variadas classes sociais e etnias. Aqui a cidade pode configurar-se como ponto estratégico
para movimentos políticos e culturais que queiram alcançar ressonância nacional. Nesse sentido, o destaque alcançado
pelo Projeto Fora do Eixo traz luz a tal contexto, uma vez que se estrutura na dimensão dos espaços cotidianos e na
composição simbólica da arte em sintonia direta com seus habitantes.

Portanto, nestes tempos de virtualização cultural e de cognições cotidianas, a arte permanece como fonte de trabalho
e acesso consciente, em que a demanda por informações qualificadas encontra suas proposições na própria vida, sejam
elas estéticas, conceituais ou de valores. Eis um ponto de fuga para as arestas na arte de hoje.

Krishna Passos e Fernando Aquino – Núcleo Fora D@ Eixo

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Fotos: Wosley Casado

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Correspondências
Paulo Fehlauer
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP)

Correspondência e Deriva
No brevíssimo conto “Do rigor na ciência”, Borges conta a história de um império cujos cartógrafos
haviam chegado a tal nível de perfeição que desenharam um mapa no tamanho exato do império, coinci-
dindo pontualmente com a sua superfície. Acreditamos que o texto serve de metáfora para nossos tempos
hiperconectados: será a internet uma tentativa contemporânea de desenhar esse mapa impossível? Será
loucura imaginar que nosso mapa virtual alcançará um dia a dimensão do mundo real, considerando todas
as suas infinitas camadas, físicas e simbólicas?

De Borges para Debord. Mergulhados no desenvolvimento acelerado das grandes cidades em meados do
século 20, os artistas/intelectuais/ativistas da Internacional Situacionista criticavam o urbanismo alie-
nante da “sociedade do espetáculo” e defendiam o uso revolucionário do espaço urbano a partir da cons-
trução de situações, “a construção concreta de ambiências momentâneas da vida”. Entre as estratégias
utilizadas pelos situacionistas, a mais proeminente era a da “deriva”, uma forma de estudo e apropriação
do espaço urbano realizada através do andar sem rumo, mapeando no percurso os comportamentos afe-
tivos dos “derivantes” – a psicogeografia.

Como sugere o seu título, o projeto Correspondências buscou estimular o intercâmbio de conhecimentos
e experiências e a elaboração de correlações entre os participantes das cinco cidades por onde esteve:
Curitiba, Fortaleza, Goiânia, Rio Branco e São Paulo. A partir das reflexões propostas por Borges e De-
bord, entre outras referências conceituais e estéticas, partimos para a elaboração de um jogo cartográfico
baseado na deriva situacionista. O jogo foi realizado em duas camadas, ou tabuleiros, interdependentes:
uma virtual, baseada em ferramentas de interação on-line (Facebook, Tumblr, Google Maps etc.), que se
estende por toda a duração dos trabalhos, e outra presencial, nas ruas, realizada durante uma série de
oficinas práticas organizadas nas cinco cidades que receberam o projeto.
Foto: Wiviany Costa

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Método
Inicialmente, um grupo de sessenta pessoas (doze em cada cidade) foi selecionado a partir de um total de 290 inscri-
tos. Durante as semanas que antecederam as oficinas práticas, os participantes foram estimulados a produzir e publicar
on-line vídeos de curta duração (aproximadamente um minuto) que apresentassem uma breve paisagem visual de suas
cidades, como uma espécie de fotografia em movimento. Foram publicados 38 vídeos no Tumblr do projeto (http://
correspondencias-mobilidade.tumblr.com/), que também serviu de plataforma para a apresentação e discussão de refe-
rências.

Em seguida, cada cidade teve um mapa de sua mancha urbana impresso em papel vegetal, a partir de escalas idênticas,
e cada vídeo publicado pelos participantes foi então georreferenciado no mapa impresso correspondente. Durante as
oficinas práticas, o primeiro exercício proposto aos participantes era sobrepor o mapa de sua respectiva cidade aos das
demais – a transparência do papel vegetal e o georreferenciamento “feito à mão” fizeram com que os pontos demarcados
em um mapa (as paisagens visuais) pudessem ser transpostos para outro, criando assim um ponto de partida para a
elaboração das correspondências.

O projeto percorreu as cinco macrorregiões do Brasil, chegando a cidades com realidades tão díspares como Rio Branco,
com cerca de 350 mil habitantes, e São Paulo, com mais de 11 milhões. A sobreposição dos mapas, impressos em escalas
idênticas, permitiu explorar contrastes e descobrir semelhanças entre as cinco capitais – o que significa ir de casa para
o trabalho em Fortaleza e em Goiânia, por exemplo? Quanto tempo se leva para ir de um extremo a outro da cidade em
Curitiba e em Rio Branco? Quais são os meios de transporte mais adequados a cada percurso? Questões como essas ba-
lizaram a realização das oficinas, e foram vivenciadas na prática: a partir das sobreposições e de provocações lançadas
pelos coordenadores, os participantes foram estimulados a percorrer (derivar) as ruas de suas cidades com olhos atentos
tanto a questões objetivas (meios de transporte, infraestrutura etc.) quanto a estímulos subjetivos encontrados pelos
caminhos.

Cada percurso vivenciado deu origem a um vídeo curto, com tema e abordagem decididos coletivamente. Durante a pro-
dução, os participantes tomavam contato com a prática do meio audiovisual, explorando técnicas de roteiro, gravação,
entrevista e edição. Ao final do projeto, os vídeos foram adicionados à plataforma web disponível em http://garapa.org/
correspondencias, compondo assim uma narrativa fragmentada que busca dar conta da complexidade física e simbólica
das correspondências elaboradas.

Coletivo Garapa

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Fotos: Garapa

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Inter_Residências_Ações
Pedro Motta
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: São João del-Rei (MG)

Colaboração, Experimentação, Criação e Vivência


Vivência e troca de experiências representam a primeira edição do Inter_Residências_Ações. A partir
dessas palavras a iniciativa promoveu a criatividade e a experimentação na realização de atividades
colaborativas em paisagens naturais. O projeto convidou os fotógrafos Eustáquio Neves, Miguel
Chikaoka e o Coletivo Sem Eira Nem Beira para se envolverem na produção de uma intervenção na
região do Campo das Vertentes.

Vivência
Durante os dias de residência artística em São João del-Rei, os participantes tiveram a possibilidade de
conhecer os objetivos do projeto, fazer leitura de portfólio, experimentar diferentes dispositivos óticos
e desenvolver uma perspectiva subjetiva do olhar sobre as paisagens naturais da região. A partir dessa
convivência, artistas, produtores e jovens participantes despertaram o interesse para as artes visuais,
utilizando-se de recursos das fotografias analógica e digital.

Experimentação
Através de diversas pesquisas em campo na região e da possibilidade de experimentar um novo
dispositivo criado e desenvolvido especificamente para o projeto IRA, os participantes tiveram contato
com uma nova forma de olhar e produzir imagens em diferentes suportes.

Carinhosamente batizada de “Tenda dos Milagres”, essa câmera obscura tornou-se um estopim criativo
quando instalada na paisagem e a partir dela observou-se a paisagem. Com efeito, a intervenção gerou
um diálogo entre natureza e participantes. Nas palavras de Pedro Motta: “A proposta era realizar uma
intervenção na paisagem, mas foi a paisagem que interveio em todos nós.”

Colaboração
Ainda que o processo colaborativo proposto desse conta, em um primeiro momento, de uma troca entre
os fotógrafos convidados e jovens, a estrutura colaborativa enraizou-se de maneira orgânica.

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Desde o início, a Universidade Federal de São João del-Rei se colocou como parceira do projeto. Contudo, durante a
residência, a instituição incorporou o IRA em seu repertório de ações culturais.

Em um movimento envolvente, a Companhia de Inventos, responsável pelo projeto e construção da câmera obscura,
gerou interfaces de trocas entre todos os envolvidos tendo em vista o desafio de se construir um dispositivo
considerado, por alguns, milagroso.

Na etapa de concepção e criação da publicação final do projeto, dois novos colaboradores, Eduardo de Jesus e
Fernanda Monte Mor, agregaram suas experiências ao projeto, causando uma nova tensão e abrindo, portanto, novas
possibilidades de olhar a paisagem.

Criação
A partir do momento em que se nomeou o projeto, a sigla IRA remeteu a noções subjetivas que vinculavam a
criatividade ao sentimento, às ações, e diversas combinações de palavras que conjugavam ideias de ir a algum lugar,
revolta, admiração, revolução, evolução, criação colaboração e, sobretudo, a inquietação criativa.

Pedro Motta e Daniel Perini

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Fotos: IRA

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Tenda dos Milagres

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Cozinha Experimental de Indigestões Artísticas –
Rafael Perpétuo Como era Gostoso Meu Antropófago

Origem: Belo Horizonte (MG)


Ação: São Paulo (SP), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG)

O grupo Indigestão foi formado em 2012 por Clarice Steinmuller, Guto Valentin, Noemi Assumpção,
Rafael Machado e Rafael Perpétuo, dentro da residência Permeabilidades, realizada pelo Ceia (Centro de
Experimentação e Informação em Arte, coordenado por Marcos Hill e Marco Paulo Rolla), em parceria com
Rijksakademie, de Amsterdã. A partir de uma proposta da artista-orientadora Otobong Nkanga (Nigéria/
Bélgica) de criar um trabalho colaborativo em grupo, percebemos alguns conceitos-chave que tocam em
todos os integrantes: cozinha, colaboração, absurdo, vômito, intervenção.

O lugar de um trabalho que envolve múltiplas disciplinas, tais como a cozinha, o vídeo, o entretenimento
Fotos: Luciana Ribeiro

e, como fim, as artes visuais, faz-se líquido,¹ imprecisando quando e onde pode pertencer a certa categoria
humana. Para pensar o trabalho, às vezes como uma obra de arte, por outras como arte aplicada, maleável,
percebemos que este se situa num campo que gosto de denominar de transversalidade. Ele se molda ao
perfurar e penetrar superfícies definidas, onde esse ato se torna um empalamento em que diferentes
órgãos estão atravessados ao mesmo tempo² e se revelam na superfície.

Foi a partir de tais conceitos e uma perspectiva sobre a antropoemia, discutida no seminário de
pesquisadores de arte da Uerj “Práticas antropoêmicas na arte e cultura”, e após assistir ao filme Como
era gostoso o meu francês, de Nelson Pereira dos Santos, que pensamos essa ação. A antropoemia –
o vômito – é uma transgressão de dois métodos, a digestão e a evacuação, não permitindo que os
processos sejam completados, pelo menos como naturalmente acontece. É aí que ele, o vômito, se torna
vampiresco: impedido de seu fim como merda, ele pode ser “redeglutido” ou vomitado na boca do outro:
assim é a cultura, a sua assimilação e transmissão.

Numa forma de reinserir ou recodificar os sistemas de absorção e entendimento das artes visuais,
utilizamos uma van e atravessamos do sul ao nordeste, parando em locais emblemáticos das cidades de
Belo Horizonte (dia 7 de abril, Romano Stochiero 54), São Paulo (10 de abril, em frente ao Ateliê 397),
Curitiba (13 de abril, Boca Maldita), Rio de Janeiro (16 de abril, no Saara) e Recife (19 de abril, Fundaj).
Ao parar nesses locais, a van vomitava barracas onde diversas performances aconteciam simultaneamente

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durante cerca de uma hora, misturando intervenção urbana, projeção, som experimental, objeto, performance e culinária.
Nessas performances, os transeuntes se depararam com situações como comer um cachorro-quente com uma boneca
Barbie, tomar um café coado numa calcinha doada pelos passantes, comer um pastel de pelos “feito na hora” ou ainda
encontrar uma sinistra figura envolvida em algodão-doce. Ao mesmo tempo, experimentações sonoras eram realizadas a
partir do som residual das performances, criando novas situações que nem sempre podíamos chamar de “música”. Isso
tudo era embalado por projeções de imagens que criavam um diálogo inusitado com a comida.

Vendo a gastronomia como o ato INTERVIR em alimentos, temos que “Aceitar como dignas de interesse, de análise e de
registro aquelas práticas ordinárias consideradas insignificantes. Aprender a olhar esses modos de fazer, fugidios e
modestos, que muitas vezes são o único lugar de inventividade possível do sujeito: sem língua que possa articulá-las,
sem reconhecimento para enaltecê-las; biscates sujeitos ao peso dos constrangimentos econômicos, inscritos na rede
das determinações concretas”,³ definindo o trabalho do grupo Indigestão como um laboratório de práticas transversais,
baseado na possibilidade de trabalhar diferentes frentes a enunciar, tais como: esperado e inusitado; conexo e desconexo;
real e imaginário. E, para o projeto Como era Gostoso Meu Antropófago, em especial temos que destacar o cotidiano
como lugar de indigestão contínua. Sendo assim, conceitualmente propomos uma prática da diversidade contaminada e
contaminadora, abrindo-a ao exercício do poder de ser várias coisas ao mesmo tempo, inclusive a de não ser arte.

Como era Gostoso Meu Antropófago fala então desse lugar movediço onde a cultura acontece, tendo o cotidiano como
fonte e o conceito de antropofagia, levando a experimentação como objeto de transdisciplinaridade.

Rafael Perpétuo

¹ BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. 1ª ed., tradução, Plínio Dentzien – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
² FLUSSER, Vilem. A Filosofia da Caixa Preta, São Paulo, Hucitec, 1985.
³ CERTEAU, Michel (org.). A Invenção do Cotidiano. 2. Morar, Cozinhar. Petrópolis, Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1994.

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Fotos: Imagna Visual

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Brasil Visual – Piloto
Rosa Melo
Origem: Rio de Janeiro
Ação: abrangência nacional

Brasil Visual é um programa-piloto de uma série inédita para a TV de 26 documentários de 26 minutos


(cada) sobre as artes visuais brasileiras. Seu objetivo é revelar ao público o amplo território do tema,
seus principais expoentes de diversas gerações, abrangendo diferentes formas de expressões artísticas.
Idealizado pela produtora pernambucana e diretora Rosa Melo e desenvolvido em parceria com a cineasta
carioca Anna Azevedo, sua primeira temporada será realizada pela HyBrazil Filmes e Rosa Melo Produções,
em regime de coprodução com a AC Produções e a EBC/TV Brasil, e será exibida em 2014 em rede nacional
pela TV Brasil.

Um apresentador/narrador dará unidade aos episódios. Trata-se do artista performático e multimídia


Rodrigo Saad, conhecido como Cabelo, que foi convidado justamente por unir o conhecimento do tema
ao domínio e à intimidade com a linguagem do vídeo. Além de artista visual respeitado, ele é músico e
DJ com trabalhos irreverentes na banda Boato, e recentemente vem compondo funks com a alcunha de
MC Fininho.

Com a participação direta de equipes locais, tanto na técnica quanto na colaboração de conteúdos para
os episódios, pretende-se mapear e filmar a produção de arte contemporânea em todas as regiões do país,
contemplando no mínimo dois estados de cada região.

Possibilitaremos aos espectadores acesso às informações sobre a produção simbólica e diversidade cultu-
ral, sobre as atividades econômicas e redes de trocas das artes visuais brasileiras e sua cadeia produtiva,
usando uma linguagem ágil e contemporânea, num formato que mescla a comunicabilidade do jornalismo
com o experimentalismo do documental, sem abrir mão de ser didático, quando necessário. Embalados,
obviamente, por recursos gráficos e textos atraentes. Também teremos temas especiais, sempre com a
preocupação de acompanhamento e documentação, como: Arte e Correio/Geração 80; Arte e Política;
Arte e Ciência, entre outros.

O vídeo “Promo” da série poderá ser assistido pelo link http://youtu.be/Zepgo-y7LqM.

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E o programa-piloto, com maiores informações sobre a série, será disponibilizado num website específico sobre o Brasil
Visual. Ação realizada através do prêmio do Programa Rede Nacional Funarte Artes Visuais 9ª edição, do Ministério da
Cultura.

Para dimensionar a amplitude temática dos programas, lembramos que as artes plásticas, como foram conhecidas até
pouco tempo atrás, ganharam nova dimensão e passaram a ser conhecidas como artes visuais, abraçando todas as for-
mas de expressão artística que, tendo como centro a visualidade, são geradas por quaisquer ferramentas e/ou técnicas,
objetos e ações. Vistas sob essa ótica, as artes visuais estão presentes em todas as dimensões de nossa existência: nos
objetos, nas paredes, nas ruas, espaços arquitetônicos, estabelecendo permanente conexão entre nós e os meios urbano,
político e social. Não são mais apenas um objeto palpável, concreto, envolvem um universo ilimitado, incluindo desde
a pintura em tela até as relações estéticas virtuais. Se você tem o desejo de se expressar artisticamente, basta olhar
ao redor para perceber que as possibilidades de mecanismos e meios de concretizar esse desejo estão cada vez mais ao
alcance das mãos e ganhando espaço nas novas formas de interagir com o mundo. O artista contemporâneo tornou-se
livre para utilizar suportes distintos e, dessa mistura, revelar o seu próprio e singular trabalho. Já pelo lado do público,
basta ele prestar atenção ou ser instigado a perceber que a arte não está somente nas galerias e museus; está também
nas ruas, na tela do computador ou do celular. Até mesmo no próprio corpo.

Mas temos um paradoxo: se por um lado a produção artística brasileira, que é bastante fértil, se multiplica extraordi-
nariamente, por outro o intercâmbio entre os artistas visuais e o público das diversas regiões do país ainda é precário.
O velho dilema do país de dimensões continentais. Nem sempre o trabalho de um artista de Roraima, por exemplo, chega
a Pernambuco, Rio de Janeiro etc. E vice-versa. Há muito a ser mostrado, trocado, debatido. Como a TV é um dos meios
mais eficazes de comunicação no Brasil, é imprescindível que ela cumpra na área da cultura e educação seu papel de
instrumento que liga e apresenta o país, em toda a sua complexidade e dinamismo. Que possa impulsionar a formação
de novas plateias, ensinar, entreter e salvaguardar a memória nacional.

O Brasil Visual terá essa função no terreno das artes visuais. Queremos mostrar que artes visuais não é assunto chato,
que arte contemporânea pode, sim, ter um público amplo e diversificado. Levaremos ao ar programas descontraídos e
divididos entre perfis/conversa, visitas a ateliês ou onde quer que haja arte sendo produzida.

Como vemos, o território do tema é amplo, a produção do país é vasta, e há muito que se mostrar e discutir!

Rosa Melo, Anna Azevedo e Lia Letícia

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Imagens: Anna Azevedo – Frames da entrevista com o artista Daniel Santiago

Imagens: Lia Letícia Imagens: Anna Azevedo – Frames de entrevista com o artista Paulo Bruscky

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Imagens: Lia Letícia

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Carajás Visuais – Entre Rios e Redes
Tallentus Amazônia
Origem: Marabá (PA)
Ação: São Paulo (SP) e Marabá (PA)

Carajás Visuais partiu da realização de intercâmbio e interlocução entre profissionais das artes visuais:
artistas, curadores, críticos e fomentadores culturais das regiões norte e sudeste do país. A iniciativa
propôs uma cooperação inter-regional tendo Marabá como a cidade polo de integração regional; e as
cidades do Rio de Janeiro e São Paulo como eixos de redes. Três ações foram desenvolvidas: o I Encontro
Cultural Carajás “Entre Rios e Redes”, realizado em Marabá; a residência de um artista paulista em
Marabá, que fez um projeto em colaboração com pintores, barqueiros e artistas, resultando na pintura
de trinta barcos de madeira; e a mostra “Onde o Rio Acaba”, com artistas e ativistas culturais de Marabá
apresentando suas pesquisas no Ateliê 397, em São Paulo.

Encontro/Intercâmbio: artistas e agentes culturais residentes no sudeste do país participaram do I Encontro


Cultural Carajás “Entre Rios e Redes” que aconteceu na cidade de Marabá (PA), fortalecendo as relações
entre as redes local e nacional a partir de conexões entre o norte e o sudeste do país. O encontro contou
com a presença do núcleo de artes visuais da Funarte, do Minc–Regional Norte, do colegiado de artes
visuais da CNPC, do Instituto de Artes do Pará, entre outros. A ação estimulou a participação de artistas e
gestores culturais de municípios do entorno de Marabá, que integram a Rede Carajás de Cooperação Cultural.
O encontro fundamentado na valorização do rio e da comunidade ribeirinha, na produção artística e em
sua relação com o contexto amazônico e no fortalecimento das redes, promoveu uma extensa programação:
visita a espaços de artes visuais, onde foram apreciadas 262 obras de 52 artistas, oficinas, palestras e rodas
de conversas, abertura de exposições, intercâmbios e projeção de curtas produzidos na região.

Residência Artística: em formato de residência, o artista Mauricio Adinolfi, iniciou um processo de


formação, criação e produção coletiva junto à comunidade ribeirinha, de barqueiros e pescadores
atuantes nas margens do rio Tocantins, vinculados à Associação dos Barqueiros Marítimos de Marabá,
desenvolvendo a intervenção BarcoR – Estética Tocantina. O projeto possibilitou uma ação conjunta
com a comunidade, o desenvolvimento de uma pesquisa plástica e transformação social. Desenvolveu-se
a relação socioestética, construtiva e prática, pensando a arte não apenas como objeto, mas como um
Foto: Regina Suriane
poder de transformação do ser, um pensamento estético sobre a vida. Acompanhado dos artistas Antônio

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Botelho e Marcone Moreira, e dos gestores culturais Deize Botelho e Jonas Carneiro, Adinolfi realizou intervenção
artística que resultou na pintura de dez barcos de madeira, identificados como “Penta” ou “Paco”, muito utilizados na
travessia da cidade às praias de rios no período de veraneio. O número de barcos logo foi ampliado para trinta, com a
consolidação de parceria da Secretaria de Cultura de Marabá.

A pintura nos barcos, aliada ao processo de formação, aprimoramento e intercâmbio, culminou na realização de uma
performance fluvial, na orla do rio Tocantins, com os próprios barcos pintados, tendo o rio como espaço e corpo da ação,
integrando a celebração dos 100 anos de Marabá.

Curadoria/Exposição: a exposição “Onde o Rio Acaba” finalizou o projeto no Ateliê 397 (SP), tendo como objetivo
apresentar ao público paulista aspectos da produção artística e da realidade cultural da região de Carajás. A pesquisa
resultante na exposição foi iniciada nas visitas aos espaços de artes visuais de Marabá, em que artistas e curadores
tiveram a oportunidade de conhecer a produção local e os acervos da Casa de Cultura de Marabá, Universidade Federal
do Pará, Galpão de Artes de Marabá, Associação dos Artistas Visuais do Sul e Sudeste do Pará, Galeria Vitória Barros
e Câmara Municipal de Marabá. No decorrer do trabalho, as curadoras Camila Fialho e Thais Rivitti observaram a
persistência de um assunto que tem mobilizado a atenção de artistas e da população da região: a transformação do rio
Tocantins em uma hidrovia que servirá para escoar a produção da mineradora Vale. A possível construção da hidrovia
conjuga impactos: o rio torna-se impróprio para o uso da população, afasta-se do cotidiano da cidade, transformando
drasticamente a vida local. A história baseada em ciclos de exploração natural e humana gera, na região, um cenário
de violência, organização e consequente repressão de movimentos sociais. Assim, a exposição desdobrou-se em três
eixos de reflexão a fim de discutir a produção cultural local: o rio (vida e abandono), o território (propriedade e
disputa) e a exploração (econômica e ambiental), levando ao público desenhos da paisagem local, fotos e vídeos,
depoimentos, arquivos de violência no campo e trabalhos produzidos por artistas que trazem para a sua poética a
cena sociocultural local.

Foto: Jordão Nunes

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Foto: Alvaro Maciel

Foto: Ulisses Pompeu Foto: Alvaro Maciel

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Foto: Regina Suriane - Performance fluvial dos barcos - homenagem lenda da buiuna cobra grande

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Projeto CEP – Corpo, Espaço e Percurso
Túlio Pinto
Origem: Porto Alegre (RS)
Ação: Natal (RN) e Porto Alegre (RS)

O projeto CEP – Corpo, Espaço e Percurso é uma proposta de residência móvel, centrada na reflexão
gerada pela situação de convivência com o ser/estar estrangeiro, onde o projetado e o inesperado
se confundem, sendo elementos fundamentais para a construção da experiência. Pensado como um
intercâmbio de experiências entre os territórios dos estados do Rio Grande do Norte e do Rio Grande do
Sul, o projeto explora o olhar estrangeiro do artista e do outro, o deslocamento e a inserção do corpo na
paisagem, seus registros e modificações.

Etapa Natal – RN. CEP – Corpo, Espaço e Percurso


A partir da utilização da proporção áurea em retângulos – desenhada sobre o mapa do estado do Rio
Grande do Norte e tendo como ponto de partida para sua construção a reta traçada entre as cidades de
Mossoró e Caicó –, desenhei uma curva entre as cidades de Ten. Laurentino Cruz e Natal. Essa curva indica,
cartograficamente, o percurso de aproximadamente 500 quilômetros que percorri intercalando corrida
e caminhada, durante um período de vinte dias. A curva/desenho que estabeleci num campo ideal/
cartográfico foi referência para o traçado realizado. A cada parada de deslocamento, apontava minha
visão em direção a Natal, utilizando para essa orientação equipamentos de geolocalização, e realizava,
então, um desenho de dois minutos da paisagem que se apresentava diante de mim. Um desenho oriundo
de uma urgência inventada. A aparência de um evento transformado em locus. Uma anotação gerada por
um corpo/paisagem desequilibrado e descompensado pela própria paisagem percorrida.
Todo desenho recebia anotações de data e geolocalização, sendo postado no correio mais próximo ao seu
lugar de origem e endereçado à Galeria de Arte do IFRN, em Natal. Os registros de CEP das cartas enviadas
atuaram como índices de presença, atualizando na instituição o status do percurso em andamento
através da exposição desse material ao público.
Tulio Pinto - RN/2013 - Fotos: Anderson Astor

O embate do corpo com a topografia durante o percurso também gerou representações gráficas de minha
paisagem interna a partir do registro de batimentos cardíacos. Sobrepostos às fotos das paisagens que
os originaram, promovem um encontro das paisagens em questão. Uma extensão da outra – feitas da
matéria e das experiências que nos unem, ao passo que nos distanciam.

Túlio Pinto
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Etapa Porto Alegre – RS. Fragmento ao Ar Livre
A performance Fragmento ao Ar Livre, de André Bezerra (Natal – RN), tomou lugar em Porto Alegre (RS), como integrante
do projeto CEP – Corpo, Espaço e Percurso. Essa performance consistiu na vivência de oito dias sem poder entrar
em qualquer lugar fechado, vivendo em todos os seus aspectos o espaço da rua. Dentro dessa grande performance
foram realizadas mais de quinze outras ações performáticas a cada dia. Este texto é uma elaboração sobre algumas
possibilidades que se apresentaram a partir de Fragmento ao Ar Livre.

T – 0 = Performance. Performance como presença viva na cidade. Estar em conflito com o presente e sua pele mutável.
Diferente do passado que ficcionalizamos no espaço da memória, ou do futuro que desejamos, no lugar de uma virtualidade,
somos sempre estrangeiros no porvir do presente iminente. Estar na cidade como estrangeiro que toca e faz vibrar fios
cujos trajetos acaba de descobrir, estar em performance, espaço vivo de devir no jogo entre subjetividade e cidade.

Deparar-se com outros objetos, com poéticas singulares coletadas dos vãos da rua pelo olho de um colecionador
incomum, que se volta a esses fragmentos em trânsito e na sua cardealidade encontra o microcosmo de vidas menores.
Menores, pois habitam e são modos de vida que se acionam por diferentes e menos usuais políticas (de sobrevivência,
de convivência, de exposição etc.).

Ver de outra forma cada objeto na rua, desviar o olhar, “desver” o que está para “transver” outras possibilidades de ser,
parafraseando o poeta Manoel de Barros.

Performance como fracasso, no sentido beckettiano, como ação aqui e agora que não petrifica sentidos, mas fracassa o
mapa cartografado com a errância, fracassa a vida como é, em direção ao devir de outros modos de existência, fracassa
para procurar no inseguro riscos necessários no surgimento de potências de vida e arte diferentes.

As ações em performance em seus microcosmos fragmentários abrem pontos para questões não supostas, questões do
corpo em performance no espaço da rua.

Arruar, desruar, enruar, jeruar, conruar, ruir-ruar, viruar.


A longa jornada de uma performance dias a fio; a performance, esse esgoto-aquário, esse buraco-vaso, esse meio-fio-
pedestal, essa violência de estar presente, essa carícia de ser/estar de outras maneiras.

Diante de um texto que é resto da ação acontecida, compor performances de “restância”, qualidade desse fragmento
espalhado em tantos ares. Restar como ação de não fechamento, de diferença irremediável. Restar de tudo, restar do
performer, restar da performance, restar da rua.

André Bezerra

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Túlio Pinto – Fotos: Anderson Astor

André Bezerra – Fotos: Anderson Astor

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Túlio Pinto – Fotos: Anderson Astor
Re:Uso – Projeto de Intervenções Urbanas e Requalificação de Áreas Materiais
VFBH Produções
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: Salvador (BA), Belém (PA) e Belo Horizonte (MG)

Através do projeto Re:Uso, o JA.CA deseja estimular a pesquisa em torno do aproveitamento de material
descartado para a criação de intervenções em vizinhanças que, assim como o Jardim Canadá, são frutos
das recentes expansões metropolitanas. Interessa ao projeto pesquisar as bordas desses densos polos
urbanos, entender suas dinâmicas e como elas se transformam neste momento de intensa especulação
imobiliária.

Módulo 1 − os seis artistas, no Jardim Canadá (MG): no Jardim Canadá, os artistas produziram obras
em uma dinâmica de workshops, com a participação de estudantes e interessados, discutiram questões
particulares da realidade do bairro. Yuri Barros, junto a um grupo de estudantes de arquitetura, instalou
um letreiro feito de materiais descartados, projeto que inicialmente propunha inserir a palavra QUANDO
à paisagem do Jardim Canadá, mas que foi, devido às motivações dos estudantes e das dinâmicas do
bairro, alterada para QUANTO e colocada na estrutura de uma casa inacabada que estava à venda. Rafael
RG, inspirado no maior meio de comunicação do bairro, o carro com alto-falantes, levou ao bairro um
trio elétrico e promoveu uma manifestação móvel, instigado pela impactante atuação da mina Capão
Xavier, localizada nas imediações do bairro. Os participantes do workshop, bem como os moradores e
circulantes, usaram a estrutura do caminhão para protestar, manifestando-se sobre temas caros ao bairro.
O artista propôs, entre outras questões, a mudança no nome do bairro: de Jardim Canadá para Jardim
Xavier, desligando, assim, o Canadá da identidade local, identificado por uma pesquisa do artista como
um país conhecido por suas permissivas legislações de exploração mineral. O artista C. L. Salvaro, a partir
da adoção de um lote que dispunha de uma precária estrutura inicial, criou interferências paisagísticas,
avançando na construção de um pequeno barracão: instalou telhado, porta, piso, deque, pintou as
paredes, trouxe mudas de jardins vizinhos e criou um compostário. Após o término da residência, o artista
seguiu cultivando esse espaço, até encontrá-lo completamente destruído. Paredes foram derrubadas,
telhado, porta e todas as madeiras incorporadas à construção foram queimadas; as plantas, arrancadas.
As reações truculentas às ocupações de propriedades privadas parecem apontar o destino da intervenção
devastada em um término radical, mas esteticamente potente. Os artistas André Hauck e Camila Otto

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fizeram uma arqueologia do cotidiano local, colecionando pertences descartados pelo bairro: objetos ordinários que
foram catalogados de maneira cientificista, como se estudados por uma comunidade estranha aos seus usos. A cor
vermelha do minério conduz a uma unidade desses objetos e conecta, esteticamente, os diversos elementos coletados
à cor do solo local, que impregna todos os sapatos, vestes e corpos dos que transitam pelo bairro, assim como as
construções, vegetação e espaços do Jardim Canadá. A contaminação pela cor vermelha foi também tratada no trabalho
do artista Ricardo Villa, que incorporou o minério à sua produção de diamantes concretos, alterando o tom acinzentado
desse último material. Os diamantes do projeto Distopia buscam uma reflexão sobre a ressignificação do valor do imóvel,
dando forma preciosa a restos de construções.

Módulo 2: no bairro Santo Antônio, em Salvador, estivemos imersos em discussões sobre a gentrificação, o patrimônio
histórico e a especulação imobiliária. Em resposta a essas informações, o artista Gabriel Nast criou uma serigrafia que
identificava os muitos imóveis desocupados no bairro, responsáveis pelo aumento artificial e exponencial dos preços
locais. O artista Ricardo Villa ocupou-se em criar peças que utilizam o material mais recorrente das construções brasileiras:
o concreto. Para que as pessoas pudessem ocupar as estreitas calçadas do bairro histórico, ele criou bancos enformados
em baldes de construção, com pernas compostas de madeiras descartadas. Camila Otto e André Hauck seguiram com suas
pesquisas fotográficas e recorreram aos produtos da Feira de São Joaquim, tradicional mercado popular da cidade que se
confronta com inúmeras adversidades para manter-se em funcionamento.

Módulo 3: em Belém nos instalamos em um dos edifícios mais tradicionais da cidade, o Manoel Pinto, que oferece
uma vista privilegiada, demarcada, em grande extensão, pelos largos rios Guamá e Guajará. O artista Rafael RG buscou
vivenciar as diferentes áreas urbanas, estudando as maneiras locais de comunicação: faixas com anúncio, cartazes e a
rádio nos postes. Conectou-se com algumas comunidades que sobrevivem marginalmente às expansões urbanas. No Puta
Dei, evento que chama a atenção para as condições de trabalho das prostitutas de Belém, participou como DJ e ganhou
a Corrida de Calcinha. C. L. Salvaro e Yuri de Barros trabalharam em conjunto e, acompanhados pelos participantes do
workshop oferecido no Sesc Boulevard, construíram uma jangada para contornar a cidade pelo rio.

Jardim Canadá Centro de Arte e Tecnologia e Residência Itinerante – Re:Uso

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Fotos: JA.CA

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Foto: Ricardo Vila
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14 André Amaral – Nuvem Móvel

Índice Origem: Rio de Janeiro (RJ)


Ação: Curitiba (PR), Porto Alegre (RS) e Campinas (SP)

18 Associação Casa da Árvore – Diálogos ArteCiência: Rede Colaborativa de Arte Interativa


Origem: Palmas (TO)
Ação: Macapá (AP), Cachoeira (BA), Rio de Janeiro (RJ), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS)

22 Associação Cultural Estudos Contemporâneos – Universidade das Quebradas em Rede


Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Belém (PA), Iporá (GO) e João Pessoa (PB)

26 Ateliê Aberto Produções Contemporâneas


Poemas aos Homens de Nosso Tempo – Hilda Hilst em Diálogo
Origem: Campinas (SP)
Ação: Campinas (SP)

30 Associação Cultural Atelier Subterrânea – Projeto Vetor


Origem: Porto Alegre (RS)
Ação: Pampa, Serra, e Litoral do Rio Grande do Sul (RS)

34 Beatriz Lemos – Lastro – Intercâmbios Livres em Artes: Encontros de Arte e Crítica


Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Salvador (BA), Recife (PE), Aracaju (SE), São Luís (MA), Natal (RN) e João Pessoa (PB)

38 Breno Silva – A. E. T. – Ativador de Espacialidades Temporárias


Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: Porto Alegre (RS), Florianópolis (SC), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Cuiabá (MT),
Brasília (DF), Palmas (TO), Belém (PA), Salvador (BA) e Fortaleza (CE)

42 Bruno Vilela – Muros: Territórios Compartilhados – Residência Salvador


Origem: Conceição do Mato Dentro (MG)
Ação: Salvador (BA)

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46 Carolina Fonseca – Topografia Aérea: Uma Fábula sobre Poleiros e Artistas
Origem: Catalão (GO)
Ação: Macapá (AP), Cachoeira (BA), Rio de Janeiro (RJ), Porto Alegre (RS) e Goiânia (GO)

50 Cristiana Tejo – II Seminário Panorama do Pensamento Emergente


Origem: Recife (PE)
Ação: Recife (PE)

54 Divino Sobral – Estação Videoarte


Origem: Goiânia (GO)
Ação: Goiânia (GO)

58 Espaço Cultural Casa da Ribeira – ArtePraia – 2ª Edição


Origem: Natal (RN)
Ação: Natal (RN)

62 Fase 10 Produções Artísticas – Trocas Contemporâneas – Interações Artísticas Regionais


Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Rio Grande (RS), Londrina (PR), Olinda (PE), Aracaju (SE), Salvador (BA), Xapuri (AC),
Brasília (DF), São Paulo (SP), Uberaba (MG), Belo Horizonte (MG) e Rio de Janeiro (RJ)

66 Fernanda de Oliveira Antoun


Fotografia Experimental e Fotoclubismo: Hiatos, Fricções e Encontros com a Arte Contemporânea
Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: Rio Branco (AC), Porto Alegre (RS) e Rio de Janeiro (RJ)

70 Frida Produções e Serviços Culturais e Artísticos – Oficinas de Video Mapping


Origem: São Paulo (SP)
Ação: Belém (PA), Fortaleza (CE), Goiânia (GO) e Porto Alegre (RS)

74 José Luiz Sampaio – Brasis – Residências Artísticas em Rede e Cooperação entre Artistas
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Aracaju (SE), Macapá (AP), Corumbá (MS), Rio Grande (RS) e Ouro Preto (MG)

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78 Latitude 7 Produções Culturais
Olhar Brasileiro – Interações Culturais – do Sertão de Virgulino ao Berço de Canaima
Origem: Serra Talhada (PE)
Ação: Serra Talhada (PE) e Assentamento Anauá e Vila Martins Pereira (RR)

82 Luciana Miranda Penna – Entresilhas


Origem: São Paulo (SP)
Ação: Ilha de Marajó (PA) e Ilha de São Sebastião (SP)

86 Manifesta Arte e Cultura – Lab Verde: Experimentações Artísticas na Amazônia


Origem: São Paulo (SP)
Ação: Manaus (AM)

90 Metrópole Serviços Artísticos e Culturais


Contra Escambos – Geografias Imaginativas de Experiências nos Trópicos
Origem: São Paulo (SP)
Ação: Belo Horizonte (BH) e Recife (PE)

94 Museu Coleção Karandash de Arte Popular e Contemporânea – O Museu no Balanço das Águas
Origem: Maceiò (AL)
Ação: Belo Monte, Ilha do Ferro e Entremontes (AL)

98 Olhar Multimídia e Propaganda – Performance, Corpo, Política


Origem: Brasília (DF)
Ação: Brasília (DF)

102 Ossos do Ofício – Confraria das Artes – Projeto Fora do Eixo – Vol. 4
Origem: Brasília (DF)
Ação: Brasília (DF)

106 Paulo Fehlauer – Correspondências


Origem: São Paulo (SP)
Ação: Curitiba (PR), Fortaleza (CE), Goiânia (GO), Rio Branco (AC) e São Paulo (SP)

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110 Pedro Motta – Inter_Residências_Ações
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: São João del-Rei (MG)

114 Rafael Perpétuo


Cozinha Experimental de Indigestões Artísticas – Como era Gostoso Meu Antropófago
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: São Paulo (SP), Curitiba (PR), Rio de Janeiro (RJ), Recife (PE) e Belo Horizonte (MG)

118 Rosa Melo – Brasil Visual – Piloto


Origem: Rio de Janeiro (RJ)
Ação: abrangência nacional

122 Tallentus Amazônia – Carajás Visuais – Entre Rios e Redes


Origem: Marabá (PA)
Ação: São Paulo (SP) e Marabá (PA)

126 Túlio Pinto – Projeto CEP – Corpo, Espaço e Percurso


Origem: Porto Alegre (RS)
Ação: Natal (RN) e Porto Alegre (RS)

130 VFBH Produções


Re:Uso – Projeto de Intervenções Urbanas e Requalificação de Áreas Materiais
Origem: Belo Horizonte (MG)
Ação: Salvador (BA), Belém (PA) e Belo Horizonte (MG)

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ArtePraia - 2ª Edição
Paleta Marinha – Fernando Limberger

Foto: Alex Fernandes

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Catálogo

Edição
Izabel Costa

Assistente de edição
Ana Paula Siqueira

Design gráfico e
foto capa
Eliane Moreira

Revisão
Dayse Tavares Barreto

Produção gráfica
Ju­lio Fado­

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