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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 1

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA:
uma análise crítica
2 José Francisco de Melo Neto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 3

José Francisco de Melo Neto

EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA:
uma análise crítica

Editora Universitária
João Pessoa
4 José Francisco de Melo Neto

2001

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


reitor
JÁDER NUNES DE OLIVEIRA
vice-reitor
MARCOS ANTÔNIO GONÇALVES BRASILEIRO

EDITORA UNIVERSITÁRIA
diretor
JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
vice-diretor
JOSÉ LUIZ DA SILVA
divisão de produção
JOSÉ AUGUSTO DOS SANTOS FILHO
divisão de editoração
ALMIR CORREIA DE VASCONCELLOS JUNIOR
secretário
MARINÉSIO CÂNDIDO DA SILVA

Direitos desta edição reservados à:


UFPB/EDITORA UNIVERSITÁRIA
Caixa Postal 5081 - Cidade Universitária - João Pessoa - Paraíba – Brasil CEP 58.051-970
www.editora-ufpb.com.br

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
Foi feito o depósito legal
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 5

ÀS CLASSES TRABALHADORAS QUE,


DE VARIADAS FORMAS,
MUITO CONTRIBUEM
PARA ESTE TIPO DE
TRABALHO.
6 José Francisco de Melo Neto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 7

AGRADECIMENTOS

Às professoras Miriam Limoeiro Cardoso e Maria de Lour-


des Albuquerque Fávero, pelo especial empenho na realização deste
trabalho.

À professora Célia Linhares e aos professores Pedro Benja-


mim Garcia, José Silvério B. Horta, Miguel Arroyo e Dermeval
Saviani, pela disponibilidade da leitura cuidadosa.

Aos ex-dirigentes da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitá-


rios (PRAC/UFPB), Ivan Targino e Genaro Yeno, pelo apoio.

Às equipes dos Projetos de Extensão da UFPB, aqui anali-


sados:
Projeto CERESAT: Thereza Mitsunaga, Glauce Yeno, José
Gomes Neto, Dráusio Rodrigues, Lindemberg, Edil e Hélder Por-
deus.
Projeto Escola Zé Peão: Timothy Ireland, Lourdes Barreto,
Adriana, Erenildo, Santana, Paulo e Afonso.
Projeto Praia de Campina: Falcão, Maria do Carmo, Edi-
leuza, Zé João, Patrícia, Sandro, Selma, Antenor e Zé de Porquério.
8 José Francisco de Melo Neto

Projeto Qualidade de Vida: Marcus Vinicius, Ana Virgínia,


Ariosvaldo, Edson e Tatiana.

A Guerreiro, Anaina, Socorro, Lívia, Suana, Ana e Lucas.

A Adriana e BID, pela dedicação à causa dos trabalhadores


em
educação do Rio de Janeiro.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 9

APRESENTAÇÃO

Este texto sobre extensão universitária é uma análise crítica


de projetos em extensão direcionados aos setores populares da so-
ciedade, vivenciados por membros da universidade. Esta análise é
entendida como a condição de se pensar qualquer ente de desejo de
conhecimento, em suas dimensões negativas e positivas, ressaltan-
do, na pesquisa, suas condições favoráveis de possibilidades, do
ponto de vista da organização das classes trabalhadoras.
Tenta mostrar que são possíveis práticas extensionistas com
orientações à construção da hegemonia dessas classes, embora que,
contraditoriamente, a função ideológica dominante da instituição
universitária seja contribuir para a sustentação dos setores elitiza-
dos da sociedade.
Nessa perspectiva, esta pesquisa buscou um redimensiona-
mento conceitual da extensão para além das visões de mão única ou
de mão dupla, tentando extrair das experiências analisadas um con-
ceito que conduza à perspectiva da extensão como um trabalho
social útil, cujo atendimento se preste aos setores sociais populares
da sociedade.
Extensão universitária – uma análise crítica – é, antes de tu-
do, um convite às pessoas comprometidas com o movimento de-
mocrático pela cidadania crítica e ativa. Tenta, restabelecer possí-
veis laços da universidade com as lutas sociais, na perspectiva da
produção de um conhecimento da realidade que seja relevante soci-
almente na ciência, na arte e na filosofia, além de fortalecer uma
cultura inovadora, aberta e crítica. Nessa direção, a universidade
pode ter um papel de destaque.
10 José Francisco de Melo Neto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................... 13

TRILHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ........................... 19

1 - Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica ..... 20


2 - Hegemonia como direção intelectual e moral .......................... 37

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA .................................................. 49

1 - Concepções de extensão universitária ..................................... 49


2 - Extensão na Universidade Federal da Paraíba - UFPB ............ 63
2.1 - Política de extensão na UFPB .......................................... 63
2.2 - Projeto CERESAT ........................................................... 83
2.3 - Projeto Escola Zé Peão .................................................. 108
2.4 - Projeto Praia de Campina ............................................... 141
2.5 - Projeto Qualidade de Vida ............................................. 171

A EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS FUNÇÕES


HEGEMÔNICAS ........................................................................ 191

1 - Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB ....................... 191


2 - Para uma reconceituação da extensão universitária
enquanto trabalho social ......................................................... 213

CONCLUSÕES .......................................................................... 226


12 José Francisco de Melo Neto

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................ 235


EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 13

INTRODUÇÃO

Este trabalho, quando foi concebido, inicialmente, sob a


forma de projeto de tese, era uma tentativa de mostrar a universida-
de como ente fundamental para a organização dos setores subalter-
nos da sociedade, particularmente através de projetos de extensão
universitária. Partia-se da perspectiva de que era possível realizar
projetos de extensão universitária que constituíssem ações, efeti-
vamente, transformadoras e mesmo revolucionárias. Imaginava-se a
universidade como um canal para o exercício da transformação, ao
abrigar projetos de extensão que se orientassem para a realização
dessa possibilidade. Um exercício que não se colocava necessaria-
mente pelo ensino ou pela pesquisa, mas admitia-se que seria reali-
zado pela extensão.
Acreditava-se que a universidade poderia se constituir em
um importante instrumento de transformação da sociedade, à medi-
da que fossem viabilizados tais projetos de extensão. No entanto, as
análises que embasaram a organização e o desenvolvimento da
própria pesquisa transformaram o que antes eram certezas em me-
ras possibilidades, que se expressam conforme as formulações para
pesquisa: há práticas de extensão que contribuem para a constru-
ção da hegemonia dos setores sociais não burgueses; há elementos
dessas práticas que permitem ultrapassar a concepção de extensão
limitada à realização de eventos ou de programas temporários na
universidade.
Esta pesquisa, portanto, em nenhum momento teve a preten-
são de elencar ou descrever o conjunto das propostas ou das práti-
cas de extensão que podem ser encontradas nas universidades brasi-
leiras. Sabe-se que tanto ou mais que o ensino e a pesquisa, o cam-
po da extensão universitária tem visado preferencialmente à repro-
14 José Francisco de Melo Neto

dução social, seja buscando reforçá-la por meio de mais um uso da


instituição escolar, seja pelo aplacamento de alguma espécie de
consciência culpada de dominadores ou servidores da dominação.
Não se desconsidera, aqui, a existência e mesmo a possível predo-
minância dessa concepção de extensão universitária. Apenas, ela
não é incluída como parte do objeto desta investigação, no qual
toda a atenção foi dedicada a encontrar propostas e práticas de ou-
tro tipo de extensão universitária, procurando discuti-las enquanto
possibilidade e enquanto concepção. Para alcançar um objetivo
como este, não parece metodologicamente necessário e talvez nem
mesmo recomendável tomar como objeto de pesquisa o universo
das experiências de extensão universitária no Brasil. Parece ser
mais adequado considerar experiências pontuais, desde que, fazen-
do parte regular e integralmente da instituição universidade, sejam
significativas e relevantes em termos dos objetivos visados e sejam
tratadas com o cuidado teórico, metodológico e técnico que tal ob-
jetivo requer. Foi seguindo essas diretrizes que se tomaram como
objeto específico de investigação algumas das experiências em ex-
tensão universitária desenvolvidas na Universidade Federal da Pa-
raíba.
Desse modo, este é um estudo sobre a concepção de exten-
são universitária, o qual procura seguir as orientações metodológi-
cas que Karl Marx formula sobre a dialética, suas orientações teóri-
cas sobre sociedade e ideologia e de Gramsci sobre Estado amplia-
do, intelectual e hegemonia.
Admite-se a anterioridade das ações de extensão da UFPB.
Mas o objeto científico desta pesquisa é assumidamente construído,
reconstruindo aquelas ações sob orientação metodológica e teórica
precisa e explícita.
Este trabalho assume que existe uma teoria que o fundamen-
ta e o sustenta e tem uma metodologia que incorpora essa teoria na
construção do objeto: o objeto empírico (os projetos da UFPB) não
é tomado dessa forma (empírica). Na verdade, é construído teori-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 15

camente a partir do conceito de hegemonia, em termos dialéticos. O


objeto da pesquisa é, portanto, construído por um instrumento de
análise, o qual tem clara orientação teórica.
A universidade é tratada enquanto aparelho de hegemonia.
Conseqüentemente, as experiências de extensão que ela propõe e
realiza são concebidas como partes constituintes daquele aparelho,
inseridas, portanto, no conjunto das relações de forças aí implicadas
e submetidas às contradições que o caracterizam.
Parte-se da compreensão de que, em Gramsci, hegemonia e
crise de hegemonia formam sempre um par. Ao se trabalhar com a
concepção gramsciana de hegemonia para pensar a universidade,
em especial uma de suas funções - a de extensão - coloca-se, no
entanto, como norte da pesquisa e como foco central da análise a
noção de crise de hegemonia. Afinal, o que aqui preocupa, verda-
deiramente, são as possibilidades que estão abertas ou que possam
vir a ser abertas para a construção de uma nova hegemonia, capaz
de configurar um novo bloco histórico. Assume-se, pois, a ótica das
classes e setores sociais que hoje se encontram subalternizados e
adota-se a perspectiva da sua autonomização ideológica, procu-
rando discernir caminhos e meios pelos quais se possa - por meio
do trabalho no âmbito institucional - contribuir para essa autono-
mização.
O objeto empírico do estudo compreende quatro projetos de
extensão que se encontram em andamento na UFPB: os projetos
CERESAT, Escola ZÉ PEÃO, PRAIA DE CAMPINA e
QUALIDADE DE VIDA. A seleção obedeceu a alguns critérios
principais. Foram escolhidos projetos entre os que estão sendo de-
senvolvidos atualmente de forma efetiva e que estão implantados
há pelo menos cinco anos, com isso, caracterizando sua permanên-
cia e consolidação. Houve também a preocupação de incluir proje-
tos que, adotando diferentes tipos de orientação, fossem significati-
vos para a caracterização do conceito de extensão universitária ou
de concepções alternativas para esse conceito.
16 José Francisco de Melo Neto

O material empírico coletado se constitui de textos produzi-


dos nos projetos em estudo, fruto das análises dos membros dos
grupos e, basicamente, de entrevistas, sendo que estas são distribuí-
das em três níveis: o nível dos planejadores dos projetos, o nível
dos seus executores e o nível da comunidade onde se desenvolve o
projeto.
Esses projetos foram submetidos a um instrumento de análi-
se elaborado a partir da teoria e do método utilizados como suporte
ao trabalho analítico, sobretudo no campo da hegemonia, adotando-
se a perspectiva gramsciana1.
Assim, é que este texto toma por objeto concepções e tem
como objetivo a formulação de um conceito. A pesquisa em que a
tese se baseia tem como origem e como destino a prática, uma prá-
tica que pretende o desenvolvimento crítico do trabalho universitá-
rio voltado para a transformação social. Neste sentido, tem-se uma
reflexão teórica calcada num certo tipo de prática e que deverá re-
tornar a ela. Esta expressa um texto, cujo objeto são concepções e
cujo objetivo é uma determinada (re)formulação de um conceito.
Tendo-se estudado, detidamente, documentos e entrevistas com
participantes de projetos de extensão, chegou-se à formulação da
tese de que há projetos de extensão na universidade que podem

1
A utilização dessa orientação teórica de forma efetiva não impediu, porém, que eventualmente tenham sido também
incorporados a esse instrumento elementos experienciais gerados nas próprias entrevistas e nas anotações de campo
realizadas quando do acompanhamento de alguns desses projetos. Como parte de uma teoria mais ampla - a teoria do
modo de produção - a categoria da hegemonia organiza um conjunto de temas, sendo cada tema composto de itens que,
por sua vez, se expressam por indicadores. O instrumento assim construído se compõe de dez temas, assim distribuídos: a
visão de mundo; a concepção de sociedade; a concepção de Estado; a configuração dos interesses sociais e da prática
social; a relação da universidade com a sociedade; a concepção de extensão universitária; a natureza do trabalho social na
extensão; o papel do agente institucional - os que estão executando os projetos - e, ainda, a pedagogia que está sendo
veiculada nessas práticas de extensão universitária. A partir desses temas geradores, constituem-se vinte e oito itens, que,
por sua vez, são expressos nos documentos analisados através de quinhentas e cinqüenta e uma variáveis ou indicadores.
A técnica utilizada neste instrumento de análise não se configura como uma análise de discurso. É, sim, uma forma
específica de análise de conteúdo desenvolvida por Miriam Limoeiro Cardoso em Ideologia do Desenvolvimento - Brasil:
JK-JQ. É uma técnica de análise que se adotou porque tem se mostrado fecunda, permitindo aprofundar a análise e
entender relações e conexões esclarecedoras.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 17

contribuir para a ampliação da hegemonia dos setores subalternos


da sociedade.
A tese aponta, portanto, no sentido da existência concreta e
objetiva desta possibilidade, que, porém, não é mais do que possibi-
lidade e, mesmo assim, limitada. Nesses termos, é demarcadora:
por um lado, a extensão universitária não tem necessariamente que
ser reprodutora e, assim, uma extensão da dominação; por outro
lado, é ingênua e ilusória a pretensão de tomá-la como revolucioná-
ria das relações sociais, dadas suas condições e suas limitações ins-
titucionais, sociais e políticas. O resgate da possibilidade de contri-
buição para a construção de uma nova hegemonia, na perspectiva
das classes subalternas, parece ser capaz de esclarecer relações de-
cisivas e contradições importantes da instituição universidade na
área de extensão, encaminhando uma reconceituação deste campo
enquanto trabalho social.
Para apresentá-la e defendê-la, existem algumas indicações
metodológicas e teóricas da fundamentação do estudo, procura-se
situar o objeto como parte da universidade, enquanto aparelho de
hegemonia, e se procede ao desenvolvimento analítico dos temas
propostos. Com a sua análise, procura-se especificar a extensão
universitária e as suas funções hegemônicas, indicando elementos
para reconceituar extensão universitária nos marcos do trabalho
social útil.
Finalmente, discutem-se alguns aspectos, de dimensão mais
ampla, a respeito de novos problemas da e para a universidade.
18 José Francisco de Melo Neto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 19
20 José Francisco de Melo Neto

TRILHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

Têm-se muito presentes, para a realização deste trabalho, os


desafios contemporâneos do fazer ciência, como também uma bus-
ca para novos caminhos e, necessariamente, novos encontros com
outros tantos desafios. Ao se estudar a extensão universitária, atra-
vés de um olhar crítico, faz-se necessária uma maior exigência me-
todológica. Por outro lado, considerando-se o problema em discus-
são, não poderá ser adotada uma metodologia fixa, determinada e
sem abertura para as tantas possibilidades novas que surgem, a cada
momento, na procura de se produzir conhecimento. Carvalho
(1995: 25), na busca de caminhos/descaminhos para a razão, mos-
tra-se atenta aos caminhos que se descortinam quando perscruta as
trilhas do fragmento, do particular e do sentido. Em que bases deve
fundamentar-se a análise de práticas de extensão que busquem as
suas dimensões educativas para processos de construção de hege-
monia de setores sociais não burgueses? Que elementos comparti-
lhar, quanto à metodologia, na busca de constituintes que possam
contribuir para a superação de concepções no campo da extensão
universitária, que parece não atenderem as necessidades políticas de
liberdade de setores sociais subalternos? Dentro dessas preocupa-
ções é que se colocaram, à frente das questões da pesquisa, os cons-
tituintes da análise dialética.
Como escapar das críticas à ciência moderna, consideradas
por Fausto (1987: 15) pertinentes e fecundas, no sentido de que esta
se fechou numa perspectiva instrumental, perdendo-se em modelos
universais abstratos, definidos a priori? Segundo ele, a ciência mo-
derna “desconsiderou a riqueza e multiplicidade da experiência
humana e mais: vulgarizou a dialética”. Nesse sentido, a questão a
ser respondida é: que dialética pode ser utilizada como constituinte
dessa metodologia?
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 21

1 - Dialética: concepção do objeto e orientação metodológica

Para se iniciar a tentativa de apresentação dos constituintes


da dialética, é razoável buscar-se a resposta à questão: O que é dia-
lética? Essa resposta exige um debruçar-se sobre a história da filo-
sofia, onde se pode encontrar a utilização da noção de dialética de
várias maneiras e, dessa forma, nada passível de ser determinada ou
explicada de forma definitiva2. Um conceito que tem recebido dife-
renciados significados no decorrer do tempo os quais, mesmo as-
sim, são relacionados entre si.
De forma sintética, baseando-se em considerações etimoló-
gicas, podem ser consideradas algumas fases dos quatro conceitos
principais da dialética: a dialética vista por Platão como um método
de divisão; a dialética como lógica do provável, presente em Aris-
tóteles; a dialética como lógica, segundo Kant; e a dialética como
síntese dos opostos, a partir das formulações de Hegel/Marx.
São quatro conceitos pautados também em quatro doutrinas
que exerceram forte influência na história da dialética, respectiva-
mente: a doutrina platônica, a doutrina aristotélica, a doutrina estói-
ca e a doutrina hegeliana. Nesta introdução à questão a ser condu-
zida tenta-se, de certa forma, alguma síntese conceitual. Na verda-
de, será mantida a sua generalidade, tendo em vista a impossibili-
dade de se englobarem as possíveis formulações em um só concei-
to.
A resposta à questão acerca do conceito de dialética apre-
senta grande dificuldade, considerando-se que os autores a definem

2
É uma tarefa que transcende o propósito deste estudo, sendo aqui apenas colocada a questão. No máximo, serão
externadas algumas noções preliminares para efeito, simplesmente, de situar a análise que se deseja no que concerne à
extensão universitária.
22 José Francisco de Melo Neto

e a interpretam de várias maneiras. Parece que cada procedimento


nessa direção se apresenta como insatisfatório. Há intérpretes que
apresentam a dialética como sendo “a arte do diálogo, ou que ela é
uma lei” (Bornheim, 1983: 153). Esta definição, que parece eluci-
dativa, apresenta-se, porém, com nuanças que abrem outros tipos de
questões fundamentais, como a discussão sobre o sentido do diálo-
go, por exemplo. Existe, nessa visão, uma certeza ou uma clareza
de base no sentido de que a dialética, em sua essência, é a arte do
diálogo, em sua essência, é lei. Segundo essa interpretação, não tem
sentido a defesa de uma determinação, uma definição como meca-
nismo de exclusão das demais. Bornheim (Ibid.:154) assim se ex-
pressa:

“Nada prova que diversas determinações não possam corres-


ponder de algum modo à índole interna da dialética. Vimos que,
do ponto de vista histórico, a dialética metafísica não só se justi-
fica como foi necessária. Assim também, a dialética pode ser a
arte do diálogo, ou a lei do real, ou de certos setores do real.
Talvez a dialética seja ainda outras coisas”.

Diante dessas dificuldades pode-se ver, contudo, que a dia-


lética é uma das expressões filosóficas bastante usada e que a sua
universalidade tem sido muito estudada. Maritain (1964: l45), por
exemplo, vai entender que está em Hegel o traço genial de fazer da
idéia de Absoluto, Pensamento ou Espírito, o universo real que é
apreendido, não por possuir uma existência fora do pensamento,
mas no sentido de que o real passa a ser uma manifestação do pen-
samento no seio de si próprio.
Na introdução da Fenomenologia do Espírito, Hegel destaca
a impossibilidade do conhecimento formulado por Kant, seja atra-
vés de um instrumento com o qual dominaria o Absoluto, seja co-
mo meio com o qual seria possível a sua contemplação. Explicita
sua crítica ao fazer a seguinte afirmação:
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 23

“Essa precaução deve até transformar-se na convicção de que


toda a tarefa de conquistar para a consciência, por meio do co-
nhecimento, o que é em si é, na sua conceituação mesma, um
contrasenso, e de que o conhecimento e o Absoluto sejam sepa-
rados por uma nítida linha de fronteira” (Hegel,1974: 47).

Se, para Kant existia, entre o sujeito e o objeto, o entendi-


mento, uma separação da coisa em si, e se, agora, o real é manifes-
tação do pensamento no seio de si próprio, a coisa em si está supe-
rada. O pensamento, sendo o Absoluto em movimento, passa a en-
cerrar sobre si mesmo tudo quanto de si surge, bem como as suas
autodiferenciações. Em sua crítica, Hegel (ibid.: 48) continua:

“... as representações do conhecimento entendido como instru-


mento e meio e, bem assim, uma diferença entre nós mesmos e
esse conhecimento; pressupõe, sobretudo, que o Absoluto esteja
de uma parte e o conhecimento, mesmo sendo algo de real, este-
ja de outra parte, para si e separado do Absoluto”.

Algo inadmissível para ele, pois no seu sistema não há sepa-


ração entre o sujeito e objeto. E mais, não se conhece nada senão o
que já está conhecido em nós mesmos. Para Hegel, o Absoluto não
pode utilizar-se de qualquer astúcia para se chegar ao conhecimen-
to, já que Ele está e quer estar “em nós tal como é em si mesmo e
para si mesmo” (ibid.: 48). Não só não há separação, como também
o seu fazer história “é a história do pensamento que a si próprio se
encontra” Hegel (l974a: 329). Um movimento dialético se instala
como a síntese dos opostos.
A filosofia hegeliana vê, em todos os lugares, tríades do ti-
po: tese, antítese e síntese, segundo intérpretes, como Azevedo,
Bornheim, Thadeu Weber, Lima Vaz e Llanos, em que a síntese
representa a negação ou o oposto ou o ser outro da tese. A síntese
constitui a unidade, no seu próprio tempo, a verificação tanto de
24 José Francisco de Melo Neto

uma como de outra. Para Llanos (1988: 94), “uma vez alcançada a
síntese, esta se põe a si mesma como uma nova tese, isto é, como
uma categoria afirmativa que se há de converter na base de uma
nova tríade”. Ao analisar esse movimento triádico da dialética,
Weber (l993: 41) afirma que “em cada síntese, os momentos ante-
riores estão suprimidos (negados), mas, ao mesmo tempo, integra-
dos numa forma superior”.
Coube à Feuerbach, apud Llanos (1988:109), a crítica às
formulações idealistas de seu tempo, mostrando ser o espírito abso-
luto hegeliano “o espírito finito - humano - mas abstraído e sepa-
rado do homem”. Toda crítica formulada (ibid.: 110) se constituía
num materialismo, ao contrapor-se à idéia da transcendência sobre
o dado no pensamento de Hegel, embora esse materialismo fosse
limitado, ostentando um “caráter contemplativo, metafísico e an-
tropológico, combinando-se com uma concepção idealista de soci-
edade”. Feuerbach, segundo o citado autor, não via a passagem do
homem abstrato para um homem que atuasse, necessariamente, na
história. A passagem do culto a esse homem abstrato, centro da
formulação feurbachiana, pela ciência do real e de seu desenvolvi-
mento histórico, poderia ser efetivada por Marx.
Marx vai realizar a inversão da dialética, colocando o objeto
ou dado como primeiro, o natural imediato antes da consciência.
Assegura a primazia dos conteúdos materiais ou históricos - as
formas finitas da consciência - sobre as formas infinitas da mesma
consciência. Mas, após a crítica ao movimento dialético no campo
das idéias, em Hegel, pode-se perguntar qual é a dialética ou o mé-
todo de Marx.
Ao estudar o método de análise da economia política, Marx
descobre que esse método inicia-se sempre pelo real e pelo concre-
to, parecendo esta a forma correta. No estudo de um país, parece ser
correto iniciar-se pela população que se constitui na base e no sujei-
to social da produção. Porém, uma observação mais atenta, segundo
ele, mostra que a população, mesmo sendo tão concreta, é, na ver-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 25

dade, uma abstração. Por conseguinte, esse método é falso. Marx


(l978:116) afirma:

“A população é uma abstração, se desprezarmos, por exemplo,


as classes que a compõem. Por seu lado, estas classes são uma
palavra vazia de sentido se ignorarmos os elementos em que re-
pousam, por exemplo: o trabalho assalariado, o capital, etc. Es-
tes supõem a troca, a divisão do trabalho, os preços, etc. O capi-
tal, por exemplo, sem o trabalho assalariado, sem o valor, sem o
dinheiro, sem o preço, etc., não é nada. Assim, se começássemos
pela população, teríamos uma representação caótica do todo, e
através de uma determinação mais precisa, através de uma aná-
lise, chegaríamos a conceitos cada vez mais simples; do concre-
to idealizado passaríamos a abstrações cada vez mais tênues até
atingirmos determinações as mais simples. Chegados a este pon-
to, teríamos que voltar a fazer a viagem de modo inverso, até dar
de novo com a população, mas desta vez não com uma represen-
tação caótica de um todo, porém com uma rica totalidade de de-
terminações e relações diversas”.

Este é o método dialético de Marx. Assim, o pensamento


pode mover-se por dentro de suas partes do universo, apreender as
suas interconexões e o conjunto no qual elas se fundem. Para Prado
Junior (1980:513), Marx, “... aproveitando-se das comportas aber-
tas por Hegel e do terreno desembaraçado que se estendia à sua
frente, empurra o pensamento filosófico para fora do seu isolamen-
to idealista e introspectivo”. O mundo das idéias, agora, passa a ter
o sentido de mundo material, “transposto e traduzido no espírito
humano”. Fausto (l993: 49), ao estudar o lugar da forma e o do
conteúdo na dialética, observa que, em Marx, “o sistema de formas
permanece sempre inscrito na matéria. Assim, a matéria é, em
Marx, o lugar da inscrição das formas, não mais mas não menos
do que isto”.
26 José Francisco de Melo Neto

Contudo, é em Limoeiro Cardoso (1990: 19) que se encon-


tra um acompanhamento mais explícito sobre o desenvolvimento
do método de Marx, que está subdividido em seis partes.

“A primeira trata do método em geral e indica um movimento


que é exclusivamente teórico, passando-se totalmente no abstra-
to. A segunda afirma a anterioridade do concreto. A terceira
propõe e resolve uma relação específica entre o real e o teórico,
desdobrando as relações entre as categorias mais simples e as
mais concretas. A quarta precisa a condição da produção das
abstrações mais gerais a partir do desenvolvimento concreto
mais rico. A quinta indica que é no último modo de produção já
estabelecido, porque o mais complexo, rico e variado, que se
torna possível a inteligibilidade não só dele mesmo, como tam-
bém de todas as sociedades anteriores. A sexta retorna ao méto-
do, estabelecendo que a ordem das categorias deve seguir uma
hierarquia teórica, em função da sua importância correlativa
dentro da sociedade mais complexa, base das abstrações mais
gerais e categorias mais simples, e não em função do seu apare-
cimento histórico”.
Esta divisão vai possibilitar, para a autora, uma segunda a-
preensão do método, que está assim exposta:
1 - Do abstrato para o concreto pensado. Na crítica ao mé-
todo da economia clássica, considera-se que esta inicia sua análise
a partir do concreto. Ela vai entender que tal concreto só tem senti-
do à medida que se vão descobrindo as suas determinações. A rea-
lidade social é determinada, e assim é não por obra natural. Há re-
lações específicas que a determinam, respondendo a uma certa cau-
salidade. Nesse sentido, a realidade social é determinada e só é pos-
sível a sua explicação, quando também se apreender a sua determi-
nação.
Na suposição de que não existam determinações essenciais,
a realidade é concebida como se esgotando no mundo dos fenôme-
nos. Para Marx, no entanto, a realidade é determinada, é produto de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 27

determinações que não se encontram no mundo fenomenal. Desse


modo, enquanto o pensamento não alcançar as relações profundas
(não-aparentes) entre os fenômenos, apenas conseguirá descrevê-
los, jamais explicá-los. Na verdade, as explicações precisarão me-
lhor o próprio fenômeno e a sua completude nas relações (de super-
fície) que mantêm uns com os outros. O concreto real, de que par-
tem os economistas clássicos, apresenta um sentido que não é pre-
viamente dado, mas sim, “adquirido pela ação do pensamento, na
abstração” (ibid.:21). Este concreto real é uma abstração. “Assim,
um procedimento como este não parte do concreto, como se supõe,
e sim da abstração, e não pode sequer procurar condições para re-
encontrar o concreto, porque supõe, enganosamente, que já o in-
corpora à análise desde o início” (ibid.: 21). O real, nesse sentido,
se apresenta com um caráter caótico. Havendo uma ordem no real,
essa ordem não se apresenta como já-dada, não transparece. Ela só
pode ser atingida pelo pensamento que a investiga, aprofundando-
se no mesmo. Essa investigação, contudo, não terá respostas imedi-
atas dos dados ou contatos do real, mas será produto da reflexão
que, informada pela teoria, vai em busca da realidade externa. Por
ser determinada é que esta realidade se torna passível de ser conhe-
cida e explicada racionalmente. Isto só é possível, todavia, quando
se atingem os seus determinantes fundamentais. “E isto acontece no
mundo dos conceitos, no plano teórico, no abstrato. Abstrato que
tem a pretensão de reproduzir o concreto, não na sua realidade
imediata e sim na sua totalidade real” (ibid.: 22). Possibilita-se,
assim, a compreensão da formulação de Marx em que “o concreto é
concreto porque é a síntese de muitas determinações”. A totalidade
real se constitui, portanto, do conjunto das determinações, junta-
mente com o que elas determinam.
Nas situações onde dominam as perspectivas empíricas, não
se pode atingir essa totalidade real, valendo-se do estilo daquele
método. A partir de uma análise que procede do real, não se conse-
28 José Francisco de Melo Neto

gue reproduzi-lo enquanto totalidade significativa. Este traz, em si


mesmo, um impeditivo para tal conhecimento. Em Marx, segundo a
autora, há uma proposta de procedimento novo - “do abstrato (de-
terminações e relações simples e gerais) ao concreto (que então
não é mais ‘uma representação caótica de um todo’ e sim ‘uma
rica totalidade de determinações e de relações diversas’)”. O mé-
todo de Marx vai do abstrato ao concreto. “E o mais importante,
este concreto é um concreto novo, porque pensado. É um concreto
produzido no pensamento, para reproduzir o concreto real (‘as
determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto por
meio do pensamento’)” (Ibid.: 23).
2 - Anterioridade do concreto. O movimento produ-
ção/reprodução do concreto, no caminho de volta, e o que constitui
esse concreto a que se chega precisam ser explicitados. A resposta,
para isto, está, conforme sua interpretação, na formulação do texto
de Marx, em que o concreto é concreto porque ele se constitui em
síntese de múltiplas determinações. Essa concepção estabelece que
o fato de se ter realidade não garante ser concreto. “O caráter de
concreto está estreitamente vinculado ao de determinação. O que
conta de fato são as determinações. Atinge-se o concreto quando se
compreende o real pelas determinações que o fazem ser como é”
(ibid.: 24). O concreto é síntese de muitas determinações e, assim, é
uma totalidade: unidade determinante/determinado ou unidade de
múltiplas determinações. Esse processo aparece, então, no pensa-
mento como expressão de uma síntese, porquanto é unidade do
diverso, como resultado e não como ponto de partida. Ele não se
constitui simplesmente de um dado, mas é o resultado de um elabo-
rado processo de pensamento.
“E se esse processo começa cientificamente no abstrato, seu
verdadeiro ponto de partida é o real. Está dito, explicitamente,
que o verdadeiro ponto de partida do pensamento é o real, que é
o ponto de partida da percepção e da representação. O papel do
real para o pensamento e para o conhecimento não é, pois, eli-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 29

minado como se, por ser o abstrato o campo próprio do teórico


(em que se move o pensamento para produzir conhecimento) pa-
ra ele, teórico, o real não existisse senão sob a forma pensada.
Uma coisa é afirmar que o concreto só faz parte do teórico como
concreto pensado (acentua-se aí o fazer parte de); outra coisa
diferente é afirmar que o concreto real não se relaciona com o
teórico (abstrato), sob a alegação de que o teórico só pode afir-
mar do concreto o que sabe dele, isto é, o que tem precisado so-
bre ele. A perspectiva seguida por Marx é a que ele explicita, de
que o concreto aparece no pensamento como resultado, embora
seja o verdadeiro ponto de partida. O pensamento parte do con-
creto (real), ainda que só se torne verdadeiramente científico
quando retoma o concreto, pensando-o, a partir do abstrato (su-
as determinações atingidas pelo pensamento originado no con-
creto” (ibid.: 25).

Nesse momento tem-se, em Marx, segundo Limoeiro Car-


doso, um triplo movimento. Um primeiro, onde se parte do real,
porém se afastando cada vez mais dessa realidade, através da abs-
tração, atingindo conceitos mais simples desse real. Um segundo
movimento, que é o início da atividade científica propriamente dita,
onde se tem como caótica a representação do real. Nesse movimen-
to não se parte do real ou de sua representação imediata caótica e
abstrata. Parte-se dos conceitos mais simples produzidos pelo mo-
vimento anterior. Esse movimento seria a busca pela especificação
das determinações gerais e simples, configurando um movimento
de reconstrução teórica. Finalmente, o terceiro movimento será de
construção teórica de reprodução do concreto. De forma simplifica-
da, os movimentos podem ser representados, através do seguintes
vetores básicos:

1o) real abstrato


30 José Francisco de Melo Neto

(concreto)

2o) abstrato abstrato


(concreto)

3o) abstrato concreto


(pensado)

Para a autora, “com o segundo movimento, se iniciaria o


que Marx aponta como ‘método cientificamente correto’” (ibid.:
27). Dessa forma, pode ser entendido que o caminho de volta não
se torna nada simples. Não significa apenas a troca do ponto de
saída pelo de chegada ou o começo pelo resultado. Também pode
não ser apenas uma troca de sentidos ou inversão de uma rota. A-
lém do mais, esse ponto de partida do método de Marx é outro pon-
to diferente daquele de chegada do primeiro método - o da econo-
mia política de seu tempo. “Não só porque é abstrato, e não con-
creto. Sendo abstrato, é outro abstrato, diferente do abstrato a que
o método anterior permitia chegar. É um abstrato reconstruído
criticamente a partir deste” (ibid.: 28).
Esclarece ainda que, por um lado, o real está presente e ali-
mentando a percepção e a representação e, por outro, também “não
esquece que o concreto produzido pelo pensamento é ‘apenas’ pen-
samento, não real. É neste ponto que contesta Hegel, ou a relação
que este propõe entre abstrato e concreto” (ibid.: 28). Essa com-
preensão traduz, de forma explícita, uma negação, presente em
Marx, de que o real seja resultado do pensamento.
Na contestação marxista de que o pensamento seja a gênese
do concreto, segundo Limoeiro Cardoso, “Marx argumenta que
mesmo o pensamento mais simples só existe como relação unilate-
ral e abstrata de um todo concreto, vivo, já dado. É nesse sentido
que para ele o real é anterior ao pensamento” (ibid.: 29). Contesta
dessa forma a possibilidade de um movimento de categorias autô-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 31

nomas e produtoras de real, como também a concepção de que o


pensamento se basta a si mesmo e se movimenta por si mesmo. Em
Marx, “a realidade concreta preexiste, subjaz e subsiste ao pensa-
mento. É este que de algum modo depende dela, e não ao contrá-
rio” (ibid.: 30).
Dessa forma, o conhecimento científico do real tem início
com a produção crítica das suas determinações. Essa produção se
dá ao nível do teórico, ao nível das categorias. Porém, constituindo-
se como crítica da produção anterior, ela só se realiza quando da
existência de um desenvolvimento teórico razoável e disponível. “É
daí que o método para produzir esse conhecimento se eleva do abs-
trato ao concreto” (ibid.: 32).
3) - Relação categorias/real. Foi abordada até agora, na in-
terpretação de Limoeiro Cardoso, a afirmativa de Marx de que os
conceitos mais simples permitem chegar a uma inteligibilidade do
real. Supõe-se também a exposição desses conceitos a partir de uma
abordagem que parta do próprio real. E mais: esse real, como ponto
de partida, também é uma abstração das determinações que se ex-
pressam naqueles conceitos simples. Além disso, afirma a existên-
cia do real fora do pensamento que é anterior a ele. Estabelecido o
conceito, na primeira parte da discussão do método, e o real, na
segunda, busca-se a relação existente entre ambos, na terceira. Nes-
se sentido, salienta a autora que “para produção teórica, o pressu-
posto básico é que ela seja comandada pelos conceitos mais sim-
ples, para ser possível a reprodução do concreto no pensamento”
(ibid.: 32). E mais, dando sustentação a esse pressuposto, tem-se o
mais geral - o da exterioridade e independência da realidade - a tese
materialista fundamental3.

3
Salientam-se, então, algumas questões suscitadas, tais como: 1) o porquê das determinações do real serem formuladas
através de conceitos simples; 2) a da simplicidade originária dessas categorias; 3) as categorias simples terem ou não
existência independente e anterior às das mais concretas; 4) a evolução histórica do real, que são postas e analisadas por
Limoeiro Cardoso( 1990: 32-44).
32 José Francisco de Melo Neto

As categorias mais simples, não se apresentam em Marx


com existência independente sem nenhuma característica histórica
ou natural. A exigência fundamental de sua existência está na ad-
missão do concreto vivo, isto é, expressando-se como relação unila-
teral e abstrata de um todo concreto já dado. “É sobre ele que se
erigem as categorias, mesmo categorias as mais simples, que não
são capazes de captá-lo no plano do teórico a não ser parcialmen-
te, unilateralmente” (ibid.: 33).
Quanto à discussão do simples originário, empreendida por
Marx, Limoeiro Cardoso vê um movimento em três dimensões. A dis-
cussão passa por uma análise de que as categorias simples têm ou não
existência independente e anterior às categorias mais concretas. O pri-
meiro momento desse movimento consiste em que “as relações mais
simples sempre pressupõem relações mais concretas - relações estas
expressas em categorias mais concretas, no sentido de que se referem
a um grau mais baixo de abstração” (ibid.: 34). As categorias simples
expressam, assim, relações simples, e estas não existem antes de rela-
ções mais concretas, expressadas também em categorias mais concre-
tas. Uma análise que convém salientar não se dá apenas no campo de
categorias teóricas.
O segundo momento se dá de forma mais complexa a partir
da exemplificação de Marx, em que a posse se torna a relação jurí-
dica mais simples. Acontece que não há posse sem a família, supe-
rada apenas quando inicia com a distinção que é feita entre posse e
propriedade. “A posse é uma relação simples, que exige uma rela-
ção mais concreta, como a família”. Aí também se insere, para su-
peração dos questionamentos, a questão da evolução histórica real,
influenciando tanto na diferenciação como na produção das catego-
rias. É importante, portanto, se entender que “a categoria mais
simples exige um certo grau mínimo de desenvolvimento para que
possa seguir a relação mais simples que ela exprime” (ibid.: 37).
Apresenta-se, até agora, uma contradição. No primeiro mo-
mento, o mais concreto é anterior ao mais simples; no segundo, o
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 33

mais simples se torna anterior ao mais concreto4. Ao colocar e dis-


cutir a questão, a autora mostra que esta é uma contradição, mas
que não é produzida por pura negação. O segundo momento não é
pura negação do primeiro. Ele é outro momento. No primeiro, o
concreto é real, é o dado.
“As categorias mais simples são as mais abstratas(abstrações
simples). A relação proposta é uma relação real, com sua con-
trapartida pensada: família - posse; comunidade de famílias -
propriedade. No segundo momento, o concreto pertence ao pla-
no do pensamento. A relação dinheiro e capital é uma relação
entre categorias pensadas. O real aparece relacionado com cada
uma destas categorias através dos diferentes graus do seu de-
senvolvimento e da sua complexidade” (ibid.: 39).

Assim, pode-se entender que é, numa sociedade mais com-


plexa, onde a categoria mais simples se apresenta mais desenvolvi-
da teoricamente. Em sociedades com grau de desenvolvimento me-
nor, a categoria mais simples também existe, porém é parcial no
sentido de não impregnar todas as relações do setor a que se refe-
re. Este se constitui no terceiro momento, onde se analisa a catego-
ria simples, como o dinheiro. Os exemplos apresentados, como o
dinheiro, mostram a sua existência como categoria simples, mesmo
que haja sociedades, bem desenvolvidas e não historicamente ma-
duras, como o Peru pré-colombiano, onde não existia qualquer
forma de moeda. O mesmo ocorre com os povos eslavos, em que a
existência do dinheiro limitava-se às atividades comerciais nas suas
fronteiras.
De forma sintética, sistematizam-se esses três momentos da
seguinte forma:

“1) concreto simples


4
Esta aparente aporia é resolvida em Limoeiro Cardoso, Miriam. (op. cit.: 38-41).
34 José Francisco de Melo Neto

- relações mais concretas são anteriores a categorias mais sim-


ples;
- fundamento: relação concreto/abstrato (abstração simples).

2) simples concreto
(complexo)
- categorias mais simples são anteriores a relações mais comple-
xas
(expressas em categorias mais concretas);
- fundamento: relação simples/complexo (concreto)

complexo simples
(concreto)
- a categoria mais simples só tem seu desenvolvimento comple-
to numa sociedade complexa, enquanto que as categorias mais
concretas podem ter seu desenvolvimento completo anterior-
mente” (ibid.: 42).

Desses movimentos resultantes da relação entre categorias e


real, surge a constatação de que o simples não é a origem. As cate-
gorias mais simples exigem um substrato mais concreto, isto é, uma
certa organização social, um todo vivo. Também se observa que o
processo histórico real vai do mais simples ao mais complexo. A-
qui, e nesse sentido, o mais simples pode preceder o mais comple-
xo. Contudo, é no mais complexo - completo - que o simples pode
estar mais desenvolvido. Agora, ele pode ser pensado de forma
teórica e mais completa.
4) - Produção das abstrações mais gerais. A autora identi-
fica uma quarta parte no texto e descobre que é na sociedade mais
complexa que a categoria mais simples se completa. É aí também
onde se alcança o elo específico entre o real e o conceito. E conclui:
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 35

“O abstrato de que se deve partir para começar a produção do


conhecimento, que se fará no concreto pensado, já não depende
só da produção teórica anterior, que se utilizará, criticando. Es-
tas produções teóricas e o movimento que as produz despontam
numa íntima conexão com o real e o seu movimento próprio” (i-
bid.: 44).

Pode-se entender como a categoria trabalho é uma categoria


simples. Ora, a idéia de trabalho é bastante antiga, contudo, como
categoria econômica é recente. O trabalho é a relação daquele que
produz com o produto. Então, a categoria, entendida como trabalho
em geral, já está presente em A. Smith. O trabalho em geral, gera-
dor de riqueza, segundo o economista, retira deste qualquer deter-
minação possível que possa conter. Tem-se, desde aí, o trabalho em
geral, indo além da formulação anterior, econômica, de trabalho
manufatureiro, comercial e agrícola. Como trabalho em geral, não
se pensa em particularidades da relação entre produtor e produto,
mas nas formas de trabalho no seu caráter comum. Para a autora
(ibid.: 45), “aparece aqui a primeira especificação precisa da ca-
tegoria simples: a sua generalidade. O trabalho é uma categoria
simples quando ele é pensado como trabalho em geral, como tra-
balho sem determinações, como trabalho, simplesmente”.
É no atual estágio de sociedade que se vive com a diversi-
dade de formas de trabalho, uma sociedade mais complexa, onde a
categoria simples completa o seu desenvolvimento. A categoria
trabalho, em sendo mais simples, se torna, pela diversidade de for-
mas de realização, mais geral, e isso só é possível na sociedade
mais complexa. A sociedade que possibilita a existência da catego-
ria mais simples, no caso, o trabalho em geral, é aquela em que
concretamente existe o trabalho em geral. A sociedade mais com-
plexa possibilita o deslocamento do trabalhador, mesmo especiali-
zado, para outro ofício. Nesse tipo de sociedade tem-se o trabalho
em geral, como a categoria mais simples, mais abstrata, criada na
36 José Francisco de Melo Neto

sociedade mais complexa. Esse desenvolvimento teórico “não de-


pende exclusivamente da capacidade e da disponibilidade teórica.
Em última instância, a produção teórica deriva de condições reais”
(ibid.: 46). As categorias mais simples detêm as abstrações mais
gerais. São definidas pela simplicidade, pelo alto grau de abstração,
pois são úteis a todas as épocas, exatamente, pela sua generalidade.
5) - A anatomia do homem é a chave da anatomia do maca-
co. A análise feita até agora tem mostrado o método como um ca-
minho, o papel do abstrato (conceito simples, determinação) na
reprodução do concreto no pensamento, a relação da abstração com
a realidade e a importância da fase do desenvolvimento da realida-
de social para a produção das abstrações mais gerais. Esta última
incorpora, em si mesma, a própria história. A teoria desenvolvida
aponta para a economia numa perspectiva histórica, residindo nela
também a determinação, em última instância, da totalidade social,
que é uma totalidade histórica. A análise dessa totalidade remete,
por sua vez e necessariamente, para o conhecimento da economia,
considerando a história um estudo do determinante da totalidade
social.
Convém destacar que a sociedade, em estudo, é a sociedade
burguesa. O presente significa não o contemporâneo ou o que está
ocorrendo, mas “o último modo de produção completo, o modo de
produção capitalista” (ibid.: 53). Portanto, é nesse tipo de socieda-
de, mais complexa, onde é possível a criação de categorias as mais
simples e, conseqüentemente, mais complexas e mais abrangentes,
possíveis de serem utilizadas em análises de sociedades menos de-
senvolvidas. “A análise da história deve ser conduzida por catego-
rias simples e gerais produzidas no estado mais avançado da pró-
pria história” (ibid.: 48).
Entretanto, levanta-se a questão do risco que se corre, ao se
fazer uma análise com categorias geradas na sociedade mais com-
plexa, questionando também se o olhar do presente não deformará
o passado. Essa é uma preocupação para não se perder as especifi-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 37

cidades de cada momento histórico, uma vez que cada um desses


momentos se define por suas peculiaridades, diferenciando-se, as-
sim, um do outro. Com esse cuidado de não perder a própria histó-
ria, a autora vai mostrar que há em Marx uma concepção de história
em que laços orgânicos ligam os diferentes momentos históricos.
Em Marx, contudo, não há a possibilidade de ocorrer a perda da
especificidade dos distintos momentos históricos. A análise entre
esses diferentes momentos exige a preservação da diferença essen-
cial entre eles. Nesse sentido, a autora afirma:

“A lição dada é no sentido de que se disponha de categorias ge-


rais que na sua generalidade abranjam todo o desenvolvimento
desde o ponto em que foram produzidas. A sua generalidade, a-
poiada numa abstração que é condicionada historicamente, lhes
dá validade para todos os momentos anteriores ao da sua produ-
ção, inclusive e principalmente para este” (ibid.: 50).

Ora, a demarcação das diferenças essenciais de cada mo-


mento histórico exige uma definição a respeito de onde devem in-
cidir os cortes na história ou na sua periodização. A autora levanta
novo questionamento: Como realizar a periodização? Responden-
do, ela destaca que a sociedade tem dificuldade de se ver critica-
mente. Em condições bem determinadas, um momento histórico
consegue fazer sua crítica. Sendo assim, para a sociedade mais de-
senvolvida socialmente, mais complexa, isso também é verdadeiro.
Ela vê no texto de Marx a possibilidade de relativizar os outros
modos de produção, quando tem condições de relativizar este atual
modo de produção. Como solução, aponta a crítica ou particular-
mente a autocrítica, compreendendo que isto só é possível na se-
guinte hipótese:

“... Quando uma sociedade deixa de se absolutizar e passa a ser,


portanto, capaz de assumir sua própria particularidade e especi-
38 José Francisco de Melo Neto

ficidade, é capaz de atingir, reconhecendo-as e conhecendo-as,


outras particularidades e especificidades diferentes da sua, ain-
da que lhe sejam anteriores” (ibid.: 51).

A autocrítica de uma sociedade, contudo, é uma capacidade


dessa própria sociedade para perceber, na sua singularidade no
tempo, a sua historicidade. Isto ocorre quando esta não mais se i-
dentifica com o passado, conseguindo se ver como diferente. Mas,
continua seu questionamento, buscando as conseqüências importan-
tes dessa argumentação. Essa análise conduz, necessariamente, para
um estudo do desenvolvimento social mais complexo na sua espe-
cificidade histórica, em que a autora vê várias conseqüências5. A
primeira nega a possibilidade de explicação genética da história.
Dizer, por exemplo, que a produção é histórica, é dizer que ela sur-
ge num determinado momento da história e se extingue em outro.
Isto supera a possibilidade de uma visão genética que vê o desen-
volvimento da história de modo linear. A segunda é que se procure
ver, antes de tudo, as diferenças essenciais. É preciso respeitar as
especificidades históricas, “tanto as do presente como as do passa-
do”. A terceira é que “tanto ‘presente’ como ‘passado’ sejam en-
tendidos (argumentos) em termos de ‘organização histórica da
produção’. Toda essa discussão é travada no nível teórico do modo
de produção” (ibid.: 53).
6) - A ordem das categorias - Esta é a última parte do texto
do método. É o momento em que se trata do plano de análise e da
ordem das categorias nesse mesmo plano. Agora, as questões levan-
tadas dizem respeito a como montar essa análise e por onde come-
çá-la. Convém destacar que a realidade concreta existe independen-
temente de estar sendo pensada ou mesmo depois de ser pensada.
Sua independência a localiza fora do espírito, caracterizado por
atividades apenas teóricas. As categorias criadas têm todas, como

5
Um desenvolvimento teórico mais elaborado encontra-se em LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. (op. cit.: 52 53).
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 39

base, o pressuposto da anterioridade da realidade, mas destas “não


são mais que parciais em relação a ela”. As categorias não conse-
guem, senão de forma unilateral, dar conta do real em toda sua
completude. Isso exige organização dessas categorias para que se
possa chegar ao conhecimento mais abrangente e mais profundo da
realidade. E aí de novo surge a questão: E qual é o princípio orga-
nizador dessas categorias? Limoeiro Cardoso apresenta os diferen-
tes modos de produção, tentando mostrar como a agricultura, num
determinado modo de produção, se constituiu numa atividade prin-
cipal. Conseqüentemente, a renda fundiária e a propriedade vão se
constituir em categorias que expressam essas dominâncias. Na so-
ciedade burguesa, por sua vez, o capital é ponto de partida e de
chegada de tudo, e se estabelece, no capitalismo, como categoria
principal diante da renda fundiária. Finalmente, afirma:

“A ordem das categorias, portanto, responde à ordem de impor-


tância relativa das relações que expressam, importância que é
relativa à capacidade das relações em determinar a organização
da produção. Tem precedência teórica a categoria que expressa
as relações mais determinantes” (ibid.: 54).

É com esse método que Marx busca analisar a sociedade


burguesa. Como método geral, tem início no campo das abstrações
(as determinações mais simples), reproduzindo essa sociedade no
pensamento. Chega às determinações, teoricamente, ao realizar a
análise crítica de conceitos gerados na empiria da economia clássi-
ca. Tal crítica apresenta o confronto desses conceitos com a reali-
dade. Uma suposição primeira, presa à exterioridade e anterioridade
do real, e uma outra, que é a mutabilidade histórica. Sob o manto
da mutabilidade, conseqüentemente das condições históricas, é que
são produzidos determinados conceitos. Conceitos simples - os
mais abstratos - só são possíveis em sociedades mais complexas -
aquelas que se quer estudar. E ainda, a ordem dos conceitos traba-
40 José Francisco de Melo Neto

lhados não é a do seu aparecimento histórico e, sim, uma ordem


significativa para a sociedade em estudo. O princípio que rege essa
ordem é o da hierarquia teórica.

1.2 - Hegemonia como direção intelectual e moral

Essa forma de raciocínio, transmitido com o nome de dialé-


tica, apresentou-se, inicialmente, como uma arte de perguntar e
responder, presente não só em Platão6, mas também em antecesso-
res, como Sócrates e sofistas. Adquiriu o significado de argumenta-
ção naquilo que é só provável, em Aristóteles7; lógica formal, no
sistema de artes medievais. Em Kant8, apresenta-se como lógica
das aparências, porém, como motor do conhecimento primeiro,
lógico ou na sua totatalidade. Transforma-se, hoje, em sinônimo de
realidade histórica. Isto é possível, quando o homem se reconhece
com consciência da realidade e nela atua buscando uma contínua
transformação.
A busca por elementos teóricos que possibilitem análises
para o objeto de pesquisa, com a visão de contínua transformação,
está presente na filosofia da práxis, em Gramsci, mantendo-se um
debate com Hegel e Marx, vindo trazer outros elementos para a
análise da realidade histórica. Gramsci reelabora e apresenta novos
conceitos para o campo do marxismo, tais como: bloco histórico,
hegemonia, aparelhos de hegemonia, intelectuais orgânicos.
Desse debate, destaca-se, como pontos constituintes de uma
doutrina sobre o marxismo, uma visão da filosofia como historici-

6
Ver Platão. Diálogos. O Banquete - Fédon - Sofista - Político. Seleção de Textos de José Américo Motta Peçanha;
traduções e notas de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa. 2a. ed. São Paulo, Abril Cultural, l979.
7
Ver Aristóteles. Tópicos; Dos Argumentos Sofísticos. Seleção de José Américo Peçanha. Tradução de Leonel Vallandro e
Gerd Bornheim. Abril Cultural, São Paulo, l978.
8
Ver Kant, Emannuel. Crítica da Razão Pura. Tradução de Valério Rohden e Udo Baldur Moosburger. São Paulo, Abril
Cultural, l980.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 41

dade e como ideologia. Chega-se à compreensão de que a “filosofia


não faz história consigo mesma, mas com e a partir de outra coisa”
(Sichirollo, 1980: 196). Daí a natureza da filosofia, nada utilitarista,
mas tendo a ver com aquilo que existe, consistindo nisto seu caráter
ideológico e abstrato.
Limoeiro Cardoso concebe o debate sobre a ideologia9, no
campo do marxismo, a partir da perspectiva em que as relações de
produção constituem a estrutura econômica da sociedade e sobre a
qual se eleva uma superestrutura jurídica e política. Essa superes-
trutura vai corresponder a formas de consciência social determina-
das. Apresenta, outrossim, uma diferenciação marcante entre a
transformação material das condições econômicas de produção e as
formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas. Essas são as
formas ideológicas em que se expressam os conflitos e onde o ho-
mem toma consciência dos mesmos, buscando a sua superação. É
importante destacar essas formas ideológicas que, juntamente com
as condições de produção, constituem a estrutura, cabendo na su-
perestrutura o jurídico, o político e as formas de consciência social.
Explicita ainda que “as formas de consciência social existem no
jurídico, no político e nos demais aspectos (religiosos, artísticos,
filosóficos) que compõem a superestrutura” (Limoeiro Cardoso,
1978: 42). O político, o jurídico, o artístico, o religioso, o filosófico
são superestruturais e formam um só conjunto. São determinados
pela base econômica, mas que reagem entre si e também com essa
base. “Há, pois, uma ação que dinamiza aquele conjunto interna-
mente e em direção à base econômica, mas estas ações são rea-
ções, embora como reações adquiram forma, consistência e dire-
ção próprias” (ibid.: 42).
A autora apresenta ainda a estrutura não como expressão de
unidade, mas como o campo de uma oposição. Nesse sentido, vê as

9
Ver LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro , Paz e Terra,
2a.ed. l978, p. 41-42.
42 José Francisco de Melo Neto

relações de produção como o fundamento da estrutura, necessaria-


mente, permeadas de classes sociais que estão bem definidas por
essas relações de produção. Com as classes sociais no seu devido
lugar na estrutura, esta conterá necessariamente a sua marca, não se
expressando como uma unidade. Há, por parte da autora, um resga-
te necessário nesta formulação com o lugar das classes sociais e seu
papel na estrutura.

“As classes são condição da produção, pois são elas que dão
forma à produção e a permitem; assim como são condição da
troca, na sociedade produtora de mercadorias, pois é através de-
las que as mercadorias chegam e saem do mercado. As classes
sociais são tão importantes na determinação do processo da
produção quanto as condições materiais” (ibid.: 54).

Situa-se a seguir numa posição gramsciana ao desenvolver


uma análise teórica da ideologia, caracterizando-a e distinguindo-a
a partir de sua vinculação com as classes sociais. “Resulta, pois, o
caráter de classe da ideologia. A ideologia comporta a ideologia
dominante e a ideologia dominada, com tendências semelhantes às
classes sociais” (Limoeiro Cardoso, l977: 91).
Para uma melhor caracterização a autora define, frente à óti-
ca da sociedade de classe, uma ideologia do como, isto é, aquela
ideologia dominante cuja tarefa principal é a apresentação das justi-
ficativas das necessidades daquela classe dominante, mascarando-
as como necessidades gerais. A outra é a do por que , a ideologia
das classes subalternas baseada, sobretudo, no questionamento da
dominação, que é ao mesmo tempo responsável pela busca de outro
tipo de organização da sociedade. Nesse sentido, está a importância
da ação ideológica dessas classes subalternas, tornando-se possível
a construção de sua própria ideologia, mesmo na sociedade capita-
lista.
É de se questionar qual seria a categoria teórica explicativa
dessa produção ideológica nas sociedades de classe. Parece que se
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 43

encontra no conceito de hegemonia10, segundo Gramsci. É com


esse conceito que se tornam possíveis as explicações das relações
que se travam entre as classes sociais e no interior das classes soci-
ais fundamentais, constituindo-as. Torna-se possível trabalhar, ago-
ra, com os aspectos da direção política e cultural que envolvem as
classes fundamentais presentes na sociedade.
Em Gramsci, hegemonia é, portanto, um conceito que não
exige o domínio prévio do poder, mas sim a adesão em torno de
uma classe, seja por outra classe ou por segmentos dessa classe.
Dessa adesão decorrem dois aspectos básicos: primeiro, a coesão
por oposição, isto é, o processo de adesão no interior de uma classe,
através de um processo gerador de uma direção, a partir de frações
dessa mesma classe, distanciando-a da outra classe fundamental.
Esse processo conduz à coesão de classe. É possível que a direção
política também se exerça entre classes sociais, quando um projeto
de uma fração de uma classe consegue a adesão não somente de
setores afins da mesma classe, como também de frações de outra
classe. Através desse processo, um projeto cuja base e origem é
particular, se generaliza ou até se universaliza, funcionando então
como um projeto da sociedade como um todo. O segundo aspecto
se refere à coesão por domínio, num processo de imposição entre
classes distintas. Instaura-se aí, com o recurso à força, a coesão
entre classes. O primeiro aspecto depende da “subordinação, ou do
exercício negativo do domínio e conduz a uma coesão de classe”.
O segundo “depende do exercício positivo do domínio e instaura
uma coesão, precária por que entre as classes” (Limoeiro Cardoso,
1978: 73).
Há algo diferente na formulação gramsciana de hegemonia.
Para ele, esta se exerce e se expressa de duas maneiras: uma, pelo
domínio; outra, pela direção intelectual e moral.

10
Essa interpretação de hegemonia é desenvolvida por Limoeiro Cardoso em seus dois livros: La Construcción de
conocimientos: cuestiones de teoría y método, p, 103 e Ideologia do Desenvolvimento- Brasil: JK-JQ, p, 73.
44 José Francisco de Melo Neto

“O domínio supõe o acesso ao poder e o uso da força, compre-


endendo a função coercitiva; a direção intelectual e moral se faz
através da persuasão, promove a adesão por meios ideológicos,
constituindo a função propriamente hegemônica” (ibid.: 73).

Dessa forma, abre-se a possibilidade de se conceber hege-


monia no campo das classes dominadas, naturalmente vinculada ao
grupo hegemônico interno ou grupo social básico. Esta interpreta-
ção tem forte significado para o conceito de hegemonia, conside-
rando-se que, em Lenin, a hegemonia era exercida pela classe do-
minante, sendo necessário o acesso ao poder para se estabelecer a
hegemonia também no campo cultural, moral e político. É uma
visão onde a transformação no campo ideológico se implanta com a
necessária transformação econômica, sendo possibilitada pelo aces-
so político. Na interpretação gramsciana há, portanto, uma negação
dessa visão, abrindo espaço para o exercício da direção intelectual,
moral e política da hegemonia, antes da chegada ao poder. Estabe-
lece-se, dessa maneira, uma nova forma de relacionamento do polí-
tico e do econômico.

“Sem deixar de considerar o econômico como determinante,


procura descobrir a autonomia relativa da política quanto à e-
conomia, revalorizando, assim a ideologia. ... Não há dúvida de
que a determinação é do econômico, mas não diretamente, nem
imediatamente, nem absolutamente” (ibid.: 74).

Segundo a autora, há uma revalorização positiva e determi-


nante do fator ideológico, expressando-se assim uma forma de co-
mo se efetiva tal ação, onde há o exercício da função dirigente sem
testar ainda sob seu controle a função de domínio. Fica claro que
não há independência entre transformações ideológicas e transfor-
mações econômicas e nem tão pouco que elas podem acontecer de
forma natural, direta ou espontânea. “A hegemonia é apresentada
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 45

como uma reforma intelectual e moral junto a uma transformação


das relações econômicas da sociedade”11.
Esse é um processo de formação da vontade coletiva, unifi-
cador do proletariado, dos trabalhadores em torno das lutas funda-
mentais da classe. Um processo de unicidade de fins econômicos e
políticos com a unidade intelectual e moral que é possível com a
formação de uma política de alianças. “O proletariado pode se tor-
nar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar
um sistema de alianças de classes que lhe permita mobilizar contra
o capitalismo e o Estado burguês a maioria da população traba-
lhadora ...”(Gramsci, l977: 22).
Assim é que se estabelece como elemento fundamental a
questão das alianças no pensamento de Gramsci. É uma questão
decisiva para o operariado na conquista da direção ideológica e
política da sociedade. Para Carvalho (1986: 54), as alianças são
importantes para a conquista do poder, considerando que é através
desse sistema de alianças que se “configura a base social da dita-
dura do proletariado e do Estado operário”. A constituição desse
sistema ou a construção dessa vontade coletiva se dá em decorrên-
cia de um processo complexo de relações políticas que se estabele-
cem entre as frações das classes dominadas. Dessa maneira, está
reservado a uma dessas frações (por exemplo, o operariado) o exer-
cício da direção política, firmando alianças, eliminando-se qualquer
relação de opressão política e de domínio e estabelecendo-se com-
promissos com as reivindicações fundamentais da classe.

“O processo de constituição de alianças é um processo demo-


crático na busca de um consenso, pressupondo uma direção e-
xercida pela classe proletária enquanto classe que, assumindo

11
Cambareri, S. Il Concetto di egemonia nel pensiero di A. Gramsci. Roma, Runiti, apud Limoeiro Cardoso , Miriam.
Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ, p. 75.
46 José Francisco de Melo Neto

uma função fundamental no sistema produtivo, tem um papel his-


tórico no desenvolvimento da sociedade” (Ibid.: 55).

Dessa mesma base teórica surge o conceito de bloco históri-


co, que, de acordo com uma das interpretações correntes, designa o
fato de que as forças materiais são o conteúdo, enquanto as ideolo-
gias constituem a forma desse pensamento. Não se conceberão,
portanto, historicamente, forças materiais sem forma nem as ideo-
logias sem forças materiais. “Esse conceito pode ser assumido co-
mo o positivo, sendo o negativo as componentes que o acionam, o
colocam em crise e o derrubam” (Sichirollo, 1980: 198).
As forças materiais, as ideologias e a sua dialética não são,
na verdade, um ponto de vista na análise gramsciana. A filosofia,
como historicidade e ideologia, e o conceito de bloco histórico se
tornam “um resultado histórico, e o conceito de dialética, que é a
sua mediação, identifica-se com a realidade histórica, quando é
encarada como (e na) plenitude das contradições” (ibid.: 199).
Em Concepção Dialética da História, Gramsci faz um res-
gate da filosofia da práxis . No contexto da chamada corrente his-
toricista, pode-se afirmar que põe uma essência nessa elaboração,
não isolando as dimensões econômica, política e ideológica, man-
tendo em última instância a determinação econômica. Essa visão
vai perpassar os temas candentes do campo do marxismo, tais como
a singularidade de seu método de análise, bem como a transição
para o socialismo.
Ao resgatar a filosofia da práxis, Gramsci (1981: 189) tam-
bém lhe confere uma autonomia, que consiste no fato de não poder
se confundir e nem se reduzir a nenhuma outra filosofia. “Ela não é
só original enquanto supera as filosofias precedentes, mas nota-
damente enquanto abre um caminho inteiramente novo, isto é, re-
nova de ponta a ponta o modo de conceber a própria filosofia...”.
Nessa perspectiva está uma nova concepção de mundo. Está tam-
bém uma nova formação social, sendo indispensável pensar a ideo-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 47

logia nesse contexto, considerando-se que ela está encaixada nas


relações entre as classes constituintes dessa formação social. “Eli-
minando-se qualquer destas relações, elimina-se a possibilidade de
entender a ideologia e a sua influência na formação, na manuten-
ção e na transformação da sociedade” (Limoeiro Cardoso,
l978:72).
O conceito de hegemonia não pertence exclusivamente à
fórmula gramsciana da hegemonia civil, pois já aparece em outros
autores na tradição marxista, particularmente em Lenin. Trata-se de
uma fórmula que aponta para uma necessidade tática, para as ativi-
dades de organização dos setores subalternos da sociedade, na bus-
ca da construção de sua própria hegemonia. Tumolo (1991) mostra
que a escola, a universidade, como aparelho de hegemonia, pode
tornar-se uma das “agências” da construção da hegemonia proletá-
ria, na medida em que exercer a função de transmissão do conhe-
cimento sistematizado, considerando que essa construção pressupõe
a apropriação desse conhecimento.
A busca por outras visões de mundo com as classes subal-
ternas, que eventualmente estejam sendo discutidas através de pro-
jetos de extensão ou outras formas, pode constituir-se em experiên-
cias de construção de hegemonia. A discussão da hegemonia, em
Gramsci (l987: 9), implica reforma intelectual e moral. Ele fala de
outra civilização que pretende a “elevação civil dos estratos opri-
midos da sociedade” e que “deve estar ligada a um programa de
reforma intelectual e moral”. Uma discussão da hegemonia trata
especificamente de relações internas à superestrutura, mas também
remete à estrutura como determinante delas.
Essa análise (ibid.: 45) é marcada por duas formulações fei-
tas por Marx. A primeira diz respeito à impossibilidade da socieda-
de de propor tarefas para cuja solução não existam já as condições
necessárias e suficientes, ou que estas não estejam em vias de apa-
rição e de desenvolvimento. A segunda é que nenhuma sociedade
48 José Francisco de Melo Neto

se dissolve ou pode ser substituída sem antes ter desenvolvido to-


das as formas de vida implícitas nas suas relações. São essas rela-
ções que precisam ser distinguidas em movimentos orgânicos e
movimentos de conjuntura.
Hegemonia com essas características, incluindo a possibili-
dade de que também seja construída e exercida pelos grupos domi-
nados, constitui um avanço no campo das formulações marxistas,
desdobrando teoricamente recursos de estratégia e de tática para um
processo de transformação, a ser assumido pelas classes subalterni-
zadas. É um processo marcadamente cultural enquanto conheci-
mento de sua própria personalidade, compreensão de seu valor his-
tórico, de sua função na sociedade, além de seus direitos e deveres.
Tudo isso pode dar-se antes da tomada do poder. Este é um proces-
so em que as classes subalternas já iniciam o exercício de sua he-
gemonia, enquanto a consolidam através de sua própria prática po-
lítica, difundindo e vivenciando a sua concepção de mundo.
A partir daí, pode-se analisar a sociedade com base numa
metodologia que é a de detectar os princípios ou movimentos que
buscam a organização de uma vontade nacional-popular12 , tendo
como desafio a combinação do orgânico e do ocasional - a conjun-
tura. A dimensão ocasional valoriza aspectos econômicos num de-
terminado momento. A estratégia é, contudo, a afirmação da neces-
sidade de acúmulo de forças, intensificando a busca por mais e
mais aliados. A visão orgânica pode arrastar consigo um certo vo-
luntarismo, salientando a intervenção da vanguarda teórica que in-
terpreta o desejo das massas. Essa vanguarda, muitas vezes, buscou
uma ruptura revolucionária, apesar de não haver movimento das
mesmas. Dias (l991: 5) exemplifica essa visão com a postura da
tática classe versus classe, desenvolvida pela Internacional Comu-
nista, contra a qual Gramsci se posicionara, mesmo no cárcere. No

12
Ver DIAS, Edmundo Fernandes. Hegemonia: nova civilitá ou domínio ideológico. História e Perspectiva, no. 5 , jul-
dez. l991. Editora da Universidade Federal de Uberlândia, MG.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 49

processo de construção de hegemonia das classes subalternas da


sociedade, Gramsci (1987: 49) distingue três níveis ou momentos
das relações e forças. No primeiro, a classe existe objetivamente,
mas não se traduz necessariamente em existência política. No se-
gundo momento - o político - as classes vivem um processo eco-
nômico-corporativo voltado para si e para seus interesses específi-
cos. Seu processo de avanço político dá-se no sentido de perceber a
necessidade de sair de seu isolamento enquanto classe. É um pro-
cesso de onde se desenvolvem avaliações do grau de homogeneida-
de a classe, de sua auto-consciência e de organização. Quanto a
esse momento, Gramsci (ibid.: 50) afirma:

“Há vários graus de consciência política coletiva: a) o econômi-


co-corporativo onde a identificação se faz a nível de corporação,
e não de classe; b) já se apercebe da identidade de classe mas
não coloca a questão do Estado. Sua política está na perspectiva
e no terreno da política existente; c) é, especificamente política e
que assinala a clara passagem da estrutura à esfera das superes-
truturas complexas; é a fase em que as ideologias germinadas
precedentemente se tornam partido (...), criando assim a hege-
monia de um grupo social fundamental sobre uma série de gru-
pos subordinados”.

No terceiro momento, situa-se a relação das forças militares.


Este, por sua vez, está dividido em graus, no sentido estritamente
técnico-militar e político militar. Em Gramsci, há possibilidades de
cristalização de limites onde se tenha a criação de novo bloco histó-
rico, como nas revoluções francesa e russa. Para ele, “o desenvol-
vimento histórico oscila continuamente entre o primeiro e o tercei-
ro momentos, com a mediação do segundo” (ibid.: 51).
Assim é que a construção da teoria da hegemonia na visão
gramsciana vai sendo construída através da concepção de amplia-
ção do Estado, e com isso, a estrutura de poder, com a retificação
50 José Francisco de Melo Neto

do conceito de intelectual-partido, bem como de uma concepção


mais abrangente da luta de classe, ou seja, da revolução.
Nesse processo de análise, alguns pressupostos são coloca-
dos como base na formulação da teoria de hegemonia das classes
subalternas. Num primeiro momento da obra gramsciana, investe-
se no terreno das relações sociais, dando maior amplitude e defini-
ção aos sujeitos dessas relações. Hegemonia, como direção e con-
senso, não se simplifica nas explicações das relações entre classes.
Vai mais além. A hegemonia, ao explicar as relações entre os di-
versos grupos e camadas sociais que dão a conformação de uma
sociedade, ultrapassa o terreno das relações entre classes e passa a
nomear outros sujeitos para as relações entre grupos sociais no inte-
rior de um mesmo aparelho de hegemonia, num partido político ou
nas igrejas, entre leigos e pastores, ou no interior da escola, entre
alunos e professores.
Amplia-se mais a hegemonia ao discutirem-se as relações de
um país, ao estudar-se a História dos Estados, nomeando-os hege-
mônicos e subalternos. Maior ampliação se apresenta, ao trazê-la
para o nível conceitual, destacando as relações do exercício do sa-
ber, ao desenvolver a critica à filosofia idealista, posicionando-se
pela filosofia da práxis, buscando, como ação, a unidade entre ciên-
cia e vida, entre teoria e prática.
Convém ainda destacar em Glucksmann (l980: 30), como
elemento importante na abordagem de Gramsci sobre esse processo
de construção de hegemonia, a questão do conceito de Estado, en-
tendido como instrumento coercitivo. Esse conceito se apresenta
como expressão de equilíbrio entre sociedade civil e política (ou
hegemonia exercida por um grupo social sobre a sociedade nacional
como um todo, por meio de organizações pretensamente privadas,
tais como: Igreja, sindicatos, escolas, etc).
Essas organizações vão constituir os aparelhos de hegemo-
nia de uma classe, em suas várias articulações e subsistemas. Situ-
am-se, como aparelhos de hegemonia, o aparelho escolar, o apare-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 51

lho cultural e o editorial, envolvendo bibliotecas e museus. Como


aparelho de hegemonia estão também os jornais, as igrejas, os par-
tidos e até os nomes de rua. Esse conceito, segundo a autora, é uma
novidade nos Primeiros Cadernos - o conceito de aparelho de he-
gemonia - sendo completado pelo de “estrutura ideológica de clas-
se”. Define-se aparelho de hegemonia como um “conjunto comple-
xo de instituições, ideologias, práticas e agentes (entre os quais os
“intelectuais”), que encontra sua unificação através da análise da
expansão de uma classe vindo qualificar e precisar o conceito de
hegemonia” (ibid.: 70).
Fundamental também é a compreensão do intelectual no
processo de direção, bem como, seu papel no processo de organiza-
ção e transformação.
Gramsci (1979: 7) compreende o intelectual não no sentido
da erudição, deslocando-o daquilo que é intrínseco às atividades
intelectuais, para defini-lo “no conjunto de sistema de relações no
qual estas atividades (e, portanto, os grupos que as personificam)
se encontram, no conjunto geral das relações sociais”. Isto exige,
para a realização do conceito, a ação ao nível da organização da
classe reivindicada pelo intelectual. É, então, um organizador em
todos os campos da vida social. Sua função social e seu vínculo
orgânico com um projeto político de classe, para construção de
hegemonia, são os parâmetros que definem o intelectual gramscia-
no.
Partindo de suas observações do modo de constituição da
unidade italiana, Glucksmann (1980) destaca a importância dada à
maçonaria, como representação da ideologia e da organização real
da classe burguesa capitalista. Para ela, isto é a prova de uma orga-
nização aparentemente privada, porém, desempenhando papel ideo-
lógico e político, portanto decisivo, na unificação de classe, por
intermédio do Estado e dos intelectuais. Um exemplo apresentado
pela autora “mostra o papel do aparelho de hegemonia em um mo-
52 José Francisco de Melo Neto

do de constituição de classe, seus vínculos com o Estado” (ibid.:


141).
Aparelhos de hegemonia podem ou não estar vinculados ao
Estado. A escola e a universidade se constituem em aparelhos dessa
natureza, veiculando ações que podem ajudar a construção de he-
gemonia da classe subalterna. Gramsci (1979: 130), em sua inves-
tigação sobre o princípio educativo, onde discute também o papel
dos intelectuais, observa:

“A escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações


tradicionais de concepções de mundo, a fim de difundir uma
concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e funda-
mentais são dados pela aprendizagem da existência de leis natu-
rais como algo objetivo e rebelde às quais é preciso adaptar-se
para dominá-las, bem como de leis civis e estatais que são pro-
dutos de uma atividade humana estabelecida pelo homem e po-
dem ser por ele modificadas visando a seu desenvolvimento cole-
tivo (...) a lei civil e estatal organiza os homens de modo histori-
camente mais adequado à dominação das leis da natureza, isto é,
a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através
da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, vi-
sando transformá-la e socializá-la, cada vez mais profunda ex-
tensamente”.

A noção de aparelho de hegemonia, atribuindo qualificação


e precisão à hegemonia, acrescenta ainda mais uma proposição na
formulação dessa teoria. Nela, a de idéia de hegemonia não depen-
de só dos sujeitos e locus da sua realização. Não diz respeito à ma-
neira distinta de sua realização. Depende, isto sim, da articulação
dessas proposições. Ela se efetiva através de instrumentos, as insti-
tuições várias. Para Nascimento (l984: 81), “a hegemonia de um
sujeito histórico precisa realizar-se em ‘locus’ específicos, com um
conteúdo preciso, em formas singulares e através de instrumentos e
instituições que lhe são próprias”.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 53

Da tentativa de compreensão de uma relação hegemônica,


portanto, surgirá a definição do sujeito ou sujeitos a quem ela diz
respeito, mesmo que nem sempre estejam evidentes. A definição de
espaço social, em que a hegemonia se exerce, precisa seu tempo,
forma e conteúdo na historicidade dos sujeitos. Serão necessários
também os seus mecanismos particulares de realização, além dos
instrumentos e instituições onde a hegemonia se concretiza, ou se
concretiza o seu aparelho.
Estas são as bases teórico-metodológicas que estarão per-
meando os estudos dos vários projetos de extensão universitária,
em desenvolvimento, na busca de respostas às questões formuladas
para pesquisa.
54 José Francisco de Melo Neto

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

1 - Concepções de extensão universitária

Os primórdios da extensão universitária aparecem com as


universidades populares da Europa, no século passado, que tinham
como objetivo disseminar os conhecimentos técnicos, segundo vá-
rios autores, como Rocha (1986), Fagundes (1986) e Botomé
(l992). É importante observar os comentários de Gramsci (1981:
17) sobre essas universidades:

“ ... estes movimentos eram dignos de interesse e merecem ser


estudados; eles tiveram êxito no sentido em que revelaram da
parte dos simplórios um sincero entusiasmo e um forte desejo de
elevação a uma forma superior da cultura e de uma concepção
de mundo. Faltava-lhes, porém, qualquer organicidade, seja de
pensamento filosófico, seja de solidez organizativa e de centrali-
zação cultural; tinha-se a impressão de que eles se assemelha-
vam aos primeiros contatos entre mercadores ingleses e negros
africanos: trocavam - se berloques por pepitas de ouro”.

A crítica se refere aos intelectuais que, mesmo desejosos de


servir ao povo, à classe dominada, teriam um outro papel, que era o
de compreender as formas de vida e as propostas da classe traba-
lhadora. Esquecidos desse papel, ou mesmo por incompetência,
esses intelectuais expressavam, segundo a crítica de Gramsci, uma
visão dominadora de seus saberes ao pretender levá-los ao povo.
Além das experiências européias, foi em universidades nor-
te-americanas, sobretudo naquelas localizadas na zona rural, que
surgiram duas novas visões diferenciadas daquelas existentes na
Europa: uma visão denominada cooperativa ou rural e outra uni-
versitária em geral. Essas visões, contudo, estavam marcadas por
um certo desejo de ilustrar as comunidades. A extensão nas univer-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 55

sidades americanas caracterizou-se, pela idéia de prestação de ser-


viços.
Os movimentos europeus de universidades populares, ou a
extensão veiculada por eles, diferenciam-se substancialmente das
versões americanas. Estas, em geral, resultaram da iniciativa ofici-
al, enquanto aquelas surgiram de esforços coletivos de grupos autô-
nomos em relação ao Estado. A esse respeito, Tavares (l996: 27),
afirma:

“ Visando, por um lado, preparar técnicos e, por outro lado,


dispensar o mínimo de atenção às pressões das camadas popula-
res, ainda que cada vez mais expressivas e mais reivindicativas,
a extensão universitária se consolida através de cursos voltados
para os ausentes da instituição que, sem formação acadêmica
regular, desejam obter maior grau de instrução”.

Já, na América Latina, a extensão universitária esteve volta-


da, inicialmente, para os movimentos sociais. Merece destaque o
Movimento de Córdoba, de l918. Nesse movimento, os estudantes
argentinos enfatizam, pela primeira vez, a relação entre universida-
de e sociedade. A materialização dessa relação ocorreria através das
propostas de extensão universitária que possibilitassem a divulga-
ção da cultura a ser conhecida pelas classes populares. Esta foi uma
idéia preliminar, que permeou também a organização estudantil no
Brasil, a partir de l938, quando da criação da União Nacional dos
Estudantes - UNE. Essa idéia foi determinante para a concepção de
extensão veiculada pelo movimento estudantil brasileiro.
No Brasil, anteriormente ao movimento estudantil organiza-
do pela UNE, houve experiências de vinculação da extensão com as
universidades populares, na tentativa de tornar o conhecimento
científico e literário acessível a todos. No início do século, surgem
a Universidade Popular da Paraíba e a Universidade Popular de São
Paulo, sendo esta a mais importante. Mas, sobretudo com a Univer-
56 José Francisco de Melo Neto

sidade Popular de São Paulo, a experiência de extensão a partir da


organização universitária inicia-se pela promoção de cursos de ex-
tensão veiculadores de conteúdos “positivistas ou de disseminação
da cultura da elite” (Rocha, 1989:7).
Na concepção veiculada pelo Movimento de Córdoba, a ex-
tensão universitária surge como “fortalecimiento de la función so-
cial de la Universidad. Proyección al pueblo de la cultura univer-
sitária y preocupación por los problemas nacionales” (Blondy,
1978: 8). Nesse caso, a extensão universitária se desenvolve como
uma tentativa de participação de segmentos universitários nas lutas
sociais, objetivando transformações da sociedade, sendo esta uma
preocupação marcante no movimento de reformas de Córdoba, uma
combinação, segundo Rocha (1989: 11), da “ideologia nacional-
populista então vigente, com uma luta política de combate ao im-
perialismo, que se traduzia na necessidade de uma aliança pan-
americana”. Desses ideais, destacam-se dois tópicos constantes na
Carta de Córdoba: “a) a extensão universitária entendida como
fortalecimento da função social da universidade. Projeção ao povo
da cultura universitária e preocupação pelos problemas nacionais;
b) a unidade latino-americana e a luta contra as ditaduras e o im-
perialismo” (ibid.: 13). Essas reivindicações estudantis, entre ou-
tras, sugerem que a reforma de Córdoba se movimenta num campo
teórico-político muito vasto. Caracterizando-se como um movimen-
to político-estudantil, a reforma mostrou a necessidade de partici-
pação das classes subalternas na nação, através da extensão. Tudo
isso ocorre num momento político em que a Argentina vivia um
clima de anti-imperialismo, projetando-se a necessidade de que,
através de segmentos universitários, a própria universidade partici-
passe das transformações sociais. Pode-se compreender que as ‘ta-
refas de extensão’ possibilitariam aos estudantes formas de se fami-
liarizarem com os problemas da realidade, decorrentes dos contatos
com o povo.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 57

O ideário da extensão desenvolve-se voltado para a difusão


cultural, sobretudo, para a educação popular - desde o Congresso
Universitário, em l908, no México - refletindo-se no movimento de
reformas de Córdoba. São esses ideais que inspiram a plataforma
dos estudantes brasileiros. A UNE, que é referência da organização
do movimento estudantil no país, assume essas idéias, de acordo
com Rocha (Ibid.:13) ao “elaborar o Plano de Sugestões para uma
Reforma Educacional Brasileira”. O ideário de Córdoba está ex-
presso nas funções sociais reservadas para a universidade, assim
delineadas:
“1) (...) a transmissão e desenvolvimento do saber e dos métodos
de ensino e pesquisa através de exercício da liberdade do pen-
samento, da cátedra, da imprensa, de crítica e de tribuna de a-
cordo com as necessidades e fins sociais; 2) a difusão da cultura
pela integração da universidade na vida social popular” (apud,
Poerner, 1979:328).

A extensão aqui é entendida em termos de difusão da cultu-


ra e de integração da universidade com o povo. As vias de imple-
mentação serão, naturalmente, os cursos de extensão e divulgação
de conhecimentos científicos e artísticos. Trata-se de uma concep-
ção que compreende a função da universidade como doadora de
conhecimentos, pretendendo impor uma sapientia universitária a ser
absorvida pelo povo. Por isso, o caráter assistencialista está presen-
te nesse Plano de Sugestões da UNE.
A concepção de extensão do movimento estudantil foi sen-
do divulgada pelas mais diferentes formas em todo o país, através
do Teatro da UNE, dos Centros de Debates, Clubes de Estudo, Fó-
runs, Campanhas para a Criação de Bibliotecas nos Bairros, Agre-
miações Desportivas das Populações Pobres e, até, Educação Polí-
tica, com debates públicos, quando a temática era de interesse dos
trabalhadores.
58 José Francisco de Melo Neto

Com a criação da UNE, o Movimento Estudantil enfrentari-


a, em vários momentos, a política hegemônica dos grupos domi-
nantes em relação não só à universidade, mas também às políticas
voltadas para a sociedade. Em particular, destaca-se a famosa cam-
panha do Petróleo é Nosso.
Em seu Congresso da Bahia (UNE, 1961: 26), ao discutir a
Reforma Universitária, a entidade apresenta os traços marcantes da
extensão universitária. Esse documento trata de dois aspectos bási-
cos: a análise da realidade brasileira e a análise da universidade no
Brasil. No texto, merece destaque o capítulo que trata da Reforma
Universitária que, definindo suas diretrizes, passa a assumir um
“compromisso com as classes trabalhadoras e com o povo”. Assim,
é que se defende a abertura da universidade ao povo, com presta-
ção de serviços e promoção de cursos a serem desenvolvidos pelos
estudantes em faculdades. Esses cursos possibilitariam o conheci-
mento da realidade por eles e, por isso, a universidade - a extensão
- os levaria à realidade. A universidade teria um papel de “trinchei-
ra de defesa das reivindicações populares, através da atuação polí-
tica da classe universitária na defesa de reivindicações operárias,
participando de gestão junto aos poderes públicos e possibilitando
cobertura aos movimentos de massa” (ibid.: 56). Caberia à univer-
sidade, através da extensão, a conscientização das massas popula-
res, despertando-as para seus direitos.
Das diretrizes da Declaração da Bahia depreendem-se as ca-
racterísticas de uma universidade democrática, marcada pela exten-
são universitária. O Movimento Estudantil, através das mais dife-
rentes formas, encaminhava suas propostas, principalmente pelos
Centros Populares de Cultura - os CPCs da UNE - desenvolvendo
ações no sentido de abrir a universidade ao povo e, por outro lado,
de levar os estudantes à realidade. Torna-se problemático, nesse
documento, o papel da universidade que, enquanto serviço de ór-
gãos governamentais, seria também a gestora na defesa das reivin-
dicações operárias.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 59

Mesmo assim, na Declaração da Bahia, o caráter da exten-


são é marcado pela autoridade do saber universitário e pelo seu
paternalismo em relação às comunidades tanto da cidade como do
campo. Quanto aos processos de democratização da universidade,
as lutas continuavam ainda limitadas a processos eleitorais de que
apenas estudantes e docentes participavam.
Após 64, a ditadura militar assumiu algumas das reivindica-
ções do Movimento Estudantil, dando-lhes a sua peculiar conotação
ideológica13. Inclui como disciplina nos currículos da universidade
os estudos de problemas brasileiros. A análise política, contudo, era
feita segundo o catecismo do poder militar dominante e não tradu-
zia, na prática, o significado dado pelos estudantes, na Declaração
da Bahia.
No tocante à extensão, a ditadura militar criou vários pro-
gramas de integração estudante-comunidade como o do Centro Ru-
ral Universitário de Treinamento e Ação Comunitária -
CRUTAC14, considerado por Mattos (1981: 108) “um recurso re-
almente capaz de viabilizar a política de extensão universitária...” ,
sendo relevantes o destaque que teve o programa na estrutura da
universidade e as condições, inclusive financeiras, de sua realiza-
ção. Foram criados o Projeto Rondon e a Operação Mauá, esta vin-
culada mais diretamente à área tecnológica. Criaram-se tais pro-
gramas como expressão política de contenção das reivindicações
estudantis e de combate às mudanças de base, defendidas no gover-
no de João Goulart. Com isso podiam apresentar-se às comunida-
des rurais como os benfeitores da sociedade organizada que preco-
nizavam. Os estudantes podiam desenvolver atividades profissio-
nais, nesses projetos, ainda que de caráter assistencial, tudo sob

13
Ideologia. Ver: Limoeiro Cardoso, Miriam. Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK - JQ. Rio de Janeiro, Paz e
Terra, 2a. ed., 1978. Destacar a partir da temática: A ideologia como problema teórico. p.39.
14
Para melhor análise, ver: PAIVA, Vanilda. Extensão Universitária no Brasil. Rev. Bras.de Estudos Pedagógicos.
Jan/abril/86, vol, 67, no. 155.
60 José Francisco de Melo Neto

rigoroso controle político e ideológico. Observe-se o papel político


atribuído à extensão universitária, demonstrando como pode tam-
bém servir ao controle social e político. A universidade pode, dessa
maneira, exercer efetivamente uma função social sem estar sob o
ponto de vista das classes subalternas. Convém ainda lembrar que,
naquele momento, também efetivavam-se duras medidas de repres-
são sobre a sociedade brasileira e, de forma mais direta, sobre o
Movimento Estudantil, vindo a desfazer, em conseqüência, o sonho
da universidade democrática.
Ao analisar conceitualmente a extensão veiculada por Cór-
doba e pelo Movimento Estudantil, Rocha (l989: 27) vê uma dupla
possibilidade nessas formulações. A primeira se apresenta como
uma linha institucional, em termos de atuação própria da universi-
dade; a segunda se processa no plano organizacional, quando da
ação autônoma do estudante, que sempre foi o agente fundamental
desse processo. Na vida universitária, a partir da Reforma de l968,
a extensão formaliza-se institucionalmente, firmando-se a idéia de
prestação de serviço, “como algo próprio e permanente na vida
universitária”. A extensão passa a desempenhar papel importante
para a realização das políticas do governo, através da extensão uni-
versitária, a partir da Reforma Universitária, assumindo uma função
oficialmente definida e que tem tido também o objetivo de captação
de recursos para complementação de verbas insuficientes das dota-
ções universitárias. A relação da universidade com as classes subal-
ternas da sociedade tem se efetivado, preferencialmente, pela oferta
de cursos - os cursos de extensão - ou ainda através de serviços
médico, odontológico ou jurídico. A extensão se delineará como
um canal de construção de hegemonia de setores dominantes da
sociedade, enquanto veiculadora, sobretudo, de um saber dominan-
te. Esse tipo de função social se exerceu, de forma marcante, na
época da ditadura militar, na medida em que se buscou o controle
total da universidade. É importante destacar que, nos dias de hoje,
de novo, o Governo procura também exercer o controle da univer-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 61

sidade com as suas decisões políticas. Essa situação põe em alerta


os que desenvolvem atividades acadêmicas e em particular aqueles
que estão trabalhando em projetos de extensão. As experiências
vêm mostrando que a universidade continua praticamente manten-
do essa mesma postura, ao lado dos setores dominantes.
Ao discutir o envolvimento da universidade na vida da soci-
edade, Kerr (1982: 97) apresenta uma visão ainda mais ampla da
extensão universitária, considerando uma maior fusão dos campi
das universidades com as indústrias e com o próprio governo. Nes-
se sentido é que compreende a extensão como uma aprendizagem
permanente, expressando um entendimento idêntico ao que vem
sendo apresentado pelas atuais políticas neoliberais para a universi-
dade.
Saviani (1981), por outro lado, apresenta uma visão não ex-
tensionista da extensão universitária. O autor faz um detalhamento
sobre o que é o ensino, a pesquisa e a extensão na universidade. Vê
o ensino centrado, basicamente, na transmissão do saber; a pesquisa
destinada à produção de novos conhecimentos, à ampliação da es-
fera do saber humano. Por fim, a extensão, a terceira função da
universidade, “significaria a articulação da universidade com a
sociedade” (ibid.: 62). Essa visão se torna importante, pois aquilo
que se está produzindo, como conhecimento novo, precisa ser re-
passado à sociedade e não apenas a um grupo especial que busca
uma profissão acadêmica. O autor tenta superar uma visão profis-
sionalizante de universidade.
Darcy Ribeiro (1982), por outro lado, vai tratar a extensão
universitária como extensão cultural, considerando-a uma atividade
de caráter mais ou menos demagógico, exercida no interior da uni-
versidade ou fora dela.
Entende tal ação como um borrifar caridoso de um chuvis-
co cultural sobre as pessoas. Para superar essa prática política, pro-
põe que na universidade haja obrigatoriedade no sentido de que
62 José Francisco de Melo Neto

todos os seus setores assumam atividades de extensão universitária


como atividades regulares. Um segundo requisito é que a universi-
dade nova ofereça o maior número possível de Cursos de Seqüên-
cia. “Para isso, será preciso tornar obrigatória, para todos os De-
partamentos, a abertura de seus cursos regulares à inscrição de
candidatos não curriculares, até o limite de 25% do total das ma-
trículas” (ibid.: 239). Pode-se perguntar se isso constitui democra-
cia na universidade ou não será essa a qualidade de educação públi-
ca superior proposta por Darcy Ribeiro. Que significa esse tipo de
presença das pessoas na universidade? A quem serve essa medida
acadêmica?
A idéia de extensão universitária, segundo Fragoso Filho
(1984), é algo que vem de fora da universidade. A finalidade prin-
cipal era, na verdade, o aprimoramento ou desenvolvimento de no-
vas técnicas para a produção, sobretudo nos Estados Unidos. Para
ele, a extensão é um recurso inventado para queimar etapas do de-
senvolvimento, fazendo parte de um projeto da UNESCO, para os
países de Terceiro Mundo. Extensão pode então ser entendida como
“ação prolongada da universidade junto à comunidade circundan-
te; segundo, como expansão para outra comunidade carente e dis-
tante de sua sede, do resultado de sua atividade universitária”
(ibid.: 29). Para ele, esta segunda versão também é conhecida por
campi avançados.
MEC (BRASIL/MEC,1985: 31) expressa a importância,
bem como a conceituação de extensão universitária, através da
Comissão Nacional para a Reformulação da Educação Superior. O
relatório final dessa comissão menciona que a extensão universitá-
ria vem assumindo formas diversificadas e, conseqüentemente,
exige uma melhor definição de sua natureza. A extensão universitá-
ria tem adotado as mais variadas formas de atividades como: está-
gios curriculares, trabalhos de assessorias e consultorias, além de
atendimento a setores sociais carentes. Isto posto, a comissão re-
comendou, na época, estudos sistemáticos para uma maior especifi-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 63

cação da “natureza e seu significado para o conhecimento da rea-


lidade” (ibid.: 31). Contudo, propõe que as atividades de extensão
universitária busquem assegurar a “difusão dos conhecimentos ob-
tidos; a continuidade dos serviços oferecidos à população; a contí-
nua ação recíproca entre a extensão, por um lado e, por outro, o
ensino e a pesquisa” (ibid.: 32). Destaca-se sobre extensão, em
relação ao MEC, o relatório do GERES (BRASIL/MEC,1986: 3),
reforçando a Lei no. 5.540/68, em que se estabelece o princípio da
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, prefigurando
esta como elemento associado em igualdade de condições. Mas a
formulação sobre a extensão é ausente nesse relatório que, por seu
turno, reforça sua compreensão idealizada de universidade, com
citação de Karl Jaspers, onde a idéia de universidade vincula-se a
de sua independência para “a busca da verdade sem restrições”.
Para profissionais da área tecnológica, há uma diferenciação
também quanto ao conceito de extensão universitária. Para Alencar
(1986: 99), a extensão universitária apresenta visibilidade quando
se formula através de convênios diretos entre universidade e em-
presa. Assim, vê a extensão contando com programas dentro de
possíveis convênios, apontando para um espectro amplo de ativida-
des que, no campo da tecnologia elétrica, envolve programa de visi-
tas de alunos e professores a empresas; visita de engenheiros e téc-
nicos das empresas às universidades; programa de estágios e até
programas de atualização técnica de professores junto às empresas.
Trata-se de uma visão em que, utilizando-se um laboratório, por
exemplo, se pode fazer extensão através da prestação de serviço
tecnológico. Uma solicitação que é formulada a um laboratório por
uma empresa e sua resposta a essa demanda vão se constituir numa
via de duplo sentido, caracterizando uma atividade extensionista.
Para o autor esta é uma idéia em que se busca a superação
da instituição universitária, entendida como tradicional, caminhan-
do-se, assim, na direção de um perfil moderno de universidade.
64 José Francisco de Melo Neto

Vislumbra, dessa forma, a modernização da universidade através da


extensão. A extensão, nessa perspectiva, aparece como “função fim,
interligada ao ensino e à pesquisa e voltada para a formação de
carreiras tecnológicas, em estreito contato com a sociedade, para
servi-la em suas necessidades de progresso e desenvolvimento”
(Almeida, l992: 61). Esses autores atribuem à extensão um papel
modernizador único e bastante sonhador, como se o atendimento
dessas necessidades só dependesse da extensão. Antes de tudo, de-
ve-se questionar essa modernização perguntando pelo menos a
quem ela serviria, mesmo que se realizasse através da extensão.
Para Cordeiro (l986: 51), de uma maneira geral, as iniciati-
vas no campo da extensão universitária têm se curvado à influência
cultural dominante do autoritarismo e do elitismo. Isto conduz a
autora a formular dois grandes desafios à universidade, a saber: a
tarefa educativa para construção de uma cultura democrática e a
tarefa necessária de se rever a si mesma, frente aos ensinamentos da
realidade. Para ela, “esses processos podem se constituir em um só
e a extensão, enquanto momento de vivência comunitária, poderá
ser um eixo importante para as mudanças que se quer promover”.
Tem-se uma perspectiva possível de extensão como eixo possibili-
tador de alguma transformação, bem como a extensão expressa pela
convivência comunitária.
A proposta de extensão da Universidade de Brasília (UnB:
l989), veiculada pelo Decanato de Extensão, caracteriza a socieda-
de em um nível incipiente de organização, tendo como conseqüên-
cia a falta de consciência pelos seus direitos de cidadania. As solici-
tações imediatas são as primeiras a serem colocadas, vindo fomen-
tar o assistencialismo e não a autonomia dos setores populares.
Nessa situação, a extensão universitária pode direcionar-se para “a
autonomia política dos segmentos populares, resgatar sua cidadania
e lutar contra o tradicional e nocivo assistencialismo (ibid.: 58).
Durante o XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das U-
niversidades Públicas do Nordeste (BRASIL/MEC,1994: 1), a ex-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 65

tensão é vista como “um nascedouro e desaguadouro da atividade


acadêmica, da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respos-
tas, e o ensino o envolvimento dos estudantes em todas as etapas
desse processo ...”. Isto vai implicar a necessária parceria tão pro-
palada nos dias de hoje. Parcerias que se expressarão tanto na di-
mensão interna como, também, na dimensão externa da comunida-
de universitária. Tal perspectiva vai abrir a concepção de extensão
como “a porta na qual os clientes e usuários têm de bater, quando
necessitados” (Sousa, 1994: 16). Para o autor, a extensão tem o
papel de construir as “passarelas” para o relacionamento da univer-
sidade com a sociedade. A universidade exerce, segundo ele, uma
liderança na sociedade, pois ela “faz com“ e “faz fazer”. ”Amealhar
parcerias. E, num mutirão de solidariedade, consegue navegar” (i-
bid.:16).
Como resultado das deliberações do VIII Encontro Nacional
de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasilei-
ras (BRASIL/MEC, 1994a: 3), ter-se-á uma perspectiva de exten-
são voltada para a cidadania. É a partir do conceito de cidadania
que a extensão se externa como um conjunto de direitos civis, polí-
ticos e sociais gerando, como conseqüência, deveres do indivíduo
para com a sociedade e para com o Estado. Nesse encontro, a uni-
versidade é vista como sujeito social, devendo, portanto, inserir-se
na sociedade “cumprindo seus objetivos de produtora e difusora de
ciência, arte, tecnologia e cultura compreendidas como um campo
estratégico vital para a construção da cidadania”. A partir de uma
auto-reflexão, a universidade deve possibilitar esse intercâmbio
entre si mesma e a sociedade, contribuindo para a construção de
uma cultura de cidadania. É diretriz daquele encontro que “as ativi-
dades de extensão devem voltar-se prioritariamente para os setores
da população que vêm sendo sistematicamente excluídos dos direi-
tos e da compreensão de cidadania” (ibid.: 3).
66 José Francisco de Melo Neto

Nesse debate, Rocha (1980) mostra, sinteticamente, as dife-


rentes formulações “equivocadas” sobre extensão, quais sejam:
como prestação de serviços, como estágio expressando, as mais das
vezes, a agregação da universidade aos programas do governo, op-
ção de captação de recursos, expressão da autonomia do ensino e da
pesquisa, como possibilidade de se estudar a realidade e ainda co-
mo qualquer atividade que não possa situar-se como ensino ou co-
mo pesquisa. Analisando aspectos ideológicos do “fazer extensão”,
Freire (1976) sugere a substituição do conceito de extensão por
comunicação, entendendo que este último traduz muito mais essa
dimensão da universidade, superando o conteúdo de uma educação
“bancária e domesticadora” , a qual a extensão possa conduzir.
Para Reis (l994), a extensão universitária, no Brasil, vem
apresentando duas linhas de ação, refletindo o próprio conceito. Em
uma delas, o autor apresenta a extensão centrada no desenvolvi-
mento de serviços, difusão de cultura e promotora de eventos, daí a
denominação de eventista - inorgânica. Na outra linha, denominada
de processual - orgânica, está voltada para ações, com caráter de
permanência presente ao processo formativo (ensino) do aluno,
bem como à produção do conhecimento - pesquisa - da universida-
de. Nessa linha de ação, estão sendo realizadas, em geral, as ativi-
dades de extensão por boa parte das universidades brasileiras, com
base no conceito de extensão universitária do I Fórum Nacional de
Pró-Reitores de Extensão de Universidades Públicas , em Brasília.
Nele a extensão foi considerada:

“ Processo educativo, cultural e científico que articula o ensino


e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação trans-
formadora entre universidade e a sociedade. A extensão é uma
via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade aca-
dêmica que encontrará, a sociedade, a oportunidade de elabora-
ção da praxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à uni-
versidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que,
submetido à reflexão teórica, será associado aquele conhecimen-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 67

to. Este fluxo que estabelece a troca de saberes sistematizado,


acadêmico e popular, terá como conseqüência: a produção de
conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira
regional; a democratização do conhecimento acadêmico e a par-
ticipação efetiva da comunidade na atuação da universidade. A-
lém de instrumentalizada deste processo dialético de teori-
a/prática, extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a
visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1).

Dantas (1983: 26), ao analisar a tarefa social que constitui a


extensão universitária, em especial ao pensar os serviços da exten-
são, coloca-a “gravitando” em dois aspectos fundamentais: o pri-
meiro, que é a consideração do saber que existe no povo, destacan-
do a necessidade de não “absolutizar e sacralizar essa sabedoria
popular, porém deve-se levar em conta, criticamente, a extensão
universitária”. O segundo, que é a extensão voltada à ação que as-
sessora as populações com mecanismos ou instrumentos que as
ajudem, tendo em vista a transformação social.
Já o Movimento Docente, através da ANDES, ainda voltado à
compreensão de extensão como prestação de serviço, vai caracterizá-
la à parte, em relação à realização de atividades. Estas devem ser
concebidas e estruturadas enquanto instrumentos acadêmicos volta-
dos à formação acadêmica e ao desenvolvimento da pesquisa, bem
como a apoios à comunidade. Essas ações não podem estar voltadas à
captação de recursos para complementação de verbas das instituições
universitárias. O Movimento Docente, admitindo saldos financeiros
dessas atividades, entende que “aos departamentos envolvidos cabe
gerenciar os recursos eventualmente provenientes dessas atividades
dentro de normas gerais, estabelecidas de forma democrática”
(ANDES, l985: 20). Isto sugere uma abertura para tais possibilidades
de geração de recursos, submetendo-os, entretanto, a uma gestão
“transparente” de seu gerenciamento.
68 José Francisco de Melo Neto

O Ministério da Educação e Desporto - MEC continua utili-


zando o conceito de extensão definido no I Fórum Nacional de Pró-
Reitores de Extensão como um processo educativo, cultural e cien-
tífico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e
viabiliza a relação transformadora entre a universidade e a socieda-
de. Reconhece a extensão como uma prática acadêmica que visa a
interligar as atividades de ensino e pesquisa com as demandas da
sociedade, com isso, procurando assegurar o compromisso social da
universidade para com a sociedade. Para o MEC (BRASIL/MEC,
1996) a extensão, sendo essa via de interação entre universidade e
sociedade, se constitui em elemento capaz de operacionalizar a re-
lação entre a teoria e a prática.
Ao assumir o conceito desse Fórum, o MEC coloca também
como objetivos da extensão, no ano de l996, a articulação do ensino
e da pesquisa, no sentido de atender as demandas da sociedade.
Estabelece mecanismos de integração entre o saber acadêmico e o
saber popular. Propõe democratizar o conhecimento acadêmico
promovendo a participação da sociedade na vida universitária e
formando o profissional-cidadão. Pretende, também, contribuir para
as reformulações das concepções e práticas curriculares e, ainda,
para a reformulação do conceito de “sala de aula”.
Para efetivar sua política, o MEC definiu, para l996, o Pro-
grama de Fomento à Extensão Universitária, voltado à integração
com o ensino fundamental que abrange três linhas básicas: “forma-
ção inicial e continuada de professores do ensino fundamental(1a. a
4a. séries); produção de material didático; educação de jovens e
adultos” (ibid.: 1).
Na vida universitária, como se vê, a extensão vem se colo-
cando, em geral, de forma institucionalizada por parte do poder de
Estado, seguindo a tônica da prestação de serviço e, mais que isso,
buscando integrar as comunidades a seu projeto de sociedade e de
universidade. Isto tem, de certa forma, se constituído em algo pró-
prio e permanente na vida universitária. A extensão assume uma
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 69

função oficialmente definida, passando a ter um papel de captação


de recursos para complementação de verbas insuficientes das dota-
ções orçamentárias. A relação da universidade com a sociedade tem
se dado preferencialmente pela oferta de cursos e dos serviços de
saúde e jurídico. A extensão se delineia como um canal de constru-
ção de hegemonia de setores dominantes da sociedade enquanto
veiculadora, sobretudo, de um saber também dominante. A univer-
sidade parece manter essa postura.
Todavia, o papel da extensão não tem sido apenas o de con-
tribuir para um exercício de ratificação dessas práticas de domina-
ção. Por exemplo, as experiências de extensão, no início da década
de 60, da Universidade de Pernambuco; as tentativas de extensão
como caráter processual da Universidade de Brasília; projetos de
extensão como os da Universidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul;
projetos de extensão na Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
como o SEAMPO ( Setor de Estudos e Assessorias aos Movimen-
tos Populares) e outros projetos em andamento nas várias universi-
dades, onde profissionais atuam, as mais das vezes, de forma isola-
da, ao que parece, veiculam uma outra visão de mundo, outro papel
para a extensão universitária, outra concepção de universidade.
Parece importante conhecer como vem se desenvolvendo a exten-
são na UFPB e, a partir daí, fazer-se uma análise sobre suas possi-
bilidades diante desse quadro da extensão universitária.

2 - Extensão na Universidade Federal da Paraíba - UFPB

2.1 - Política de extensão na UFPB

A Universidade Federal da Paraíba tem presença marcante


em todo o Estado, por constituir-se numa instituição que oferece
70 José Francisco de Melo Neto

oitenta cursos de graduação e quarenta e cinco cursos de pós-


graduação, dos quais quinze em nível de doutoramento. A área
construída e a sua população, de aproximadamente vinte e quatro
mil pessoas, são marcas de sua presença no Estado. Presença essa
que é notável, sobretudo, na área artístico-cultural do Estado, sendo
expressa quando dirigentes do Estado vêm dos quadros da própria
universidade - professores ou técnicos - ou quando a arte se faz nas
próprias dependências da instituição, em espaços culturais, alterna-
tivos ou formais. Num Estado com características econômicas co-
mo as da Paraíba, a universidade é bastante solicitada, atuando, às
vezes, em áreas de obrigação do Estado e de Municípios.
A UFPB é uma das poucas instituições de ensino superior
no país distribuída em sete “campi”, cobrindo as várias regiões do
Estado. É uma configuração que traz benefícios à população, pois
possibilita um “olhar” tanto diferenciado como mais próximo da
realidade do Estado e, assim, tenta responder, através da produção
de conhecimentos, às suas demandas.

“Por outro lado, é essa mesma malha, que, grande e operosa,


espalha recursos e pulveriza ações tendo em vista que o MEC
não consegue, orçamentariamente, ‘ler’ as necessidades míni-
mas de uma instituição desse porte. Sua matriz orçamentária
passa ao largo entre o real e o ideal” (UFPB/PRAC, 1994c: 2).

Sendo um centro gerador e formador de recursos humanos


em nível de graduação e pós-graduação, é uma das poucas institui-
ções no Estado a desenvolver pesquisa, o que a torna significativa,
não somente para o Estado da Paraíba, mas para toda a região nor-
destina.
Quanto à extensão, a UFPB conta com a Coordenação de
Extensão Cultural, que vê nessas práticas a saída para o interagir da
universidade com a sociedade nas diversas regiões do Estado. A
extensão, como conceito, se torna “o elemento catalisador e pro-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 71

pulsor dessa empatia, e mais, especificamente, a leitura cultural


que essa instituição pode, e deve fazer, da sua identidade e do seu
povo” ( ibid.: 2). Uma declaração, na verdade, de uma instituição
que busca tornar-se “vanguarda” dos movimentos da sociedade. A
Coordenação de Extensão Cultural entende “ser a extensão o cami-
nho mais curto entre a academia e a sociedade que nos sustenta”
(Ibid.: 3).
Estes são conceitos de extensão apresentados como elemen-
to catalisador e propulsor de empatias ou como um caminho, de-
monstrando uma diferenciada percepção sobre extensão no próprio
setor coordenador da extensão. Essas concepções repassam para a
extensão um papel de responsabilidade pela promoção de contatos
com a sociedade. Todavia, esse papel não é exclusivo da extensão.
Na segunda concepção, elege a extensão como um caminho, pre-
tendendo-o talvez verdadeiro e, conseqüentemente, único. Essa é
uma perspectiva que pode expressar o autoritarismo da própria de-
finição.
Na Universidade Federal da Paraíba, a extensão universitá-
ria destina-se a toda a comunidade acadêmica - alunos, servidores
não docentes e servidores docentes - como “um processo educativo,
cultural, científico e tecnológico que articula o ensino e pesquisa
de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a
universidade e a sociedade” (UFPB/CONSEPE, 1993: 1). Esse
processo pode ser exercido com um duplo caráter: o eventual e o
permanente. O caráter eventual da extensão é compreendido como
a realização de atividades esporádicas que estão voltadas ao aper-
feiçoamento e à atualização de conhecimentos. Visa também à im-
plementação de práticas objetivando a produção técnico-científica,
cultural e artística. Essas práticas podem estar voltadas a “serviços
educativos, assistenciais e comunitários”. O caráter permanente,
por sua vez, é aquele conjunto de atividades já elencado, mas que
72 José Francisco de Melo Neto

adquiriram formas sistematizadas e de maior duração em relação ao


tempo de execução.
Esse conceito de extensão já é conhecido dentro das formu-
lações em estudo, mesmo que, do ponto de vista da equipe da
UFPB, exista um alerta aos aplicadores de projetos ou programas
de extensão - os departamentos - destacando que a “indissociabili-
dade entre o ensino, pesquisa e extensão é um preceito constitucio-
nal, que deverá ser obedecido...”(ibid.: 1), quando da elaboração e
realização de planos de atividades originárias de núcleos ou depar-
tamentos. Reconhece que a extensão é uma das atividades básicas
da universidade, colocando para os seus diversos setores a necessi-
dade de ser tratada de forma compatível com a sua importância
quanto aos aspectos de disponibilidade de recursos financeiros,
programação das atividades e distribuição de encargos docentes,
bem como para efeito de avaliação funcional do docente.
Ao enfatizarem a legalidade quanto à indissociabilidade en-
tre ensino, pesquisa e extensão, os dirigentes reafirmam não a in-
dissociabilidade que é necessária entre ensino, pesquisa e extensão.
Reforçam, na verdade, o conceito de extensão exposto anteriormen-
te que também passou a ser uma orientação para os Pró-Reitores de
Extensão, ou seja, o conceito de extensão como sendo uma via de
mão dupla. Com isso impede-se a tentativa exploratória, papel ca-
racterístico da pesquisa, em buscar outras formas alternativas e
conceituais para a extensão.
A extensão universitária passou a se realizar através das se-
guintes formas:

“Cursos de treinamento profissional; estágios ou atividades que


se destinem ao treinamento pré-profissional de pessoal discente;
prestação de consultoria ou assistência a instituições públicas
ou privadas; atendimento direto à comunidade pelos órgãos de
administração, ou de ensino e pesquisa; participação em inicia-
tivas de natureza cultural; estudo e pesquisa em termo de aspec-
tos da realidade local ou regional: promoção de atividades ar-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 73

tísticas e culturais; publicação de trabalhos de interesse cultu-


ral; divulgação de conhecimentos e técnicas de trabalho; estímu-
lo à criação literária, artística, científica e tecnológica; articu-
lação com o meio empresarial; interiorização da universidade”
(UFPB/CONSEPE, 1993: 2).

As formas de extensão acima definidas foram apresentadas


aos Centros da Instituição. Nos Conselhos de Centros estão sendo
regulamentadas, contemplando-se as especificidades dos diversos
campos do conhecimento. Ao se observar a regulamentação em um
dos Centros da UFPB - o Centro de Educação - se constata que o
conceito de extensão permaneceu, basicamente, igual ao que já ha-
via sido definido pelo Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e
Extensão da Universidade (CONSEPE). Pouca ou nenhuma contri-
buição houve, nesse sentido, na regulamentação pelos diversos
Conselhos de Centros. A extensão universitária, considerada “como
atividade básica e indissociável de ensino e da pesquisa, deve ser
contemplada quanto a recursos financeiros; espaço físico; pro-
gramação das atividades e distribuição de encargos docentes; ava-
liação funcional docente” (UFPB/CE, 1994: 4). Esta é a orientação
aprovada, mas, como se sabe, deverá haver muita pressão política,
por parte daqueles profissionais que atuam também na extensão,
para a efetivação desse dispositivo legal. Vê-se, por outro lado, que
a formulação de extensão da UFPB se enquadra perfeitamente nas
orientações gerais repassadas aos Pró-Reitores de Extensão para as
demais universidades no país.
O processo de organização da Pró-Reitoria de Ação Comu-
nitária - PRAC - se inicia com a criação do Comitê de Extensão,
com o objetivo de manter discussão permanente sobre as práticas
na extensão universitária, sobretudo buscando, através desse grupo,
formular políticas para serem desenvolvidas no âmbito dos sete
“campi” instalados em todo o Estado: João Pessoa, Campina Gran-
de, Areia, Bananeiras, Patos, Sousa e Cajazeiras. Na instalação des-
74 José Francisco de Melo Neto

se comitê, discutiu-se a extensão na universidade, ocasião em que o


Reitor a considerou como:

“... A ligação direta com a comunidade, acreditando no cresci-


mento da UFPB, na construção de uma universidade diferente,
com pesquisa de ponta, ensino de qualidade, e a extensão na es-
cuta do que está acontecendo na região, na integração da socie-
dade e que, independentemente de posições políticas, tem-se que
trabalhar para a construção dessa universidade que desejamos”
(UFPB/PRAC; 1993a: 2).

Com esse comitê instala-se efetivamente um grupo de dis-


cussão sobre questões de extensão, apresentando formas de enca-
minhamentos com projetos que estão, por sua vez, sendo desenvol-
vidos em todo o Estado. Tal comitê, tratado como um fórum de
debates sobre políticas de extensão no âmbito da UFPB, torna-se
também um elemento da estrutura da vida acadêmica. Com sua
instalação, evidencia-se uma compreensão sobre extensão, conside-
rando-a um “elo importante que a universidade mantém com a co-
munidade” (ibid.: 2). Assim, enfatiza-se definitivamente a concep-
ção da extensão como um elo dentro do ideário simbólico da via de
mão dupla.
Será necessário, para se acompanhar o desenvolvimento de
projetos no campo da extensão universitária, através da PRAC-
UFPB, destacar-se a avaliação que foi realizada pelos diversos seto-
res voltados para a extensão e, particularmente, para sua decisão de
criação de coordenações. A primeira é a Coordenação de Cursos e
Programas de Extensão (COPREX), voltada para políticas de in-
centivos e apoio a cursos que são aprovados em nível departamen-
tal. A segunda é a Coordenação de Extensão Cultural (COEX), vol-
tada para implementação de projetos e eventos no campo cultural
do Estado. A terceira é a Coordenação de Assistência e Promoção
Estudantis (COAPE), que cuida das questões referentes aos estu-
dantes. A quarta é a Coordenação de Programas de Ação Comunitá-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 75

ria (COPAC), que se ocupa da elaboração de projetos de organiza-


ção das comunidades e movimentos sociais, bem como da efetiva-
ção e acompanhamento desses projetos. A quinta e última é a Co-
ordenação de Programas de Integração Universidade - Municípios,
criada para o atendimento das demandas vindas de prefeituras das
várias regiões do Estado. Cuidou-se ainda de organizar um grupo
de trabalho para acompanhar, junto à própria universidade, os di-
versos processos de ordem financeira e de pessoal envolvidos na
extensão universitária.
A dinamização e a agilização desses trabalhos de extensão
ficaram por conta do setor de projetos que passou a ter como um
dos objetivos principais a identificação de fontes de financiamento
e ajuda para os diversos setores da Pró-Reitoria, atuando na elabo-
ração e encaminhamento desses projetos.
Uma tarefa que se apresenta imediata, exigindo posiciona-
mento político da equipe de extensão, é a presença de muitas de-
mandas dos setores sociais organizados, basicamente, de prefeitu-
ras. Quem deve ser prioritariamente atendido? Um debate estabele-
cido e não resolvido a nível de equipe, indica que, pelas orientações
gerais, devem ser atendidos todos os segmentos sociais. Porém, isto
não é possível pelas limitações intrínsecas da equipe.
Segundo análise da equipe da Pró-Reitoria, a PRAC teve
crescimento, sobretudo, quanto ao número de funcionários assu-
mindo atividades de extensão, algo incompatível com as suas fun-
ções. Em si, atividades de extensão não são da competência de uma
Pró-Reitoria específica. A extensão estava muito centrada na Pró-
Reitoria de Ação Comunitária, com isso, dificultando o trabalho de
profissionais da universidade voltados à extensão que estavam em
seus departamentos ou centros. Importa ressaltar, no entanto, que
houve um reordenamento de pessoal e, com isto, uma descentrali-
zação das atividades de extensão para os departamentos, no sentido
de que os projetos de extensão pudessem ser gerados a partir dos
76 José Francisco de Melo Neto

profissionais nos seus setores de trabalho. Esse aspecto foi aceito


pela equipe, que iniciara o processo de “retorno” da extensão aos
centros e particularmente aos departamentos. Na verdade, o papel
da Pró-Reitoria é apoiar, vitalizar e coordenar as atividades de ex-
tensão no âmbito da UFPB. Nesse sentido, o grupo de reordena-
mento de pessoal passou a ter o seguinte entendimento da extensão:

“Uma atividade acadêmica que se propõe ser o elo de ligação


entre a universidade e a sociedade, no sentido de que a ela cabe
levar para a sociedade os resultados dos conhecimentos adqui-
ridos e produzidos, objetivando a melhoria da qualidade de vida
da população, ao mesmo tempo que permite à universidade a-
preender os problemas, os anseios, as necessidades existentes na
comunidade, de modo, tanto a instigar novas pesquisas quanto a
repensar o seu saber” (UFPB/PRAC; 1992: 11).

Portanto, a equipe expõe a sua visão voltada para a extensão


como uma via de mão dupla. Para ela, nesse sentido é que a univer-
sidade se coloca em um processo permanente de interação com a
sociedade. Entende ainda que, sem esse processo extensionista, a
universidade “entra em processo de envelhecimento, de isolamento,
de esclerose, deixando de exercer a sua função social” (ibid.: 11).
Com o cuidado de não cair em práticas pontuais ou mesmo volunta-
ristas, a equipe definiu alguns programas básicos que congregassem
e fortalecessem os esforços existentes nos diferentes setores da uni-
versidade.
A visão de mão dupla, como foi apresentada, torna a exten-
são a única via de se interagir com a sociedade. Nega dessa forma
que, através do ensino e da pesquisa, também se interage com a
sociedade. A discussão que deve ser encaminhada por qualquer via
- ensino, pesquisa ou extensão - é a seguinte: Quem está interessado
por essa interação e a quem ela está servindo?
Os programas iniciaram-se pela assistência estudantil, ca-
racterizando-se não como mero assistencialismo, pautado apenas
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 77

pelas distribuições de passagens, doações de xerox, ajudas financei-


ras individuais como tônicas de Pró-Reitorias de Ação Comunitá-
ria, mas para o direcionamento de ações dirigidas aos estudantes,
situadas no âmbito da formação da cidadania. “O apoio aos estu-
dantes deve ser feito através de suas entidades representativas em
função de uma política do reitorado frente ao movimento estudan-
til” (Ibid.: 11). Segue-se, com essa política, uma redefinição do
programa de bolsas, inserindo-o no programa de extensão e das
atividades de pesquisa, estabelecendo critérios de concessão, em
que haja pleno conhecimento do segmento estudantil. Estimulou-se
a atividade cultural com ações voltadas para a organização de cur-
sos de extensão cultural, mapeamento e dinamização dos espaços
disponíveis, existentes na universidade e em todo o Estado. Final-
mente, no campo interno, salientou-se a importância no sentido de
que as atividades de extensão fossem voltadas ao processo de avali-
ação da universidade, fomentando os seminários internos de avalia-
ção das atividades de extensão.
É interessante ressaltar o desenvolvimento de uma política
voltada para os estudantes, a partir da assistência. Será essa a me-
lhor política a ser implementada pela extensão, ensino ou pesquisa
para ser desenvolvida com os estudantes? Não será interessante o
fortalecimento maior das entidades estudantis primando pela sua
autonomia?
Com relação aos programas, criou-se o da Integração Uni-
versidade/Setor Produtivo, no sentido de estabelecer mecanismos
que contribuíssem para a viabilização da integração entre a institui-
ção e o setor produtivo estadual. O programa volta-se para esse
setor, de modo a buscar as suas dificuldades ou problemas técnicos
que enfrenta, promovendo-se, com os pesquisadores da universida-
de, o estudo desses problemas. O relacionamento exigiria, por outro
lado, a necessária divulgação dos resultados dessas possíveis pes-
quisas. Até porque já existem na universidade setores com potenci-
78 José Francisco de Melo Neto

al técnico para realizar pesquisa nesse campo. Por conseguinte, não


constitui nenhuma novidade a consolidação e expansão de meca-
nismos como esses.
A extensão na UFPB, com esse projeto, continua enfatizan-
do o percurso que vem sendo dado, que é a ênfase ao atendimento
ao empresariado. Abre possibilidades de pagamentos por esses ser-
viços prestados, dentro da perspectiva de a universidade colocar-se
no mercado para, no futuro, buscar os seus próprios recursos.
No campo da saúde, já existiam vários projetos em anda-
mento, alguns deles fixados nos próprios setores e inerentes àquelas
atividades, como o atendimento ambulatorial nos HU’s. Desenvol-
vem-se ainda atividades voltadas para o campo didático do ensino
da saúde como o Estágio Rural Integrado - ERI - do qual participam
estudantes de várias universidades do país, como também ao aten-
dimento odontológico e farmácia/escola. Além dessas atividades,
buscaram-se incentivos para outros programas de saúde, inserindo-
se o CERESAT - Centro de Referência da Saúde do Trabalhador - e
outros programas, no sentido de integrá-los em torno de núcleos de
extensão permanente. Um cuidado especial se exige das coordena-
ções de projetos dessa natureza, como o ERI, para não repetir sim-
plesmente a fórmula do Projeto Rondon, em que a extensão se tor-
nou um instrumento muito importante na veiculação da ideologia
dominante.
Definiu-se também um programa de Apoio e Assessoria aos
Movimentos Sociais. A perspectiva desse programa é no sentido de
contribuir com o processo organizativo da sociedade civil. A PRAC
definiu-se pelo apoio e incentivo às iniciativas que visassem a co-
laborar, no interior da universidade, com os vários tipos de movi-
mentos sociais existentes na Paraíba - sejam movimentos comunitá-
rios, como associações de moradores, cooperativas, comunidades
de base e outros, bem como o movimento sindical e movimentos
populares. O apoio a esses movimentos não estava voltado apenas
para o caráter de suas reivindicações, mas, principalmente, “en-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 79

quanto experiências de exercício criativo na busca de alternativas


viáveis para a superação de aspectos da crise econômica, política e
social que passa o País” (Ibid.: 13).
O Programa de Extensão Cultural está dirigido à promoção
do processo de interiorização da arte e da cultura, em suas diferen-
tes formas de expressão e manifestação, juntamente com outros
órgãos do Estado e de prefeituras. Volta-se ainda para a identifica-
ção e o incentivo à preservação das diversas manifestações locais
de cultura popular.
Toda a perspectiva até então analisada configura uma per-
cepção do papel da universidade, particularmente pela extensão, de
atendimento a todos os setores sociais. Uma visão eclética da fun-
ção social da universidade em que ela deve atender a todos devido
ao seu caráter de universalidade. Esconde-se dessa forma a idéia de
que todos os setores da sociedade são atendidos de forma equâni-
me, tornando sem sentido o debate sobre a existência de classes
sociais.
Vários foram os encaminhamentos feitos no sentido de ini-
cialmente regulamentar as atividades de extensão da universidade,
num processo de institucionalização. Com isso, também foi possí-
vel a interiorização das atividades de extensão. Com a criação do
informativo Eventos, de divulgação mensal, possibilitou-se a socia-
lização de todas as atividades desenvolvidas nos departamentos, no
âmbito de toda a universidade. Pode-se, agora, acompanhar com
maior agilidade a programação que está se realizando nos centros e
departamentos. Procurou-se viabilizar um programa de cooperação
técnica entre as universidades do Nordeste na área de extensão,
com destaque para o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos
Estudantis e Comunitários, contribuindo para a definição de uma
política nacional de assistência estudantil, destacando a luta pela
dotação orçamentária que garanta a implementação dessa política.
Existe, ainda, a implementação de um Programa Nacional de Refe-
80 José Francisco de Melo Neto

rência de Extensão - PRONARE - em andamento, que está subor-


dinado ao Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão.
Destacam-se, na dimensão social-comunitária do Plano de
Trabalho para l993, as ações visando à criação de condições básicas
para o desenvolvimento das atividades de extensão - a proposta de
regulamentação da extensão como orientação para toda a universi-
dade e a criação de bolsas de extensão, com os recursos da própria
instituição, como forma de estímulo à participação discente nos
projetos de extensão. É determinante, nesse momento, a definição
da política de extensão da UFPB, apresentada através do Programa
de Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, objetivando a coordenação e
apoio às diversas iniciativas existentes na UFPB, voltadas a treina-
mento e qualificação da rede pública de ensino de 1o. e 2o. graus. O
programa de extensão cultural busca dotar a universidade de uma
política extensionista com identidade cultural, “na formação de
novos agentes e na difusão dos bens artístico-culturais, a linha
mestra de suas ações, na perspectiva de uma nova relação da soci-
edade com o seu fazer cultural” (UFPB/PRAC, 1993b: 2).
Entre as atividades em desenvolvimento até o ano de l994,
podem ser destacadas aquelas voltadas à melhoria do ensino de 1o.
e 2o. graus, a partir dos diversos núcleos, laboratórios, programas e
serviços disseminados pelos vários “campi”, em todo o Estado. Os
seis núcleos existentes ocupam-se com atividades que vão desde a
educação especial até estudos sobre a mulher sertaneja. Os quatro
laboratórios envolvem-se com pesquisa do ensino da Matemática,
no Campus II, bem como com a capacitação de professores em Ci-
ências e Matemática, em João Pessoa. Os quatro programas tratam
desde a pesquisa em literatura popular até programa de apoio ao
ensino de Química nas escolas. Os projetos de extensão, voltados
ao ensino fundamental, desenvolvem-se também com as mais vari-
adas temáticas. Há projetos no campo da Comunicação e Expres-
são, no tocante à linguagem, destinados aos professores de primeira
fase do primeiro grau, do município de Olivedos, na Serra da Bor-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 81

borema, - “revendo o conceito de leitura e produção de texto” - ou


mesmo um projeto, como “o livro de pano é coisa séria” desenvol-
vido em Campina Grande e Guarabira. Ao todo podem ser listados
quatorze projetos no Estado. Ainda no mesmo campo, em Educa-
ção Artística e Educação Física, outros projetos se desenvolvem,
bem como na área da Matemática - como a Forma e a Figura na
Escola, em Estudos Sociais, como o projeto sobre a Avaliação da
Qualidade e Melhoria do Ensino de Geografia, projetos da área de
Ciências, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos, além
de outros projetos, cursos, treinamentos, assessorias, reciclagens,
como o projeto de capacitação para professores leigos da zona ru-
ral, em Cajazeiras. Além disso, são desenvolvidas atividades em
congressos, encontros e até em cursos ao nível de pós-graduação,
como o curso de Especialização em Administração da Educação a
Distância. Todas essas atividades estão sendo desenvolvidas em
trinta e oito municípios do Estado.
Em relatório divulgado pela Pró-Reitoria para Assuntos
Comunitários, observa-se a existência de um hiato entre as inten-
ções e gestos no orçamento e nas precárias condições para o desen-
volvimento de projetos voltados, em particular, para a extensão
universitária. Com o crescente esvaziamento das atividades exten-
sionistas, foi criado um Programa de Bolsas de Extensão “como
forma de incentivar o engajamento do corpo discente em projetos
elaborados pelos docentes, estimulando, por sua vez, a produção
acadêmica nessa área” (UFPB/PRAC, 1994a: 2). Vislumbra-se, na
participação do aluno, um canal de reflexão sobre os problemas da
sociedade. Essa participação, por seu turno, revigora o saber aca-
dêmico acumulado, através desse “estreitamento das relações entre
a universidade e sociedade” (ibid.: 2). Com o objetivo de promo-
ção da participação dos alunos em atividades de extensão, essas
bolsas são distribuídas para os programas de Extensão Cultural,
Apoio ao Ensino de 1o. e 2o. Graus, programa de Saúde, Promoção
82 José Francisco de Melo Neto

Estudantil, Assessoria aos Movimentos Sociais e Programa de Inte-


gração Universidade/Empresa/Municípios. Um programa foi im-
plantado, a partir do mês de setembro de 93, com dotação de duzen-
tas bolsas, distribuídas entre os projetos selecionados nos Centros
da Universidade. A distribuição pautou-se por critérios de eqüidade
entre os Centros e proporcionalidade em relação ao números de
alunos, definidos pelo Comitê Assessor da Pró-Reitoria que, por
sua vez, é composto por assessores de extensão dos Centros e coor-
denadores da Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários.
Esses projetos variam quanto aos objetivos, considerando as
diferentes temáticas, envolvendo: Curso de Instrumentação Cirúrgi-
ca, promoção do I Circuito Integrado de Ciências e Artes, Capacita-
ção de Professores ao Ensino de Ciências, Assessoria ao Sindicato
dos Trabalhadores da Construção Civil em Saúde e Segurança do
Trabalho, “Design” de um equipamento para fins de Dessalinização
de Águas Salobras, Rotinas Trabalhistas, Assessoria às Administra-
ções Municipais na nova Visão Jurídico-Social e Empréstimo de
Reprodutores “Sindi” aos Criadores do Semi-Árido paraibano, com
objetivos de “melhoramento genético do rebanho bovino da região,
difusão da raça Sindi e a observação do desempenho dos mestiços
do cruzamento Sindi x Animais comuns da região” (UFPB/PRAC;
1994b: 52).
Ao se buscarem os objetivos da Coordenação de Extensão
Cultural, encontra-se, nas suas atividades, o relato, de forma sucin-
ta, das principais experiências extencionistas na área cultural. Tem
ainda por objetivo:

“Oportunizar ao meio universitário, em geral, o conhecimento


das atividades desenvolvidas pela administração central no
campo artístico-cultural; prestar contas, ao contribuinte, em ge-
ral, de tudo o que se fez nesse período administrativo, do menor
gesto ao mais problemático projeto; e, registrar e avaliar as rea-
lizações, os acertos e os desacertos visando o consolidar um
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 83

processo de transformação nas maneiras de administrar a coisa


pública” (UFPB/PRAC, 1994c: 3).

No relatório de atividades, podem-se destacar os seguintes


eventos: reuniões, encontros, seminários, debates, programas e a-
quelas atividades necessárias para a efetivação dos apoios a even-
tos, seja em forma isolada ou mesmo em parcerias com outros or-
ganismos, inclusive com empresas privadas. Registra-se, no perío-
do de janeiro a dezembro de 1994, um total de quatrocentas e onze
atividades. Destas podem ser destacadas as seguintes: apoio ao V
Curso de Teatro Infantil, à Associação Cultural de Cabedelo (cida-
de do litoral da Paraíba), ao grupo Lâmpada Mágica, do Curso de
Educação Artística, ao Documentário Homem-Peixe, ao vídeo
SERTÃOMAR, de Marcus Villar, e ao Núcleo de Documentação -
NUDOC.
Para a Coordenação de Extensão Cultural, todo esse traba-
lho está reconhecido no cenário cultural paraibano e nordestino.
Isto é decorrente de um programa que leva em consideração “os
documentos e discussões emanadas dos fóruns de debates sobre
políticas culturais. Esse resgate é um detalhe importante. Quere-
mos mais” (UFPB/PRAC, 1994c: 41). Este “querer mais” vem se
confirmar ao serem elencadas as atividades do ano seguinte(1995),
constatando-se a realização de seiscentas e noventa e uma ativida-
des, sendo grande parte delas ações do ano anterior, acrescidas de
novas atividades (UFPB/PRAC; 1995a).
Da Coordenação de Programas de Ação Comunitária
(COPAC) destacam-se as atividades conduzidas pela própria equi-
pe da COPAC, incentivando a organização social e melhoria da
capacidade produtiva de várias comunidades. Essas comunidades
são em número de cinqüenta e cinco, distribuídas em praticamente
todo o Estado, sobretudo em comunidades do litoral e brejo parai-
banos. Essas atividades organizativas passam por criação de associ-
ações em muitas dessas comunidades, como Associação dos Pesca-
84 José Francisco de Melo Neto

dores de Costinha, Associação de Moradores da Aldeia Cumaru,


em Baía da Traição e Associação de Moradores da Praia de Campi-
na, no Município de Rio Tinto. Além disso, incentiva, no processo
de organização, a criação de conselhos como o Conselho Indígena
da Aldeia São Francisco, Conselho Indígena Nova Jerusalém, na
aldeia Tracoeiras, na Baía de Traição, Conselho Indígena Tupã,
Conselho dos Indios Potiguaras, Conselho da Aldeia de Jacaré de
São Domingos, em Rio Tinto, e incentivos às atividades sindicais,
como também à luta pela posse da terra. As atividades desenvolvi-
das nessas comunidades são sistematizadas por projetos - os mais
variados - tais como: barcos de pesca, projetos agrícolas, projetos
de produção de confecção e costura (Bairro do Areial) ou projetos
de horticulturas. Desenvolve-se um total de dezenove projetos
(UFPB/PRAC, 1993c: 3). Os cursos organizados também constitu-
em atividades dessa coordenação e ajudam, por vezes, as lideranças
comunitárias na própria comunidade. Há ações voltadas para a saú-
de e promoção de mutirões de canais para plantio em várzeas e até
abertura do Rio Jaguaribe, em João Pessoa. Foram ainda atividades
dessa coordenação, em l995, o apoio ao plantio em dez comunida-
des e o apoio à distribuição de mudas em parceria com o Estado.
Nesse ano, realizaram-se trezentas e trinta e oito reuniões, nas vá-
rias comunidades, abordando os diferenciados trabalhos dirigidos a
sua organização. Destaque-se ainda o necessário acompanhamento
desses movimentos.
Registre-se também, como importante, a articulação com
outras instituições, em nível estadual ou mesmo federal, como o
IBAMA, EMATER, FUNAI, INCRA, e Bancos, como o do Brasil
e do Nordeste, além de Secretarias de Governo e ONGs internacio-
nais. Para acompanhar essas ações, existe o programa das bolsas de
extensão. As equipes que fazem parte desses programas ou projetos
são constituídas de alunos dos mais variados cursos, tais como:
Filosofia, Serviço Social, Odontologia, Educação e Medicina.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 85

Já se registram conquistas resultantes dessas lutas, como a


desapropriação de terras do litoral para os moradores da comunida-
de praieira da Penha e conquista de várzeas para plantio, sobretudo
em períodos de seca, na região do Vale do Mamanguape, composto
dos Municípios de Mamanguape, Rio Tinto, Baía da Traição, Itapo-
roroca e Espírito Santo. Conquistou-se também a demarcação de
terras indígenas, na aldeia de Jacaré de São Domingos; criação de
uma Federação de Associações Comunitárias de Pequenos Produto-
res, no Vale do Mamanguape; apoio a pequenos produtores no
plantio em terras até mesmo da própria universidade, bem como
assessoria ao Banco do Brasil quanto ao acompanhamento de proje-
tos do Fundo de Desenvolvimento Comunitário - FUNDEC, para as
comunidades rurais, nos municípios de Bananeiras, Fagundes, So-
lânea e Caaporã (Mata Sul do Estado).
Em relação ao Programa de Assessoria aos Movimentos So-
ciais, destaca-se o movimento sindical, com projetos em parcerias
com a Secretaria Nacional de Formação, da CUT; com os Sindica-
tos de Trabalhadores em Educação do Estado; com o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de vários municípios, contribuindo na sua
organização burocrática e nos projetos de educação de adultos, as-
sim como educação sindical para lideranças do movimento sindical.
Em particular, registra-se o apoio ao Sindicato da Construção Civil,
em João Pessoa, com diversas assessorias, destacando-se o projeto
de alfabetização nas construções da cidade, denominado Projeto
Escola Zé Peão. Com as comunidades rurais surgem demandas no
sentido de montar programas com assessorias da UFPB, como as
dos sindicatos das cidades do Conde e Pitimbu. No âmbito da Edu-
cação Física, são solicitados até padrões de camisa de futebol para
organização do esporte nessas comunidades e organização de comi-
tês contra a fome. Nesses movimentos, unem-se tarefas da Pastoral
Operária, da Igreja Católica, de Centros Sociais e Movimento dos
Sem-Terra, quando existentes, além de organizações não governa-
mentais. Das ações concretas, a Coordenação destaca as seguintes:
86 José Francisco de Melo Neto

roçados comunitários em comunidades das várias regiões do Esta-


do; hortas comunitárias ou de quintal, projeto de captura de pesca-
do na Praia da Penha e apoio à educação rural. Vários desses proje-
tos são realizados em parceria com diversas instituições, a exemplo
da FAC - Fundação de Ação Comunitária - e até com a Marinha do
Brasil, na orientação técnica de navegação marítima em cursos para
os pescadores.
No ano de l995, as atividades foram acrescidas com novas
frentes de trabalho. Implementaram-se maiores níveis de organiza-
ção com aquelas comunidades onde vem se desenvolvendo algum
projeto de extensão. A COPAC destaca a participação de seus téc-
nicos, estudantes e professores nos seguintes setores: programa de
Comunidade Solidária, do governo federal, juntamente com a Casa
Civil do Governador do Estado da Paraíba; trabalho ligado aos pes-
cadores da Praia da Penha; assessoria nas comunidades com ONGs
como a AGEMTE (Assessoria de Grupo Especializada Multidisci-
plinar em Tecnologia e Extensão) e a Visão Mundial; grupos de
assessorias dessas organizações, desenvolvendo ações em dezessete
municípios, nas regiões do Agreste, Litoral, Brejo, além de quator-
ze municípios do Cariri.
O relacionamento da universidade com outras entidades,
mesmo as estatais, insere-se na linha do discurso das parcerias. A-
qui também lançam-se as equipes de projetos de forma pouco analí-
tica sobre o significado dessas parcerias com projetos ou campa-
nhas governamentais. Atende-se a essas demandas, justificando-se
apenas pelo convite que foi feito à universidade. Ora, a universida-
de pode dizer não. Esta é uma opção política de suas equipes de
trabalho na extensão. É preciso, portanto, uma análise sobre essas
solicitações, questionando os destinatários e a que políticas podem
estar atendendo.
Operacionalizou-se o acompanhamento do Convênio
UFPB/INCRA, nas áreas de assentamento de reforma agrária, na
Paraíba, através de vários projetos, como a publicação do Atlas
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 87

Geográfico e Fundiário do Estado, produzido pela Profa. Emília De


Rodat Moreira. Fez-se o levantamento de áreas de tensão e confli-
tos de terra no Estado e instalação de vários núcleos habitacionais.
Destacam-se a formação de banco de germoplasmas e campos de
multiplicação de sementes selecionadas de várias espécies e o a-
proveitamento nas áreas de assentamento do INCRA, sob a respon-
sabilidade de docentes da área de agricultura do Campus de Areia.
Ressaltem-se também cursos de capacitação em dez áreas de assen-
tamento sobre gerenciamento de associações de pequenos produto-
res rurais e associativismo, assim como a parceria realizada com a
implantação do Projeto CONTACAP/INCRA, sob a responsabili-
dade do INCRA, BNB, DEFARA, INTERPA, EMATER - organi-
zações do Estado - o MST e a CPT, sob a coordenação de professo-
res da universidade. No total listam-se quarenta e dois projetos ou
atividades em desenvolvimento. Na parte esportiva, estão envolvi-
das duas mil, oitocentas e quinze crianças, além de outros projetos
que atendem as mais variadas faixas etárias, como o projeto do Nú-
cleo sobre a Terceira Idade, do qual têm surgido trabalhos mono-
gráficos ao nível de especialização em Gerontologia, voltados a
temáticas “da afetividade na meia - idade para as mulheres que
estão realizando curso de pós-graduação na UFPB; o alcoolismo
como causa da senilidade”(UFPB/PRAC, 1995; 8).
A Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários tem expressado
uma preocupação contínua com a construção de uma base institu-
cional, assegurada ao nível dos conselhos da universidade, para a
implantação e execução de uma política de extensão. Como síntese
das atividades desenvolvidas até final de l994, a coordenação apre-
senta as seguintes iniciativas ( UFPB/PRAC, 1994d: 105): a) regu-
lamentação das atividades de extensão pelo Conselho Superior de
Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE); b) desenvolvimento de
ações junto às assessorias de extensão; c) criação e implantação do
programa de bolsas de extensão; d) implantação do banco de dados
88 José Francisco de Melo Neto

sobre a temática ligada à extensão - o Bandex; e) estímulo e apoio


às assessorias de extensão; f) reestruturação do setor de registro de
eventos da universidade; g) calendário de eventos; h) elaboração do
catálogo de atividades permanentes de extensão; i) apoio material a
eventos; j) criação de uma equipe de apoio estrutural a eventos; k)
reorganização da Pró-Reitoria; m) participação na elaboração do
projeto de avaliação institucional, em andamento na instituição.
Com essas atividades, a Pró-Reitoria entende que, junta-
mente com as assessorias de extensão dos centros da universidade e
dos departamentos, os seus vários segmentos “têm contribuído efe-
tivamente para o resgate das atividades de extensão da UFPB. ...
tem-se procurado recuperar a importância da extensão, lado a lado
com o ensino e a pesquisa, enquanto funções legitimadoras da pró-
pria existência da universidade” (Ibid.: 128).
Essa recuperação deu passos importantes quando da realiza-
ção do I Encontro Integrado de Ensino, Pesquisa e Extensão, em
1995. O Encontro não expressou ainda uma ‘perfeita’ indissociabi-
lidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão, mas apontou um
caminho. Nesse encontro realizaram-se outras atividades, a saber:
a) o III Seminário de Monitoria, com apresentação de quarenta e
oito temáticas na área do ensino; b) o III Encontro de Iniciação Ci-
entífica, com apresentação de seiscentos e oitenta e quatro traba-
lhos, dos quais duzentos e cinquenta e oito em painéis, e quatrocen-
tos e vinte e seis sob a forma de comunicação oral, correspondentes
aos bolsistas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Ci-
entífica - PIBIC - sob avaliação do CNPq (UFPB/PRPG, 1995); c)
o II Encontro de Extensão, com apresentação e exposição de cento
e oitenta projetos de extensão assim distribuídos: sessenta e oito
projetos voltados para a articulação com o ensino de 1o. e 2o. graus,
quarenta e oito na área de saúde, dezoito de articulação da univer-
sidade com o setor produtivo, nove projetos de extensão cultural,
trinta e cinco voltados à ação comunitária e três projetos identifi-
cados como de outras políticas públicas, a exemplo do projeto de
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 89

assessoria em contabilidade pública das prefeituras municipais do


Estado da Paraíba ( UFPB/PRAC, 1995b).
Todas as atividades desenvolvidas constam de forma mais
explicitada no relatório de atividades da Pró-Reitoria, referente ao
ano de 1995, reforçando os objetivos já expostos para o campo da
extensão. O relatório apresenta também as ações desenvolvidas
pelas suas várias coordenações - COPREX (cursos), COAPE (estu-
dantes), COPAC (ação comunitária) e COEX (cultural), detalhando
nesta última os projetos permanentes e as atividades em andamen-
to: as do núcleo de Teatro Universitário, os projetos do Núcleo de
Pesquisa e Documentação da Cultura Popular, o Núcleo de Arte
Contemporânea, o Coral Universitário, o Balé Popular da UFPB e
demais atividades do Núcleo de Documentação. São destacados
também o II Encontro de Extensão, as publicações e os investimen-
tos nesses setores, bem como as dificuldades financeiras diante das
políticas públicas voltadas para a universidade (UFPB/PRAC, 1995
c). Assim, entendem os coordenadores que a extensão, embora não
tenha se iniciado nesse período administrativo, venha apresentando,
contudo, maior ritmo e corpo institucional.
Buscando ainda a manutenção do debate em torno da pro-
blemática da extensão universitária, o desenvolvimento de proces-
sos de avaliação e a dinamização das atividades extensionistas, a
Pró-Reitoria volta-se para a criação de convênios com vários órgãos
e instituições estatais, bem como com entidades da sociedade civil.
O objetivo é “a obtenção de recursos e melhorar a possibilidade de
viabilização de projetos e práticas de extensão, em quase todas as
áreas de conhecimentos onde a UFPB tem produção acadêmica
significativa” ( UFPB, 1996: 45).
Como se vê, é também propósito da administração da uni-
versidade encaminhar a obtenção de recursos a partir da extensão
universitária. Isto expressa uma confluência administrativa com o
90 José Francisco de Melo Neto

discurso do projeto neoliberal que se instala nas instituições de en-


sino superior.
Dos programas institucionais em andamento na universida-
de, particularmente os voltados à extensão, pode ainda se destacar,
no campo da ação comunitária, o Programa de Estudos e Pesquisas
sobre o Trabalho, em ações conjuntas com mais trinta outras uni-
versidades brasileiras, envolvendo, interna e externamente, grupos
de acadêmicos preocupados com as questões da temática do traba-
lho. Há a publicação de catálogo das produções teóricas e relatos de
experiências nesse campo, ao nível do Estado, bem como a publi-
cação de um boletim da UNITRABALHO/PB. Há o programa diri-
gido à criação de políticas de extensão voltadas para a assessoria
de grupos e movimentos sociais e o programa de apoio a projetos
produtivos comunitários, que articula várias iniciativas de grupos
ou setores da universidade. Isto vem possibilitando a viabilização
de alternativas produtivas rurais e urbanas, juntamente com órgãos
governamentais e entidades da sociedade civil, possibilitando a
realização de projetos e atividades em cinquenta e duas comunida-
des rurais, oito comunidades de pescadores, onze comunidades ur-
banas, com a presença da universidade em cento e vinte e um mu-
nicípios da Paraíba (Ibid.: 47). Essa presença é marcada por ativi-
dades de acompanhamento de produção, assessoramento, realização
de cursos, treinamento e participação na implantação de área de
proteção ambiental.
Pode-se perceber o leque de demandas advindas da socieda-
de para a universidade, exigindo as devidas soluções. Por isso, a
instituição universitária deve estar permanentemente atualizada e
qualificada no que diz respeito aos instrumentos de ações e de polí-
ticas no campo da extensão, para seu atendimento ou não. A com-
preensão da administração é que o seu atendimento é expressão
construtiva para uma universidade verdadeiramente pública.
Esse atendimento não necessariamente pode significar a
construção de uma universidade radicalmente pública. Ela pode
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 91

desenvolver ações radicais, no sentido de torná-la pública, caso


esse atendimento esteja voltado aos processos de democratização
interna da universidade. Deve-se esclarecer também se essas de-
mandas têm origem em setores da maioria da sociedade ou de pe-
quenos grupos participantes das elites que dominam politicamente
o Estado. São alguns procedimentos que podem construir uma uni-
versidade “mais radicalmente pública”.
Mas não se pode conceber a universidade, por mais que sua di-
reção seja “comprometida” com o social, como uma instituição que
está agindo com “desprendimento”, em busca de algum “nobre ideal”.
A “polivalência” no atendimento às comunidades pode sugerir melho-
res análises sobre o relacionamento da universidade com aqueles que
estão sendo “servidos” por seus projetos. O atendimento da universi-
dade em relação à comunidade não pode desconhecer a heterogeneida-
de que é inerente, tanto à própria universidade como à comunidade. É
um equívoco pensar a sociedade como algo homogêneo, sem diferen-
ciação de classes. Assim, são múltiplos os interesses que presidem as
relações entre sociedade e universidade.
Atualmente, mais críticas são apresentadas às práticas e
conceito de extensão universitária. É preciso voltar-se às atividades
de extensão que desenvolvem esforços “de construir o conhecimen-
to e educar a população para atuar de acordo com o melhor co-
nhecimento disponível” (Botomé, l996: 83). A extensão, no contex-
to em que se está vivendo no país, tem apresentado problemas de
concepção sobre o papel da universidade e sobre o que é possível
ser feito. Nesse sentido é que experiências em extensão merecem
análise mais detida, na busca de suas formulações e possibilidades
transformadoras. A partir da análise crítica de algumas dessas expe-
riências desenvolvidas na UFPB, cabe perguntar: Há práticas de
extensão que contribuem para a construção da hegemonia dos seto-
res sociais não burgueses? Há elementos dessas experiências que
permitem ultrapassar a concepção de extensão limitada à realização
92 José Francisco de Melo Neto

de eventos ou programas temporários? São questões que estarão


norteando esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 93

2.2 - Projeto CERESAT

O CERESAT - Centro de Referência de Saúde do Trabalha-


dor - está vinculado à Universidade Federal da Paraíba, através do
Núcleo de Estudos de Saúde do Trabalhador (NESC). Formou-se a
partir de um grupo de profissionais da universidade, preocupados
com a necessidade de realização de um trabalho interdisciplinar. Há
economistas, médicos, geógrafos, psicólogos e outros profissionais
que buscam analisar a relação da saúde e dos processos da saúde
com o processo da produção. No que se refere à saúde, o grupo
vincula-se a uma perspectiva da medicina social atual, que elabora
a sua análise a partir de instrumental marxista, buscando alcançar e
entender a origem da doença. Na área da saúde, que se caracteriza
por ser um setor crítico da visão biologicista dominante nas análi-
ses sobre as doenças - a doença como sendo causada por agentes
biológicos que apareceriam, de repente, para atacar o ser humano.
Aquela visão crítica vai mostrar, por outro lado, que os agentes
biológicos causadores das doenças não surgem dessa maneira, mas
que existe uma história da doença. A partir dessa concepção, busca-
se a problematização dessas relações.
Esta idéia não é novidade no âmbito da organização dos tra-
balhadores. Entre os trabalhadores italianos, há bastante tempo vêm
se colocando as questões de saúde no conjunto de suas reivindica-
ções. Saliente-se que na Itália, bem como no Brasil, esse movimen-
to esteve inicialmente ligado diretamente aos sindicatos. Entre os
seus princípios básicos há a compreensão de que os trabalhadores
não devem delegar a responsabilidade de sua saúde a nenhum téc-
nico ou mesmo a nenhum Estado. Outro aspecto desse movimento
é a idéia da necessidade de uma política de afirmação da experiên-
cia operária conduzida pelos próprios operários. No caso em que
um trabalhador esteja com problemas de saúde decorrentes do uso
de uma máquina, não sendo o problema detectado pelo médico da
empresa, recomenda-se que todos devem denunciar as condições
94 José Francisco de Melo Neto

existentes. A experiência operária italiana promove a politização


dos trabalhadores também em relação à saúde.
A saúde entra como elemento dinamizador da política do
sindicato. Na Itália, ocorreu uma aliança entre as centrais sindicais,
de modo que em muitas fábricas os operários passaram a exercer a
própria vigilância sanitária, no sentido de lutar por mudanças no
ambiente de trabalho. Essas lutas levaram a reformas importantes
no campo da saúde, em todo o mundo, inclusive no campo da psi-
quiatria.

“O trabalhador está com problema neurológico, mas está por quê?


Como é que pintou esse problema neurológico? Foi desde criança?
Ou foi alguma substância, tipo mercúrio, que está no seu ambiente
de trabalho que causou essas lesões neurológicas irreversíveis?” 15

O resultado de todo esse movimento é que o trabalhador


mutilado no trabalho, por exemplo, passa a ser analisado a partir do
ponto de onde esse problema surgiu e tem a ver com a sua condição
de trabalho. Passa-se a ter uma vigilância sanitária nos locais de
trabalho. E o que é a vigilância sanitária?

“É o lado político e que tem um lado técnico, que é você ter a


capacidade de ir lá e fazer a sua investigação no ambiente de
trabalho” 16.

Esta é uma estratégia de cunho nada regional ou mesmo na-


cional, adquirindo dimensões hoje internacionais. No caso do Bra-
sil, também é um movimento amplo de dimensão maior, agrupando
profissionais na Bahia, SãoPaulo, Rio Grande do Sul, Paraíba e
outros Estados. Procura juntar três aspectos na saúde: a assistência,
isto é, cuidar do ‘paciente’ com o seu problema e conhecer o local

15 .
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
16
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 95

de trabalho; desenvolver uma vigilância epidemiológica construin-


do um banco de dados para desenvolver a vigilância sanitária.
Essa vigilância exige maior empenho político e, portanto, é
mais difícil de se realizar, já que implica mudança do ambiente de
trabalho. Os sindicatos, dessa forma, podem ter um campo impor-
tante para sua atuação nesse aspecto.
No Brasil, essa experiência do operariado italiano é absor-
vida muito mais pelo movimento sanitarista e bem menos pelo mo-
vimento operário. Na Paraíba, esse projeto é gerado partindo da
preocupação de se fazer a articulação da universidade com os mo-
vimentos sociais. A partir do SEAMPO (Setor de Pesquisa e Apoio
aos Movimentos Populares), ligado ao CCHLA/UFPB, cria-se o
grupo que vai tratar a saúde do trabalhador como ente de pesquisa.
Esse movimento inicia-se na década de 70. Na Paraíba, no iní-
cio da década de 90, cria-se a rede de informações sobre a temática,
com a finalidade de fazer avançar a organização das informações, bem
como de reduzir a sua burocracia. Com a criação do CERESAT, mon-
ta-se a estratégia de não se limitar a trabalhos isolados e nem ao nível
de poucos sindicatos. Executa-se o trabalho, mas coloca-se também a
necessidade da absorção dessa política pelo Estado, isto é, pelo Siste-
ma Único de Saúde (SUS), considerando, inclusive, a exigência da
legislação em vigor de “que a saúde do trabalhador seja assumida pelo
Sistema Único de Saúde”17.
O CERESAT tem atuado nos níveis sindical e governamen-
tal, incentivando a criação do Fórum Estadual de Saúde do Traba-
lhador, com entidades estaduais e com o SUS. Criou-se ainda o
Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente da Central Única
dos Trabalhadores - CUT. As atividades do CERESAT vêm se de-
senvolvendo também em municípios da Zona da Mata (como o
município de Mamanguape), do Litoral (como o município de Caa-
porã) e em sindicatos da zona urbana da grande João Pessoa. Mais
17
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
96 José Francisco de Melo Neto

recentemente vem desenvolvendo, junto ao Hospital Universitário


o Programa de Saúde do Trabalhador, que apresenta como objetivo:

“Contribuir com a melhoria da qualidade de vida do trabalha-


dor realizando assistência integral à sua saúde através de: a)
consultas para trabalhadores de um modo geral, com a finalida-
de de fornecer diagnóstico, tratamento e referências para ambu-
latórios clínicos e internamentos hospitalares; b) estudos epide-
miológicos a partir dos casos registrados de doenças e agravos
relacionados com o trabalho; c) formação de profissionais na
área de Saúde do Trabalhador” (UFPB/PRAC, JAN/1995).

Em todos os municípios ou sindicatos onde vem atuando, o


CERESAT tem sido, no princípio da discussão coletiva, o fator
propulsor para se “aumentar a compreensão de todos sobre o pro-
cesso gerador de saúde/doença, além de possibilitar a tomada de
posição dos interessados na solução dos problemas identificados” (
STRC/SACTES/UFPB, 1993:151).
Observe-se a seguir como os temas da pesquisa aparecem
neste projeto, após a quantificação de seus indicadores ou variáveis.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 97

GRÁFICO 1
FREQÜÊNCIA DOS TEMAS

2000

1500

1000
X
VII
500
IV
0 I

I. Concepção de mundo
II. Concepção de sociedade
III. Concepção de Estado
IV. Configuração dos interesses sociais
V. Concepção de prática social
VI. Relação universidade-sociedade
VII. Concepção de extensão universitária
VIII. Natureza do trabalho social na extensão
IX. Papel do agente institucional
X. Pedagogia da extensão universitária

Em termos quantitativos, salta aos olhos que três temas apa-


recem de forma mais expressiva: os temas I - concepção de mundo,
II - concepção de sociedade e VIII - natureza do trabalho social na
98 José Francisco de Melo Neto

extensão veiculados pela coordenação do projeto(A), pelos execu-


tores do projeto (B) pelos membros da comunidade entrevista-
dos(C) e pelos textos produzidos no projeto(D).
É conveniente observar com cuidado os demais temas que,
mesmo não se sobressaindo pela quantidade, podem apresentar
aspectos importantes para a análise. Note-se que os temas IV - con-
figuração de interesses sociais, V - concepção de prática social,
VII - concepção de extensão universitária e X - pedagogia da ex-
tensão universitária, aparecem com resultados quantitativos muito
próximos.
Chama também a atenção para a pouca expressão em quan-
tidade de dados dos temas III - concepção de Estado, VI - relação
universidade-sociedade e IX - papel do agente institucional.
O gráfico aponta, apenas, para uma primeira aproximação
com o material empírico, que deverá ser analisado na sua consis-
tência e nas possíveis contradições que abrigue. A simples distribu-
ição percentual dos temas, no total de entrevistas e documentos
analisados num determinado projeto, não significa mais do que o
volume relativo das informações que os conjuntos dos textos cole-
tados apresentam. É, dessa forma, um dado importante que assim
precisa ser considerado, mas que requer a análise qualitativa da sua
expressão e compreensão interna para que se possa chegar a alguma
conclusão. Neste estudo, cabe lembrar que se manterá sempre como
preocupação central a busca de elementos que permitam a continu-
ação do debate sobre extensão universitária, especialmente no seu
aspecto conceitual.
A Tabela 1 - Distribuição dos temas e itens, por segmento -
permite um maior detalhamento da análise.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 99

TABELA 1
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO 1

Temas Itens A% B% C% D% Fi % Fgi %


itens tema
1.1 - Visão que privilegia o mercado 07 06 09 09 136 07
I - Concepção de 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) 06 02 02 01 36 02 1840 26
mundo aperfeiçoando a soc. 87 92 89 91 1668 91
1.3 - Visão transformadora
2.1 - Conjunto de instituições indepen- 04 02 01 03 43 02
II - Concepção dentes 01 04 03 01 43 02 1799 25
de sociedade 2.2 - Totalidade integrada 95 94 96 96 1713 96
2.3 - Modo de produção
3.1 - Estado árbitro: acima das clas- 22 14 67 00 06 19
III - Concepção ses/auton. absoluta 33 50 00 100 16 50 32 01
de Estado 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela 45 36 33 00 10 41
classe dominante
3.3 - Estado ampliado: ( contradições de
classe )
IV - Configura- 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 00 03 00 07 11 02
ção dos interes- 4.2 - Interesses voltados a grupos 57 21 10 68 155 26 591 08
ses so ciais 4.3 - Interesses voltados à classe 43 76 90 35 425 72
dominada
V - Concepção 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 02 05 03 06 19 04 442 06
de prática social 5.2 - Processo em consonância com 98 95 97 94 423 96
classes dominadas
6.1 - Instituição do saber com vida 38 65 58 31 41 55
VI - Relação independente 00 11 33 56 17 23 74 02
universidade- 6.2 - Instituição voltada ao mundo 62 24 09 13 16 22
sociedade empresarial
6.3 - Instituição como aparelho de
conflito ideológico
VII - Concepção 7.1 - Via de mão única 61 29 66 62 167 48
de extensão 7.2 - Via de mão dupla 06 08 00 01 17 05 349 05
universi tária 7.3 - Trabalho social ( construção de 33 63 34 37 16 47
nova hegemonia )
VIII - Natureza 8.1 - Trabalho técnico com discurso 00 02 00 04 23 02
do trabalho social modernizador 09 06 08 09 89 08 1175 17
na extensão 8.2 - Trabalho técnico com discurso de 91 92 92 87 1063 92
neutralidade
8.3 - Trabalho técnico com discurso
transformador
9.1 - Agente de interesses do mercado ( 14 64 36 55 85 54
IX - Papel do capital ) 28 01 41 14 21 13 157 02
agente institucio- 9.2 - Agente neutro da instituição 58 35 23 31 51 33
nal 9.3 - Agente comprometido com as
classes dominadas
X - Pedagogia da 0.1 - Pedagogia tradicional 00 00 00 00 00 00 549 08
extensão 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100 100 100 100 549 100
universitária

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores


100 José Francisco de Melo Neto

B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicado-
res
Esta tabela mostra a composição interna dos temas com seus
itens, a freqüência dos indicadores por item e seus percentuais con-
siderados separadamente nos documentos e nas entrevistas - estas
distribuídas em entrevistas com os coordenadores, os executores e
os membros da comunidade alcançada pelo projeto. Mostra ainda a
frequência geral dos indicadores de cada tema, bem como o percen-
tual desse tema no conjunto do projeto.

Concepção de mundo e de sociedade

De acordo com o instrumento de análise construído, o tema


I - concepção de mundo, pode manifestar-se através de uma visão
que privilegia o mercado, em sintonia com as perspectivas domi-
nantes nesse momento, no que tange às políticas públicas em an-
damento no país. Nessas políticas destacam-se temáticas que po-
dem ser tomadas como indicadores úteis para se detectar tal ten-
dência num discurso, como o da qualidade fixada pela eficácia e
pela eficiência, projetando a competência e a competitividade a
serem asseguradas pela qualidade total. O mercado, a empresa, o
lucro e o faturamento são preocupações marcantes nessa tendência.
Outro item do tema concepção de mundo a expressa através de uma
visão integradora entre instituições e pessoas, aperfeiçoando a soci-
edade. No caso em estudo, o pequeno produtor, parcerias e integra-
ção são marcas dessa concepção. Um terceiro item, adotado como
possibilidade neste tema, exprime o mundo através de uma visão
transformadora, em que se dá ênfase aos movimentos sociais, às
classes sociais, às relações capital-trabalho e à luta e organização
dos setores subalternos da sociedade.
No projeto CERESAT, a análise do tema I mostra grande
consonância entre coordenadores, executores, comunitários e do-
cumentos, todos adotando em sua grande maioria (de 87% a 92%)
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 101

uma visão transformadora do mundo, sendo também um dos temas


quantitativamente mais destacados em todo o projeto, com um ín-
dice de 26% do total dos temas. Isso significa pelo menos uma
grande e comum preocupação em definir o projeto em termos de
transformação social. No caso deste projeto, não parece que essa
preocupação se manifeste unicamente no discurso.
No tema II - concepção de sociedade, três perspectivas defi-
nem as possibilidades enquanto itens, quais sejam: sociedade como
um conjunto de instituições independentes; sociedade como uma
totalidade integrada, que pode se revelar sob a forma de sistemas ou
subsistemas, pela perspectiva funcional dessas organizações e da
vida em sociedade e, sobretudo, a concepção de vida em equilíbrio
entre as classes ou a ausência de conflitos. Inclui a defesa do con-
trole social. A comunidade é vista como um todo homogêneo, co-
mo também “a população” e “o povo”. A terceira possibilidade
entende a sociedade como um modo de produção, definido a partir
de uma base material. Enfatiza-se a existência de conflitos sociais,
as lutas entre trabalhadores e patrões, a presença de “movimento”
como categoria fundamental da concepção, além do destaque aos
movimentos populares e sociais.
Os índices do tema II mostram consistência entre as posi-
ções expressas por coordenadores, executores, comunitários e pelos
documentos gerados nos projetos(variando de 94% a 96%) e são
quantitativamente expressivos, atingindo o índice de 25% do total
do projeto.
As concepções de mundo e de sociedade se especificam na
concepção da relação entre universidade e sociedade (tema VI).
Essa relação apresenta, a partir da perspectiva da particularidade da
universidade, a percepção que se tem do mundo, bem como da so-
ciedade. Uma possibilidade de expressão dessa relação considera a
universidade como instituição do saber, com vida independente da
sociedade. Trata-se de uma visão marcada pela ênfase na produção
102 José Francisco de Melo Neto

neutra de conhecimento, sendo a universidade tratada como organi-


zação fechada e deslocada da sociedade e, especificamente enquan-
to tal, como geradora e difusora de conhecimento, capacitadora e
formadora.
Uma outra perspectiva coloca a universidade voltada para o
mundo empresarial, caracterizando-a nos mesmos termos que a
universidade privada. Aí a ênfase passa pelo desenvolvimento do
próprio Estado e do empresariado, sendo a instituição universitária
vista como prestadora de serviço às empresas ou de consultoria
através de convênios.
Uma terceira posição define a universidade como um apare-
lho de hegemonia permeado por conflitos político-ideológicos, in-
clusive com a presença de movimento político interno em disputa
para torná-la efetivamente pública, gratuita, de qualidade, autôno-
ma, democrática, laica e necessariamente crítica. Esta é uma visão
onde são apresentadas as contradições, as mediações, os embates
políticos e ideológicos, a disseminação do conhecimento e as pos-
sibilidades alternativas, com ênfase nos processos de democratiza-
ção da universidade e da sociedade.
A análise dos itens do tema VI, considerando a origem dos
textos(documentos do projeto e entrevistas com seus coordenado-
res, executores e membros da comunidade alcançada), revela in-
consistências, discrepâncias e contradições. Para os executores do
projeto e para os membros da comunidade a universidade aparece
como uma instituição do saber, independente da sociedade(65% do
tema entre os executores e 58% entre os comunitários). Já para os
coordenadores do projeto, 62% dos indicadores deste tema apontam
para uma compreensão da universidade como aparelho permeado
de conflito. Chama ainda a atenção o fato de que 56% dos mesmos
indicadores nos documentos concebem a universidade voltada para
o mundo empresarial. É interessante essa discrepância. Nos docu-
mentos do projeto, a universidade é pensada prioritariamente en-
quanto ligada ao mundo empresarial, secundariamente enquanto
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 103

instituição independente e minoritariamente enquanto aparelho ide-


ológico. Cabe indagar como e em que circunstâncias este projeto
foi concebido.
Os dados disponíveis na pesquisa indicam que pelo menos
os atuais coordenadores adotam uma concepção de relação entre
universidade e sociedade que é bem distinta daquela que se expres-
sa nos documentos do projeto. Nas entrevistas com os coordenado-
res, a posição majoritária nos documentos é completamente ausen-
te. Há, mesmo, uma completa inversão de posições neste tema em
relação aos dados provenientes dessas duas origens. Entre os coor-
denadores, 62% de suas manifestações sobre o tema VI consideram
a universidade como aparelho ideológico e 38% como instituição
independente. Por outro lado, executores do projeto e membros da
comunidade atendida adotam majoritariamente a identificação da
universidade como independente da sociedade. A posição que iden-
tifica a universidade como aparelho ideológico aparece em 24% das
manifestações do tema VI entre os executores do projeto e em ape-
nas 9% entre os comunitários.
Os dados desse tema mostram compreensões e expectativas
diferentes quando são comparados pela origem dos textos em estu-
do. As diferenças e mesmo divergências encontradas indicam ten-
sões que podem ser bastante significativas.
Esta discussão envolve a questão do mercado de trabalho
que é manifestada, neste projeto de saúde coletiva, como não cria-
dor de mercado de trabalho. Mesmo assim, existe algum mercado
de trabalho, porém “a grande maioria dos formados está sendo
absorvida pelos outros Estados do Nordeste ou mesmo do Sudeste.
A universidade forma, mas fora dela não existe uma política de
absorção desses recursos humanos”18. Uma visão como esta pode
significar também uma perspectiva de vida independente da institu-
ição universitária, por parte da equipe de coordenação do projeto. O
18
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
104 José Francisco de Melo Neto

que se evidencia, entre os coordenadores, é a perspectiva diferenci-


ada surgida com essa discussão e que se revela, por exemplo, na
seguinte afirmativa:

“Pensar saúde coletiva é pensar um pouco todas as relações que


não estão somente no aparelho do Estado. Estão na própria so-
ciedade que as produz e que vão ser objetos de uma intervenção
do profissional de saúde. Então, muitas vezes, o que é predomi-
nante aqui nas instituições públicas, que absorveriam esse tipo
de recursos humanos, não é ainda essa concepção de saúde que
predomina” 19.

Projeta-se nos documentos(letra D) a concepção voltada para


uma visão da instituição vinculada ao mundo empresarial. Isso mos-
tra que os documentos aí gerados, como por exemplo relatórios, têm
tido pouca ou nenhuma participação da equipe coordenadora. Os
textos produzidos evidenciam sempre uma grande equipe de elabora-
dores com presença marcante de seus executores e comunitários, uma
ênfase do processo de participação desenvolvido no projeto. É, con-
tudo, uma prática que se mostra como algo limitador para a divulga-
ção daquilo que se está produzindo neste projeto de extensão quanto
a uma linha política única do projeto. É significativo destacar que
este tema se apresenta em relação aos demais como pouco significa-
tivo, já que apenas 2% de seus indicadores foram detectados, o que
demonstra contradição quanto à perspectiva transformadora e visão
de sociedade apresentada nos itens anteriores.
Mas, é nos executores do projeto que se evidenciam as possibi-
lidades, no interior dos próprios instrumentos estatais, para se ter uma
maior pressão por mudanças na legislação. Há uma disposição por
parte dos executores na busca de que as possíveis conquistas, no cam-
po do movimento da saúde, também passem a fazer parte das normas
estatais. E mais: enquanto não ocorrerem as possíveis conquistas, em

19
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 105

termos formais, avança-se no interior do aparelho do Estado, conquis-


tando aqueles que são simpáticos a essa luta. “É preciso, também, den-
tro de vários organismos do aparelho estatal, conquistar alianças”20.

Interesses sociais e prática social

A configuração dos interesses sociais (tema IV) objetiva vi-


sualizar: se eles estão voltados a indivíduos, isto é, se externam de
forma enfática a individualidade, a promoção dos indivíduos pela
política, cultura ou economicamente, e se manifestam por compor-
tamentos com características estritamente pessoais; ou se os inte-
resses definidos estão voltados a grupos específicos, presentes no
movimento organizativo em estudo ou em outro setor da sociedade.
Aí observa-se a presença ou não de interesses corporativos (sejam
produtivos, privados, industriais ou do comércio) e a promoção de
grupos pela política, pela prevalência do econômico ou pela cultu-
ra. Vizualiza ainda se esses interesses estão voltados às classes e se
eles se projetam através da explicitação direta pela classe. Nesse
caso, os tipos de compromissos surgem através de indicadores co-
mo greve, aliança, paralisação, luta, e também através das institui-
ções de classe, como o sindicato, a associação, etc.
As concepções de prática social (tema V) perpassam duas
visões. A primeira procura mostrar a ênfase aos interesses voltados
a indivíduos. São seus indicadores palavras que expressem o signi-
ficado do que está sendo colocado para este conceito através de
expressões que apontam para o tipo de indivíduo que se deseja, ou
seja, eficiente, eficaz, competidor, reciclado, modelado em relação
ao indivíduo do “Primeiro Mundo”. No processo de modelamento
buscam homogeneizar as sociedades, a cultura, a educação, a moral
e a ética. A segunda visão diz respeito ao processo político em con-

20
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
106 José Francisco de Melo Neto

sonância com as classes dominadas, expressando movimentos com


diferentes mediações e espaços, mas no campo dos dominados.
Estão presentes nesse tipo de discurso palavras que expressam
transformação, movimento, alternativa política, combatividade,
compromisso e envolvimento com as lutas, entre outras.
A observação da Tabela 1 revela consistência entre esses
dois temas (IV e V ). Há uma sintonia entre a configuração dos
interesses sociais que estão sendo colocados ao nível do discurso e
ao nível da prática social. É inexpressiva, nesse caso, a perspectiva
individualista ou individualizante, variando de 2% a 6% a soma
desses indicadores no discurso dos coordenadores, dos executores,
dos comunitários e nos documentos do projeto. Entre os coordena-
dores há maior expressão de interesses voltados para a classe e para
grupos que expressem setores do movimento, mas a variação nesta
opção abrange apenas de 94% a 98%. Ao se conjugarem os itens
4.2 e 4.3, por considerá-los como aprofundamento e diferenciação
meramente esclarecedora de uma caracterização ideológica bastante
semelhante, vê-se que tanto entre os coordenadores quanto entre os
comunitários não há qualquer menção de interesses de caráter indi-
vidual. Entre os executores do projeto, essa identificação alcança
apenas 3% e sua maior expressão, que se encontra nos documentos,
não ultrapassa 7%. Esses dados são consistentes com o que revela o
item 5.1, quando os interesses são definidos não genericamente,
mas em termos de prática social, quando a variação atinge de 2% a
6%.
A análise comparada dos temas I, II, IV e V, neste projeto,
demonstra forte consistência de uma concepção transformadora,
adotando a perspectiva dos setores dominados da sociedade.
Agente institucional e natureza do trabalho

O tema IX - papel do agente institucional, é aqui concebido


conforme as seguintes alternativas possíveis: a primeira é a de que
o agente apresenta-se comprometido com interesses do mercado,
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 107

isto é, com o capital. Dessa forma estarão presentes no discurso os


interesses individuais, a promoção do indivíduo, a ênfase no bem-
estar individual e a necessidade da formação para o profissional
avançado, no que concerne à sua adequação aos interesses do mer-
cado. Uma segunda possibilidade é a perspectiva do agente neutro
frente à realidade, seja ele de qualquer instituição, do Estado ou
mesmo da universidade. Nessa compreensão estará presente a visão
de que os agentes são meros representantes da instituição, no caso,
a universidade. A terceira possibilidade é a figura do agente com-
prometido, especificamente, com a classe subalterna. Nessa visão o
agente assume perspectivas de solidariedade, participação, combi-
nação de seu discurso com a prática, afetividade, companheirismo,
ajuda, conscientização e cooperação, entre outras.
Em relação ao tema VIII - a natureza do trabalho na exten-
são - esta é analisada, prevendo a possibilidade de o trabalho se
apresentar com um discurso “modernizador”, em consonância com
as idéias do mercado e assumindo a perspectiva da qualidade total,
da integração das comunidades e dos indivíduos à sociedade domi-
nante, da preocupação com a produtividade tida como meta, da
atualização técnica, do gerenciamento e da otimização do trabalho.
Uma outra alternativa é a sua expressão através de um trabalho com
discurso da neutralidade e aí o trabalho é prestador de serviço numa
perspectiva do tipo paternalista. Sua ação é pautada pela cientifici-
dade. Evidenciam-se os aspectos corporativos. Conceitos como os
de cidadania, de parceria e de confiabilidade, sem nenhuma explici-
tação do significado de cada um, estão sempre presentes nessa linha
de discurso. A terceira possibilidade aqui vislumbrada é o trabalho
como discurso transformador. Este se externa através das preocu-
pações com a organização dos setores subalternos. Está presente a
preocupação do diálogo com a população. Aparecem a discussão
pela autonomia, as lutas dos trabalhadores, os processos, a articula-
ção política, a formação de lideranças, etc.
108 José Francisco de Melo Neto

Esses temas passarão a ser confrontados, pois, de certa for-


ma, a discussão sobre o papel do agente institucional se configura
como uma continuidade do tema sobre a natureza do trabalho em
desenvolvimento pelos agentes do projeto de extensão. Poderão,
por sua vez, consolidar contradições ou revelar consistência interna
existentes entre os diferentes grupos em análise, sejam coordenado-
res, executores, comunitários ou mesmo presentes nos documentos
do projeto.
A comparação entre os percentuais dos itens do tema VIII evi-
dencia que dois temas projetam a natureza do trabalho na extensão
como um trabalho técnico com discurso transformador, tendo índice,
no geral, de 90%. Destaca-se a consistência existente entre os membros
dos vários grupos de trabalho e nos textos gerados pelo projeto. Os
percentuais 91%, 92%, 92% e 87% para os coordenadores, executores,
comunitários e textos, respectivamente, são bem ilustrativos. Este te-
ma, por sua vez, representa uma preocupação que parece importante
entre os grupos do projeto, já que apresenta um percentual de 17% em
relação aos demais .
O papel do agente institucional (tema IX) se mostra bastan-
te esclarecedor. De início se apresenta contraditoriamente em rela-
ção ao tema anterior. Os indicadores apontam um percentual de
apenas 33% para o papel do agente comprometido, especificamen-
te, com a classe dominada. Um total de 54% dos indicadores afirma
o papel do agente voltado aos interesses do mercado, ao capital. Há
diferenças importantes quando da comparação entre os temas VIII e
IX, bem como quando se comparam as posições dos diferentes gru-
pos participantes do projeto. O percentual do tema (2%) mostra que
a discussão interna no projeto sobre o papel do agente institucional
foi pouco desenvolvida. São discutidas normalmente as propostas e
as tarefas imediatas geradas das ações de saúde, contudo, o papel
do agente nessas ações aparece muito mais de forma embutida na
análise das ações.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 109

Pode-se avançar no estudo das contradições, observando-se


a Tabela 2 - Papel do agente institucional, frequência de indicado-
res e percentual.
110 José Francisco de Melo Neto

TABELA 2
PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL
Distribuição dos itens do tema IX, por segmento
I- A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT % %
tem i- te-
tem ma
9.1 01 --- --- 01 14 20 11 28 59 64 03 10 --- 13 36 04 06 02 12 55 85 54 02

9.2 02 --- --- 02 28 00 01 00 01 01 10 05 --- 15 41 01 01 01 03 14 21 13

9.3 04 --- --- 04 58 03 12 17 32 35 03 05 --- 08 23 01 00 06 07 31 51 33

9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ).


9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade.
9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
TT - Freqüência total de indicadores no item
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 111

Consolida-se nesta tabela a visão conflitante entre os dife-


rentes grupos pesquisados no projeto, constatando-se no item agen-
te comprometido com interesses do mercado, percentuais de 14% e
64%, para os coordenadores e executores, respectivamente. Juntan-
do-se os indicadores relativos ao agente que se identifica com o
mercado e o agente neutro, tem-se 67% de opção por essa compre-
ensão, ao passo que o agente da classe dominada alcança 58%. São
dados que negam os procedimentos de ação do agente institucional
voltados à classe dominada (tema V). Os próprios comunitários
vêem predominantemente esses agentes como neutros, possivel-
mente por cumprirem tarefas acadêmicas. Contraditoriamente, es-
ses agentes se identificam na sua ação como aqueles que incenti-
vam a necessidade da vigilância sanitária, o que significa ir ao local
de trabalho e detectar qual é de fato a questão da saúde do trabalha-
dor que está em cena. Sentem-se como agentes que vão ao local
onde está aparecendo a doença, de forma que o deslocamento signi-
fica intervir no sentido da mudança. Todavia, para que esse traba-
lho de mudança seja possível, deve-se atuar no âmbito do legislati-
vo e do judiciário, tentando provocar, inclusive, mudanças das leis.
É a luta do trabalhador por mais espaços de atuação. Sabe-se que a
configuração jurídica apresenta uma correlação de forças desfavo-
rável para o trabalhador. Sobre essa necessidade de atuação do a-
gente, diz um dos entrevistados:

“Então, ou ele se mobiliza, há uma mobilização política para


que as leis abram mais espaço para essa intervenção de mudan-
ça ou fica um campo político bastante desfavorável” 21.

Nos debates que se desenvolvem no interior do projeto, sur-


ge com clareza a necessidade de contrapor-se ao corporativismo
que comumente cerca a ação sindical. No caso da saúde coletiva,

21
Membro da equipe do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
112 José Francisco de Melo Neto

sempre se discute a articulação que deve ser feita entre os sindica-


tos, no sentido de maior pressão para mudanças das leis. É aí onde
surge o debate sobre as necessidades de se buscarem mudanças
mesmo no aparelho estatal. Muitas vezes, mesmo ao nível das ple-
nárias de saúde coletiva, coordenadas pela CUT e onde há partici-
pação dos setores governamentais, os trabalhadores começam a
perceber o deslocamento de problemas que estão em pauta para
serem analisados em futuras plenárias. Eles começam a perceber o
jogo quando os representantes do governo (DRT, Secretaria de Sa-
úde, INSS, CRP (Centro de Realização Profissional) pretendem
deslocar questões de solução iminente para outros momentos, no
futuro. Há, portanto, muito jogo por parte das autoridades da saúde
quando a decisão aponta para medidas imediatas. É importante res-
saltar que é também papel do Coletivo de Saúde, Trabalho e Meio
Ambiente, da CUT, a formação de trabalhadores de base, de cipei-
ros (membros da CIPA - Comissão Interna de Prevenção de Aci-
dentes) e de dirigentes sindicais. Eles percebem a reação dos repre-
sentantes do governo, que vão logo se fechando, mesmo quando
admitem que o problema deva ser resolvido.
Apesar disso, os sindicalistas e membros da equipe do Pro-
jeto Zé Peão que vão aos canteiros já conseguem promover discus-
sões salariais e também questões de saúde. Tempos atrás a única
discussão era a questão salarial. Também os representantes do go-
verno tomam consciência ali do que deveriam estar fazendo e vá-
rios deles assumem esta situação.

“A saúde do trabalhador passa a ter um papel fundamental na


formação política, a partir da discussão da problemática da sa-
úde do trabalhador com o processo de trabalho” 22.

22
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 113

As discussões são, posteriormente, remetidas ao âmbito ins-


titucional e os agentes do projeto passam a ser cobrados como in-
centivadores daquelas críticas. Mas os trabalhadores também co-
bram desses agentes do CERESAT maior empenho na solução dos
problemas. Esses embates parecem suscitar possíveis explicações
da visão dos comunitários, no caso um percentual de 41%, sobre o
papel neutro do agente do CERESAT. Os dados mostram uma pro-
funda contradição nesse aspecto, contradição não só entre a nature-
za do trabalho no projeto e o papel do agente institucional, como
também acerca da visão dos interesses voltados à classe (tema IV),
da consonância da prática social com as classes subalternas (tema
V) e da noção do trabalho com discurso “transformador” (tema
VIII).
Já se notam, na análise do tema IX, as diferenças de posição
quanto ao papel do agente institucional entre os coordenadores e os
executores do projeto. Cabe confrontar esses dados com as opções
encontradas nos documentos do CERESAT. Aí prevalece a identi-
ficação do agente do mercado (55%), seguida da compreensão do
agente da classe dominada (31%) e, finalmente, do agente neutro
(31%). Trata-se do mesmo tipo de distribuição encontrada entre os
executores do projeto. Já entre os coordenadores, as prioridades se
acham invertidas: 58% dos indicadores do tema se concentram na
concepção do agente como agente da classe dominada, enquanto
que 14% o apontam como agente do mercado. Ou os atuais coorde-
nadores não participaram da elaboração dos documentos do projeto,
ou mudaram sua concepção no exercício da coordenação. É ainda
curioso o fato de que coordenam executores cujas concepções são
divergentes das suas, embora perfeitamente ajustadas aos documen-
tos do projeto.
A discussão do tema acerca do papel do agente institucional
mostrada pela freqüência desses indicadores(157) e o percentual
entre os temas de 2% apontam mais ainda a necessidade da discus-
são dessa questão entre os membros do projeto CERESAT.
114 José Francisco de Melo Neto

Extensão universitária

O tema VII do instrumento de análise dos projetos de exten-


são está voltado à compreensão de extensão veiculada pelos parti-
cipantes das atividades de extensão. Além de buscar encontrar ele-
mentos das concepções que são veiculadas, hoje, através de dife-
renciados projetos de extensão, também buscar-se-ão elementos
outros que, talvez, possam contribuir para o debate conceitual.
No tema concepção da extensão universitária enfatizaram-se
três visões sobre a questão e que estão muito em voga nas práticas edu-
cativas. A primeira é a visão de extensão como um caminho ou uma
via de mão única. O que caracteriza essa visão é a compreensão de que
a universidade é uma instituição independente e que cabe a ela passar
para a sociedade os resultados de alguns dos seus trabalhos. Bem ca-
racterizam essa visão a prestação de serviços, a promoção de cursos e
eventos, a assistência, a venda de serviços, o treinamento de indivíduos
da sociedade, a realização de estágios, enfim, a universidade levando
benefícios à sociedade. Uma outra visão é apresentada através da sim-
bologia da “mão dupla”. Nesse caso, a extensão é compreendida como
um processo educativo, cultural e científico. Esta concepção privilegia
o aspecto de que a universidade leva conhecimento à comunidade,
como também traz conhecimento da sociedade para a instituição. A
universidade e a sociedade são aí concebidas como agindo de mãos
dadas. Estabelece-se, às vezes, a simbologia do canal e do elo como
expressões dessa mão dupla. A universidade procura atender as de-
mandas sociais em forma de troca de algo com a sociedade e tendo
desta a sua contrapartida. Uma terceira concepção em desenvolvimento
neste trabalho está sendo inserida com o objetivo de tentar encontrar
nessas experiências elementos que possam ser apresentados ao debate
sobre a extensão e que possam projetar conceitualmente a extensão
como um trabalho social. Nesse sentido é que essa compreensão estaria
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 115

sendo marcada por indicadores que mostram certo tipo de trabalho em


desenvolvimento entre universidade e sociedade, não como entes sepa-
rados, mas em relação permanente entre si. Contudo, nem por isso se
identificam, pois se diferenciam. Trata-se de um movimento contínuo
de relação e de diferenciação. A universidade tem suas especificidades,
mesmo que a sociedade, como um todo, a contenha. O sentido que se
propõe apreender é de um trabalho social como processo educativo,
cultural e científico, porém voltado à construção de uma nova hege-
monia. O trabalho aqui aparece configurado com a própria classe su-
balterna, especialmente voltado à organização dos seus diferentes seto-
res. De acordo com esse entendimento, a universidade e também a
comunidade devem ser as proprietárias do produto desse trabalho. A
extensão assim concebida deve acarretar processos em desenvolvimen-
to de forma contínua que se realimentam desse fazer e que são marca-
dos por uma relação imanente da teoria e da prática.
116 José Francisco de Melo Neto

TABELA 3
CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Distribuição dos itens do tema VII, por segmento

ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT %item % tema

7.1 00 --- --- 30 61 11 23 11 45 29 04 15 --- 19 66 29 12 32 73 62 167 48


05
7.2 03 --- --- 03 06 00 10 03 13 08 00 00 --- 00 00 00 00 01 01 01 17 05

7.3 16 --- --- 16 33 16 19 61 96 63 04 05 --- 09 34 21 05 18 44 37 165 47

7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade.


7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico.
7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
TT - Freqüência total de indicadores no item
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 117

Para uma maior visualização observe-se a Tabela 3 - Con-


cepção de extensão universitária, constante já na Tabela 1, que
revela no geral a existência de duas concepções diferenciadas que
são bastante nítidas. Um percentual de 48% dos indicadores desse
tema (% item) refere-se à extensão como uma via de mão única,
enquanto 47% apontam para uma percepção da extensão como tra-
balho social. Contudo, na visão da extensão como mão única, a
análise interna dos itens por origem dos textos revela diferenças
importantes entre os coordenadores e comunitários e nos textos
gerados que são de 61%, 66% e 62%, respectivamente. Convém
destacar que a expressão “mão única” não aparece sempre explici-
tada dessa forma precisa nos textos ou nas entrevistas, só estando
registrada assim quando o sentido é claramente este.
Já com relação aos executores do projeto, 63% das opções
do tema se concentram no entendimento de extensão muito mais
em termos da possibilidade de torná-la um trabalho social. É impor-
tante ressaltar que a percepção de extensão como mão dupla teve
pouca expressão percentual. É digno de se notar que este tema se
apresenta com 5% do total dos temas do projeto. Parece não ser
relevante quantitativamente, contudo, serão vistas com maior aten-
ção as possibilidades de diferenciação conceitual surgida no proje-
to.
Uma observação de forma vertical (Tabela I), em torno dos
temas do projeto, afirma-se de forma consistente entre os seus co-
ordenadores: a visão transformadora de mundo; a concepção de
sociedade como um modo de produção; a concepção de Estado
ampliado com suas contradições de classe, mesmo com a sua fre-
quência de indicadores baixa em relação aos demais temas, (1%); a
concepção de prática social como processo voltado às classes su-
balternas; a relação entre a universidade e a sociedade como uma
relação permeada de conflitos ideológicos; a natureza do trabalho
social como um trabalho técnico com discurso transformador, além
do papel do agente institucional como aquele agente da classe do-
118 José Francisco de Melo Neto

minada, com percentuais de 87%, 95%, 45%, 98%, 62%, 91% e


58%, respectivamente.
Para os executores surge um relacionamento entre o tema IX
- papel do agente institucional entendido como agente do mercado,
com 64% e o tema VI - relação da universidade com a sociedade,
sendo a instituição vista como portadora de um saber com vida
independente, com 65%. Estes aspectos conflitam frontalmente
com a visão de mundo (tema I) e concepção de sociedade (tema II)
com percentuais de 92% e 94%, respectivamente voltados a uma
visão transformadora e a sociedade como um modo de produção.
Assim, estes últimos estão em consistência, contudo, com a possi-
bilidade de verem na extensão uma concepção diferenciada daque-
las que hegemonizam o debate em torno dessa temática, com per-
centual 63% para extensão como trabalho social. Esta concepção
também está em consonância com a idéia de prática social voltada
às classes subalternas, com percentual de 95%.
Já entre os executores, as visões predominantes são: o Esta-
do árbitro acima das classes; a universidade se expressando como
saber e com independente; a extensão vista como via de mão única,
expressando percentual para o papel de agente de mercado ao agen-
te institucional com 67%, 58%, 66%, e 36%, respectivamente.
Entre os textos produzidos pelos projetos (D%) também se
estabelece a consistência nos temas sobre visão de mundo (91%) e
visão sociedade (96%), sendo nessa perspectiva dissonante quanto
à visão de extensão como via de mão única (62%) e quanto ao pa-
pel do agente institucional como agente de mercado (55%).

Considerações

O debate diferenciador está presente no projeto CERESAT.


Coordenadores que vêem a instituição como um aparelho de confli-
to ideológico (62% do total do tema VI), contudo, não apresentam
uma perspectiva de extensão como trabalho social.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 119

“Não vejo a função social da universidade, apenas, como traba-


lhar na visão dos trabalhadores, embora não se possa escapar
disso. Na área tecnológica, não vejo como ela não realizar ou
ouvir as necessidades de outro segmento ” 23 .

Um entendimento como este possibilita uma perspectiva e-


clética do trabalho de extensão. Pode-se encontrar ainda a visão de
extensão como “os canais que existem para se fazer essa passagem
entre o que está acontecendo na universidade e o que está aconte-
cendo na sociedade, de forma a criar esse caminho de mão du-
pla”24.
Para alguns executores do projeto que estão numa perspec-
tiva diferenciada de extensão universitária, em relação aos coorde-
nadores, esta pode ser “ exatamente as respostas da universidade
para a sociedade, ou seja, seria a tentativa da universidade de pe-
netrar nos movimentos, nas instituições e ali poder dialogar com
os atores mais diversos, que estão presentes nessas diversas insti-
tuições, nas diversas instâncias da sociedade”25.
Esse tipo de visão coloca a necessidade de que a universida-
de responda às demandas sociais e a extensão se torna essa própria
resposta. Para outros membros do CERESAT, no entanto, o seu
trabalho de extensão se inicia a partir de um desejo de atender a
uma demanda especificamente sindical, embora permaneça também
aí a marca da compreensão de extensão como uma resposta, tal
como foi considerado anteriormente. Não importa que seja para um
sindicato de trabalhadores, sindicato patronal ou uma instituição
qualquer. O produto do fazer extensão seria a resposta a ser dada
àquela demanda. Há, todavia, nessa visão a decisão de cunho ideo-
lógico de atender a uma demanda de um sindicato ou mesmo de

23
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
24
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
25
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
120 José Francisco de Melo Neto

iniciar um trabalho na possibilidade de desenvolvimento desse sin-


dicato, tendo como base a realidade da classe trabalhadora. Nessa
perspectiva é que um dos entrevistados vislumbra uma nova forma
de trabalho na categoria dos trabalhadores da construção civil:

“Hoje, o pessoal consegue ir para os canteiros de obra e fazer


uma discussão com os trabalhadores sobre a questão da saúde e,
não só, como faziam antigamente: apenas discutindo a questão
econômica” 26.

Esta se apresenta como uma forma diferenciada de concep-


ção de extensão, que coloca não mais as perspectivas, seja de mão
única ou de mão dupla, e que estabelece o índice de 63% do item
para os executores do projeto CERESAT, diferenciando-se, assim,
das compreensões dominantes de extensão. Contudo, as diferencia-
ções se mantêm ainda dentro do próprios coordenadores quando
vêem no desenvolvimento do projeto a seguinte dimensão:

“Em muitos momentos, se inicia uma atividade que seria, pre-


dominantemente, de prestação de serviços. Na prática, contudo,
ao se ter uma concepção mais ampla do que é o conhecimento;
do que são as interrelações do Estado - Sociedade; de repente,
se vê que nesta prestação de serviço, o que se produz como in-
formações, só seriam geradas se tivessem formalizadas como
pesquisa” 27.

26
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
27
Membro do CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 121

2.3 - Projeto Escola Zé Peão

A tinta esconde a massa.


A massa esconde o tijolo.
O tijolo ocupa o vazio.
A massa, a tinta, o tijolo escondem a minha mão.
Escondem a mão do meu companheiro pintor.
Escondem a mão do meu companheiro pedreiro.
O edifício aparece naquela rua.
Alto, bonito, aprumado ... 28

A década de 70 marca a tentativa dos trabalhadores de recu-


perarem as suas organizações e particularmente os seus sindicatos,
apesar da vigência da ditadura militar. Esse processo inicia-se, so-
bretudo, nos centros mais industrializados do país, sendo São Paulo
o carro-chefe, e espalha-se pelos demais Estados. Na Paraíba, a luta
dos sindicatos dos trabalhadores, no caso o da construção civil, faz
parte dessa luta maior pela democratização da sociedade.
É dessa época a história da organização de um grupo de
pessoas, voltado para a organização dos trabalhadores da constru-
ção civil, em João Pessoa. Esse grupo veio denominar-se Movi-
mento de Reconstrução Sindical ou Grupo Zé Peão, caracterizando-
se em três períodos:

“O primeiro período cobre os anos 1976-81, formando a “pré-


história” do grupo. O segundo período começa em l982 com a
decisão do grupo de assumir a sua identidade de oposição sindi-
cal e termina com a sua consagração nas urnas como direção do
sindicato (l986-l989), a sua reeleição em l989 e a continuação
de sua luta até o atual momento, no qual o Projeto Escola Zé
Peão está profundamente arraigado” (IRELAND, 1991: 5).

28
Ver texto para alfabetização no livro: IRELAND, Vera S. J. da Costa. Aprendendo com o trabalho: livro de alfabetiza-
ção de jovens e adultos trabalhadores. Col. Maria de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitá-
ria/UFPB/1995.
122 José Francisco de Melo Neto

Essa referência histórica se torna importante, para que se


possa traçar uma análise marcada pela dimensão histórica do proje-
to e pela preocupação crescente do grupo Zé Peão, na tentativa de
contribuir para a organização de uma categoria de trabalhadores,
através da construção de sua identidade coletiva.
De forma mais geral, pode-se reconhecer a influência de to-
do um movimento nacional, com o renascer do sindicalismo no
ABCD paulista, das lutas pela anistia, sendo o embrião de organi-
zação nacional dos trabalhadores a I Conferência Nacional das
Classes Trabalhadores - I CONCLAT - e posteriormente com a
criação da Central Única dos Trabalhadores - CUT .
Esse é o primeiro momento organizativo desse grupo, tendo
suas raízes em uma Comunidade Eclesial de Base (CEB), no bairro
popular de Mandacaru, em João Pessoa. Esteve nessa origem o mo-
vimento de criação da Comissão Pastoral Operária (CPO), além de
operários que, sem vínculos com organização religiosa, vieram a
constituir o primeiro núcleo de trabalhadores da construção civil
nos bairros populares em João Pessoa. Esta foi uma medida tomada
internamente pelo grupo, visando ao seu crescimento. O grupo vol-
ta-se às atividades das lutas operárias por melhores salários e con-
dições de trabalho. Estabelece, dessa forma, um início de relacio-
namento com a instância formal da categoria - o sindicato.
Todavia, o grupo só vem se formalizar como oposição sin-
dical em l982. Prepara-se, inclusive, para enfrentar as eleições sin-
dicais. As dificuldades de acesso às normas sindicais e às informa-
ções burocráticas dos procedimentos de eleições, a pouca inserção
nas bases, as dificuldades no trato com as grandes firmas da cons-
trução civil, as perseguições políticas aos trabalhadores, a pouca
presença do grupo nos canteiros de obras e a conjuntura política
local adversa foram os elementos marcantes e responsáveis pela
derrota eleitoral dessa oposição sindical que se apresentava para a
categoria, através de boletim, com o nome de Zé Peão.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 123

Em l986, a conjuntura política, no país, era bem diferente da


de l983. As preocupações dos empresários locais estavam muito
mais voltadas para as eleições estaduais e federais e menos para as
eleições sindicais. O afastamento da base sindical pela diretoria
“pelega” era marcante. A oposição sindical se afirmava e mantinha
um elo com a categoria, através do boletim Zé Peão. Levava a sua
mensagem oposicionista e reiterava sua opção pela organização da
categoria e dos demais trabalhadores. Esse trabalho vai consolidar-
se, finalmente, com a eleição da diretoria oposicionista, naquele
mesmo ano, desenvolvendo as atividades antes postuladas pelo
boletim para toda a categoria. Agora, o Zé Peão estava na direção
do sindicato. Pode-se configurar como um outro momento desse
processo ou o Sindicato Zé Peão.
O percurso de ação política do grupo esteve, desde esse
momento, em sintonia com um grupo de profissionais da Universi-
dade Federal da Paraíba, constituindo-se numa perspectiva de se
desenvolver processos de educação básica para os trabalhadores
adultos. Isto revelaria contradições entre os operários, considerando
o desejo de mudanças imediatas.

(Poderia também) “justificar-se tanto pelos pequenos ganhos de


ordem pragmática que ela(educação) pode conferir ao trabalha-
dor quanto pela possibilidade de se constituir num meio através
do qual ele avalia sua inserção/alienação da sociedade. Isto for-
taleceria as lutas desses setores pela afirmação de sua cidadani-
a” (Oliveira, 1994: 5).

O grupo chegava à direção com idéias diferentes sobre o


processo de organização da categoria. Era um conjunto de idéias
políticas voltadas a uma prática sindical democrática, participativa,
na construção de um sindicalismo combativo.
124 José Francisco de Melo Neto

“E como parte da estratégia do grupo para ir criando um sindi-


cato democrático, obviamente, com um eixo muito forte, era a
questão da educação. Educação em termos abrangentes” 29.

Todo o trabalho, praticamente, estava por ser feito, desde


aquele mais simples, como a burocracia do sindicato, até as ações
políticas necessárias e importantes, como a realização de assem-
bléias preparatórias para os dissídios coletivos. Os diretores iniciam
suas visitas aos locais de trabalho. Detectam alto índice de analfa-
betismo e pouca formação sindical e política entre os trabalhadores.
Além dessa questão, outras ainda são específicas da categoria. O
operário da construção civil não tem condições de, depois da longa
jornada de trabalho, sair do canteiro para um local de estudo. Eles
dormem no próprio canteiro. Sua vida toda está no próprio canteiro
de obras. São operários que vêm do meio rural. Trabalham, comu-
mente, por temporada. Nas épocas de plantio retornam às suas ter-
ras. Há canteiros constituídos de trabalhadores de um mesmo sítio
ou município do interior do Estado.
Essa situação gerou a idéia de, junto com o pessoal da uni-
versidade, organizar-se uma escola no próprio canteiro de obras.
Foi preciso um certo tempo de mobilização e politização para se
conseguir, até, a autorização do sindicato patronal para poder efeti-
var-se a experiência da escola Zé Peão. Esta foi uma conquista for-
jada na luta e na justiça através da organização do dissídio coletivo.
Projeta-se a Escola Zé Peão, como uma experiência de alfa-
betização de adultos, dirigida aos operários da construção civil.
Estes são caracterizados como operários, vindos da zona rural, mi-
grantes para a cidade em busca de emprego, com baixa ou nenhuma
escolaridade.

“Eles não têm, de um modo geral, uma alfabetização preliminar.


Alguns entraram na escola e aprenderam a decodificar ou codi-

29
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 125

ficar alguma coisa, mas necessitam de um processo mais siste-


matizado de alfabetização, no sentido tanto da leitura e da escri-
ta, quanto do cálculo e do conhecimento geral. O Projeto Escola
Zé Peão tenta trabalhar, justamente, com esse pessoal mais es-
pecífico. Esta foi a proposta inicial, em l991, quando tínhamos
em mente esse objetivo” 30.

A realidade do operário da construção civil relativa à educa-


ção apontava para a existência de um quadro de trabalhadores anal-
fabetos. Para estes elaborou-se um programa denominado de Alfa-
betização na Primeira Laje (APL). Contudo, parte desses operários
já tinha alguma noção da escrita e de cálculo. Essa outra realidade
revelou a necessidade de outro programa que foi denominado de
Tijolo Sobre Tijolo (TST), destinado a essa outra clientela.
Essa experiência se reveste de uma perspectiva educativa
voltada não apenas à sistematização dos códigos da leitura e de
cálculo, mas que privilegia uma visão de globalidade e de politiza-
ção dos operários. Este projeto pedagógico se desenvolve e está
contido no livro Aprendendo com o Trabalho, elaborado a partir
dessa experiência e em utilização nas escolas do Projeto Zé Peão.

“O projeto tem um caráter escolar, onde a gente trabalha a lin-


guagem, a matemática e os conhecimentos gerais, estes através
de discussões, cujos temas estão implícitos nos livros didáticos.
No caso, o livro Aprendendo com o Trabalho é um relato da his-
tória de Benedito. É uma cartilha construída a partir do conhe-
cimento da realidade do operário. Esse livro didático contém
uma diversidade de temas do tipo: migração, subjetividade do
operário, exploração do trabalho, reconhecimento do operário,
etc” 31.

30
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
31
Membro do Grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
126 José Francisco de Melo Neto

Com o processo educativo de caráter mais amplo, configu-


rou-se um terceiro programa que veio subsidiar o trabalho nas esco-
las através de imagens. Um programa que pudesse utilizar as po-
tencialidades da cidade como o Planetário e os diversos espaços da
arte. Criou-se o programa Varanda Vídeo (VV). Seu objetivo era
enfatizar as visitas culturais, as discussões sobre os mais variados
temas relacionados a geografia, história, democracia e cidadania.
Em síntese, é um projeto organizado nessas três dimensões: APL,
TST e VV. Não é um projeto do sindicato. É um projeto gerado das
discussões, das necessidades dos operários e em parcerias com pro-
fissionais da universidade, com setores da universidade comprome-
tidos com os operários e em conjunto com o sindicato.
Atuando junto à universidade, a educação do trabalhador é
pensada e praticada numa dimensão de parceria do tipo universida-
de/sindicato e da perspectiva para a luta política que possa interessar
aos trabalhadores. Mais adiante o Estado também entrará nessa parce-
ria, assumindo parte das despesas decorrentes. Contudo, o que se de-
monstrava, ao se desenvolver uma educação nos canteiros de obras, era
a urgência de se tratar da articulação de dois temas fundamentais: “tra-
balho e escola ou trabalho e educação”(ibid.: 5). As questões-chave
postas para estudos dos participantes da universidade, nesse processo
de educação, eram:

“Como encontrar a educabilidade do trabalho a partir da práxis


produtiva do trabalhador da construção civil ou como encontrar
a educabilidade da escola e da alfabetização pela práxis produ-
tiva? Este era um desafio interno que a experiência colocava”
(Ibid.: 5).

Trabalho estava sendo entendido como uma relação social e


não como expressão de relações de força ou poder. Estava definin-
do o modo humano de existência, não apenas atendendo às exigên-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 127

cias físico-biológicas, mas envolvendo dimensões sociais, estéticas,


de lazer, etc. Era o trabalho construindo o mundo da liberdade.
A questão enfatizada vai ao encontro de preocupações pos-
tas por educadores, como Arroyo (1980: 23), que, desde o início da
década de 80, já mostrava a necessidade urgente de se “redefinir
nossas pesquisas sobre as relações reais entre escola e organiza-
ção do processo produtivo”. Essa experiência também vai relacio-
nar-se com as posturas e práticas dos sindicalistas. Este modelo de
escola projeta um repensar de suas práticas sindicais ou um delinear
da “nova prática do Zé Peão”.
A chegada da diretoria Zé Peão ao sindicato provocou, de
início, o fim das “mordomias” de várias pessoas que percebiam
salários da entidade sem desenvolver qualquer trabalho sindical. O
ambulatório médico atendia a toda a redondeza do sindicato com
dividendos eleitorais para a antiga diretoria, não servindo aos sindi-
calizados. Dessa forma foi sendo desativado como política de supe-
ração do assistencialismo desenvolvido. O funcionamento da dire-
toria foi modificado e os diretores passaram a trabalhar, pelo me-
nos, duas horas por dia, na sede do sindicato. O tempo restante foi
direcionado às visitas aos canteiros de obras. Os duzentos e cin-
qüenta canteiros passaram a receber visitas, praticamente, diárias.
Existiam muitas reclamações dirigidas ao sindicato, às empresas,
reclamações trabalhistas que vinham, conseqüentemente, aumentar
os pedidos de visitas por parte dos próprios trabalhadores. A prática
da nova diretoria foi se diferenciando das anteriores. O princípio do
seu trabalho passava, inicialmente, pelos canteiros de obras.

”Temos a vantagem de não nos envolvermos com o trabalho bu-


rocrático. Toda parte burocrática são dos funcionários. A nossa
parte é apenas a política. Isso facilita o trabalho com a catego-
ria” 32 .

32
Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
128 José Francisco de Melo Neto

A participação da universidade enquanto instituição só se


manifesta após o convênio firmado em l992, como fruto de uma
integração de profissionais que já atuavam individualmente junto
aos trabalhadores da construção civil.

“Eu quero dizer que a universidade tá nesse meio também por-


quê a gente fez com que ela viesse. A gente pediu. A gente fez
com que ela se aproximasse. Eu acho que a universidade tá dife-
rente da universidade de 20 anos atrás” 33.

Destaca-se, a seguir, a apresentação dos variados temas em


discussão na pesquisa do Projeto Escola Zé Peão, após a aplicação
do instrumento de análise aos documentos e às entrevistas realiza-
das, expressa pela quantificação de seus indicadores ou variáveis.

33
Liderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa .
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 129

GRÁFICO 2
FREQÜÊNCIA DOS TEMAS

2000

1500

1000
X
VII
500
IV
0 I

I. Concepção de mundo VI. Relação universidade -


sociedade
II. Concepção de sociedade VII. Concepção de extensão universi-
tária
III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na
extensão
IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente institu-
cional
V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão uni-
versitária

A visualização do Gráfico 2 demonstra a freqüência com


que os indicadores aparecem nos variados temas da pesquisa. Proje-
130 José Francisco de Melo Neto

tam-se dois temas: a concepção de mundo e a concepção de socie-


dade. Ambos se expressam no conjunto dos demais temas, com
percentuais de 26% e 27%, podendo mostrar que, do ponto de vista
teórico, estão bastante discutidos tanto entre os coordenadores do
projeto como entre seus executores e sindicalistas, assim como nos
documentos produzidos por membros do projeto.
O Gráfico 2 destaca um segundo bloco de temas: a configu-
ração dos interesses sociais, a concepção de prática social, a natu-
reza do trabalho social na extensão e a pedagogia da extensão
universitária. Esses temas tiveram percentuais de 11%, 7%, 12% e
7%, respectivamente, e servirão como guia para uma melhor obser-
vação, ao nível desses temas, considerando que o Gráfico 2 não
possibilita tal averiguação. Finalmente, oferece um bloco de temas
com percentuais pouco expressivos quantitativamente, mas ainda
assim muito importantes qualitativamente, quais sejam a concepção
de estado, a relação da universidade com a sociedade, a natureza do
trabalho social na extensão e o papel do agente institucional. Os
percentuais referentes a esses temas estão expressos em 1%, 2%,
2% e 3%, respectivamente. Esses dados conduzem a uma busca de
maiores detalhes no interior dos referidos temas.
Vai se tornando necessária a observação mais específica so-
bre a consistência interna entre os temas, em seu conjunto, e dentro
do projeto. Para isso, a explicitação maior será possível através da
Tabela 4 - Distribuição dos temas e itens, por segmento.

Concepção de mundo e de sociedade

Observe-se que há uma consonância entre os percentuais re-


ferente à concepção de mundo projetada pela visão transformadora
entre os vários atores do projeto, sejam eles: coordenadores, execu-
tores ou sindicalistas. Tanto os coordenadores como os textos pro-
duzidos no projeto apresentam percentuais ligeiramente abaixo dos
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 131

demais. Porém, o percentual geral de 88% dessa perspectiva é bem


ilustrativo da predominância de concepção de mundo, enquanto
temática discutida tanto nas entrevistas como nos textos.
132 José Francisco de Melo Neto

TABELA 4
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
Temas Itens A% B% C% D% Fi % itens Fgi % tema
1.1 - Visão que privilegia o mercado 13 09 07 24 183 11
I - Concepção de mundo 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoan- 01 01 01 01 08 01 1631 26
do a soc. 86 90 92 75 1420 88
1.3 - Visão transformadora
2.1 - Conjunto de instituições independentes 06 06 04 01 61 04
II - Concepção de sociedade 2.2 - Totalidade integrada 01 01 03 01 37 02 1684 27
2.3 - Modo de produção 93 93 93 98 1586 94
3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. 83 20 00 60 12 33
III - Concepção de Estado absoluta 17 80 100 40 25 67 37 01
3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe 00 00 00 00 00 00
dominante
3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe )
IV - Configuração dos 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 00 01 00 00 01 00
interesses so- 4.2 - Interesses voltados a grupos 37 17 20 49 207 29 716 11
ciais 4.3 - Interesses voltados à classe dominada 63 82 80 51 508 71

V - Concepção de prática 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 11 01 02 07 08 02 441 07


social 5.2 - Processo em consonância com classes 89 99 98 93 433 98
dominadas
6.1 - Instituição do saber com vida independente 41 57 74 55 79 60
VI - Relação universidade- 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 12 25 13 25 23 17 133 02
sociedade 6.3 - Instituição como aparelho de conflito 47 18 13 20 31 23
ideológico
VII - Concepção de extensão 7.1 - Via de mão única 35 35 84 24 92 43
universitária 7.2 - Via de mão dupla 07 04 02 06 10 05 212 04
7.3 - Trabalho social ( construção de nova 58 61 14 80 110 52
hegemonia )
VIII - Natureza do trabalho 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 02 03 01 01 08 01
social na 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutrali- 27 09 07 03 58 08 746 12
extensão dade 71 88 92 96 680 91
8.3 - Trabalho técnico com discurso transforma-
dor
9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 38 30 17 52 48 28
IX - Papel do agente institu- 9.2 - Agente neutro da instituição 27 00 04 03 12 07 170 03
cional 9.3 - Agente comprometido com as classes 35 70 79 45 110 65
dominadas
X - Pedagogia da extensão 0.1 - Pedagogia tradicional 00 00 00 00 00 00 461 07
universitária 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100 100 100 100 100 100
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 133

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores


B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
134 José Francisco de Melo Neto

Essa visão é veiculada pelos próprios sindicalistas. Quando


são consultados sobre os seus planos para o futuro, respondem que,
ao se tornarem uma pessoa que adquiriu conhecimentos sobre a
vida do operário, sobre a mecânica desse sistema e o funcionamen-
to da sociedade, vão continuar voltados a essa causa.

“Os planos são estes: de continuar na luta, de continuar lutan-


do, organizando os trabalhador, procurando dar minha contri-
buição, como operário para operário e para os outros trabalha-
dor. ... Meu plano é continuar esse trabalho, não pensando em
mim, ... mas na perspectiva de um dia os trabalhador, a classe
operária, comemorar sua emancipação” 34.

Essa compreensão vem sendo alicerçada pela prática de vá-


rios participantes do Projeto Escola Zé Peão, desde os tempos que
juntavam as pessoas dos bairros para reuniões. Essa prática abriu a
possibilidade de debates e discussões com trabalhadores da cons-
trução civil e com outras categorias de trabalhadores e trabalhado-
ras, isto é, as donas de casa, as lavadeiras de roupa, as empregadas
domésticas, os operários do setor têxtil, em que juntos discutiam as
questões do bairro onde viviam. Esse debate não se traduzia como
sinônimo de consenso entre eles, mas estava cheio de conflitos e de
contradições.
Para um dos líderes sindicais, ainda há brigas, mas que não
têm ocorrido pelo poder ou por cargos simplesmente, pelo menos
no Projeto Escola Zé Peão.

“Temos uma briga, sim, pela consolidação dos trabalhadores.


Temos briga, sim, quando um membro sindical da diretoria co-
meça a achar que o sistema capitalista tá correto. Se achar que
os patrão tá correto, aí sim, vamo brigar” 35.

34
Líderança sindicalista da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
35
Id., ib.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 135

Tal interpretação também se expressa através da concepção


de sociedade. Aí se consolida uma concepção onde predomina a
visão da sociedade como um modo de produção, sendo definido a
partir de uma base material. Todos os setores do projeto apresentam
proximidade na concepção e quase coincidência no percentual.
Uma média dos itens de 94% (2.3) expressa tal aproximação de
visão de sociedade e visão de mundo. É uma concepção veiculada
após o aprendizado do trabalho educativo de organização num bair-
ro ou num sindicato, com todas as suas possibilidades e limitações.
Conhecem, desde o início, as contradições que permeiam os movi-
mentos e as pessoas que os constituem.
Muitos se identificam com uma visão mais ampla de socie-
dade, demonstrando clareza quanto aos modos de exploração. Co-
nhecem os mecanismos culturais de dominação e são capazes de
assumir a sua classe social. Esclarecem a seus colegas as diferentes
formas de lutas nas relações trabalho-capital. São capazes de dis-
tinguir com nitidez as formas diferenciadas dos movimentos soci-
ais. Isto tudo, porém, não elimina as contradições, que são intrínse-
cas aos indivíduos.
Entre membros da diretoria do sindicato e membros da e-
quipe do Projeto Zé Peão surgem formulações onde os procedimen-
tos de organização dos trabalhadores são divergentes quanto à sua
concepção. Expressam-se quando do confronto nos embates políti-
cos internos.
Num mesmo palco ideológico, como o da equipe do Projeto
Escola Zé Peão, as divergências muitas vezes passam pela percep-
ção dos instrumentos organizativos dos trabalhadores. É colocada a
visão de que sindicato é sindicato, associação de moradores é asso-
ciação de moradores; trabalho de comunidade de base é um, traba-
lho sindical é outro, trabalho religioso é outra coisa. Essa percepção
enfatiza a diferenciação existente entre os vários instrumentos e
136 José Francisco de Melo Neto

formas de organização, esquecendo, todavia, da relação necessária


existente entre todas essas formas.
Outras contradições surgem da comparação do tema I - con-
cepção de mundo, e do tema II - concepção de sociedade, com o
tema VI - relação da universidade com a sociedade. Seria consis-
tente para aqueles que se identificam com a visão de sociedade e a
visão de mundo, apresentada no Gráfico 2 , verem, na universidade,
uma instituição permeada de conflitos no seu interior. A universi-
dade se mostra como um aparelho de hegemonia expressando os
seus conflitos ideológicos. Um aparelho de hegemonia em que pelo
menos uma parcela de sua comunidade está em permanente luta
para torná-la pública, gratuita e crítica. Aparelho permeado por suas
contradições de classe, porém com mediações que possibilitam sua
penetração nos movimentos sociais. Aí destaca-se um núcleo de
formulação de propostas alternativas em busca de sua democratiza-
ção interna, disseminando conhecimento e promovendo a consciên-
cia política.
A contradição surge ao se observar a relação da universida-
de com a sociedade, quando a primeira é vista como uma institui-
ção do saber com vida independente. Nesse aspecto, registra-se um
percentual de 41% (6.1) entre os coordenadores, percentual que
cresce entre os executores do programa para 57% (6.2) e é ainda
maior entre os trabalhadores, com 74% (6.3). Chega-se a uma mé-
dia de 60% (6.1) da visão da universidade tida como fechada para a
sociedade. Trata-se de uma visão na qual a universidade permanece
encastelada em seu próprio mundo e forma indivíduos comprome-
tidos, basicamente com a ideologia das elites. Ou seja, uma institui-
ção que vem exercendo o papel de treinadora, recicladora de pesso-
as, em geral das classes dominantes.
A relação da universidade com a sociedade, no item referen-
te à visão da instituição como um aparelho de conflito ideológico,
apresenta, contudo, um percentual expressivo de 47% (6.3) para os
coordenadores. É, ao mesmo tempo, uma contradição e uma dife-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 137

renciação de percepção entre os próprios coordenadores do Projeto


Zé Peão. Os coordenadores vêem a necessidade de criação de vín-
culos entre universidade e sociedade.
Uma forma bastante procurada neste projeto é a via da insti-
tucionalidade, observando-se, entretanto, que não é tão fácil a reali-
zação desse vínculo. Sabe-se que não é um papel assinado ou um
documento burocrático que vão gerar esse vínculo. No início do
Projeto Escola Zé Peão, já havia uma relação informal da universi-
dade com o sindicato. Essa relação evoluiu, transformando-se de
um compromisso individual para um compromisso institucional. Já
quanto ao compromisso individual político, destaca-se no projeto a
visão de que há grupos no interior da universidade, marcadamente,
descomprometidos com o mundo fora dela. Em debates internos
admite-se que há grupos comprometidos politicamente com mu-
danças, mas que apresentam limitações intelectuais quanto ao de-
sempenho do trabalho acadêmico e que tendem a apoiar ações pou-
co recomendáveis para o campo da extensão. No entanto, há grupos
não comprometidos que assumem com competência suas ativida-
des.

“Acho que há uma divisão. Infelizmente, o lado progressista,


também, tem a sua dose de incompetência - de muito discurso e
pouca prática. O que ganha as pessoas é um projeto sério. É ho-
nestidade” 36.

Numa linha diferenciada da apresentada, mas no campo dos


coordenadores e formuladores do projeto, há visões que se expres-
sam na perspectiva de existir, na universidade, um espaço de liber-
dade para dar respostas às demandas imediatas. Isto, todavia, não
pode levar a universidade ao comprometimento apenas com o ime-
diato, porque a instituição seria sacrificada pelo imediatismo.

36
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
138 José Francisco de Melo Neto

“Talvez ela passasse a ser, simplesmente, uma instância de as-


sistencialismo e não uma instância onde a questão do conheci-
mento, de forma mais profunda, e, portanto, mais duradoura,
pudesse acontecer” 37.

Entendimentos os mais variados vão sendo externa-


dos no conjunto do projeto, como a tentativa de se conceber uma
unidade entre universidade e sindicato. Define-se pela possibilidade
de elaboração de projetos que atendam os diferenciados interesses
existentes. O surgimento do Projeto Escola Zé Peão passa por essa
interface. Esse relacionamento, contudo, não se dá na direção da
universidade para o sindicato.

“Ele ocorre de setores da universidade comprometidos com essa


clientela e desse sindicato(construção civil) que reconhece a ne-
cessidade de construir um projeto” 38.

O encaminhamento dessas relações poderá produzir ações


pensadas não simplesmente pelos representantes da universidade
para serem repassadas aos operários, mas por setores comprometi-
dos com a classe trabalhadora, desenvolvendo atividades com esses
trabalhadores, nesse caso, também com o sindicato.
O operário da construção civil deixa evidente a sua visão de
universidade fechada para a sociedade, conforme foi apresentada,
na Tabela 4, com um percentual de 74%. É uma visão em que a
universidade é uma instituição do saber com vida independente,
mas que, mesmo assim, se mostra contraditória. Os operários, em
suas reuniões, afirmavam que seria muito bom que a universidade
apoiasse todos os projetos que a classe trabalhadora pretendesse.
Entendiam eles, porém, que o atendimento a essa expectativa tem

37
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
38
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 139

limitações, por conta da existência de um sistema por trás dessa


instituição que não permite que isso aconteça.
Do operário surge a visão de que a universidade bem que
poderia, de certa forma, conscientizar o seu estudante que no futuro
pode ser o patrão. A universidade, para ele, poderia:

”Ter um insinamento, um isclarecimento prá ele(estudante), en-


tão, ele seria um patrão mais flexíve do que aquele patrão que
não aceita siquer niguciar” 39.

Esta é uma visão já bastante conhecida na história da educa-


ção, sobretudo no campo religioso, onde muito se investiu nas men-
talidades das elites, na esperança de que poderiam ser “melhores” e
dirigentes mais “caridosos”.

Interesses sociais e prática social

A configuração dos interesses sociais(tema IV) está definida


de acordo com três possibilidades. A primeira é que os interesses
podem estar voltados a indivíduos, estando permeada de formula-
ções que conduzem à sua promoção, seja na política, no aspecto
econômico ou mesmo na dimensão cultural. São interesses que se
expressam por uma visão que privilegia o comportamento da pes-
soa individualmente, marcada por enfatizar as expressões financei-
ras e as promessas.
A segunda possibilidade de interesses é aquela voltada a se-
tores do movimento. Essa percepção concebe apenas os interesses
corporativos e busca a promoção de grupos da sociedade, nas di-
mensões política, econômica e cultural. Pode estar definida em tor-
no de interesses do setor produtivo, privado, seja industrial ou co-
mercial.

39
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
140 José Francisco de Melo Neto

A terceira possibilidade é aquela em que os interesses se a-


presentam direcionados à classe. Os seus indicadores revelam os
interesses políticos voltados à classe que defendem. Também po-
dem apresentar interesses ligados ao campo das alianças ou mesmo
de greves. Lutas, organização, reclamações, etc. são expressões
também utilizadas por aqueles que defendem os interesses da classe
trabalhadora.
Quanto à concepção de prática social (tema V), tem-se uma
complementação e uma reaplicação do tema anterior - configuração
dos interesses sociais. A prática social está formulada através de
interesses, podendo estar voltada a indivíduos. Nesse caso ter-se-á
um discurso pela modernização preocupado com eficiência, eficá-
cia, competitividade, competência, modelamento e que prende em
geral as preocupações administrativas. Um segundo aspecto da prá-
tica social é quando ela se constitui como processo político em con-
sonância com as classes dominadas, podendo externar-se ou ex-
pressar-se como movimento com diferentes mediações e espaços.
Essa postura passa a afirmar e complementar o jogo de interesses
sociais, explicitando-se em discursos onde estão presentes possibi-
lidades de mudanças, transformações, lutas, alternativas políticas,
consciência política e formação política das classes trabalhadoras.
A Tabela 4 revela consistência entre o tema IV - configura-
ção dos interesses sociais e o tema V - concepção de prática soci-
al, como revelam os percentuais dos indicadores. No tema IV, os
interesses voltados à classe apresentam os índices de 63%, 82%,
80% e 51%, relativos, respectivamente, aos coordenadores do pro-
jeto, aos seus executores, aos trabalhadores ou comunitários e aos
documentos produzidos pelo projeto. Esses dados serão expressos
de forma consistente no tema V - configuração da prática social,
por meio dos indicadores que apontam para uma prática como pro-
cesso em consonância com as classes subalternas (5.2).
De forma mais acentuada, os percentuais de 89%, 99%,
98% e 93% são determinantes quanto à percepção da prática no
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 141

Projeto Escola Zé Peão. As médias desses indicadores são também


expressivas - 71% (4.3) e 98% (5.2) -relativas ao compromisso vol-
tado para os interesses das classes trabalhadoras, como também às
práticas direcionadas para essas mesmas classes.
A análise das entrevistas dos trabalhadores da construção ou
comunitários indica uma percepção clara dessa prática, que se apre-
senta através de resultados concretos. Quanto aos resultados que os
sindicalistas esperam, não se faz necessário que suas propostas se-
jam executadas pelos próprios trabalhadores ou mesmo por seus
agentes ou instituições. Para eles, o importante é que haja repercus-
são da necessidade de se fazer aquele tipo de trabalho. Nesse senti-
do, o resultado passa pela disposição gerada no sindicato patronal
para fazer convênios e também para realizar cursos de alfabetização
nos canteiros de obras, até a possibilidade de financiamento pelos
empresários, a partir do Ministério da Educação e Desporto. A esse
respeito, diz um dos sindicalistas:

“Quando vejo o Presidente da República que não soltou dinhei-


ro prá nós, mas já está financiando o empresário que quiser al-
fabetizar, o meu trabalho teve uma repercussão lá em cima” 40.

Para ele, pouco importa quem são os agentes da prática so-


cial; o que importa é a realização dessa prática e o atendimento das
necessidades.
Esta é uma contradição (ou a indicação de uma falha) no
discurso do dirigente sindical, pois se sabe que os agentes da práti-
ca social são determinantes na realização do trabalho que se preten-
de como organizador de uma classe. O exercício pedagógico da
escola Zé Peão não será o mesmo se for desenvolvido por qualquer
agente social, despojado também de compromisso de classe. Para o
sindicalista, pouco importa a discussão política, inclusive interna,

40
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
142 José Francisco de Melo Neto

que possa traduzir-se como visões de tendências ou visões políticas


diferenciadas. O ganho de uma posição política se apresenta como
uma possibilidade de pouca importância, a que ele se refere como
“brigas ou picuinhas políticas”. O que importa para ele é o trabalho.
O que ele pretende mesmo é trabalhar. É de se perguntar se o traba-
lho político não é um trabalho.
Essa compreensão de prática social coloca-se em contrapo-
sição às formulações dos coordenadores, que vêem na prática peda-
gógica de um fazer sistematizado o significado dessa prática social,
no sentido de que o operário passe também a apropriar-se do saber
sistematizado, assim como aqueles que estão desenvolvendo aquela
ação. A organização do projeto passa a ter sentido desde que haja
um caráter educativo primordial, ou seja, a formação de uma iden-
tidade de classe: “um conhecimento da condição de trabalhador”.
Revelam-se também metodologias de práticas sociais bas-
tante peculiares a partir dos próprios trabalhadores ou dirigentes
sindicais. Para se levar o boletim Zé Peão e algumas discussões até
os canteiros de obras, muitas vezes chega-se na hora do almoço dos
trabalhadores.

“Às vezes chego na hora do almoço. Eu pego um ‘bico’ com eles.


Um me dá um pouco de feijão, outro farinha, outro um pedaço
de carne. Pego o ‘bico’ deles. Quando falta 15 ou 20 minutos
prá eles pegar no serviço, costumam jogar até a cachorra bater,
é a sineta, que é um pedaço de ferro que bate prá eles pegar no
serviço. Eu vejo que eles já têm jogado bastante, já deu prá se
divertir, aí eu digo: companheiro! vamo parar o dominó. Hoje,
vamo discutir um assunto que é muito importante. A questão,
vamo dizer, do plano. Quem tá entendendo o plano do Gover-
no?” 41.

41
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 143

Para esse líder sindical, a discussão imediata sobre política


não será compreendida tão facilmente pelos trabalhadores. Daí por-
que tal técnica possibilita ao próprio dirigente sindical uma inser-
ção no mundo específico aquele canteiro de obra. Tanto o tema
político como o próprio sindicato, como instituição, pode não ser
aceito naquele ambiente de trabalho. Esse é um trabalho conhecido
por “começar de baixo”, mas que suscita desconfiança por parte de
outros dirigentes, que não aprovam essas formas de passar as in-
formações aos seus companheiros. Para a liderança sindical, entre-
tanto, essa é a linguagem e também um pouco a escola do trabalha-
dor.
Ao ser questionado sobre essas estratégias de fazer prática
sindical, o sindicalista responde que não vai chegar entre os operá-
rios da construção e dizer que irá conscientizá-los e que o certo é a
instalação do comunismo no Brasil. Não irá dizer aos trabalhadores
que devem votar no Lula para Presidente ou que devem votar todos
no PT ou outro partido de esquerda. Os trabalhadores não vão en-
tender essa linguagem.

“Eles acham que todo partido é igual. Eles acham que todo po-
lítico calça 40. Nós temo que começar pelo dominó, mostrando
prá ele que as pedra do dominó são diferente. Umas têm três
pingos brancos outras têm quatro. Temos de mostrar prá ele que
todo dirigente sindical é diferente. Todo político não é igual” 42.

Há, portanto, diferenças e contradições no que concerne às


percepções de prática social entre os coordenadores, bem como
entre coordenadores e comunitários que participam do Projeto Es-
cola Zé Peão, e ainda entre os dirigentes sindicais que participam
diretamente do projeto.

42
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
144 José Francisco de Melo Neto

Segundo um membro da coordenação do projeto, ao partici-


par dessa luta na busca de bens simbólicos, se encontram “futuros
heróis”: o trabalhador que após dez horas de trabalho ainda vai em
busca da escolarização, em nome da cidadania. Há uma introjeção
desses bens como sendo bons para eles. Constroem um projeto pes-
soal. Há muitos aspectos nessa relação das práticas sociais com a
configuração dos interesses sociais.

“Há, contudo, uma vida noturna e uma sociabilidade entre esses


operários e até de ‘encantos’ das professoras do projeto. Vai se
vendo que, agora, esses trabalhadores ‘compraram’ o projeto.
Inicialmente, ia-se ‘vender’ tal projeto” 43.

Agente institucional e natureza do trabalho

O papel do agente institucional(tema IX) configura-se das


seguintes formas: a primeira analisa o comprometimento do agente
institucional com os interesses do mercado, do capital; a segunda
vê o papel desse agente expresso de forma neutra e a terceira com-
preende a possibilidade de o agente institucional estar compromis-
sado, especificamente, com as classes subalternas da sociedade.
Em relação à primeira possibilidade, serão enfatizadas aque-
las palavras ou expressões indicadoras de situações como, por e-
xemplo, o discurso voltado aos interesses individuais, à promoção
individual ou mesmo à preocupação com o bem-estar individual.
Além disso, estão inseridas como indicadores expressões que defi-
nam integração, bem como formação para profissionais “avança-
dos”, no sentido de saber utilizar as tecnologias ditas de “ponta”.
Na segunda condição - o agente neutro da instituição, seja ligado à
universidade ou ao Estado, há indicadores que apontam esses pro-

43
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 145

fissionais relacionando-se com a comunidade ou entre si, como


representantes apenas da instituição a que pertencem. Já a terceira
forma analisa o papel do agente institucional como pessoa com-
prometida com a classe dominada. Observa se ele se externa assu-
mindo e defendendo as condições de participação da comunidade
ou de pessoas nos projetos ou práticas sociais em estudo. Costuma
estar presente aí uma preocupação com a relação entre teoria e prá-
tica. O agente se apresenta na defesa da solidariedade, da afetivida-
de, do compartilhamento, companheirismo, conscientização e coo-
peração.
A Tabela 4 (temas, itens e percentuais de indicadores) apre-
senta percentuais onde se pode ver que a equipe de coordenadores é
constituída por pessoas com marcante diferenciação de perspectivas
políticas. No tema VIII (natureza do trabalho social) os coordena-
dores divergem quanto à natureza do trabalho, onde 27%(8.2) indi-
cam que esta se constitui de trabalho técnico com discurso de neu-
tralidade frente às ações em desenvolvimento no projeto. Um per-
centual expressivo de 71%(8.3) assume, contudo, que o caráter des-
se trabalho deve ser técnico, acompanhado de um discurso trans-
formador. Todavia, ao nível do sindicato e do grupo Zé Peão,
discutem-se as formas de fazer chegar tal discurso à categoria, dian-
te de sua complexidade quanto à origem dos trabalhadores da cons-
trução civil. Essa composição se apresenta com uma duplicidade de
identidade. Trata-se de um trabalhador rural que veio à cidade en-
quanto espera o tempo de plantio e colheita no campo. Breve estará
voltando ao seu lugar de origem. É também um trabalhador urbano,
pois seu trabalho localiza-se na cidade, sendo conduzido pelo mo-
vimento social da própria cidade. Sua relação com o sindicato da
construção, na maioria dos casos, é a primeira e esta é conduzida
pelos traços da relação política vivenciada por ele lá na sua terra de
origem. É uma relação geralmente de dependência para com o ve-
reador ou o prefeito da pequena cidade: é o compadre que o conduz
à feira e que não cobra passagem. São relações de amizade familiar,
146 José Francisco de Melo Neto

considerando que a família vive na mesma região. Ou é uma rela-


ção ao nível econômico, baseada no empréstimo de dinheiro sem
cobrança de juros, fora, portanto, das relações normais do capital.
Enfim, alguém com esse tipo de história passa a ver no sindicato
uma possibilidade de relacionamento semelhante, onde espera ver
resolvido o seu problema.
O sindicato trabalha no sentido de quebrar esse tipo de rela-
cionamento. Parece razoável se entender que o trabalho social de-
senvolvido não rompe “in totum” com essas práticas políticas, mas
que contribui para a sua superação, pelo menos enquanto esse tra-
balhador permanecer na cidade.
Essas são algumas expressões das dificuldades enfrentadas e
que são geradoras de contradições entre coordenadores. Os índices
relativos ao papel do agente institucional (tema IX), ou seja, 38%
para a perspectiva de se apresentar como um agente de mercado,
27% como agente neutro e 35% como agente da classe dominada,
expressam contradições. E isso, talvez, se constitua na divergência
maior na solução de questões como aquela apontada no parágrafo
anterior. Isto tem sido colocado e analisado, no âmbito do projeto,
como uma característica que lhe é inerente, ou seja, a tentativa de
manter as posições diferenciadas nos limites do próprio grupo. Tra-
ta-se de uma experiência onde os conflitos nunca foram sufocados,
mas sempre colocados em discussão.

“Os conflitos, sejam cognitivos, políticos, de valores, sempre fo-


ram colocados como objeto de observação e de discussão. Sem-
pre tendo em vista o aprimoramento do projeto, no sentido últi-
mo, de viabilizar para o operário, o acesso a todo esse saber e
contribuir, em parte, para sua subjetividade e, em parte, para
formação de uma identidade sindical, de uma consciência coleti-
va. Entretanto, todas as coisas que eu disse, na entrevista, refle-
tem um olhar” 44.

44
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 147

O Projeto Escola Zé Peão contém uma diversidade de per-


cepções. Essas percepções têm tido diferenciação marcante a partir
da posição que ocupam no projeto, do tempo como agente do proje-
to e da conjuntura do momento.
Há também uma diferenciação marcante no que se refere à
natureza do trabalho social caracterizado, neste projeto de extensão,
como um trabalho técnico com discurso transformador, embora
apenas 35% dos respondentes estejam voltados à visão do papel do
agente institucional comprometido com a classe dominada.
Destaca-se a consistência existente em ambos os temas
quanto à visão da natureza do trabalho social na extensão se consti-
tuir como um trabalho técnico, com discurso de neutralidade, com
27%, verificando-se o mesmo índice para o papel do agente institu-
cional, expresso como agente neutro.
O papel do agente institucional ganha relevo quando da mo-
vimentação para o dissídio coletivo ou quando questões específicas
de algum canteiro de obra são colocadas. Há casos em que os traba-
lhadores de determinados canteiros de obra nunca tinham paralisa-
do suas atividades. A presença da escola, após sete meses de ativi-
dades, contribuiu para que os trabalhadores desse canteiro resolves-
sem paralisar suas atividades por conta de não pagamento de salá-
rio-família por parte da empresa construtora. O sindicato, inclusive,
chegou a formular uma proposta para o grupo daquela empreiteira,
a qual não foi aceita por parte dos trabalhadores. Entraram em ne-
gociação com a empresa e com o sindicato, e decidiram pela greve,
independentemente da proposta do sindicato. O sindicato, natural-
mente, aprovou a greve desse grupo.
O que marca a presença da escola são declarações dos pró-
prios trabalhadores para o diretor sindical e membros do Projeto
Escola Zé Peão:
148 José Francisco de Melo Neto

“Ah! você sempre falou que era a gente se unindo que conseguia
as nossa reivindicação e agora, eu posso dizer que é verdade” 45.

É importante salientar que hoje a organização nos canteiros


de obra é bastante variada, como são variados os próprios trabalha-
dores nesses canteiros. O trabalho na construção civil leva o operá-
rio a permanecer por pouco tempo no mesmo local, considerando o
pouco tempo de duração da obra e conseqüente rodízio no trabalho.
Mas há canteiros com uma organização maior que outros. A direto-
ria, cada vez mais, tem de manter o processo de visita direta aos
canteiros. Alguns deles exigem a presença do sindicato diariamen-
te. Há outros que procuram o sindicato como forma de prestar todos
os esclarecimentos que precisam ter em decorrência de mudanças
de salários e cálculos de percentuais de férias, décimo terceiro salá-
rio ou mesmo o cálculo do FGTS. Essas discussões ajudam a todo o
processo de um desenvolvimento organizativo.
“Chego em canteiros de obras em que os operários estão dando
aulas uns para os outros. É uma teima gostosa entre eles. Você
não sabe que é desse jeito? Você não sabe como é que você divi-
diu isso e deu esse resultado?” 46.

Essas constatações parecem configurar uma natureza do tra-


balho social em extensão neste projeto. O Projeto Escola Zé
Peão vem, inclusive, contribuindo para a criação de frentes de lutas
como a da questão da saúde e da segurança no trabalho. Ainda mais
esclarecedoras são as contribuições do projeto no seio da categoria
e diretamente para a diretoria sindical.
Ressalte-se que o projeto tem sido bastante divulgado, no
Nordeste, através da liderança que o Sindicato dos Trabalhadores
da Construção Civil tem exercido na região. Em l991 organizou-se
em João Pessoa o I Encontro dos Sindicatos da Construção Civil do
45
Declaração de um operário no canteiro de obras, após a conquista da reivindicação do salário-família.
46
Liderança sindical da construção civil. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 149

Nordeste. O sindicato também já participou da formação de uma


Federação de Trabalhadores. Há um departamento de trabalhadores
da construção civil na Central Única dos Trabalhadores(CUT) onde
esse sindicato exerce a liderança no Estado da Paraíba. Há ainda
fortes contatos com sindicatos da construção civil em Campi-
nas/SP, Recife e em Fortaleza. O contato com Campinas vem se
dando, através do trabalho que vem sendo desenvolvido naquela
cidade voltado à educação básica, para a alfabetização dos operá-
rios.
“Acho que o projeto tem extrapolado o espaço local, isto porque
foi divulgado, a nível nacional, via trabalhos escritos, participa-
ção em eventos, encontros nacionais e internacionais, através da
rede do MEB”47.

A natureza do trabalho social neste projeto de extensão, que


expressa a opção por um trabalho técnico, acompanhado de um
discurso transformador, atinge o percentual expressivo de 88% en-
tre os executores do projeto.
Sabe-se que a alfabetização não é tarefa específica da uni-
versidade e sim do Estado. Mas, ao realizarem tal papel, a universi-
dade ou o sindicato apontam a sua perspectiva. A universidade po-
de estar se propondo a um trabalho de ensino ou de pesquisa ao
realizar atividades de extensão. O sindicato, por sua vez , assume a
formação política de sua base operária. Pretende motivar suas bases
de trabalhadores para incentivá-las à participação no sindicato, e-
xercitando-os para uma participação mais ampla no âmbito da soci-
edade. O sindicato e a universidade confluem, portanto, para um
objetivo comum, relacionando-se e diferenciando-se quanto ao pro-
pósito de que o acesso ao saber sistematizado faz parte do processo
de conquista de cidadania. A universidade tem, dessa forma, uma

47
Membro do grupo Zé Peão.Texto da entrevista para esta pesquisa.
150 José Francisco de Melo Neto

ligação social com as pessoas, desenvolvendo, com eles, um traba-


lho particular. Nesse sentido, existem perspectivas:

“ Primeiro, a perspectiva de melhor formação de professores


para educação de adultos. A segunda é estender os seus conhe-
cimentos à comunidade. Mas não é qualquer conhecimento e sim
um conhecimento de qualidade. A universidade tem a responsa-
bilidade de colocar o que há de melhor que tem a serviço da co-
munidade” 48.

A proposta do Projeto Zé Peão era inicialmente modesta,


mas pouco a pouco foi conquistando a construção civil. A deman-
da, hoje, é mais expressiva e já são os trabalhadores que procuram
o sindicato reivindicando a Escola Zé Peão no seu canteiro de o-
bras. Há pressão sobre o sindicato nesse sentido e, atualmente, já
existem dificuldades para o atendimento dessas reivindicações.
Em discussões da diretoria do sindicato sobre o Projeto Es-
cola Zé Peão, diretores costumam afirmar que essa parceria não
pode se prender apenas à escola, no sentido de alfabetizar, ensinar a
ler e escrever o nome. Para eles, esse trabalho conjunto da univer-
sidade com o sindicato, através deste projeto, precisa ir além do que
se está fazendo. Às vezes, acham vaga a proposta pedagógica da
alfabetização. Levantam a necessidade de que esse trabalho possa ir
além do que se está propondo como alfabetização, como escola.
Para os trabalhadores não basta apenas saber escrever o nome ou
fazer algumas contas. É necessário que seja envolvido todo o con-
texto da sociedade em que vivem.
O trabalho social desenvolvido está despertando entre os
próprios sindicalistas a necessidade da reciclagem das diretorias. A
oposição Zé Peão foi eleita para a direção do sindicato. Houve uma
repetição de mandato desse grupo. Agora eles estão preocupados
em sair dos cargos que exercem. Como inicialmente estiveram em
48
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 151

funções de “linha de frente”, agora acham que, se permanecerem na


diretoria, serão deslocados para cargos com atividades de menor
importância. Assim, acreditam que estarão empurrando os demais
diretores para assumir a proposta de desenvolver tal política.
Outra dimensão da natureza do trabalho desenvolvido tem si-
do o avanço no sentido de maior envolvimento da direção sindical e
de alguns trabalhadores da base sindical em vários outros movimen-
tos sociais, indo além da participação exclusiva no sindicato. Os
membros do Projeto Escola Zé Peão e da diretoria do sindicato atuam
em várias frentes como nos partidos políticos, nos movimentos da
Igreja Católica ou na organização de associações de moradores em
seus bairros. Suas atividades no movimento sindical passam a ter
maior expressão nos diversos movimentos de organização da socie-
dade, possibilitando que suas questões passem também pelas discus-
sões do movimento sindical.
Com relação ao Projeto Escola Zé Peão, podem-se confron-
tar, na Tabela 4, os dados do tema IV - configuração dos interesses
sociais, e do tema V - concepção de prática social com os temas
VIII - a natureza do trabalho social, e IX - o papel do agente insti-
tucional. Constata-se a consistência expressa pelos dados da tabela,
através dos percentuais dos itens: interesses voltados à classe subal-
terna e os processos em consonância com as classes dominadas; o
trabalho técnico com discurso transformador e o papel do agente
voltado às classes dominadas, com percentuais de 71%, 98%, 91%
e 65%, respectivamente, havendo, mesmo assim, uma diferença de
trinta e três pontos percentuais entre os executores e textos do pro-
jeto.
Não se pode deixar de observar, contudo, a dificuldade exis-
tente no grupo de coordenadores, apresentando a divergência maior
quanto ao papel do agente institucional.
A extensão universitária
152 José Francisco de Melo Neto

O tema VII trata das concepções de extensão universitária


apresentadas no projeto. As concepções de interesse no estudo pro-
jetam três possibilidades na apresentação dessas concepções. A
primeira é a concepção de extensão como uma via de mão única,
em que a universidade se “dirige” para a sociedade. É uma perspec-
tiva reveladora de uma visão onde a universidade se situa desvincu-
lada da sociedade. Ela “vai” em busca da sociedade. Essa visão é
detectada por indicadores que apresentam a universidade como
prestadora de serviço, fornecedora de cursos, condutora de conhe-
cimentos para a sociedade. Firma-se nessa compreensão a idéia da
assistência ou da venda de serviços. A universidade se torna um
balcão de atendimento de demandas mais imediatas de comunida-
des ou grupos da comunidade, ou mesmo de interesses individuais.
Consolida-se a idéia de patrocínio de eventos onde os serviços de
assessoria aparecem como forma de ganho de proventos para os
departamentos ou para os profissionais prestadores de serviços.
Prevalece a noção de que a universidade deve fazer treinamento e
estender os seus conhecimentos à sociedade. Assim, “beneficiará” a
sociedade e exercerá a sua função social.
Outra possibilidade de extensão universitária é aquela defini-
da como via de mão dupla. Esta visão se reveste de um processo edu-
cativo, cultural e científico. Em geral, tem sido apresentada pelas
Pró-Reitorias voltadas à extensão universitária. É uma conseqüência
do conceito alimentado nos encontros dos Pró-Reitores dessa área de
atividades das universidades. Está sempre presente nesse conceito a
compreensão de que a universidade leva conhecimentos para a co-
munidade e, ao mesmo tempo, dela extrai conhecimentos. A exten-
são da universidade é simbolizada pela mão dupla, compreendendo-
se como um canal ou elo promovedor do diálogo, da troca, buscando
tanto captar como atender as demandas postas aos organismos de
extensão da universidade.
A terceira possibilidade em construção é a visão de que ex-
tensão universitária pode ser entendida como um trabalho social e
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 153

necessariamente será um processo educativo, cultural e científico.


Esse processo está relacionado com o papel do agente de extensão,
bem como com a sua concepção e prática social. Revela-se como
processo voltado à construção da hegemonia dos setores subalter-
nos da sociedade. Concebe-se como um trabalho realizado junto à
comunidade pela universidade ou seus agentes(estudantes e profes-
sores) que, mesmo diferenciando-se, relacionam-se, rompendo a
dicotomia existente entre os pólos dessa relação. O conhecimento é
produzido não só pela universidade e repassado para a comunidade
(através de pessoas participantes dos movimentos), mas também
pela comunidade e universidade(através de seus pesquisadores,
estudantes, etc). A comunidade e a universidade são as proprietá-
rias do conhecimento produzido e de todo o produto gerado dessa
ação conjunta. É uma perspectiva onde o trabalho se configura nu-
ma dimensão de continuidade e de permanência, em processos de
realimentação, valorando a prática e a reflexão sobre essa prática.
A projeção dos percentuais da Tabela 4 sugere a presença, no
Projeto Zé Peão, das várias correntes de conceituação sobre a exten-
são universitária. É marcante a visão de que extensão universitária se
expressa como uma via de mão única, em percentuais de 35% para os
coordenadores do projeto, 35% para os executores e 74% para os
comunitários. A comunidade mantém a expectativa de que a univer-
sidade, como instituição governamental, deva atender as suas de-
mandas de forma assistencial. Essa é uma visão que reforça uma
concepção autoritária do fazer acadêmico da instituição, no momento
em que a universidade se torna a detentora da solução ou a única
possuidora do saber. São expressivos, contudo, os resultados do item
7.3 entre os coordenadores e executores e nos documentos produzi-
dos pelo projeto, com percentuais de 58%, 61% e 80%, respectiva-
mente. Esses dados abrem possibilidades para um novo pensar sobre
as formulações conceituais dominantes acerca da extensão universitá-
ria.
154 José Francisco de Melo Neto

TABELA 5
CONCEPÇÃO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Distribuição dos itens do tema VII, por segmento

ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT t% % item

7.1 11 05 00 16 35 11 06 00 17 35 10 14 19 43 84 09 07 00 16 24 92 43
04
7.2 01 02 00 03 07 01 01 00 02 04 01 00 00 01 02 03 01 00 04 06 10 05

7.3 14 13 00 27 58 14 16 00 30 61 03 02 02 07 14 31 15 00 46 80 110 52

7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade.


7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico.
7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
TT - Freqüência total de indicadores no item
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 155

Observando-se, na Tabela 5 - concepção de extensão uni-


versitária, o total de indicadores em relação aos itens, constata-se
que foram detectados 35% entre os coordenadores, 35% entre os
executores, 24% nos documentos e 84% entre os comunitários,
perfazendo um total de 43% de indicadores detectados para a com-
preensão da extensão como uma via de mão única. Essa expectativa
entre os comunitários surge com um total de 84% dos indicadores,
sendo um índice esperado, considerando as perspectivas das comu-
nidades habituadas ao paternalismo das políticas públicas. Todavia,
o percentual final de indicadores (52%), voltado para a visão da
extensão como trabalho social, projeta-se com maior significação
para se pensar a extensão como trabalho social.
A extensão universitária, neste projeto, vai se explicitando
no trabalho de extensão feito em conjunto, estabelecendo uma rela-
ção entre a universidade e a realidade da construção civil. Consti-
tui-se em um espaço pedagógico para aprendizagem dos grupos
envolvidos, sejam eles da universidade, da comunidade ou de um
sindicato, conferindo significado ao fazer ensino a partir da exten-
são. Há um espaço pedagógico de formação profissional tanto para
os trabalhadores como para os membros da universidade que fazem
extensão. Há, inclusive, um profundo exercício de responsabilidade
para todos os envolvidos num projeto dessa natureza. Quanto ao
espaço pedagógico existente no fazer extensão, foi apresentado o
seguinte depoimento:

“É o espaço que a extensão oferece para a pesquisa. Eu acho


que quando a gente fala na possibilidade do ensino-pesquisa-
extensão é uma frase vazia para muitas pessoas. Na área de ex-
tensão, você dificilmente separa o ensino, a pesquisa e a exten-
são. Uma coisa está embutido na outra. Não se consegue fazer
extensão sem um mínimo de ensino e de pesquisa também. Pode
156 José Francisco de Melo Neto

não ser formalizada em termos de projeto, mas a nível de siste-


matização isto tem que existir” 49 .

O projeto de extensão universitária Escola Zé Peão vem a-


presentando a dimensão de pesquisa quando, de forma concreta,
vários trabalhos acadêmicos são gerados dessa experiência. Disser-
tações de mestrado e teses de doutoramento já foram aprovadas,
cujos objetos de pesquisa analisavam aspectos sócio-culturais do
projeto ou estudos de dimensões metodológicas voltados à área
pedagógica, especificamente, no campo da alfabetização de adultos.
O espaço do Projeto Escola Zé Peão tem se mantido aberto a alunos
e professores comprometidos com a sua perspectiva política.
A extensão realizada pelo projeto vai se configurando den-
tro da idéia de um trabalho inserido em questões sócio-políticas e
culturais da região. Tem buscado coletivamente alternativas viáveis
e práticas para as necessidades do cotidiano, num trabalho que, à
medida que vem se realizando, promove também a pesquisa. Esta
adquire um “caráter” de ênfase no conhecimento da realidade para
subsidiar futuros planejamentos e ações de ensino.
A pesquisa vai se fortalecendo, na medida em que são produzi-
dos mais conhecimentos sobre a realidade. Diante de uma necessidade
que é destacada para estudos de propostas de solução viáveis, nesse
momento, surge um conhecimento mais minucioso, mais concreto, que
só é possível através da pesquisa. A pesquisa vai, inclusive, qualifican-
do essa intervenção possibilitada pela extensão.

“Eu penso que a articulação do trabalho de extensão e pesquisa,


se casa bem na particularidade do Projeto Escola Zé Peão. Em
sendo um projeto que atua no âmbito do simbólico, as três di-
mensões se articulam: extensão, ensino e pesquisa” 50.

49
Membro do grupo Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
50
Membro da equipe Zé Peão. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 157

Considerações

Uma observação de forma vertical nos índices percentuais


dos temas e itens mostra que prevalece neste projeto a grande con-
sistência existente nas formulações dos executores do projeto: a
letra B da Tabela 4.
Em relação aos comunitários, dirigentes sindicais, os dados
também se comportam assim, excetuando-se o tema VII, em que
prevalece a conceituação da extensão universitária como via de
mão única, como expressão de uma clara contradição à consistência
dos dados desse segmento da pesquisa nos demais temas. Esta con-
cepção da extensão universitária como via de mão única, com índi-
ce de 84% entre os comunitários, se choca tanto com as concepções
que prevalecem entre os coordenadores e os executores quanto com
os documentos do projeto.
A análise dos documentos demonstra sua grande consistên-
cia no conjunto dos temas, com exceção do tema IX - papel do a-
gente institucional. Neste tema há uma divisão entre a opção do
papel do agente como agente do mercado (9.1), que prevalece com
52%, e aquela onde se destaca o papel do agente comprometido
com a classe subalterna(9.3), com 45%.
É importante destacar a definição do papel do agente institu-
cional relacionado aos interesses do mercado (tema IX), com percentu-
ais de 38% e 52%, respectivamente, para os coordenadores e textos
produzidos. Ao considerar todo o tema, essa configuração percentual
se altera para 65% de um posicionamento para que o agente institucio-
nal esteja comprometido com as classes subalternas.
Neste projeto se consolida uma perspectiva em que o sindica-
to vem desempenhando um papel fundamental no sentido de dizer a
cada um que todos são operários. Todos pertencem a uma mesma
classe. Também os dirigentes sindicais, até o momento, não perde-
158 José Francisco de Melo Neto

ram os seus contatos com as bases da categoria. Já desenvolvem sua


própria capacidade de elaborar análises sobre o mundo e sobre a rea-
lidade. Eles apresentam condições de falar sobre sua própria realida-
de e, além disso, são capazes de passar para os seus companheiros
essas suas análises. Sem a junção dessas duas coisas, possivelmente,
não teria sido possível o funcionamento do projeto, que permanece
até os dias de hoje. Há a relação da universidade com o sindicato, no
sentido formal, o que também privilegiará a continuidade do projeto
e conduzirá os seus encaminhamentos para além do compromisso
individual entre pessoas. Estão superadas as relações informais de
assessoria. Desperta-se, entre os docentes da universidade, bem como
entre os estagiários ou professores do projeto, um compromisso polí-
tico para com o próprio projeto e sua filosofia. Além disso, é ofereci-
do aquilo que de melhor se tem - a própria força de trabalho, o traba-
lho profissional da equipe, sem ser preciso sair da área profissional
de cada um. Assim é que, do ponto de vista metodológico , não se
espera esse tipo de situação:

“Não! Eu não vou agora porque ainda não aprendi. Não. Tem
que ir. Isso acontece, também na extensão e aconteceu com a
gente. Tivemos de ir criando e só no final de três anos é que se
teve uma proposta metodológica. Tem-se um projeto metodológi-
co para experiência. Marcado esse projeto, não só pelas minhas
convicções, mas por outras que foram se cruzando também com
as minhas próprias observações” 51.

Este é um projeto que se revela com a possibilidade de trazer à


tona a questão da aquisição de bens simbólicos pela aprendizagem da
língua escrita. Enquanto trata da oralidade como forma de expressão,
também acrescenta um novo código do qual o operário está excluído.
Esta é a possibilidade que se aponta.

51
Ver. IRELAND, Vera E. J. da Costa. APRENDENDO COM O TRABALHO: livro de alfabetização de jovem e adultos
trabalhadores. Col. Ma. de Lourdes Barreto de Oliveira. João Pessoa, Editora Universitária UFPB, 1995.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 159

Um projeto que tenta fazer regular a irregularidade de não


se ter escola para uma classe na sociedade. Um projeto estabelecido
com as contradições que lhe são peculiares como, por exemplo,
superar a rotatividade da equipe da universidade. Esta questão pode
gerar também insegurança na sustentabilidade do próprio projeto.
Um projeto que luta na expectativa de que a escolarização do adul-
to, mesmo chegando tardiamente, se torne um direito da cidadania e
um dever do Estado e da sociedade. Uma luta para que a educação
básica se torne popular, com o objetivo de produzir a organização
da base do setor social do poder das comunidades ou, no caso, no
canteiro de obras e na sociedade em geral. Uma experiência que
vem conduzindo a instrução com a alfabetização, porém combinada
com o trabalho produtivo. Talvez seja esta uma expressão específi-
ca da relação entre teoria e prática. Esta experiência tem nessa rela-
ção uma dimensão prática, pois, “ enquanto a teoria serve de guia
de ação, a atividade prática constitui o fundamento de todo o co-
nhecimento” (Machado, 1992: 129).
160 José Francisco de Melo Neto

2.4 - Projeto Praia de Campina

“Se não se discutir o problema político,


fica o campo aberto para os burgueses” 52.

O início das visitas da equipe da Pró-Reitoria de Assuntos


Comunitários à Praia de Campina, município de Rio Tinto, litoral
norte do Estado da Paraíba, foi decorrente de convite feito pelo
pessoal da Fundação Peixe-Boi-Marinho. A Fundação tem sede em
Barra de Mamanguape onde se desenvolvem atividades voltadas à
proteção do peixe-boi. A região é constituída de l4.500 hectares,
sendo a Praia de Campina a área mais habitada.
A situação dessa população depende do cultivo da cana-de-
açúcar, que tem crescido na região, sobretudo de l975 a l985, mas
cuja manutenção hoje se constitui em um grande desafio para o
governo. Presos ao Projeto do PROÁLCOOL, os moradores da
região estão hoje à mercê da crise desse setor. Para Morei-
ra(l992:1), “após l986, segue-se uma fase de desaceleração, desen-
cadeando a crise por que passa atualmente a agroindústria sucro-
alcooleira estadual”.
Trata-se de uma área de proteção ambiental do IBAMA.
Juntamente com esse órgão, a partir do Projeto Peixe-Boi, atua a
universidade. Em conversas conjuntas formulam a necessidade de
organizar a comunidade e desenvolver um programa experimental
nessa base, que é cedida pelo IBAMA, ainda que esteja ocupada
pela Usina de Açúcar Japungu.
No início do projeto houve algumas reuniões com a comu-
nidade, onde foram discutidas suas dificuldades em relação à pro-
dução de alimentos, à pesca e à disponibilidade de tempo para de-
senvolver um trabalho comunitário, um mutirão talvez, para se fa-

52
Declaração de um trabalhador rural, participante das Ligas Camponesas, presente no 3o. Encontro de Comunidades
Rurais. Promoção do Projeto/PRAC/UFPB.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 161

zer a plantação de uma área denominada de paul 53. A área estava


tomada totalmente de vegetação “braba”, exigindo daqueles mora-
dores trabalho braçal. Vinte e dois homens da comunidade, mora-
dores de Praia de Campina, iniciaram esse trabalho com a partici-
pação de dois técnicos da universidade.
Todo o processo de organização foi dirigido nesse local para
a produção de várias culturas, como a mandioca, a macaxeira, o mi-
lho e o feijão. Sendo a área considerada de proteção ambiental, a sua
jurisdição deveria passar automaticamente para o IBAMA. Isto, con-
tudo, não estava ocorrendo, pois o domínio era da Usina Japungu que
impedia qualquer ação da comunidade nesse sentido, mantendo os
seus jagunços na área, sob intensa fiscalização.
Estabeleceram-se imediatamente conflitos com a usina e o
pessoal da universidade teve de responder processos na comarca
local. Contudo, a comunidade se estabeleceu nessa área, fazendo
suas plantações que, ainda hoje, são a base de sua sobrevivência.
Dessas lutas foi criada a Associação Agrícola dos Moradores de
Praia de Campina, que desde então passou a coordenar as lutas e as
reivindicações da comunidade.
Todo um processo de educação ambiental se desenvolveu
nesse trabalho, sob a responsabilidade da equipe do Projeto Peixe-
Boi e da universidade. Era necessária a compreensão por parte da
comunidade a respeito do manejo de solo e sobre o significado da
produção ambiental - a condição de usar a região do mangue, por
exemplo, sem degradá-lo.
Os conflitos aí gerados não estiveram apenas voltados à usi-
na. À medida que se discutia a questão ambiental, veranistas que
são proprietários e que constroem suas mansões praticamente na
praia, foram alertados pelo IBAMA sobre suas construções. Me-
xeu-se com pessoal muito forte política e financeiramente que ten-
tou sustar as atividades da universidade e do IBAMA naquela regi-
ão. Entretanto, essas pessoas não tiveram sucesso e foram duramen-

53
Região com muita água, possibilitando plantio mesmo em época de seca. Sua característica é a fertilidade.
162 José Francisco de Melo Neto

te multadas pelo IBAMA, tendo que recuar de seus empreendimen-


tos.
Assim, têm início as atividades nessa região, que se abre pa-
ra parceria com organizações não-governamentais, como a
AGEMTE e a Visão Mundial, organização não-governamental in-
ternacional. Desse conjunto de organizações presentes em Praia de
Campina se consolida um projeto apresentado ao governo japonês,
cuja aprovação deveu-se muito à presença da universidade em ou-
tros projetos dessa natureza. Trata-se de um projeto voltado para o
desenvolvimento de formas de produção de alimentos, de material
escolar, de fardamento escolar, de saúde e de educação das crian-
ças. A medicação deve ser desenvolvida no próprio local, com-
prando-se apenas o que não existe na produção local. A duração do
projeto está prevista para sete anos.
Há vários conflitos no local. Uma companhia de tecidos
passou a reivindicar as casas dos moradores do povoado de Praia de
Campina. Ainda que as casas tivessem sido construídas pelos mo-
radores, a Companhia de Tecidos de Rio Tinto, município vizinho
de Mamanguape, exigia sua propriedade sobre essas construções.
Muitas negociações foram encaminhadas, decorrentes da participa-
ção e do trabalho da equipe de extensão. Com a participação da
comunidade foram preparados vários processos, expostos em reu-
niões e encaminhados à justiça, aguardando uma solução.
Daí surge, por parte da equipe da universidade, em parceria
com o Estado, com a AGEMTE e com a Associação Agrícola local,
a formulação da proposta de compra da terra pelo Estado e de cria-
ção de um condomínio produtivo, abrangendo inclusive a região do
paul. Denominado Produção em Condomínio em 120 ha de Policul-
tura em Praia de Campina, esse projeto tem como objetivo a com-
pra de 120 hectares de terra na área. A terra seria utilizada para
produção de alimentos de subsistência, além de produtos economi-
camente viáveis, em forma de cooperativismo, criando uma alterna-
tiva produtiva em condomínio. O projeto tem como objetivos espe-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 163

cíficos: o combate à fome e a miséria, com a produção de alimentos


básicos; a implantação de um programa produtivo consorciado; a
implantação de cooperativa de produção com os moradores locais e
a capacitação dos mesmos para administração, economia, armaze-
namento, contabilidade, comercialização e educação ambiental. A
proposta nunca se consubstanciou de forma concreta. Continua sob
análise do Projeto Peixe-Boi Marinho e do Governo do Estado.
A AGEMTE, em contato com a Secretaria do Bem-Estar
Social do Estado, também formulou uma proposta de desenvolvi-
mento integral para os municípios paraibanos, tendo como base
experimental as atividades no Vale do Mamanguape e em Praia de
Campina. Esse projeto centra suas metas na produção de alimentos,
na geração de emprego e renda, na educação, na saúde e na cultu-
ra. É um projeto inspirado em programas de outros Estados, como
o PDCTA(Programa de Difusão e Capacitação em Tecnologia Al-
ternativa), desenvolvido pelas ONGs SERTA/PE(Serviços de Tec-
nologia Alternativa), GTAE/Al e PAER/PB( Programa de Apoio à
Educação Rural). Essas experiências vêm sendo “implantadas” em
Pernambuco e em Alagoas e podem ser também implantadas na
Paraíba. É um projeto que está no papel, mas que ainda não teve
nenhum encaminhamento por parte do Governo do Estado.
Finalmente, há um terceiro projeto na região, que é um pro-
grama de preservação e de educação ambiental, onde se aprende a
promover o extrativismo sem provocar desequilíbrio ao meio ambi-
ente. São projetos da zona dos pescadores, dos catadores de maris-
co, de ostras, de caranguejos, entre outros. Basicamente são estes os
três projetos existentes.
O conjunto de atividades em desenvolvimento em Praia de
Campina passa a compor o Programa Interdisciplinar de Extensão
Comunitária, sendo o responsável pelas bolsas de extensão da uni-
versidade, que possibilitam o deslocamento de estudantes, sema-
nalmente, para tais atividades. Esse programa teve início em l990
164 José Francisco de Melo Neto

na PRAC/UFPB, buscando também uma metodologia para a prática


da interdisciplinaridade. Ele cobre, hoje, mil e duzentas famílias em
várias comunidades e “busca a promoção do homem e de uma prá-
tica acadêmica mais comprometida com a ética e a democratização
dos conhecimentos gerados dentro da Universidade”54.
Desa forma, o Programa Interdisciplinar de Extensão Uni-
versitária se afirma como “um trabalho que tem como prioridade a
discussão sobre as demandas da sociedade e sobretudo a relação
que a universidade tem para com essas demandas”55.
Esse trabalho se constitui na possibilidade de desenvolver
nas comunidades certas ações que conduzam para um processo de
discussão sobre seus problemas particulares e, assim, apresentem
soluções para os mesmos. Tais ações devem ser capazes de melho-
rar as condições de vida e de cidadania dos habitantes da comuni-
dade, buscando um desenvolvimento social, político, econômico e
cultural. O programa se organiza a partir de um grupo interdiscipli-
nar subdividido em três outros grupos: saúde, produção e educação.
Esses grupos, por sua vez, vêm desenvolvendo as seguintes ações:
treinamentos, capacitação, assessorias, diagnósticos, consultorias,
organização, caracterização sócio-econômica e acompanhamento
técnico e científico. Atuam em várias comunidades como Penha,
Praia de Campina, Fagundes, Cruz do Espírito Santo, Mussumago,
Costinha, Mamanguape e Santa Rita.
Esse trabalho se expande para além da comunidade de Praia
de Campina, abrangendo, atualmente, trinta e oito comunidades em
vários municípios vizinhos às cidades de Rio Tinto e Mamanguape.
Envolve também outras organizações como os sindicatos rurais dos
dois municípios, participando de programações e até de passeatas

54
UFPB/PRAC/COPAC. Extensão. Programa Interdisciplinar de Extensão Comunitária. Folder de divulgação. João
Pessoa, s/d.
55
Id. , ib.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 165

nessas localidades, objetivando a luta por suas reivindicações, além


de comemorações como a do dia 1o. de Maio.
A organização dessas comunidades foi gerando associações
de moradores, que em sua evolução chegaram a constituir-se em
uma Federação de Associações do Vale do Mamanguape, respon-
sável agora por alguns dos projetos em funcionamento na região,
como, por exemplo, o da Comunidade Solidária.
As ações desenvolvidas por esses projetos promovem a parti-
cipação da universidade, do IBAMA, da comunidade e de organiza-
ções não- governamentais, bem como do Estado. Elas confluem, a-
través de suas mediações, correlações e contradições contidas em
cada uma dessas entidades, como uma experiência das mais comple-
xas, do ponto de vista político, geradora também de maiores contra-
dições frente ao “alinhamento” difuso que apresenta.
Todas as ações que vêm sendo desenvolvidas em Maman-
guape, Rio Tinto e Praia de Campina, através dos três projetos, sinte-
ticamente apresentados, serão denominadas para efeitos deste estudo,
de Projeto Praia de Campina.
Projeta-se, agora, o estudo elaborado sobre o Projeto Praia de
Campina a partir de entrevistas com os coordenadores do projeto, os
executores e os comunitários, além de textos do próprio projeto. O
instrumento de análise é o mesmo que foi utilizado tanto no Projeto
CERESAT quanto no Projeto Zé Peão.
Pode-se observar o comportamento dos variados temas nes-
te projeto, a partir do Gráfico 3.
166 José Francisco de Melo Neto

GRÁFICO 3
FREQÜÊNCIA DOS TEMAS

1000
900
800
700
600
500
400
300 IX
200
V
100
0 I

I.
I. Concepção de mundo VI. Relação universidade-
sociedade
II. Concepção de sociedade VII . Concepção de extensão
universitária
III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho social na
extensão
IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente insti-
tucional
V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão uni-
versitária

O Gráfico 3 revela quatro blocos temáticos considerando-se


a sua expressão quantitativa. O primeiro é a concepção de socieda-
de, externada em 28% de indicadores do projeto. É um projeto que,
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 167

de acordo com as possibilidades colocadas dentro dessa concepção,


vai apresentar uma divisão quase pela metade dos respondentes,
sejam coordenadores ou executores do projeto, num total de 52% e
59%, respectivamente, para uma visão de sociedade se expressando
como uma totalidade perfeitamente integrada (ver Tabela 6). Por
outro lado, também se externa a visão de modo de produção para os
mesmos setores, com percentuais de 46% e 40%, respectivamente
para os coordenadores e executores. Surge logo de início uma con-
tradição, considerando-se que essas mesmas visões não partem dos
mesmos índices relativos aos comunitários e textos produzidos no
projeto. A visão de sociedade como uma totalidade integrada apre-
senta índices bem inferiores, assim como a perspectiva do modo de
produção, tendo conseqüentemente 63% e 83% dos percentuais. Os
comunitários, na condição de trabalhadores rurais, talvez não te-
nham a percepção ou a compreensão de uma sociedade integrada,
mas talvez sintam na pele o significado da sociedade como um mo-
do de produção, considerando a sua situação de trabalhadores.
No segundo bloco estão o tema VIII - natureza do trabalho
social na extensão, e o tema I, concepção de mundo. Seus percen-
tuais de 21% e 16% dentro do tema indicam essa proximidade
quantitativa. Ao observar-se a Tabela 6, ter-se-á uma consistência
no tema I, voltado à visão transformadora de mundo, com percen-
tuais de 81%, 81%, 72% e 80%, referentes aos coordenadores, exe-
cutores, comunitários e documentos do projeto, respectivamente.
Essa visão está em total discordância com o tema VIII, onde os
percentuais mais altos apontam para a perspectiva de um trabalho
técnico com discurso de neutralidade, com percentuais de 58% e
63% para coordenadores e executores. Estão em consistência, con-
tudo, com os percentuais de 72%, 80%, 71% e 89% relativos aos
comunitários e textos produzidos no projeto para ambos os temas.
O terceiro bloco é constituído pelos temas X - pedagogia da
extensão universitária, com 12% de percentual, e IV - configura-
168 José Francisco de Melo Neto

ção de interesses sociais, com um percentual de 8%. Analisando-se


a Tabela 6, observa-se uma certa consonância entre os discursos
pedagógicos da extensão com a configuração de interesses sociais.
No quarto bloco, estão os temas V (concepção de prática
social), VII (concepção de extensão universitária), VI (relação da
universidade com a sociedade), XI (papel do agente institucional) e
III (concepção de Estado), com percentuais de 5%, 4%, 3%, 2%,
1%, respectivamente. Observem-se ainda os dados da Tabela 6.
Concepção de mundo e sociedade

A comparação entre esses dois temas mostra as discordân-


cias existentes no projeto. Na concepção de mundo ter-se-á de for-
ma clara a marcante visão transformadora no projeto, com percen-
tuais expressivos entre os coordenadores(A%), executores(B%),
comunitários(C%) e textos do projeto(D%). Esses percentuais atin-
gem índices elevados, o que porém não se confirma com o tema II.
Neste, a visão de sociedade como modo de produção sobressai-se
apenas nos textos, com percentual de 83%. Aproxima-se da visão
dos comunitários, com percentual de 63%, mas é bastante destoante
da visão dos executores e coordenadores. É expressiva, contudo, no
tema II, a visão de sociedade integrada, com percentuais de 52% e
59% entre os coordenadores e executores, respectivamente. Há de
se perguntar: Qual é mesmo a visão de mundo externada por este
projeto? Ela está no discurso dos coordenadores e executores ou
está explicitada pelos comunitários e nos textos? Os comunitários
não estão assimilando pedagogicamente as visões veiculadas pelos
coordenadores e executores, ou há um conflito estabelecido e uma
profunda discordância interna e externa entre essas visões?
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 169

TABELA 6
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
Temas Itens A% B% C% D% Fi % itens Fgi % tema
1.1 - Visão que privilegia o mercado 15 15 19 10 92 16
I - Concepção de mundo 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a 04 04 09 10 33 06 567 16
soc. 81 81 72 80 442 78
1.3 - Visão transformadora
2.1 - Conjunto de instituições independentes 02 01 -- -- 08 01
II - Concepção de sociedade 2.2 - Totalidade integrada 52 59 37 17 455 47 979 28
2.3 - Modo de produção 46 40 63 83 516 52
3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta -- -- 75 50 04 36
III - Concepção de Estado 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 66 100 25 -- 05 46 11 01
3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 34 -- -- 50 02 18
IV - Configuração dos interesses so- 4.1 - Interesses voltados a indivíduos -- 05 01 -- 03 01
ciais 4.2 - Interesses voltados a grupos 39 32 07 20 47 16 303 08
4.3 - Interesses voltados à classe dominada 61 63 92 80 253 83
V - Concepção de prática social 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 12 -- -- -- 04 02 185 05
5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 88 100 100 100 181 98
6.1 - Instituição do saber com vida independente 55 82 65 -- 68 69
VI - Relação universidade-sociedade 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 21 09 31 50 18 18 99 03
6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 24 09 04 50 13 13
VII - Concepção de extensão universi- 7.1 - Via de mão única 25 63 68 95 73 60
tária 7.2 - Via de mão dupla 28 24 13 -- 24 19 135 04
7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 47 13 19 05 25 21
VIII - Natureza do trabalho social na 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 01 01 -- -- 03 01
extensão 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 58 63 29 11 361 50 724 21
8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 41 36 71 89 360 49
9.1 - Agente dos interesses do mercado ( capital ) 42 64 -- 100 23 50
IX - Papel do agente institucional 9.2 - Agente neutro da instituição 29 04 -- -- 05 10 46 02
9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 29 32 100 -- 18 40
X - Pedagogia da extensão universitá- 0.1 - Pedagogia tradicional 01 -- -- -- 01 01 408 12
ria 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 99 100 100 100 389 99

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores


B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
170 José Francisco de Melo Neto

A concepção de mundo e de sociedade também vincula-se


às relações da universidade e da sociedade. Comparando-se o tema
VI - relação da universidade com a sociedade, com o tema I - con-
cepção de mundo, e com o tema II, concepção de sociedade, obser-
va-se que aparece outra inconsistência, considerando-se que a visão
transformadora de mundo poderia replicar na relação entre a uni-
versidade e a sociedade com o item (7.3), ou seja, a instituição co-
mo um aparelho de hegemonia. O que se vê, contudo, é que no te-
ma VI os índices mais marcantes estão entre os coordenadores, e-
xecutores e comunitários - 55%, 82% e 65%, respectivamente, na
visão da universidade como possuidora de um saber com vida in-
dependente. Já os textos dividem-se igualmente, expressando uma
visão dupla e contraditória. Portanto, há possibilidades e dificulda-
des as mais variadas para implementação desse tipo de projeto.
Uma delas é a visão de que a universidade continua elitizada e en-
clausurada nos seus muros, nas suas salas de aula.

“Não tenta renovar essa parte rica que poderia sustentar o ensi-
no e a pesquisa, aproveitando isso que está acontecendo como
algo novo. Essas experiências mostram que a universidade deve
ser feita em cima do tripé: ensino, pesquisa e extensão. E a gente
percebe, hoje, que infelizmente a extensão não consegue ser arti-
culada com a pesquisa e o ensino. A extensão fica um pouco re-
legada a um plano inferior” 56.

Contudo, os trabalhos continuam sendo realizados e apre-


sentam alguns resultados interessantes em regiões circunvizinhas à
de Praia de Campina. Esta parece isolada no litoral; contudo, co-
munidades as mais diversas e localizadas até quinze quilômetros de
distância chegam a participar de algumas reuniões. Fazem-se pre-
sentes comunidades, como a de Tacaré, área de assentamento, co-
mo da Estiva e a localidade do Geraldo. O processo de organização

56 .
Membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 171

de Tavares, outra comunidade, surgiu a partir da influência do Pro-


jeto Praia de Campina. Os trabalhadores têm conseguido mostrar a
sua força, mesmo com as contradições existentes. Isso tem motiva-
do outras comunidades a buscarem sua auto-organização.
A universidade nessa sua relação com a sociedade, percebe
que assim pode ajudar os grupos em certas comunidades a se orga-
nizarem no sentido de conquistarem sua autonomia. Pode ajudar a
superar a dependência de grupos comunitários ao “doutor” e às
forças políticas locais a que estão submetidos, quer sejam secretá-
rios de Estado, vereadores, deputados ou prefeitos, que só marcam
presença nas comunidades naquelas tradicionais épocas eleitorais.
Logo, a universidade pode estar passando conhecimento para a co-
munidade e vice-versa, estabelecendo-se uma dupla troca, inclusive
técnica. Pode, dessa forma, marcar sua presença nos problemas da
sociedade.

“O papel da universidade, é interessante porque apesar de ser


instituição governamental, ela não é tão atrelada quanto outros
órgãos. É mais independente. Acho que ela é uma ponte com as
comunidades e com outros órgãos de uma forma mais indepen-
dente, mais interessante portanto. Então, a gente quer manter
essas relações, quer aproximar mais, quer aprofundar essa rela-
ção. Especificamente com o Estado, a Visão Mundial não tem re-
lação direta” 57.

Apesar das contradições já apresentadas, os executores ex-


pressam suas lutas e suas utopias em relação ao projeto. Dedicam-
se, enquanto estudantes, à busca de alimentar as ansiedades do seu
próprio saber científico, transmitido apenas em sala de aula, com
complementações resultantes da sua permanência nessas comuni-
dades. Acreditam naquilo que estão fazendo.

57
Membro da equipe do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa.
172 José Francisco de Melo Neto

“A gente fala muito na universidade transformar a sociedade e a


gente não pode esquecer que a universidade devia ser transfor-
mada internamente. Essa universidade pode ser uma universida-
de diferente. Essa sociedade pode ser uma sociedade diferente e
embora muitos digam que não. Esses trabalhadores podem se
organizar. A gente tem condições de ter um país diferente, de
romper com isso aí, a partir do que a gente tem visto em Praia
de Campina” 58.
Interesses sociais e prática social

A configuração dos interesses sociais combinada com a prá-


tica social (ver Tabela 6) alerta para a caracterização de uma perfei-
ta consonância entre os interesses sociais e a prática social. Os inte-
resses sociais indicados pelo tema IV, voltados à classe dominada,
definem percentuais para os coordenadores, executores, comunitá-
rios e textos do projeto, em perfeita consonância. Os percentuais de
61%, 63%, 92% e 80% demonstram a inexistência de qualquer con-
tradição, mesmo havendo diferenças significativas percentualmente
de 61% e 63% para 92% e 80%. Mas isso não se sustenta ao serem
observados os índices do tema V - concepção de prática social,
onde se tem, de forma exagerada, percentuais de 88%, 100%, 100%
e 100%, para uma compreensão de prática em consonância com as
classes dominadas. A heterogeneidade dos participantes desse pro-
jeto não possibilita tal nível de identidade em suas formulações
discursivas ou mesmo nos textos escritos. Isso que se apresenta
como uma consistência de praticamente 100% não significa, a ri-
gor, consistência de prática social, considerando a heterogeneidade
do ideário das equipes de extensão.
Por outro lado, também é possível observar-se nesse projeto
a participação maior dos trabalhadores, ao se fazer uma compara-
ção temporal de 1990 até os dias de hoje. Houve uma certa intran-

58
Membro da equipe do projeto e estudante. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 173

qüilidade em setores dominantes do município onde está localizado


o projeto, na medida em que já se explicitam certos desejos de tra-
balhadores de também quererem “mandar”, terem a autoridade de
mando. Um dos entrevistados usa uma linguagem simbólica para
expressar um possível avanço organizativo.

“E com relação ao poder do capital, os grupos oligárquicos da


região, a gente vê o seguinte: de uma forma ou de outra, os sin-
dicatos conseguem barrar um pouco aquele achatamento que era
feito pelas usinas e pelos fazendeiros sobre o trabalhador da re-
gião. Claro que ainda é muito tímida essa relação do trabalho
com o capital. Os conflitos ainda precisam ser avaliados. A gen-
te viu que antigamente só os usineiros e as fazendas ganhavam
com placar de 10 x 0 , hoje, já tá dando de 7 x 3. Quer dizer, o
placar já mudou um pouco” 59.

Mas quanto à politização dos comunitários, os executores


do projeto também divergem frontalmente, como se percebe no
depoimento de uma estudante participante, desde o início, da orga-
nização dos comunitários,

“Se eu chegar lá com uma proposta política, eles não estão pre-
parados. Eles ainda estão acostumados com aquela história dos
donos de lá, dos que têm dinheiro lá dentro, com aqueles que
lhes são mais próximos. A questão política é forte. É muito mais
lenta. Se é prá gente conseguir lá entrar, fazer com que eles as-
similem algo diferente será um algo mais lento” 60.

Em Praia de Campina possivelmente não há mais necessi-


dade da presença de técnicos da universidade. Lá, as reuniões são
feitas pelo próprio pessoal local. Suas lideranças já geraram novas

59
Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
60
Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
174 José Francisco de Melo Neto

lideranças e permutaram os dirigentes da Associação Agrícola. To-


cam seus interesses com o grupo da própria comunidade. Há o pes-
soal que organiza a burocracia e as finanças da Associação.

“Para nossa alegria, hoje, Praia de Campina não precisa mais


dos técnicos da universidade. Já caminha com seus próprios pés.
Agora, não quer perder o vínculo de amizade, de acompanha-
mento, porque é uma coisa salutar” 61.

Contudo, é fácil entender as diferenças dos percentuais pre-


sentes na Tabela 6, ao se comparar outra declaração do mesmo fun-
cionário, referente ao crescimento pessoal de componentes da equi-
pe. Sobre um membro da comunidade, afirma:
“Era uma pessoa subserviente e, hoje, já tem o seu carrinho, já
tem seu televisor a cores, seu vídeo-cassete. Então, quer dizer,
não sei se isso aconteceria com outras pessoas, mas a maioria
dos líderes trabalharam, cresceram e melhoraram de vida. Isso é
um fato concreto. Se esses líderes melhoraram de vida, isso quer
dizer que qualquer outro líder poderia, também” 62.

Tal afirmação expressa de forma clara, as contradições exis-


tentes entre os próprios coordenadores e demais participantes do
projeto. Concepção dessa ordem exigirá de todos a ocupação dos
postos de lideranças. Todavia, é impossível a sua realização, pois
não há postos para todos. A condição de melhoria de vida também
fica condicionada à exigência de ser líder, outra condição impossí-
vel de se concretizar pela própria exigência que torna cada um, ne-
cessariamente, um líder. Além do mais é uma compreensão muito
semelhante à expressão popular do “crescer na vida”, caracterizada
como a conquista de algum bem material. Ficam esquecidas as di-
mensões culturais e sociais, além do crescimento das relações como

61
Funcionário da UFPB e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
62
Id., ib.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 175

pessoa, seja líder ou não, ou um crescimento voltado à dimensão


coletiva dos comunitários. E mais: ele opõe “subserviência” a “su-
bir na vida”, como se “o mau” da subserviência fosse dificultar ou
impedir “o subir na vida”.
A relação entre prática social e interesses sociais também se
destaca em Praia de Campina no tocante às demais entidades pre-
sentes na área, além da universidade, ou seja, o pessoal do Projeto
Peixe-Boi, da Visão Mundial, do Sindicato Rural. Nessa localidade,
logo de chegada, parece não existir nada de organização comunitá-
ria. Os moradores estão sempre ocupados com suas tarefas de pesca
ou agrícolas. Chegar-se até as organizações e a população diz res-
peito à prática social e aos interesses em jogo para aqueles comuni-
tários. Depende da postura não só dos órgãos, mas das pessoas.
Depende também do tipo de relacionamento que elas mantêm. Esse
mesmo cuidado vai estar presente quando da preparação de lideran-
ças para a continuidade do trabalho em desenvolvimento.

“Há uma responsabilidade de quem trabalha com esse pessoal


de formar lideranças que sejam só legítimas. Elas devem ser da
comunidade mas é preciso que tenham uma visão correta das
coisas, isso é, não podem ser pelegas ou atreladas a quaisquer
interesses que não seja o interesse comunitário” 63.

Ao ser questionado sobre as formas de que dispunha para


preparar os futuros presidentes da associação ou mesmo os futuros
sócios, um dos principais líderes locais responde com a sua singular
fala de homem do campo. Para ele, o preparo de futuros dirigentes
se dá da seguinte forma:

“É cunvesano. é cunvesano. Porque num é em dinhêro qui a gen-


te ganha. Num é nada. É cunvesano o povo prá se combiná; prá

63
Membro do projeto e de ONG na Paraíba. Texto da entrevista para esta pesquisa.
176 José Francisco de Melo Neto

se ajuntá e aí vai. ... Quando nóis vamo apresentá uma conta, aí


se ajunta a diretoria na minha casa. Vamo cunversá prá vê o que
nóis vamo falá na reunião” 64

Vem se desenvolvendo entre as associações agrícolas da re-


gião uma vida de bastante solidariedade. Em épocas de seca, como
em l993, a grande dificuldade era conseguir as ramas dos produtos
para serem plantados, como mandioca, macaxeira, inhame e batata.
Desenvolveu-se entre eles um processo de troca dentro das comu-
nidades onde havia algum trabalho organizativo.
Há uma troca até mesmo de informações “sutis” que circu-
lam entre os presidentes ou coordenadores de associações e sindica-
tos. O que está ocorrendo com uma associação, com o sindicato ou
com algum trabalhador nessas áreas de atuação do projeto logo é
transmitido para todos e assim se iniciam as primeiras providências
de solução. Então existe uma espécie de canal, indicado por um dos
líderes do Sindicato Rural:

“Esse canal, essa rama é os presidentes de associação. Quando


a gente precisa de alguma coisa, vai buscar deles. Eles lá, dos
sítios, traz o pessoal deles e faz a festa na cidade” 65.

Com isso se mantém um intercâmbio de informações relati-


vo às questões que estão ocorrendo no campo, o que é de funda-
mental importância para a própria organização sindical da região. O
sindicato não tem como percorrer todo o município com regulari-
dade. Mesmo assim se transformou numa referência para os traba-
lhadores rurais que passaram a vivenciar sua própria organização e
resolveram muitos de seus problemas. Transformou-se numa espé-
cie de central de solução de impasses, sobretudo aqueles que não se
consegue resolver nas associações. As informações repassadas para

64
Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa.
65
Liderança sindical rural da região. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 177

o sindicato são fundamentais, inclusive as críticas, mesmo as críti-


cas “raivosas” contra essa entidade ou contra a associação.

“ Sempre se tem uma falha. Não se agrada a todo mundo.


Quando há uma falha, nós vamos corrigir. Vamos ver onde fa-
lhou. Se houver falha a gente tenta corrigir. Vamos conversar.
Se precisar me desculpar, eu me desculpo. Se eu precisar então
contar a história que não é daquele jeito, eu conto. É por aí” 66.

Agente institucional e natureza do trabalho

A comparação entre os temas IX - o papel do agente institu-


cional, e VIII - natureza do trabalho na extensão, apresenta dados
bastante contraditórios (ver Tabelas 7 e 8). Os coordenadores e e-
xecutores, no tema IX, apresentam percentuais de 42% e 64%, vol-
tados à visão do agente comprometido com interesses do mercado,
do capital. Existe uma contradição expressiva na medida em que
eles vêem os agentes institucionais comprometidos com as classes
dominadas, mas os textos apontam para compromissos com o mer-
cado e, portanto, com o capital.
Os comunitários estão presentes, ao lado dos agentes da u-
niversidade, em suas ações na comunidade. Seu discurso, entretan-
to, não bate com a disposição de trabalho que os comunitários têm
apresentado sobre esses agentes. Contudo, há percentuais importan-
tes de comprometimento do agente com as classes dominadas, que
são 29% e 32%.
O Tema VIII - a natureza do trabalho na extensão, se apre-
senta dividido em dois blocos. Um entende que esse trabalho deve
ser técnico, porém com discurso de neutralidade. Os percentuais
apontam uma maioria para essa visão, com 58% e 63%, não haven-

66
Liderança sindical rural e comunitária. Texto da entrevista para esta pesquisa.
178 José Francisco de Melo Neto

do correspondência com a visão dos comunitários e dos textos, já


que os percentuais da visão de um trabalho técnico com discurso
transformador são de 71% e 84%. Esses valores apontam para uma
inconsistência, ao serem comparados no interior do tema, bem co-
mo entre os temas.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 179

TABELA 7
PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL
Distribuição dos itens do tema IX, por segmento
ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT % item % do tema

9.1 03 03 --- 06 42 --- 15 01 16 64 --- --- --- --- --- 01 --- --- 01 100 23 50
02
9.2 --- 04 --- 04 29 01 --- --- 01 04 --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 05 10

9.3 02 02 --- 04 29 02 05 01 08 32 06 --- --- 06 100 --- --- --- --- --- 18 40

9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ).


9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade.
9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
TT - Freqüência total de indicadores no item
180 José Francisco de Melo Neto

TABELA 8
NATUREZA DO TRABALHO NA EXTENSÃO
Distribuição dos itens do tema VIII, por segmento
ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT % item % do tema

8.1 01 --- --- 01 01 --- --- 02 02 01 --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 03 01
21
8.2 64 42 --- 106 58 28 96 88 212 63 26 05 06 37 29 09 --- --- 09 11 361 50

8.3 45 28 --- 73 41 22 83 18 123 36 72 08 11 91 71 73 --- --- 73 89 360 49

8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” .


8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” .
8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” .

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 181

Esperava-se que o percentual do item 8.3 do tema VIII fosse


replicado no tema IX, item 9.3, pois são visões que se aproximam.
Não é, contudo, o que vem ocorrendo no projeto. Há uma profunda
variação e discrepância, tanto no interior do tema como ao serem
comparados os diversos temas.
No entanto, essas incongruências estão presentes no cotidia-
no da comunidade. Uma parte dos moradores fica localizada mais
entre os coqueirais e se diferencia radicalmente da outra parte, que
são moradores-visitantes de finais de semana, residentes em man-
sões, à beira da praia. Também é foco de problema quando, após
dois anos de seca, a água vem para além do necessário e destrói as
plantações preparadas coletivamente, baixando o ânimo daqueles
trabalhadores para o trabalho coletivo.
Em suas falas e discursos, observa-se que a perspectiva de
classe que vai se construindo é bastante tênue, considerando, inclu-
sive, que a identificação que se faz por meio da palavra trabalhador
vai sendo substituída pela expressão pequeno produtor. Introduzem
o que se reflete posteriormente nos processos eleitorais e partidá-
rios da região, já que processos desse tipo criam dificuldades para a
construção de alternativas políticas efetivas daqueles trabalhadores,
quando passam a aceitar o jogo de mando das práticas políticas
tradicionais na localidade. Mesmo que as escolhas para representa-
ção recaiam sobre membros da comunidade, as opções partidárias
adotadas não têm demonstrado nenhum compromisso com as ques-
tões que vêm sendo colocadas através daqueles movimentos em
construção.
As práticas dos agentes são agora determinantes. Nas últi-
mas eleições, Praia de Campina passou a ter uma representação na
Câmara Municipal de Rio Tinto. Tem-se reforçado o discurso de
que o importante é a pessoa. Resta esperar pelo exercício parlamen-
tar dessa visão e ver se é mesmo insignificante a questão da sigla
partidária.
182 José Francisco de Melo Neto

A prática comunitária em Praia de Campina vem demons-


trando que a comunidade pouco a pouco constrói seus líderes. Ob-
serva-se um crescimento não só das lideranças como também da
comunidade como um todo, com a contribuição da vivência de a-
gentes de várias instituições no dia-a-dia daquela comunidade.
Constatam-se as diferenças através das relações das lideran-
ças com o grupo de jovens, com o clube de mães e com a percepção
que se desenvolve em relação ao Projeto Peixe-Boi. Tudo isso pa-
rece tender à superação de relações de dependência.
As contradições, contudo, permanecem no que concerne ao
problema mais grave a ser enfrentado - o problema da terra. Que-
rem a legalização oficial da terra. Sonham com a sua pequena pro-
priedade, mesmo que já se tenha falado de cooperativa, de condo-
mínio produtivo ou de outras formas coletivas de sobrevivência. A
propriedade é a grande fascinação. A falta de ambulância na região,
a falta de médicos nos postos de saúde ou outras reivindicações da
comunidade ficam em segundo plano quando se trata da questão da
terra.
As práticas com as diferenciadas instituições também são
geradoras de conflitos e inconsistências. Relações com ONGs, com
o Governo do Estado, com a Prefeitura, com programas do tipo
Comunidade Solidária ou com a universidade podem tornar-se
pouco institucionais e muitas vezes expressam apenas relações en-
tre pessoas.

“Há necessidade de união entre todos. O governo também pode


ser comunidade; também pode ser sociedade, depende muito
desse ou daquele governante. O Estado também está um pouco
mais acima do que os governos provisórios que são hoje e não
são amanhã. Sei que é uma relação um tanto tensa. Eu só vejo
condição dessa relação dar alguns frutos a partir das pessoas,
dos técnicos, do compromisso pessoal desses técnicos” 67.

67
Membro da equipe do projeto e de ONG. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 183

Realizam-se, mesmo assim, atividades que têm consistência


para o desenvolvimento da comunidade e para aqueles que estão
mais diretamente voltados ao processo organizativo. Pode-se desta-
car, por exemplo, a realização da Semana da Saúde. Para os comu-
nitários, Semana de Saúde significa presença de médicos, de dentis-
tas, de enfermeiras, enfim de “um povo” todo de branco para reali-
zar consultas médicas para toda a população. Significa ainda o re-
cebimento gratuito de remédios.

“Então, a gente começa a preparar o pessoal prá desmistificar


essa história toda - de dar remédio, extrair dente. Nesta primeira
semana de Saúde não foi nenhum médico, nem odontologista.
Foram pedagogos, pessoal de nutrição, educação física, biblio-
teconomia. A gente começou a falar prá eles que saúde não só
diz respeito à doença, mas a prevenção de doenças ...” 68.

Atividades dessa natureza vão apresentando as formas de


pensar dos moradores daquela região. Surgem as compreensões que
eles têm de mundo que, por sua vez, vão sendo confrontadas com
as maneiras, o trabalho e as práticas dos agentes dessas atividades.
Tudo isso começa a mexer nas percepções, nos relacionamentos e
nas formas de sentir e agir dessas comunidades.
Perpassando esse tipo de trabalho, percebe-se que ele não é
todo composto pela totalidade da comunidade que está presente. Há
grupos que estão mais próximos do projeto e que vão influenciando
os parentes, os vizinhos, etc. Esse trabalho vai se estendendo à medi-
da que os benefícios vão aparecendo e mais gente vai se sensibilizan-
do. Há, inclusive, discursos produzidos pelas lideranças locais que
vão sendo colocados durante as reuniões e que acabam sendo repro-
duzidos por todos eles. Podem até ser repetitivos, mas a comunidade

68
Estudante e membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa.
184 José Francisco de Melo Neto

os entende e começa a reproduzi-los. São discursos produzidos no


dia-a-dia, discursos que vão se modificando e começam a repercutir
até mesmo na prefeitura e nos sindicatos, de maneira agora bem dife-
renciada. Mas o agente comunitário, o líder comunitário, também vai
absorvendo práticas coletivas e necessárias, a partir de coisas sim-
ples. Nas reuniões da associação se faz, por exemplo, a prestação de
contas, assim apresentada por um dos comunitários:

“Agora, eu vou apresentar aqui as conta. Mando a tisôrêra di-


zer. Fica dizendo: gastei tanto, tanto, tanto. Pregunto assim o
povo: qui você quisé prá quem foi, vocês pregunta. Tá tudo as-
sentado. Ainda tem gente que pregunta: prá qui foi esse dinhêro
qui o prisidente gastou? Então, ela diz: dez prá fulano, uma via-
ge prá fulano, reméido prá fulano. ...” 69.

As contradições também estão presentes entre os comunitá-


rios quanto à prática social e ao papel do agente institucional. Exis-
tem até quanto à natureza do trabalho, por exemplo, em relação ao
Programa Comunidade Solidária que aqui foi desenvolvido em
conjunto com a Federação das Associações. Todavia, coube à Fede-
ração definir as formas de como deveriam ser distribuídas as cestas
básicas. A tradição na região é de doação simplesmente, mantendo
as pessoas no costume da mendicância. Com a intervenção da Fe-
deração, porém, passou-se a fazer a doação a partir do trabalho da
pessoa, trabalho necessário para o preparo das terras e organização
de todos para o plantio. Apesar disso, houve uma grande reclama-
ção.

“O pessoal não acreditava nesse trabalho. Começou a história


de trocar alimento por serviço. Dar alimento não funciona não,
doutor. Alimento dado é a mesma coisa de você está fabricando
bandido. Aí, veio umas cestas básicas e ia todo mundo na reuni-

69
Líder comunitário e membro da Associação Agrícola de Praia de Campina. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 185

ão: era velho, velha, homem, menino. Quando chegava lá que se


cadastrava que tinha que fazer alguma coisa, aí nego não queria
nada” 70.

Mas assim foi feito e houve resultados importantes quanto à


produ-ção de alimentos. Com a regularização das chuvas, tem-se
feito distribuição para as regiões mais carentes das ramas e semen-
tes, para que essas localidades assumam a sua própria produção,
comercialização e alimentação. Destacam-se, ainda, nessa luta por
melhores condições de vida, as mobilizações feitas na cidade de
Mamanguape, reivindicando serviços de saúde e energia na área
rural. Aconteceram passeatas, antes nunca vistas, para pressionar o
prefeito a assumir esse compromisso com a população rural. Os
agentes da universidade, das ONGs, dos sindicatos rurais e mem-
bros do governo estiveram todos presentes nessas mobilizações.
Hoje muitas das comunidades dispõem de energia elétrica, havendo
inclusive um programa do governo estadual para “apagar a última
lamparina, na Paraíba”.
Contudo, nesse movimento permeado de inconsistências e
contradições, a comunidade continua a tentar a sua organização e
com isso se torna importante que “vá crescendo, nesta articulação,
na coesão, na elaboração de sua forma de entender a realida-
de”(Saviani, 1984: 63).

Extensão universitária

Como foi mostrado, a extensão pode-se apresentar sob três


possibilidades. A primeira enfatiza a via de mão única em que a uni-
versidade vai à sociedade levar algo de sua especificidade. Admite-se
que a universidade resolve ir à sociedade para prestar algum serviço,

70
Líder comunitário e sindical. Texto da entrevista para esta pesquisa.
186 José Francisco de Melo Neto

oferecer curso, promover algum evento, fazer assistencialismo, ensi-


nar, prestar alguma assessoria, levar algum benefício à população,
que é vista apenas como receptora desses “serviços”.
A segunda possibilidade trata a extensão como via de mão du-
pla, pensando a universidade como promotora de um processo cultural,
educativo e científico em que, por um lado, leva conhecimento para a
sociedade e, por outro lado, traz conhecimento da comunidade. Num
processo desse tipo, a universidade e a sociedade estão de mãos dadas,
daí a idéia de mão dupla. Nessa compreensão, a extensão passa a ser o
elo, o canal capaz de promover essa troca através do diálogo em termos
das demandas da sociedade e também da universidade.
A terceira possibilidade manifesta a extensão como um pro-
cesso educativo, cultural e científico assumido a partir de uma posi-
ção das classes subalternas, buscando contribuir para a construção de
uma outra hegemonia. Nesse sentido, a extensão é um trabalho social
a serviço das classes subalternas. O processo que se estabelece, por
conta dessa concepção, envolve a universidade e a sociedade, pro-
pondo uma relação efetiva entre elas a partir da sua clara diferencia-
ção, considerando as suas especificidades. O conhecimento aí gerado
é produção coletiva e deve estar voltado ao trabalho de organização
coletiva das classes dominadas. Trata-se de um trabalho que pretende
se apropriar do saber da universidade e do saber dessas classes, des-
sas populações ou comunidades, para, num processo de reflexão e
reelaboração, possibilitar nova apropriação desse saber. Deve ser um
trabalho continuado, permanente e que contemple as possibilidades
do conhecimento teórico e prático.
Observando-se a Tabela 9 - concepção de extensão universi-
tária, conclui-se que os coordenadores expressam visões bem dife-
renciadas do trabalho que vêm desenvolvendo. Se o percentual de
47% em (7.3) traduz a extensão como um trabalho social e assim
vem se exercendo no projeto, os percentuais de 25% para a visão de
mão única e 28% para a visão de mão dupla são valores muito ex-
pressivos. O desenvolvimento das atividades do projeto tem mos-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 187

trado uma ênfase, inclusive, na concepção de extensão como mão


dupla, assumindo os coordenadores, em geral, a visão dos Pró-
Reitores de Extensão. Entre os executores, os percentuais se inver-
tem, pois a percepção de que é a universidade que vai através do
estudante levar algo é mais marcante. A via de mão única apresenta
percentual de 63%; a via de mão dupla 24%, enquanto a perspecti-
va de realização de um trabalho social cai para 13%.
Para os comunitários, a visão marcante de dependência con-
tinua quando mantêm o entendimento de que a universidade vai
levar algo para eles, que apenas esperam ou recebem esse bem ou
serviço. A instituição tem algo para dar e eles precisam receber.
Isto evidencia a expressão de que as políticas públicas têm sido
assistencialistas, particularmente nessa região. Os textos também
traduzem uma outra contradição com o conjunto dos segmentos
envolvidos, considerando que não expressam sequer a visão dos
coordenadores e se enfileiram em torno da visão da extensão como
mão única, com um percentual de 95%.
Muitas ações e atitudes desenvolvidas no projeto surpreen-
dem e contrapõem-se aos dados. O trabalho se mostra comumente
de forma comunitária, mesmo que se tenha a produção com área de
plantio individualizada. A produção que vem se adquirindo tem
sido marcante, quantitativamente. No final de l995, foram colhidas
em torno de mil toneladas de macaxeira e mandioca. Além disso,
registrou-se um total de trezentas e cinquenta sacas de farinha como
sobra de produção que foi comercializada na região, apesar do pre-
juízo causado pela chuva.
188 José Francisco de Melo Neto

TABELA 9

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA
Distribuição dos itens do tema VII, por segmento.
ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % C1 C2 C3 CT % D1 D2 D3 DT % TT % item % do tema

7.1 06 01 --- 07 25 17 12 04 33 63 14 01 --- 15 68 08 --- --- 18 95 73 60


04
7.2 08 --- --- 08 28 04 08 01 13 24 03 --- --- 03 13 --- --- --- --- --- 24 19

7.3 05 08 --- 13 47 01 02 04 07 13 02 02 --- 04 19 01 --- --- 01 05 25 21

7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade.


7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico.
7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
C - Entrevista com comunitários CT - Freqüência de indicadores no item C
D - Documentos dos projetos DT - Freqüência de indicadores no item D
TT - Freqüência total de indicadores no item
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 189

Por outro lado, esse tipo de trabalho marca o aluno da uni-


versidade, que passa a ter maior respeito por esses trabalhadores, ao
perceber que eles também levam as coisas muito a sério. Estabele-
ce-se uma relação pedagógica de aprendizagem para os próprios
alunos, gerando maior respeito pelas comunidades e pelo saber des-
sas comunidades. O aluno, com essa experiência, começa a desen-
volver uma maior preocupação com o seu conhecimento e com a
comunidade. Essa aprendizagem ocorre com todos os integrantes
do projeto, sejam eles da universidade, do Estado, das ONGs ou da
localidade. A universidade passa a ser vista como parceira, diferen-
ciando-se da visão do Estado patrão que promove apenas a mera
assistência.
Este é um exemplo claro de uma tentativa de encontrar ou-
tras formas de se fazer extensão e de se fazer pesquisa e ensino.

“Voltando um pouco àquela história da universidade de ensino,


da pesquisa e da extensão. Acho que o mundo da pesquisa é es-
tritamente técnico. O mundo do ensino tá muito preso ainda aos
livros acadêmicos, aos livros de pesquisa. Nos compêndios da
vida existe, contudo, uma outra coisa que a gente chama de ex-
tensão que alimentaria, muito bem, novos livros, novas pesqui-
sas” 71.

As visões diferenciadas de extensão percorrem todo o proje-


to. Da parte de executores encontram-se também formulações con-
trárias a qualquer visão que venha confundir extensão com assis-
tência social paternalista, colocando a perspectiva de não se con-
fundir com a cultura política do assistencialismo. São formulações
que vislumbram a extensão como um estar presente na universida-
de, na vida cotidiana da sociedade, em particular, no projeto daque-
la comunidade. Abrem ainda a perspectiva de um trabalho que pos-

71
Membro da equipe do projeto. Texto da entrevista para esta pesquisa.
190 José Francisco de Melo Neto

sibilita a compreensão das causas que geram as brigas internas da


comunidade, das lutas periódicas pela administração, entendendo a
existência de grupos políticos e o jogo de seus interesses. Propõem
um trabalho em que seja possível também o esclarecimento das
questões ligadas às lutas sindicais e partidárias e que permita aos
comunitários compreenderem a diversidade entre a universidade e
as demais instituições presentes nesses projetos. Um trabalho que
ajude os comunitários a tentarem caminhar com suas próprias per-
nas e que possibilite fazer suas reflexões comparativas com outras
formas de realizar extensão. Um trabalho que tem como objetivo,
no depoimento de um dos entrevistados, “organizar o homem do
campo e fazer com que ele se valorize com o seu pequeno pedaço
de terra”.

Considerações

A participação de várias instituições neste projeto o torna ri-


co, embora abrigue maior possibilidade de orientações díspares e
até inconsistentes. Afinal, num trabalho envolvendo equipes da
universidade, Estado, ONGs, dirigentes sindicais e até o pessoal de
prefeitura, existem as mais variadas posições políticas e ideológicas
interagindo e se refletindo nas diferenciadas visões das temáticas
apresentadas. Parece não haver aqui um privilégio de qualquer das
orientações assumidas para o trabalho organizativo da comunidade.
No entanto, o trabalho organizativo está sendo encaminhado, apesar
desses percalços, com saldos políticos, inclusive, partidários, bem
diferenciados.
O estudo vertical dos temas revela que as disparidades que o
projeto abriga podem apontar mais uma pluralidade de visões, mas
que se identificam naquilo que deve ser feito. A concepção de
mundo presa à visão transformadora, inicialmente, não condiz com
a concepção de sociedade voltada a uma visão de totalidade inte-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 191

grada. Ainda que os interesses estejam predominantemente volta-


dos às classes subalternas, a unanimidade quanto à compreensão de
prática social não deixa de chamar a atenção, especialmente diante
de tantas contradições já apresentadas.
A relação da universidade com a sociedade se expressa a-
través do saber com vida independente que se assemelha aos per-
centuais referentes à concepção de universidade como via de mão
única. Além disso, a natureza do trabalho na extensão é bem desto-
ante do papel do agente institucional, o qual oscila entre os interes-
ses do mercado, o agente neutro ou o agene comprometido com as
classes dominadas. Mesmo o exercício do compromisso com as
classes dominadas exige grande esforço do agente institucional ou
comunitário, no sentido de que, reconhecendo a importância políti-
ca do seu trabalho e sua essência política, não caia nas “malhas” da
doutrinação política de qualquer coloração ideológica. Esse traba-
lho deve desenvolver-se na direção do apoio político às lideranças
comprometidas com a sua comunidade, incentivando-as a mante-
rem seus compromissos políticos com aquela gente.
Foi promovido, no ano de 96, o 5o. Encontro de Comunida-
des na universidade, do qual, certamente saíram novos ensinamen-
tos que devem ser, posteriormente, trabalhados pela equipe da uni-
versidade. Observa-se que, nesses encontros, o narcisismo de al-
guns membros do projeto começa a sobressair-se de forma exacer-
bada, inibindo a formação de novas lideranças. Há ainda o processo
de valorização exagerada de membros da equipe do projeto por
parte dos trabalhadores, inibindo assim os demais membros da pró-
pria equipe de trabalho. Deseja-se desmistificar mitos tradicionais,
mas não podem ser gerados outros com as mesmas práticas que se
está combatendo.
Esses encontros parecem cobrar maior politização dos
membros das equipes, refletindo exigências dos próprios trabalha-
dores.
192 José Francisco de Melo Neto

avanço organizativo dos trabalhadores também vai gerando


conflitos ideológicos internos à comunidade, entre os próprios tra-
balhadores. Passa-se a exigir um maior preparo político da equipe
para enfrentar questões pertinentes como a discussão sobre Estado,
ideologia, propostas estratégicas dos partidos políticos, etc. Contra-
ditoriamente, tem se observado a existência de um reduzido campo
voltado às políticas de esquerda neste projeto, expressando outros
encaminhamentos políticos de interesses muito particulares e sutis.
Também se pode observar que as relações com outras insti-
tuições, como a Igreja Católica local e sindicatos de outros municí-
pios, se tornam bastante “pesadas” e difíceis de se tornarem efeti-
vas.
Há ainda a força das relações familiares que são muito pro-
fundas no Projeto Praia de Campina. Não se pode pretender quebrá-
las, mesmo porque não há necessidade. Ocorre que em alguns mo-
mentos não são compreendidas certas atitudes, que, ao serem anali-
sadas, mostram passar por esse tipo de relação. Pode ser uma faci-
lidade a mais, como também pode tornar-se um agravante para a
organização.
Outro aspecto a destacar é a acomodação da comunidade em
relação aos seus próprios líderes. Ao instalar suas lideranças, parece
que a comunidade chegou a um patamar de excelência e aí tudo
volta ao lugar de antes. Deve-se ter cuidado permanente para que as
lideranças não passem a substituir os antigos políticos ou os papéis
exercidos pelo Estado quanto à autoridade, ao assistencialismo e
até mesmo quanto à possibilidade de se gerar novos “coronéis”
respaldados pelos trabalhos da extensão universitária.
Parece ainda necessário dar-se maior atenção à participação
da mulher nesse tipo de projeto. Até mesmo como filiada da asso-
ciação, seu espaço é bastante reduzido, como mostra um dos líderes
comunitários: “Mulé pode filiar-se . Pode. Mulé tem pouca, mas
mulé só aquelas quando não têm home em casa”. Também precisa
ser enfatizada a questão da identidade institucional da associação e
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 193

a sua importância para os comunitários. Essa maior compreensão é


que possivelmente dará mais consistência quanto à defesa da asso-
ciação, sua manutenção e sua continuidade.
Contudo, os tantos esforços e equívocos gerados vão exi-
gindo, cada vez mais, a colocação de questões tais como: Como
fazer tudo isso em outras localidades? Por onde começar? E o que
se deve levar em conta? São desafios que devem estar presentes em
cada momento de encaminhamento desse tipo de projeto e de ou-
tros que poderão vir, dadas as atuais condições políticas do país.
194 José Francisco de Melo Neto

2.5 - Projeto Qualidade de Vida

O Projeto Coleta Seletiva de Resíduos Sólidos Urbanos e


Qualidade de Vida - Projeto Qualidade de Vida - vem sendo desen-
volvido num bairro periférico da cidade de Campina Grande, numa
das áreas mais pobres da cidade e bastante distante do centro - o
Mutirão. É um bairro de características mais rurais do que propria-
mente urbanas. Por ser uma das áreas mais pobres da cidade e sem
assistência do governo municipal, inclusive relativa à coleta de li-
xo, é que uma equipe do Campus II, da UFPB, decidiu iniciar esse
projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos com o objeti-
vo principal de implantar a coleta seletiva dos resíduos sólidos,
promover sua reciclagem e buscar comercialização desse produ-
to72.
O projeto tem como meta a reativação de uma unidade de
produção de material de construção que já existiu na comunidade e,
por meio dessa atividade, possibilitar a geração de emprego e renda
para um grupo de moradores da localidade. Essa unidade de produ-
ção deverá estar em funcionamento, articulada com a usina de tria-
gem e compostagem dos resíduos sólidos, coletados pelo grupo de
moradores envolvidos no projeto. Boa parte desses resíduos será
usada como insumo alternativo na fabricação de materiais de cons-
trução.
É um projeto que, de acordo com sua dimensão técnica, não
se limita apenas a esses aspectos da usina, compostagem, geração
de emprego e renda. Nessas ações vivencia-se todo um processo
educativo junto à comunidade, através da promoção de debates com
os moradores locais, onde se discute a usina, o próprio lixo como
uma perspectiva de educação pela saúde e, de forma mais ampla, a
questão ambiental.

72
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 195

É um projeto voltado à conscientização daquela comunidade


que também objetiva:

“Sensibilizar os poderes públicos para a preservação do meio


ambiente e para a redução do desperdício. Na realidade, tudo
que se joga no lixo tem trabalho incorporado e pode ser reapro-
veitado. A questão é usar a inteligência e a criatividade para is-
so. ... Ali nós pretendemos provar que tudo que vai para o lixo
que não seja produto químico corrosivo, que não seja lixo atô-
mico ou lixo hospitalar contaminado, tudo mais pode ser conver-
tido em material de construção” 73.

Originário de um outro projeto de extensão que tinha como


objetivo determinar quais eram os resíduos sólidos industriais do
município de Campina Grande, o Projeto Qualidade de Vida, toda-
via, dirigiu seu trabalho só para o bairro do Mutirão. Espera-se que
sua próxima versão avance, não especificamente quanto ao objetivo
técnico do projeto, mas com relação a um maior envolvimento dos
demais departamentos da universidade, considerando a abrangência
da temática. Espera-se com isso absorver ainda mais o curso de
Engenharia Civil, além do curso de Engenharia Mecânica, o de
Engenharia Agrícola e o de Engenharia Química.
Num primeiro momento, as ações do projeto estiveram vol-
tadas ao acompanhamento de um Plano de Saúde da Família (PSF)
que já vinha sendo desenvolvido pelo Governo Federal há mais de
dois anos. Dessa forma, foi possível a discussão da questão do lixo
e da saúde decorrente daqueles resíduos espalhados por todo o bair-
ro. Assim se caminhou para um processo de conscientização da
população, através da saúde, chamando a atenção dos comunitários
para a importância da reciclagem do lixo e despertando os morado-
res para o valor do próprio lixo.

73
Membro da equipe do projeto. Texto de entrevista para esta pesquisa.
196 José Francisco de Melo Neto

“O lixo não é ‘lixo’. Ele pode até virar dinheiro. Ele pode gerar
emprego, sendo uma alternativa de renda para a população. O
principal, contudo, é uma melhoria na qualidade de vida da pró-
pria comunidade. Esta é uma conseqüência principal” 74.

Um dos eventos mais importantes gerados a partir do proje-


to foi a realização do I Seminário de Resíduos Sólidos Urbanos e
Rurais da Paraíba. Nesse seminário, que se desenvolveu durante
três dias, foram apresentadas mais de vinte palestras, além de traba-
lhos de pesquisa sobre essa temática. Foi um seminário bastante
abrangente, quanto à diversidade de conteúdos apresentados e que
envolveu toda a equipe do projeto.
A diversidade das palestras mostra o interesse que o assunto
vem despertando não só entre alunos do Campus II, como também
entre os professores que estão, em suas diversas áreas, dirigindo
estudos e pesquisas para a questão da qualidade de vida das popu-
lações mais carentes, debatendo especificamente a questão do lixo.
Apresentou-se um trabalho da área de Engenharia Mecânica
em que estudantes estão desenvolvendo peças apropriadas para as tare-
fas do projeto. Também foi apresentada a possibilidade de utilização de
outros tipos de materiais na construção de casas, adequados às necessi-
dades e condições financeiras dos moradores, fruto de pesquisas em
andamento no curso de Engenharia Civil. No caso, discutiu-se a possi-
bilidade de construção de material 30% mais barato do que o conven-
cional e pronto para ser utilizado na construção civil em geral, com a
técnica do solo-cimento. Essa técnica consiste na construção de qual-
quer obra apenas com terra e cimento dentro das proporções adequa-
das, já sendo testada para aquele ambiente.
Inicia-se assim uma divulgação maior do próprio projeto en-
tre setores da comunidade universitária, assim como em setores do

74
Estudante do curso de Engenharia e membro do projeto. Texto da entrevista para a pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 197

governo do Estado e da prefeitura local, acreditando-se que isso


possa vir a alterar as condições de apoio à realização e à aceleração
do projeto.
Esse estudo do projeto como objeto de pesquisa em exten-
são universitária seguiu o mesmo instrumento que foi aplicado aos
demais projetos em exame. Ou seja, é um instrumento voltado a
detectar a presença de indicadores para os vinte e oito itens que são
gerados em dez temas, assim definidos: tema I - concepção de
mundo; tema II - concepção de sociedade; tema III - concepção de
Estado; tema IV - a configuração dos interesses sociais; tema V -
concepção de prática social; tema VI - relação da universidade e
sociedade; tema VII - concepção de extensão universitária; tema
VIII - natureza do trabalho social na extensão; tema IX - papel do
agente institucional e tema X - a pedagogia da extensão universitá-
ria.
Aplicado o instrumento de análise ao material do projeto, is-
to é, às entrevistas75, apresenta-se uma maior visualização do mes-
mo ao se observar o Gráfico 4, a seguir.
GRÁFICO 4

75
Não foram aplicadas entrevistas entre comunitários por não haver grupos definidos em torno do projeto, nem
analisados textos por não haver, ainda, uma produção própria de textos.
198 José Francisco de Melo Neto

FREQÜÊNCIA DOS TEMAS

200

150

100
X
VII
50
IV
0 I

I. Concepção de mundo VI. Relação universidade-


sociedade
II. Concepção de sociedade VII. Concepção de extensão universi-
tária
III. Concepção de Estado VIII. Natureza do trabalho
social na extensão
IV. Configuração dos interesses sociais IX. Papel do agente
institucional
V. Concepção de prática social X. Pedagogia da extensão ni-
versitária

Pode-se observar no gráfico três blocos de temas bem deli-


neados quantitativamente. O primeiro bloco reúne o tema I - con-
cepção de mundo, com 18% de indicadores do projeto; o tema II -
concepção de sociedade, com 25% de indicadores e o tema VIII -
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 199

natureza do trabalho social, com 17% de indicadores no total do


projeto.
O segundo bloco compõe-se do tema X - pedagogia da ex-
tensão universitária, com 6% ; do tema VII - concepção de exten-
são universitária, com 6% e do tema VI - relação universidade -
sociedade, com 8% dos indicadores dos temas.
O terceiro e último bloco é formado pelo tema III - concep-
ção de Estado; tema IV - configuração dos interesses sociais; tema
V - concepção de prática social e tema IX - papel do agente insti-
tucional, com 1%, 3%, 3% e 3% de indicadores, respectivamente.
A observação do Gráfico 4, contudo, não apresenta um qua-
dro que possibilite maior detalhamento dos temas. Expressa apenas
percentuais que são importantes para análises posteriores. Nesse
sentido é que são sugeridos outros estudos a partir da Tabela 10:
Distribuição de temas e itens, por segmento.

Concepção de mundo e de sociedade

Observa-se que, no tema I - concepção de mundo, apresen-


ta-se uma visão que privilegia a perspectiva do mercado, com per-
centuais de 53% e 58% entre os coordenadores e executores do
projeto. Uma compreensão transformadora também está presente
com expressivos percentuais entre os coordenadores e executores,
com percentuais de 37% e 41%, respectivamente. Comparando-se
com o tema II - visão de sociedade, encontra-se uma surpresa, pois,
embora a concepção integradora de mundo não apresente percentu-
al exexpressivo, é marcante, contudo, a concepção de sociedade
como totalidade integrada, com percentuais de 48%, entre os coor-
denadores e 75% entre os executores. Surge uma contradição, por-
tanto, ao se comparar a concepção de mundo com a concepção de
sociedade. Há também uma diferença de percentuais entre os coor-
200 José Francisco de Melo Neto

denadores e os executores, tanto na visão da sociedade como uma


totalidade integrada (perto de trinta pontos percentuais) quanto na
visão de sociedade como um modo de produção (com uma diferen-
ça de dezessete pontos percentuais).
Na sua relação com a sociedade, a universidade é apresenta-
da predominantemente como uma instituição que tem um saber
com vida totalmente independente. Essa visão perpassa os coorde-
nadores e também como o executores do projeto, consolidando
percentuais de 84% e 76%, respectivamente. Os percentuais refe-
rentes a uma visão da relação entre universidade e sociedade de
forma empresarial são de 16% e 12%, o que também aponta para
uma inconsistência com a visão de mundo apresentada no tema I.
Nesse item a visão de mercado é preponderante, não se reproduzin-
do na relação da universidade com a sociedade. Pode observar-se
ainda uma discrepância ao se comparar o tema VI com o tema II -
visão de sociedade, no sentido de que a perspectiva de totalidade
integrada que domina o tema II não se reproduz no tema VI. A vi-
são transformadora que aparece no tema I, com percentuais de 37%
e 41%, não se traduz na visão da universidade como um aparelho
ideológico, e, portanto, submetido aos conflitos ideológicos, frutos
de suas contradições. No tema VI, não há indicação da universidade
como aparelho ideológico entre os coordenadores, sendo apenas de
12% entre os executores.
Quanto ao papel do agente institucional, há coordenadores
que sabem que sua ação não é neutra, embora 50% dos indicadores
do tema IX o afirmem nesse segmento.

“Não existem atividades de ensino, de pesquisa e de extensão


‘neutras’. Em sala de aula, quando se está pesquisando, e/ou fa-
zendo extensão, de certo modo, também se está contribuindo pa-
ra alguma transformação”76.

76
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida . Texto da entrevista para a pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 201
202 José Francisco de Melo Neto

TABELA 10
DISTRIBUIÇÃO DOS TEMAS E ITENS, POR SEGMENTO
Temas Itens A% B% C% D% Fi % itens Fgi % tema
1.1 - Visão que privilegia o mercado 53 58 --- --- 107 55
I - Concepção de mundo 1.2 - Visão integradora (inst. pessoa) aperfeiçoando a soc. 10 01 --- --- 13 07 195 28
1.3 - Visão transformadora 37 41 --- --- 75 38
2.1 - Conjunto de instituições independentes 15 05 --- --- 19 11
II - Concepção de sociedade 2.2 - Totalidade integrada 48 75 --- --- 101 58 174 25
2.3 - Modo de produção 37 20 --- --- 54 31
3.1 - Estado árbitro: acima das classes/auton. absoluta 75 00 --- --- 03 60
III - Concepção de Estado 3.2 - Est. instrumento: inst. manip. pela classe dominante 00 00 --- --- 00 00 05 01
3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 25 100 --- --- 02 40
IV - Configuração dos interesses so- 4.1 - Interesses voltados a indivíduos 00 00 --- --- 00 00
ciais 4.2 - Interesses voltados a grupos 69 00 --- --- 11 55 20 03
4.3 - Interesses voltados à classe dominada 31 100 --- --- 09 45
V - Concepção de prática social 5.1 - Interesses voltados a indivíduos 09 10 --- --- 02 10 21
5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 91 90 --- --- 19 90 03
6.1 - Instituição do saber com vida independente 84 76 --- --- 44 83
VI - Relação universidade-sociedade 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial 16 12 --- --- 08 15 53 08
6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico 00 12 --- --- 01 02
VII - Concepção de extensão universi- 7.1 - Via de mão única 69 83 --- --- 30 73
tária 7.2 - Via de mão dupla 14 17 --- --- 06 15 41 06
7.3 - Trabalho social ( construção de nova hegemonia ) 17 00 --- --- 05 12
VIII - Natureza do trabalho social na 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador 09 16 --- --- 15 12
extensão 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade 74 72 --- --- 91 73 124 17
8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador 17 12 --- --- 18 15
9.1 - Agente dos interesses de mercado ( capital ) 12 27 --- --- 04 21
IX - Papel do agente institucional 9.2 - Agente neutro da instituição 50 09 --- --- 05 26 19 03
9.3 - Agente comprometido com as classes dominadas 38 64 --- --- 10 53
X - Pedagogia da extensão universitá- 0.1 - Pedagogia tradicional 00 07 --- --- 02 05 45 06
ria 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora 100 93 --- --- 43 95

A - Entrevista com coordenadores C - Entrevista com comunitários Fi - Freqüência de indicadores


B - Entrevista com executores D - Documentos dos projetos Fgi - Freqüência geral dos indicadores
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 203

Evidencia-se, na relação objetiva da universidade com a so-


ciedade, a dificuldade de se trabalhar institucionalmente com a par-
ticipação da Secretaria Estadual ou Municipal de Saúde, por exem-
plo, ou com a Fundação de Ação Comunitária do Estado, Secretaria
de Meio Ambiente, além de empresas públicas como a ATECEL
(empresa sem fins lucrativos que facilita projetos entre pesquisado-
res e universidade, situada no Campus II) e às vezes até com em-
presas privadas.

“Apesar da dificuldade para se desenvolver um trabalho em e-


quipe, conseguimos quebrar barreiras e formar uma equipe mul-
ti-disciplinar, interdepartamental e interinstitucional” 77.

As contradições internas dessa equipe são fatores determi-


nantes e geradores de muitas dificuldades de encaminhamento num
projeto dessa natureza. Cruzam-se interesses eleitorais de prefeitu-
ras ou do Estado com interesses acadêmicos dos profissionais da
universidade, além dos interesses diferenciados dos membros da
comunidade. Estes precisam de resultados imediatos. Aspectos bu-
rocráticos e recursos materiais também são pontos difíceis de supe-
ração que demandam, normalmente, tempo para solução.
Ao se falar da relação entre a universidade e a sociedade,
logo vem à tona a questão da função social da universidade coloca-
da por coordenadores que vêem essa função em todas as atividades
da universidade. Para eles, ensinar e pesquisar são funções sociais e
conseqüentemente concebidas como ações “extramuros” ou exten-
são.

“Na hora que a universidade exerce a extensão universitária


tenta melhorar, educar a comunidade. Tenta conscientizar a co-
munidade e até sensibilizar os poderes públicos. Ela está ensi-

77
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
204 José Francisco de Melo Neto

nando, ensinando a viver, ensinando a promover melhores con-


dições de vida, melhorar a qualidade de vida. Tudo isso é função
social da universidade” 78.

Assim, de acordo com esse depoimento, a função da univer-


sidade é tudo que está ocorrendo, seja no seu exterior ou no seu
interior. É uma visão muito ampla, onde cabem os mais variados
interesses em jogo na instituição. É uma visão que carrega uma
dosagem grande de neutralidade para a tomada das decisões, consi-
derando-se que qualquer atividade é passível de ser assimilada por
um trabalho de extensão e, conseqüentemente, inserida na função
social como salvaguarda para qualquer prática.
O entrevistado sente a falta, inclusive, de empresas priva-
das, como em países estrangeiros, em que a universidade atende
demandas que com freqüência vêm dessas empresas. Isso indica
que a função social da universidade não se apresenta como salva-
guarda sem a perspectiva de interesses determinados, conforme o
mesmo entrevistado havia afirmado anteriormente.

“Elas vão buscar apoio na universidade. Vão buscar tecnologia.


Vão buscar desenvolvimento. Vão buscar processos tecnológicos
na universidade. Encomendam pesquisas. Financiam pesquisas.
Aqui, infelizmente, não há muito essa mentalidade” 79.

No sentido da mudança, argumenta o entrevistado que,


mesmo os processos técnicos novos e desconhecidos, sofrem difi-
culdades para serem implantados. As práticas de extensão, como a
deste projeto, se processam muito lentamente. Resiste-se muito a
mudanças. Mesmo os mais progressistas resistem à mudança. Isso
acontece também com as técnicas desenvolvidas como a do solo-
cimento, muito mais barata e possível de utilização não só em con-

78
Id.,Ibid.
79
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 205

juntos habitacionais como em mansões ou outros tipos de constru-


ções. Mudanças até mesmo para implantação de novas técnicas
levam muito tempo.
“O processo é confiável ou não. É natural que mesmo os mais
evoluídos, os progressistas, não queiram a mudança. Estes ficam
em guarda, um pouco, até terem a certeza de que a coisa é con-
fiável. Um pé atrás, outro na frente. Mas no Brasil, parece que
quem mais resiste a essas mudanças não é o povo, é o próprio
governo. Nós temos encontrado grande aceitação popular, gran-
de aceitação por parte exatamente de quem só pode aplicar pou-
co. Quem pode aplicar pouco é o pobre governo municipal, esta-
dual e o pobre governo federal. São os três pobres que mais pre-
cisariam dessa tecnologia. Mas tendem a resistir” 80.

Torna-se necessário um certo empenho por parte da univer-


sidade, no sentido de promover essas possíveis mudanças, até
mesmo as de dimensões técnicas. São mudanças que precisam ser
demonstradas para servir de convencimento às demais instituições
que se integram num projeto desse tipo.
Também se observa uma dedicação muito grande por parte
de executores do projeto que, como “sonhadores”, assumem até
materialmente o projeto. Neste, em especial, se tem trabalhado com
as próprias mãos em substituição a peças como colher do pedreiro
ou misturadeiras para análises em laboratório dos materiais em e-
xame.

“Acho que também deveria a universidade liberar o material pa-


ra a gente fazer o trabalho. Não adianta você estar com a boa
vontade e não ter material para trabalhar” 81.

80
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
81
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
206 José Francisco de Melo Neto

Interesses sociais e prática social

Comparando-se, na Tabela 10 - distribuição dos temas e i-


tens, por segmento - os temas configuração de interesses sociais e
concepção de prática social, observam-se alguns elementos desto-
antes. Na configuração dos interesses há, entre os executores, uma
forte tendência (60%) para entenderem os interesses voltados a
grupos. Os interesses voltados à classe dominada expressam-se em
31% e 100% entre os executores. Essa perspectiva entre os execu-
tores apresenta consistência, enquanto que na concepção de prática
social tem-se uma compreensão de que a ação do projeto se dá em
consonância com as classes dominadas. A opção pela região e pelas
atividades a serem desenvolvidas mostra essa tendência que é mui-
to mais forte percentualmente entre os executores do projeto: os
estudantes.
As práticas desenvolvidas no Projeto Qualidade de Vida não
se restringem simplesmente ao aprendizado de separar seletivamen-
te o lixo.

“Na verdade, esse trabalho envolve não só um processo de edu-


cação ambiental, hábitos higiênicos mas também a mobilização
da população para outras sugestões relacionadas com a quali-
dade de vida” 82.

Por outro lado, além das práticas com a dimensão educativa,


observa-se um despertar de interesses por parte de bairros vizinhos
ao Mutirão que anseiam por desenvolverem atividades semelhantes
com a equipe da universidade. As equipes que vêm tocando o pro-
jeto estão sendo convidadas para participarem de reuniões em ou-
tros bairros. Esse fato leva à seguinte conclusão:

82
Membro da Equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 207

“Um projeto desse tipo atende de forma direta à comunidade do


Mutirão. Indiretamente, teríamos bairros vizinhos que percebem
as ações ali desenvolvidas e nos requisitam para falarmos sobre
a experiência no Mutirão. Atinge ainda: professores, alunos,
funcionários que participam do projeto onde temos muito apren-
dido e de certo modo, a universidade, particularmente os quatro
departamentos do CCT envolvidos...” 83.

É importante destacar que existem possibilidades concretas


de ser reativada a fabriqueta de material alternativo para a constru-
ção, feita à base de resíduos de toda essa coleta seletiva de vidro,
granito artificial e uma série de outros resíduos. Tudo isto se consti-
tui em processos educativos com a comunidade ou com grupos de
moradores dessa comunidade.
“Pode ser que se consiga gerar empregos prá várias pessoas. É
uma forma de melhorar a qualidade de vida delas. Elas vão ser
educadas no momento em que trabalhem a reciclagem produzin-
do alguma coisa útil. Elas vão também se educar. Eu acho que
isto é possível” 84.

A visão utilitarista da perspectiva educativa é dominante en-


tre os técnicos e engenheiros da universidade. Um processo terá
significado e expressará algo importante, se lhe for apresentado um
resultado que seja positivo. Claro que se precisa de resultados, mas
a universidade não pode estar presa à realização de atividades que
expressem apenas resultados positivos imediatos. O imediatismo
sempre está presente nos projetos de áreas técnicas, mas precisa ser
relativizado, considerando-se que, mesmo nessa área, processos
dialógicos de comunicação e de educação estão sempre ocorrendo e

83
Id., Ibid.
84 .
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
208 José Francisco de Melo Neto

estabelecendo momentos de participação de todos para o exercício


da cidadania, muito além de meros resultados imediatos.

Agente institucional e natureza do trabalho na extensão

Comparando-se o tema VIII - natureza do trabalho na ex-


tensão, com o tema IX - papel do agente institucional, observa-se
que há consistências e contradições. A consistência fica por conta
da percepção da natureza do trabalho social com discurso de neu-
tralidade, com percentuais de 74% e 72%, respectivamente entre
coordenadores e executores. Já com relação ao tema IX, a dimensão
da neutralidade do agente é expressa entre os coordenadores, com
percentual de 50%, sendo destoante entre os executores, com ape-
nas 9% dos indicadores.
Outra contradição se expressa nos percentuais referentes ao
trabalho técnico com discurso transformador, verificando-se per-
centuais de 17% e 12% entre os coordenadores e executores, en-
quanto que os percentuais de comprometimento com as classes
subalternas, pelos agentes institucionais, são de 38% e 64%, respec-
tivamente. É mais uma contradição entre os temas e uma falta de
consistência quanto ao papel a ser desempenhado pelo agente insti-
tucional entre os próprios agentes do projeto.
O projeto também tem a tarefa de resgatar práticas do Esta-
do já existentes no Mutirão. O Estado, através da FAC(Fundação de
Ação Comunitária), vinha tocando a idéia de produzir material de
baixo custo na comunidade. Mas havia abandonado até mesmo o
galpão já construído e só agora resgatado pelo projeto. Já tinha ha-
vido um treinamento dado pela FAC para um grupo de pessoas,
mas tudo havia sido suspenso. A universidade assume o projeto e
se propõe, inicialmente, diferenciar a sua atividade de agente nessa
área, para trabalhar não só elementos técnicos, mas sobretudo a
educação ambiental. Há, portanto, um conjunto de outras práticas
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 209

que vinham sendo desenvolvidas e que mudaram com a intervenção


da universidade. A universidade assume, dessa forma, uma ativida-
de específica do Estado. Para um dos entrevistados, a idéia de que é
o governo que está continuando o trabalho é muito importante para
a universidade. Para ele, o povo acredita muito no governo, mesmo
que o governo esteja desacreditado.
210 José Francisco de Melo Neto

TABELA 11
PAPEL DO AGENTE INSTITUCIONAL
Distribuição dos temas e itens, por segmento

ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % TT % item % tema

9.1 00 01 --- 01 12 03 00 --- 03 27 04 21


03
9.2 00 04 --- 04 50 01 00 --- 01 09 05 26

9.3 00 03 --- 03 38 07 00 --- 07 64 10 53

9.1 - Agente comprometido com interesses do mercado ( capital ).


9.2 - Agente neutro da instituição, seja Estado ou universidade.
9.3 - Agente comprometido especificamente com a classe dominada.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
TT - Freqüência total de indicadores no item

TABELA 12
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 211

NATUREZA DO TRABALHO
Distribuição dos itens do tema VIII, por Segmento

ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % TT %item % tema

8.1 05 02 --- 07 09 08 00 --- 08 16 15 12


17
8.2 27 28 --- 55 74 32 04 --- 36 72 91 73

8.3 04 08 --- 12 17 04 02 --- 06 12 18 15

8.1 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “modernizador” .


8.2 - Trabalho técnico acompanhado de discurso de “neutralidade” .
8.3 - Trabalho técnico acompanhado de discurso “transformador” .

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
TT - Freqüência total de indicadores no item
212 José Francisco de Melo Neto

A universidade, contudo, já experimentou essas técnicas em


suas próprias instalações físicas, construindo bibliotecas no Cam-
pus de Cajazeiras, por exemplo.

”É preciso a gente mostrar a todo momento que a universidade é


governo e que a universidade está fazendo. Está fazendo para
ela própria. Se ela faz para ela própria é porque acredita. Se ela
está fazendo para ela própria é porque acredita” 85.

Trata-se de uma técnica de convencimento muito simples,


de acordo com o coordenador do projeto. Nesse sentido, vai-se ten-
tando a superação das contradições existentes também na universi-
dade e enfrentando outras, quando se assumem experiências que
não tiveram início unicamente na universidade.

“Não só a importância de como se recicla o material ou como se


separa o material. Não só quanto de energia se vai economizar
ou quanto vai economizar prá gente e gerar renda. A gente passa
também uma questão holística: o que é o meio ambiente? Por
que é importante a educação ambiental? De onde vem isso? Prá
onde vai isso? Quais os vetores que nos prejudicam? Quais os
que nos ajudam?” 86.

Esses questionamentos, por sua vez, abrem a perspectiva da


pesquisa. Um exemplo prático ocorre com a turma de Engenharia
Mecânica, como já foi afirmado, trabalhando no sentido de desen-
volver novas peças para se encaixarem na realidade local. Essa é
uma dimensão também interessante neste projeto, sendo a comuni-
dade beneficiada onde ele vem sendo implantado, sobretudo na
possibilidade de se gerar alguns empregos.

85
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
86
Membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 213

Extensão universitária

Para destacar a análise sobre extensão universitária, faz-se


necessário observar a Tabela 13, referente ao tema VII - distribui-
ção dos itens do tema VII, por segmento. A tabela vai mostrar uma
visão de extensão como via de mão única, onde a universidade tem
um conhecimento que precisa ser repassado para a sociedade. É a
visão da universidade como prestadora de serviço, promotora de
eventos, que leva um conhecimento necessário para a sociedade.
Em geral essa visão está “impregnada” de forte assistencialismo. A
Tabela 13 revela que essa visão é preponderante neste projeto, com
percentuais entre coordenadores e executores de 69% e 83%, res-
pectivamente.

“É justamente aí onde eu vejo essa parte da extensão. Eu vejo


como um trabalho da universidade, justamente com a sociedade,
com o objetivo de quê? De assessorar essa comunidade, transmi-
tindo conhecimentos que ela não adquiriu. A gente está na uni-
versidade, tem esse conhecimento que precisa ser repassado pa-
ra a sociedade” 87.

Com a visão de mão dupla, entre a universidade e a socie-


dade, é estabelecida uma ligação, pela qual o conhecimento é leva-
do e trazido a uma e a outra. A extensão é um canal, um elo ou algo
que possa simbolizar uma passagem da universidade para a socie-
dade ou vice-versa. Esse caminho tem a finalidade de captar e tam-
bém de atender as demandas sociais. Existe, nesse sentido, uma
troca de conhecimentos. A Tabela 13 apresenta percentuais pouco
significativos para essa perspectiva.

87
Estudante e membro da equipe do Projeto Qualidade de Vida. Texto da entrevista para esta pesquisa.
214 José Francisco de Melo Neto

Diferenciadas compreensões, contudo, se externam mesmo


entre os coordenadores, como o entendimento de que a extensão é
expressão do cumprimento das obrigações sociais da universidade a
todos os segmentos da sociedade. Para um deles, a universidade
precisa estar atendendo a todos os segmentos, pois tem obrigação
para com todos. O que se vê, entretanto, é a expressão de interesses
de diferenciadas formas e intensidades dos setores sociais para com
a universidade. Existem muitas demandas de prefeituras, particu-
larmente de certos prefeitos, que vêem a possibilidade de conquis-
tarem a universidade para seus governos e com isso transformarem
alguns trabalhos da universidade em expressão de sua própria polí-
tica. Portanto, o atendimento a todos setores da sociedade, em cer-
tos casos, tem um viés que pesa mais para o lado daqueles que de-
têm o poder local ou regional. Assim, não se pode entender de for-
ma “ingênua” o atendimento a todos os setores sociais. Esses seto-
res se expressam politicamente diferenciados e com forças diferen-
ciadas quando apresentam suas demandas à universidade.
Existem ainda outros procedimentos educativos que passam
por projetos como este. Pode-se falar de processos informais de
educação transmitidos pela universidade em momentos em que há
reuniões. A comunidade leva sua educação aos agentes da universi-
dade e estes à comunidade. De acordo com um dos entrevistados,
não se trata, na verdade, de uma educação de banco de escola. É
uma palestra menos formal, ilustrando assuntos que estão mais vol-
tados aos interesses das pessoas.
Quanto à visão da extensão como uma possibilidade de tra-
balho social, esta é apontada pelos coordenadores, com um percen-
tual de 17%. É um percentual expressivo, considerando o fato de
que esse tema se revela com 6% no conjunto dos temas do projeto,
enquanto que este mesmo item projeta um percentual de 12% entre
os demais itens.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 215

TABELA 13

DISTRIBUIÇÃO DOS ITENS DO TEMA VII, POR SEGMENTO

ITEM A1 A2 A3 AT % B1 B2 B3 BT % TT %item % tema

7.1 05 15 --- 20 69 10 00 --- 10 83 32 73


06
7.2 04 00 --- 04 14 01 01 --- 02 17 06 15

7.3 05 00 --- 05 17 00 00 --- 00 00 05 12

7.1 - Via de mão única: da universidade para a sociedade.


7.2 - Via de mão dupla: processo educativo, cultural e científico.
7.3 - Trabalho social: processo educativo, cultural e científico voltado à construção de nova hegemonia.

A - Entrevista com coordenadores AT - Freqüência de indicadores no item A


B - Entrevista com executores BT - Freqüência de indicadores no item B
216 José Francisco de Melo Neto

Este é um trabalho de extensão que, embora apresente con-


tradições e inconsistências, também configura uma possibilidade de
extensão como um trabalho social. Volta-se para a produção de um
conhecimento que num certo nível é conjunta, pois a comunidade,
além de contribuir com a apresentação do problema, também apre-
senta soluções através da sua participação. A universidade e a co-
munidade se apoderam daquele conhecimento. É um trabalho que
se afirma como permanente na comunidade e que prioriza, como
expressão da verdade daquele conhecimento, a relação que está
ocorrendo entre a teoria trazida pela equipe da universidade e a
prática da qual a comunidade participa.

Considerações

Um projeto com essa perspectiva de um trabalho social con-


tribui para a busca de mais adeptos para seu desenvolvimento, co-
mo também para a abertura de outros tipos de projeto, com outros
profissionais. O que se exige é a pertinência das questões a serem
abordadas pela comunidade universitária. São questões que podem
estar nas imediações do próprio campus universitário.
Pouco a pouco, como vem demonstrando o curso de Enge-
nharia Mecânica, ao participar deste projeto, a técnica pode adquirir
a dimensão social que está embutida no seu desenvolvimento. Não
é a comunidade toda fabricando em um torno mecânico determina-
das peças que lhe são úteis, mas é o processo de definição daquelas
necessidades técnicas que, junto com as possibilidades de conheci-
mento da universidade, permite que sejam trocadas as experiências
e os conhecimentos, também, no campo tecnológico.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 217
218 José Francisco de Melo Neto

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E SUAS


FUNÇÕES HEGEMÔNICAS

1 - Extensão e hegemonia nos projetos da UFPB

Após a apresentação de cada projeto de extensão tomado


como objeto de análise, torna-se necessário fazer-se alguma compa-
ração entre eles. Sabe-se, contudo, que cada um desses projetos
analisados tem sua peculiaridade, o que traz dificuldade para um
estudo em bloco, contemplando-os conjuntamente. Por outro lado,
pode-se verificar que elementos teóricos estão presentes em todos
eles e podem ser apreendidos através das temáticas políticas que
estão no conjunto da teoria da hegemonia e que reaparecem no inte-
rior das práticas desses tipos de projetos. Há projetos voltados para
áreas distintas de conhecimento, como: saúde, educação, desenvol-
vimento comunitário e tecnologia, esta voltada à qualidade de vida.
Pode mesmo se tornar interessante um estudo abordando os quatro
projetos, pois essa análise comparada possibilita, na sua diversida-
de, trabalhar com elementos teóricos que podem suscitar diferenci-
ados debates.
Para este estudo é preciso observar-se a Tabela 14 (temas e
itens nos projetos, por segmento). Nessa tabela pode-se destacar
que os temas I - concepção de mundo, e II - concepção de socieda-
de, em todos os projetos, tiveram os percentuais mais expressivos,
tendo como destaque o tema sobre a concepção de sociedade. Esses
temas mostram uma grande coerência entre os projetos, sobretudo,
o CERESAT, o Zé Peão e o Praia de Campina, onde se externa, no
tema I, uma perspectiva transformadora. Faz exceção o Projeto
Qualidade de Vida, em que os percentuais referentes à visão
são privilegiadora do mercado são mais expressivos, atingindo 53%
e 58% entre os coordenadores e executores do projeto.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 219

Quanto ao tema II - concepção de sociedade, os projetos a-


presentam discordância no seu conjunto. São concordantes apenas
os projetos CERESAT e Zé Peão quanto à visão de sociedade como
modo de produção. Existe diferenciação no projeto Praia de Cam-
pina, em que coordenadores e executores vêem a sociedade como
um conjunto de instituições integradas entre si, divergindo em rela-
ção aos executores e aos textos. Destaca-se a visão integradora da
sociedade no Projeto Qualidade de Vida, com percentuais de 48% e
75%.
220 José Francisco de Melo Neto

TABELA 14
TEMAS E ITENS NOS PROJETOS, POR SEGMENTO
T Item AE BE CE DE TE AZ BZ CZ DZ TZ AP BP CP DP TP AQ BQ TQ
1.1 07 06 09 09 13 09 07 24 15 15 19 10 53 58
I 1.2 06 02 02 02 26 01 01 01 01 26 04 04 09 10 16 10 01 18
1.3 87 92 89 89 86 90 92 75 81 81 72 80 37 41
2.1 04 02 01 01 06 06 04 01 02 01 --- --- 15 05
II 2.2 01 04 03 03 25 01 01 03 01 27 52 59 37 17 28 48 75 25
2.3 95 94 96 96 93 93 93 98 46 40 63 83 37 20
3.1 22 14 67 00 83 20 00 60 --- --- 75 50 75 00
III 3.2 33 50 00 100 01 17 80 100 40 01 66 100 25 --- 01 00 00 01
3.3 45 36 33 00 00 00 00 00 34 --- --- 50 25 100
4.1 00 03 00 07 00 01 00 00 --- 05 01 --- 00 00
IV 4.2 57 21 10 68 08 37 17 20 49 11 39 32 07 20 08 69 00 03
4.3 43 76 90 35 63 82 80 51 61 63 92 80 31 100
V 5.1 02 05 03 06 06 11 01 02 07 07 12 --- --- --- 05 09 10 03
5.2 98 95 97 94 89 99 98 93 88 100 100 100 91 90
6.1 38 65 58 31 41 57 74 55 55 82 65 --- 84 76
VI 6.2 00 11 33 56 02 12 25 13 25 02 21 09 31 50 03 16 12 08
6.3 62 24 09 13 47 18 13 20 24 09 04 50 00 12
7.1 61 29 66 62 35 35 84 24 25 63 68 95 69 83
VII 7.2 06 08 00 01 05 07 04 02 06 04 28 24 13 --- 04 14 17 06
7.3 33 63 34 37 58 61 14 80 47 13 19 05 17 00
8.1 00 02 00 04 02 03 01 01 01 01 --- --- 09 16
VIII 8.2 09 06 08 09 17 27 09 07 03 12 58 63 29 11 21 74 72 17
8.3 91 92 92 87 71 88 92 96 41 36 71 89 17 12
9.1 14 64 36 55 38 30 17 52 42 64 --- 100 12 27
IX 9.2 28 01 41 14 02 27 00 04 03 03 29 04 --- --- 02 50 09 03
9.3 58 35 23 31 35 70 79 45 29 32 100 --- 38 64
X 0.1 00 00 00 00 08 00 00 00 00 07 01 --- --- --- 12 00 07 06
0.2 100 100 100 100 100 100 100 100 99 100 100 100 100 93
I - Concepção de mundo IV - Configuração dos interesses sociais VIII - Natureza do trabalho social na extensão

II - Concepção de sociedade V- Concepção de prática social IX - Papel do agente institucional


EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 221

III - Concepção de Estado VI - Relação universidade-sociedade X - Pedagogia da extensão universitária


VII - Concepção de extensão universitária

A - Entrevista com coordenadores D - Documentos dos projetos P - Projeto Praia de Campina


B - Entrevista com executores E - Projeto CERESAT Q - Projeto Qualidade de Vida
C - Entrevista com comunitários T - Percentual total do tema L - Grupo de Tecnologia
U - Política da UFPB Z - Projeto Zé Pião

1.1 - Visão que privilegie o mercado 6.1 - Instituição do saber com vida independente
1.2 - Visão integradora ( inst. pessoa ) aperfeiçoando a socieddade. 6.2 - Instituição voltada ao mundo empresarial
1.3 - Visão transformadora 6.3 - Instituição como aparelho de conflito ideológico
2.1 - Conjunto de instituições independentes 7.1 - Via de mão única
2.2 - Totalidade integrada 7.2 - Via de mão dupla
2.3 - Modo de produção 7.3 - Trabalho social
3.1 - Estado árbitro: acima das classes 8.1 - Trabalho técnico com discurso modernizador
3.2 - Estado instrumento: inst. manip. pela classe dominante 8.2 - Trabalho técnico com discurso de neutralidade
3.3 - Estado ampliado: ( contradições de classe ) 8.3 - Trabalho técnico com discurso transformador
4.1 - Interesses voltados a indivíduos 9.1 - Agente do mercado
4.2 - Interesses voltados a grupos ( setores de movimento ) 9.2 - Agente neutro
4.3 - Interesses voltados à classe 9.3 - Agente da classe dominada
5.1 - Interesses voltados a indivíduos 0.1 - Pedagogia tradicional
5.2 - Processo em consonância com classes dominadas 0.2 - Pedagogia crítica e transformadora
222 José Francisco de Melo Neto

Quanto ao tema III - concepção de Estado, o que se observa


é, praticamente, uma ausência dessa discussão, o que leva a enten-
der que o debate político em geral estabelecido nos projetos é de
pouca efetividade, considerando a ausência da temática referente ao
Estado em suas discussões, mesmo que suas ações sejam muito
vinculadas com as atividades do Estado. No tema IV - configura-
ção dos interesses sociais, existem discrepâncias e concordâncias.
Nos projetos Zé Peão e Praia de Campina, existe uma afluência
para a visão de interesses voltados às classes subalternas da socie-
dade, enquanto que os dois outros projetos se diferenciam, sobretu-
do internamente, quanto às perspectivas de interesses sociais.
No tema V - concepção de prática social, há um destaque
nos quatro projetos para a visão de prática como processo e em
consonância com as classes dominadas. Estabeleceu-se, pratica-
mente, um consenso no projeto Praia de Campina quanto a essa
visão, com percentuais de 88%, 100%, 100% e 100% respectiva-
mente para os coordenadores, executores, comunitários e textos.
O tema VI - relação da universidade com a sociedade, tam-
bém mostra entre os projetos uma diferenciação das visões, ora
voltada para uma compreensão de instituição com saber e com vida
independente, ora como instituição voltada ao mundo empresarial,
ora como aparelho de conflito ideológico. Há uma aproximação
maior entre os projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida
quanto à visão de universidade como instituição do saber com vida
independente, com percentuais de 55%, 82%, 65% para coordena-
dores, executores e comunitários e no Projeto Qualidade de Vida,
com percentuais de 84% e 76%, respectivamente para os coordena-
dores e executores. Os projetos CERESAT e Zé Peão revelam dis-
cordâncias, num predominando a perspectiva de instituição voltada
ao mundo empresarial e noutro a de instituição como aparelho de
conflito ideológico.
Quanto ao tema VII - concepção de extensão universitária,
são apresentadas três possibilidades de visão: a via de mão única, a
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 223

via de mão dupla e a perspectiva de extensão como um trabalho


social. Os índices se distribuem entre essas três possibilidades, des-
tacando-se um expressivo percentual em alguns projetos quanto à
visão do trabalho social. Nos projetos Praia de Campina e Qualida-
de de Vida aparecem os menores índices para essa perspectiva, com
percentuais de 13% e 5%, para os executores e os textos do Projeto
Praia de Campina e de 17% e 00%, para os coordenadores e execu-
tores do Projeto Qualidade de Vida. É importante destacar que
mesmo os índices mais baixos revelam indicadores qualitativamen-
te expressivos para a discussão conceitual da extensão universitária
como um trabalho social. A perspectiva da via de mão dupla se
expressa com os menores índices nos Projetos CERESAT e Zé Pe-
ão, com índices que variam de 00% a 7%, entre os coordenadores,
executores, comunitários e textos de ambos os projetos.
O tema VIII trata da natureza do trabalho social na extensão.
Entre os projetos, há quase um consenso na ausência da perspectiva
de um trabalho técnico com discurso modernizador. Destoam os
projetos CERESAT e Zé Peão com relação aos demais, no que tan-
ge à visão de um trabalho técnico com discurso de neutralidade. Os
índices no Projeto Praia de Campina, com alguma divergência in-
terna, vão se tornando ainda maiores no Projeto Qualidade de Vida,
atingindo percentuais de 72% e 74% entre os coordenadores e exe-
cutores, respectivamente. Consolidam-se índices expressivos para a
visão de um trabalho técnico com discurso transformador, particu-
larmente nos projetos CERESAT e Zé Peão, com índices que vari-
am entre 71% e 96% .
O tema IX - papel do agente institucional, revela-se um dos
temas mais dilemáticos, considerando-se a variação entre os seus
índices, tanto interna como externamente. A comparação interna
desses percentuais conduz a uma inconsistência presente entre os
coordenadores, executores, comunitários e textos dos projetos, o
que também ocorre na comparação externa com os demais projetos.
224 José Francisco de Melo Neto

Quanto à visão do agente institucional como agente do mercado, os


índices variam de 14% a 64%, no projeto CERESAT; de 17% a
52%, no projeto Zé Peão; de 00% a 100%, no projeto Praia de
Campina e de 12% a 27%, no Projeto Qualidade de Vida. Dispari-
dades semelhantes ocorreram nas demais visões de agente como
neutro ou como agente da classe dominada.
Em relação ao tema X - pedagogia da extensão universitá-
ria, pode-se observar uma consistência interna que alcança percen-
tuais de 100%, praticamente em todos os projetos e em todos os
agentes dos projetos. Trata-se de uma consistência que chama a
atenção para o tipo de discurso que está sendo veiculado e que de
certa forma nega o distanciamento que se tem no exercício prático
desse discurso. Passa uma idéia de que o discurso pedagógico
transformador está bem consolidado entre os agentes destes proje-
tos, o que colide com a caracterização expressa do agente institu-
cional e com as concepções de sociedade ou de mundo, que nem
sempre estão em sintonia com o discurso ou a visão pedagógico-
educativa da ação política declarada.
Na Tabela 14, destacam-se temas, tanto pela forte, como pe-
la fraca presença quantitativa, valendo a pena tentar uma melhor
compreensão dos dados apresentados. O tema III - concepção de
Estado, apresenta percentuais de apenas 1% em todos os projetos
analisados. Isso indica um ausência da discussão política funda-
mental ao se encaminharem ações políticas para a organização de
setores subalternos da sociedade. As políticas públicas são formu-
ladas e encaminhadas apenas pelo Estado, nessa região. Essa condi-
ção torna imprescindível o debate sobre o Estado, suas concepções
e diferenciações políticas, bem como a dimensão da ação de seus
agentes para qualquer projeto que apresente tal dimensão social. A
ausência desse tipo de debate tende a limitar as possibilidades de
um maior conhecimento sobre o papel do Estado e necessariamente
sobre as condições de possibilidade de mudanças.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 225

A relação da universidade com a sociedade é outro tema


que se apresentou pouco expressivo quantitativamente, em relação
aos demais, com percentuais de 2%, 2%, 3% e 8% para os projetos
CERESAT, Zé Peão, Praia de Campina e Qualidade de Vida, res-
pectivamente. Esses dados demonstram a dificuldade existente en-
tre os agentes dos projetos para uma formulação mais clara sobre o
papel da universidade em sua relação com a sociedade. Terá a uni-
versidade vida independente, como mostram alguns percentuais,
como no Projeto Qualidade de Vida, que chegam a 84% e 76%,
entre os coordenadores e executores do projeto? Essa visão apre-
senta a instituição isolada da sociedade, como se isso fosse possí-
vel, gerando, conseqüentemente, uma outra visão que é a da neutra-
lidade de seu trabalho ou do produto desse trabalho: o conhecimen-
to.
O tema IX - papel do agente institucional, também apresen-
ta percentuais praticamente desprezíveis do ponto de vista quantita-
tivo. Seus percentuais, seguindo a ordem dos projetos já citada an-
teriormente, atingem os índices de 2%, 3%, 2% e 3%. Ora, a pers-
pectiva da ação prevista no papel do agente institucional depende
da compreensão daquilo que se entende por Estado e do posiciona-
mento do agente diante do mesmo. A ausência dessa discussão em
uma sociedade de classes só contribui como fator gerador de dúvi-
das quanto ao papel do agente. Assim é que, mesmo prevalecendo
uma visão transformadora em relação à sociedade, como foi apre-
sentado na Tabela 14, isso não é suficiente para se definir com cla-
reza o papel do agente institucional como agente das classes subal-
ternas.
Todos esses temas, embora quantitativamente pareçam pou-
co ou nada indicar para a análise, não podem deixar de ser tratados
no conjunto dos projetos, onde é preciso tentar alcançar a impor-
tância de cada temática, independentemente de percentual. Esses
temas também contribuem muito para a discussão e o entendimento
226 José Francisco de Melo Neto

dos projetos em estudo, e não apenas os temas com valores expres-


sivos, como os temas I e II (a concepção de mundo e concepção de
sociedade), que atingiram os maiores índices dos projetos. Parece
que, juntos, podem estar indicando os debates que em geral ocor-
rem na universidade. Os percentuais encontrados nos temas I e II
apontam para visões nem sempre transformadoras e indicam que
estes projetos estão impregnados de variadas possibilidades de con-
cepção de sociedade e de mundo. Os percentuais, entretanto, não
conduzem a exigências maiores quando se analisam temas tais co-
mo o jogo dos interesses sociais ou mesmo as concepções de práti-
cas sociais .
O que subjaz nesses tipos de projetos, particularmente nos
Projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, é a idéia da neces-
sidade de se desenvolver a comunidade, de fazê-la crescer. Nesses
projetos, as formulações quanto aos objetivos passam pela idéia de
desenvolver as regiões onde o atraso é responsável pela miséria.
Nessa perspectiva têm-se apresentado vários projetos para financi-
amento, mesmo os que envolvem a universidade. Coloca-se nor-
malmente um desejo, às vezes até religioso, de se pretender vencer
esse atraso e para isso vai-se tentando resolver as questões da po-
breza.
Existe uma ideologia de desenvolvimento para as comuni-
dades “carentes” na perspectiva de mudanças ou de transformações.
Esses são propósitos que precisam ser submetidos ao crivo dos da-
dos dos projetos. Também é preciso descobrir se estão em curso
projetos que pretendam contribuir para a organização dos setores
subalternos da sociedade.
Parece fundamental para a execução dos projetos que seus
coordenadores, executores e comunitários possam estar minima-
mente afinados com a filosofia desses projetos e sua formulação
política. Isso traz mais clareza às suas ações, gerando benefícios à
comunidade, de maneira diferenciada. Quando essa aproximação
ou identificação não ocorre, a comunidade percebe, ainda que não
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 227

expresse oralmente sua percepção. Isso cria uma situação mais difí-
cil que quando o poblema é posto em reflexão pelos grupos ou e-
quipes dos projetos, já que ela, docilmente aceita tal situação. Em
conseqüência, a comunidade tende a desenvolver formas de partici-
pação em que cada indivíduo passa a buscar, nessa diferenciação, o
máximo de benefícios para si próprio. Tais formas deveriam exigir
das equipes uma reflexão mais crítica possível no sentido de buscar
atividades ou políticas que possam envolver todos os setores da
comunidade. Esse trabalho, no entanto, está se tornando ausente das
atividades de reflexão crítica das equipes de trabalho social. Pelo
menos nos projetos Praia de Campina e Qualidade de Vida, as dis-
cussões têm basicamente decorrido de encaminhamentos imediatos,
dando-se ênfase a uma metodologia do tipo “aprender a fazer, fa-
zendo”, esquecendo-se da importante tarefa da reflexão crítica so-
bre o fazer, para inclusive poder refazer o que está sendo feito
quando ocorrerem possíveis equívocos, permitindo correções. Esse
movimento se constitui de ação educativo-crítica fundamental.
Forma-se, assim, uma ideologia nas equipes de trabalho des-
tes projetos, particularmente por parte dos estudantes, que aceitam
as condições que lhes são oferecidas como membros de equipe dos
projetos, sendo conduzidos pelo pressuposto não da reflexão críti-
ca, mas da acomodação às atividades em desenvolvimento nos pro-
jetos.
As concepções de universidade e de extensão dominantes
são aquelas mais veiculadas, impedindo dessa maneira a reflexão
sobre possibilidades outras que venham a ser geradas nesses traba-
lhos sociais. Essa ideologia expressa os valores e as concepções
dominantes, que, por sua vez, mantêm a ordem vigente sem questi-
onamentos.
Por outro lado, em nome de um desenvolvimento de comu-
nidades consideradas “atrasadas” ou “carentes” , procura-se veicu-
lar como ideologia uma necessidade de superação da situação do
atraso como se fosse algo de consenso entre todos. Isto é, todos
228 José Francisco de Melo Neto

apóiam que se desenvolvam as regiões ou as comunidades. Conse-


qüentemente, qualquer ação com essa denominação é bem vista,
bem aceita e deve ser implementada. Estabelece-se dessa forma
uma total ausência da reflexão. Torna-se necessário, pelo menos,
responder-se à pergunta: A quem interessam essas ações ou que
organização social está sendo promovida para os setores subalter-
nos da sociedade? Trata-se de uma ideologia sutilmente veiculada e
assimilada por várias equipes de projetos de extensão, que procu-
ram instaurar um processo único para toda e qualquer comunidade,
o qual, portanto, vem carregado de autoritarismo. Há certas vanta-
gens, inclusive, que podem acontecer nas relações de entidades com
o Estado ou com ONGs onde se beneficiam, às vezes, poucos. Ca-
sos assim são veiculados como se fossem conquista ou benefício de
todos. Escondem-se a diferenciação e a exclusão de tantos que fi-
cam sem essas benesses dentro dos próprios projetos. Ora, estas são
formas de se veicular as ideologias dominantes e se prestam para a
organização do proletariado, no sentido de sua não autonomia e sob
o controle ideológico ou político dos setores dominantes.
As ações desenvolvidas nos projetos em estudo mostram um
conjunto de contradições, discrepâncias e mesmo divergências. Nos
embates entre os trabalhadores da construção civil e dos trabalha-
dores de Praia de Campina com a usina, surgem imediatamente
contradições profundas. Com relação à política local da prefeitura
dos dois municípios vizinhos, Mamanguape e Rio Tinto, apresen-
tam-se formas de resistência e luta, mas também existe uma certa
tolerância que assume ares de valor ético por parte daquelas autori-
dades. Tal atitude traduz a ideologia pela qual é preciso tratar da
miséria, pois o seu combate, além de expressar uma atitude “cari-
dosa” e muito ligada à religiosidade, se torna uma questão de segu-
rança para o município e seus setores médios. Os poderes locais
comumente estão se prontificando a colaborar com esses projetos, a
fim de manterem a sua presença também nessas ações sociais.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 229

O processo, particularmente desenvolvido pelo Projeto de


Praia de Campina, de se buscar atender a algumas necessidades
básicas das comunidades, pode interessar aos poderes locais, pois
não estabelece nenhuma mudança estrutural radical que possa ame-
açar o poder das oligarquias da região. O incentivo para tornar-se
voluntário, desencadeado na universidade e por equipes desses pro-
jetos em relação aos encaminhamentos do Programa Comunidade
Solidária, por exemplo, mostra bem que a ideologia de acabar com
a pobreza tem dimensão nacional, sendo, portanto, uma ideologia
nada restrita a particularidades regionais. Equipes da universidade,
através de projetos de extensão, podem se prestar a esse tipo de
trabalho social, se não entenderem o caráter ideológico de um pro-
jeto dessa natureza. Um projeto como o da Comunidade Solidária
ajuda a ver que a ideologia vai exercendo o seu domínio em dimen-
são nacional.
A politização e a aprendizagem da análise crítica pelos seto-
res subalternos da sociedade não são desejos dos setores dominan-
tes. Esses setores sempre se apresentam com as decisões já toma-
das. A discussão aberta e crítica não é de interesse dessas minorias
dominantes, que nunca promovem nem estimulam o debate das
questões a serem decididas. Seus representantes se apresentam co-
mo se já conhecessem todos os problemas e suas soluções. E já têm
definidas as decisões. A sua política é uma política de bastidores. O
entendimento desses aspectos ideológicos conduz necessariamente
as equipes de projetos a atuarem como educadores críticos da reali-
dade, baseados no desenvolvimento da capacidade de pensar auto-
nomamente, no desenvolvimento da capacidade crítica e assim
compreenderem as diferenciadas formas de dominação desse estilo
de política. Essa é uma atividade considerada imprescindível por
aquele agricultor que mostrava a necessidade de se discutir as ques-
tões políticas para não se deixar campo aberto para a burguesia.
Essa educação sistemática é pouco desenvolvida, carecendo de in-
230 José Francisco de Melo Neto

centivo maior, aproveitando o conjunto de outras ações encaminha-


das pelos projetos.
Tanto o tema referente à ideologia como também seu con-
ceito precisam ser analisados nesses projetos. Permeia toda a dis-
cussão o conhecimento político sobre o Estado e, a partir daí, as
suas relações com os aparelhos de hegemonia, com o intelectual,
com os comunitários e o seu papel como agente de mudanças, as
políticas do Estado. Tudo isso costuma estar fora de discussão nes-
ses projetos. A ausência dessas discussões dificulta a sua compre-
ensão crítica por parte dos comunitários e deixa vazio um espaço
pedagógico importante para o exercício da discussão, da autonomia
e da crítica.
A análise crítica do papel do Estado, muito pouco desenvol-
vida nos projetos, se torna fundamental para o exercício educativo e
crítico entre os setores subalternos da sociedade. Os Estados capita-
listas mais avançados apresentam uma complexidade maior, bem
como a sociedade civil. Nessa direção, urge a discussão para o redi-
recionamento dos aparelhos de hegemonia na superestrutura e na
vida estatal. Destaca-se a rediscussão sobre concepção de Estado
como instrumento de uma classe, ou mesmo a redução da compre-
ensão da própria hegemonia à dominação de classe.
A ausência de objetivos educativos como exercícios da crí-
tica desses projetos retira a compreensão necessária da articulação
das diferentes práticas sociais e, sobretudo, elimina o debate sobre
as medidas políticas das classes dominantes. A ausência dessas
discussões de forma sistemática nesses equipes dificulta a compre-
ensão das temáticas da atualidade, como a autonomia do próprio
movimento, a democracia na sociedade e, conseqüentemente, a
necessidade de sua defesa. Através do aprendizado crítico, a partir
das ações nos projetos, mostra-se a necessidade de combate às prá-
ticas autoritárias, sobretudo nas relações entre dirigente e dirigido;
reduz a busca por novas formas de organização de instrumentos
para transformação e avança no exercício de valorização de seu
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 231

próprio saber, passando pela compreensão da necessidade do res-


peito ao saber diferente. São possibilidades que podem ajudar na
condução do desenvolvimento metodológico de se aderir ao real
concreto de forma diferenciada da adesão positivista, assegurando
uma compreensão mais sistematizada e rica, no sentido da supera-
ção do conservadorismo estabelecido na sociedade. Estes projetos
demonstram a limitada ação da universidade, como uma instituição,
nessa direção.
Ainda um aspecto a considerar diz respeito à cultura e aos
intelectuais na teoria da hegemonia, que Gramsci chama de “ques-
tões pedagógicas” e escolares. Essas questões podem ser vistas no
desenrolar dos projetos em estudo e dizem respeito à ligação das
questões culturais e escolares com o movimento dos trabalhadores.
As tentativas de desenvolver atividades que contribuam para uma
organização dos trabalhadores passam pela prática concreta do mo-
vimento dos trabalhadores.
Há, nesse sentido, uma forma diferente no processo de or-
ganizar as reivindicações dos setores de trabalhadores, como o de-
senvolvido nesses projetos, que é voltar-se à organização da cultu-
ra. Manifesta-se também como importante a solidificação dos ins-
trumentos de divulgação e sua articulação com as lutas concretas
em desenvolvimento, constituindo-se em uma dimensão da luta
pela hegemonia dos setores subalternos da sociedade.
As manifestações culturais estão inseridas no próprio mo-
vimento da realidade. Não se constituem como algo abstrato. Estão,
na verdade, presas ao “povo”, sendo sua própria manifestação em
cada momento histórico. Uma concepção como esta expressa o fim
do saber enciclopédico. O homem culto não pode ser “depósito” de
informações, cheio de dados e fatos. A perspectiva gramsciana va-
loriza o saber como fruto de um processo de conquista “espiritual”
(o homem como criação histórica e não natureza):
232 José Francisco de Melo Neto

“A tomada de consciência, social e histórica, é, ao mesmo tem-


po, a construção de si próprio e dos outros. A cultura passa a ser
pensada, pois, como consciência pensada, pois, como consciên-
cia de si próprio, do contexto social no qual se está inserido, da
realidade histórica, enfim, de que se é parte” (Pamplona: Cader-
nos do Cedes no. 3, p.19).

O desenvolvimento de atividades nesses projetos, sobretudo


nos Projetos Zé Peão e Praia de Campina, tem valorizado o aspecto
cultural. Ações educativas são promovidas no sentido de articular
as necessidades do movimento em organização, bem como as suas
exigências. Pode-se exemplificar com a comemoração da colheita
do camarão - a festa do camarão - que tem sido incentivada e se
tornou, hoje, uma tradição entre os pescadores da região. Isto pode
ser entendido como parte de um processo de expansão da hegemo-
nia que, assim, deve ser buscado, ainda mais porque consolida um
aprendizado de fortalecimento de diversas dimensões que constitu-
em o cultural. Destaca-se a importância de reconhecimento dessas
manifestações dos trabalhadores, fortalecendo, dessa forma, sua
própria cultura, para além das tantas manifestações da cultura bur-
guesa.
É possível conceber essas atividades de tal modo que com
elas se vá definindo e distinguindo a concepção de intelectual. É
importante trabalhar com uma ampliação do conceito de intelectual,
que passa a ser definido nos marcos de sua função de organizador
da sociedade, abrangendo todas as esferas da vida social cotidiana
dos trabalhadores. Assim, nega-se a formulação burguesa do inte-
lectual pedante e recusa-se a postulação positivista do saber. Apro-
funda-se também a discussão sobre a natureza humana como algo
abstrato, fixo e imutável, como é normalmente entendido. Abre-se
a perspectiva de destaque para as relações sociais entre os ho-
mens/mulheres, contrariando a formulação transcendental de sua
natureza ou essência. Nega-se qualquer determinação apriorística
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 233

ou transcendente. Essas noções de cultura e de intelectual, bem


como as suas relações, ficam determinadas pelas condições de exis-
tência em seus contextos reais e históricos. Esses aspectos tendem a
conduzir para formulações diferenciadas desses conceitos. Intelec-
tual, agora, pode ser qualquer homem/mulher, apesar de nem todos
estarem exercendo uma atividade que lhes é peculiar, voltada à
organização de sua classe. É este o papel do intelectual orgânico no
processo de ampliação da hegemonia dos setores subalternos da
sociedade. Nesse sentido, estão sendo propostas certas atividades
nos projetos em estudo. Estas têm conduzido os projetos para con-
tribuírem na criação de instrumentos ou aparelhos de hegemonia
capazes de ampliarem esse processo. Não se pode esquecer, todavi-
a, de que a hegemonia passa pelos diferenciados momentos de rela-
ções de forças. Não está presa apenas à esfera cultural, mas também
diz respeito à economia e não pode prescindir dessa dimensão.
Os encontros promovidos por vários aparelhos de hegemo-
nia dos trabalhadores, como sindicatos, central sindical, associa-
ções, federação de associações, encontros abertos para toda a co-
munidade, como o da Semana de Extensão, e mesmo reuniões iso-
ladas em comunidades, de que têm participado equipes dos projetos
em estudo, também abrem a discussão da hegemonia como relação
pedagógica. Essas atividades vão mostrando a importância da esco-
la, particularmente da Escola Zé Peão, que vem demonstrando ser
fundamental nesse processo. Sabe-se que são experiências com
equipes reduzidas e que não cobrem a classe trabalhadora, tanto no
campo quanto na cidade. Essas experiências, todavia, expressam
programas adequados à importância que vêm expressando esses
movimentos. Supera-se o estudo compreendido como “desinteres-
sado” ou a “objetificação” no sentido positivista e que vão assu-
mindo importância na formação da cultura dos setores subalternos.
E mais: destacam-se como elementos-chave nesse processo dois
234 José Francisco de Melo Neto

aspectos, que são a organização dessa cultura e a necessária articu-


lação dessa educação com ações concretas desses movimentos.
Abre-se, dessa forma, a discussão sobre o papel do intelec-
tual, intelectual orgânico e a sua participação nas lutas desses mo-
vimentos, estabelecendo-se nexos entre a cultura e a sua direção.
Ao mesmo tempo, a partir das ações em andamento nesses projetos,
superam-se as posturas de uma cultura popular inferior baseada na
simples informação e aceitação passiva da cultura dominante. Esta
está sempre sendo apresentada como a mais bela, sistemática, me-
lhor elaborada, mas se omite o quanto ela é “carregada” de ideolo-
gia dominante.
Algumas das experiências desses projetos apontam para a
superação pedagógica de visões mágicas do mundo ou da natureza
e, além disso, caminham no combate ao individualismo tão presen-
te hoje em dia. A partir do seu ensino se passa a incentivar o folclo-
re, posicionando-se contra as tradicionais concepções de mundo em
que elementos da realidade são dados à aprendizagem. Inicia-se o
ensino a partir das questões locais, mas abrindo-se para diversas
temáticas, superando o localismo daquelas questões. A tentativa de
rediscussão das concepções dominantes de homem/mulher e de
mundo põe em xeque essa escola tradicional. Funciona, ao que pa-
rece, como tentativa de superação do tradicionalismo estabelecido
pelo ensino das escolas formais, estando essas experiências marca-
das por um outro modo de vida intelectual e moral. Essas experiên-
cias caminham, de forma positiva, para a afirmação de uma nova
personalidade voltada à sua realidade no sentido de sua transforma-
ção. Um homem/mulher com a consciência voltada ao processo de
mudança.
O intelectual comprometido com as lutas permanece ao lado
dessa transformação e isso significa situar-se do ponto de vista das
classes subalternas e lutar por sua formação cultural e política. Essa
compreensão significa também a necessidade de mudança do modo
de existência da filosofia. Uma filosofia cuja tradição tem se pauta-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 235

do pelas formulações idealistas. Essa filosofia é superada quando se


estabelece um processo de conhecimento originado na prática.
A análise dos projetos realizada sob a ótica da teoria da he-
gemonia em Gramsci pode ainda apresentar diferenciados ângulos.
Pode-se, segundo Cardoso (l995: 78), tomar a questão das alianças
de classe(operário e camponeses) como central. Uma segunda pers-
pectiva é ter como fundamental a questão do partido político como
intelectual coletivo “ao qual é atribuída a tarefa de estabelecer o
nexo entre intelectuais e massa, cultura científica e cultura popular,
no sentido da construção da vontade coletiva nacional popular, ou
seja da constituição das classes subalternas como sujeitos da ação
histórica”. Por fim, uma terceira possibilidade examina o processo
de construção de hegemonia como reforma intelectual e moral ou
como a construção de uma outra cultura.
A análise crítica dos projetos a partir do ângulo das alianças
de classes, mostra que estes pouco privilegiaram essa perspectiva.
Pouco se analisou a questão da aliança entre os diversos setores de
trabalhadores. O Projeto Escola Zé Peão é a experiência em que
essa perspectiva foi trabalhada pelas equipes de extensão. Essa ex-
periência tem contribuído para a formação de “quadros” para os
vários movimentos de organização de trabalhadores, particularmen-
te para a Central Única dos Trabalhadores e para partidos que vêm
assumindo as bandeiras da classe trabalhadora. Além da participa-
ção na CUT com seus quadros, o sindicato da construção civil tem
tido papel importante nas relações entre os vários movimentos sur-
gidos na cidade de João Pessoa, não só financeiramente como tam-
bém com sua presença marcante nesses movimentos. Saliente-se
ainda a sua contribuição relativa a quadros sindicais que assumiram
vários partidos de esquerda no interior do movimento dos trabalha-
dores. Um sindicato que antes era desconhecido se tornou, hoje, um
dos mais atuantes no Estado e até na região Nordeste. Não se pode
creditar, naturalmente, todo esse conjunto de atitudes apenas à obra
236 José Francisco de Melo Neto

do Projeto Escola Zé Peão. Contudo, este tem dado uma contribui-


ção considerável no âmbito da política sindical.
Quanto ao projeto CERESAT, o seu envolvimento na ques-
tão da saúde e a sua busca de alianças entre as demais categorias de
trabalhadores, em torno dessa questão, começam a aparecer através
da Central Única dos Trabalhadores. Com isso vai introduzindo a
questão da saúde nos demais sindicatos. Contudo ainda é um traba-
lho que apenas foi iniciado.
O Projeto Praia de Campina vem desenvolvendo um con-
centrado esforço no sentido de que as lutas da região onde funciona
o projeto possam se prestar como motivadoras para outras comuni-
dades. Tem havido vários momentos onde se veiculam essas expe-
riências e outros procedimentos semelhantes como os dos sindica-
tos dos trabalhadores rurais das cidades de Rio Tinto e de Maman-
guape. A partir das associações geradas nas comunidades, que atin-
gem hoje um total de trinta e três, criou-se a Federação dessas As-
sociações, envolvendo cada vez mais trabalhadores de vários muni-
cípios. Contudo, os membros da equipe e os comunitários ainda
não perceberam a importância política que pode assumir a aglutina-
ção dessas forças políticas no seio da classe ou entre classes, bem
como a questão das alianças políticas.
O quarto projeto - Qualidade de Vida - não tem apresentado
preocupações com essa questão. Cabe considerar a incipiência do
seu processo de implantação, bem como as dificuldades que vem
enfrentando quanto à implementação de políticas que envolvam
conjuntamente outras entidades e o Estado.
A questão das alianças exige clareza das equipes dos proje-
tos para o problema. Também salienta-se o papel da direção de
classe que se exerce nos marcos de uma política deliberada de ali-
anças e a clareza das equipes de que essa hegemonia se ganha na
luta. Assim como está apresentada, pode-se afirmar que a busca
pela hegemonia, nesses projetos, não tem se apresentado como uma
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 237

deliberação educativa e crítica voltada à construção da hegemonia


dos setores subalternos da sociedade.
Quanto ao segundo aspecto, que é a ênfase na construção do
partido político como intelectual coletivo, a contribuição desses
projetos aparece, talvez, de forma indireta, considerando que a uni-
versidade pública com suas atividades rotineiras não interfere nes-
sas questões. Além do mais, em virtude da heterogeneidade de clas-
se no seu interior, pode-se perguntar qual seria o partido que ela
poderia ajudar a construir. Pelas relações de forças existentes no
seu interior, não seriam partidos comprometidos com as classes
trabalhadoras. Contribui, contudo, para uma maior projeção política
do Sindicato da Construção Civil, com a sua inserção nos diversos
movimentos sociais que se têm manifestado na cidade de João Pes-
soa. Os demais projetos não têm se voltado para essa questão como
uma decisão política deliberada dos membros de equipes envolvi-
das.
O exame do processo da construção de hegemonia como re-
forma intelectual e moral merece alguns detalhamentos. Esse mo-
vimento de construção de hegemonia precisa ser analisado como
processo que se realiza na prática política. Nessa perspectiva, a
hegemonia se apresenta de forma mais explícita como uma função
“eminentemente pedagógica, enquanto processo de constituição
ideológica das classes subalternas, que se realiza tanto para afir-
mar a direção dessas classes quanto para superar a sua condição
de subalternidade, construindo uma nova ordem social”(Ibid., 79).

Esse caráter pedagógico não significa, em nenhum momento,


que se está reduzindo a compreensão do pedagógico à dimensão da
escola. O conjunto de relações em que as novas gerações entram em
contato com as mais antigas e destas vão absorvendo suas práticas,
visões, valores e experiências transpõe a dimensão meramente esco-
lar. São relações históricas de que participam intelectuais, não inte-
238 José Francisco de Melo Neto

lectuais, Estado, elites e seus seguidores, trabalhadores, aparelhos de


hegemonia, dirigidos e dirigentes. São, portanto, relações no interior
da sociedade. Essa dimensão alcança uma percepção mais rica dentro
dos projetos analisados em que se manifestam lutas ideológicas e
tentativas de superação, seja entre os trabalhadores da construção
civil, trabalhadores da área de saúde ou trabalhadores rurais ou urba-
nos (Projeto Qualidade de Vida).
Tem havido eventos que vão demonstrando o rompimento
com a dominação ideológica entre trabalhadores que estão mais em
torno desses projetos. Sabe-se que o rompimento só ocorre definiti-
vamente com as transformações econômicas, apesar de que não
depende exclusivamente destas. Várias são as manifestações pre-
sentes nesses projetos em que foram externadas visões de mundo
fora do controle da burguesia, produzidas por trabalhadores que
também se tornam filósofos, segundo Gramsci. Isso ocorre quando
se manifestam em relação ao mundo, veiculando sua visão de mun-
do, sendo implícita também a sua ideologia.
Esta vem sendo expressa entre os trabalhadores de diferen-
ciadas formas. Por isso há grande cuidado por parte dos membros
de equipes desses projetos quanto à observação atenta das suas
formas de falar e de gesticular. Sua visão de mundo e sua ideologia
aparecem nas suas crenças, no seu bom senso, no senso comum das
pessoas, nas superstições, nas opiniões e nos modos de ver e de agir
diante do mundo. Os seus códigos lingüísticos são outros e é preci-
so estar atento a isso quando se trata de trabalhos de extensão, de
pesquisa ou mesmo de ensino. Os recursos utilizados por eles nes-
ses códigos se exteriorizam normalmente em expressões concretas
e, de forma concisa, através do olhar e de diversos gestos que preci-
sam ser traduzidos em cada contexto cultural onde se desenvolve o
projeto. Essas expressões, por sua vez, causam dificuldades ao se
buscar um significado mais adequado, considerando que normal-
mente os pesquisadores e as equipes de extensão não vivem no lo-
cal e só compartilham algum tempo com essas pessoas. Tais difi-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 239

culdades vão aparecer em todo e qualquer projeto que busque reco-


nhecer formas culturais nas comunidades e que estejam fora dos
padrões dominantes. Um trabalho que é o de reconhecimento de
elementos da cultura que não seja os da classe dominante. Nesse
sentido, é que BOSI (1982: 27) destaca a importância de se ter a
fadiga como elemento presente nessa construção cultural e na sua
poesia, possibilitando uma maior compreensão por parte do traba-
lhador.
É sobre esse conjunto interpretativo e de ação sobre o mun-
do que se pode conhecer a complexidade de suas visões e a elabo-
ração ideológica dessas pessoas, inclusive, a que grupos sociais
pertencem. A compreensão desses fatores que envolvem as relações
sociais e o exercício de elaboração crítica tem sido presenciada nos
projetos, particularmente, Zé Peão e Praia de Campina. A percep-
ção de que o homem é um produto de sua história é, também, uma
marca inicial dessa elaboração crítica.
A hegemonia como expressão de uma reforma intelectual e
moral se constitui na criação de homens que sejam capazes de pen-
sar o real presente de modo unitário e dessa forma construir cultura,
tornando-a patrimônio de todos. Para Gramsci (l981: 4), “este é um
fato filosófico bem mais importante e original do que a descoberta,
por parte de um ‘gênio filosófico’ , de uma nova verdade que per-
maneça como patrimônio de pequenos grupos intelectuais”. Nessa
direção é que vem sendo desenvolvido um conjunto de atividades
nesses projetos, que parecem estar contribuindo para o exercício do
pensar criticamente a realidade desses trabalhadores. Essa reflexão
é que fundamenta a compreensão gramsciana de filósofo, sendo
possível a afirmação de que “todos os homens são filósofos” , con-
siderando-se que em qualquer atividade intelectual há uma visão de
mundo. Mas existe uma diferenciação entre os filósofos que estão
no nível da elaboração crítica realizada por cada um. Há diferenças
entre a filosofia e o senso comum. Ambos expressam visões de
240 José Francisco de Melo Neto

mundo ao se manifestarem como fenômenos históricos, porém são


diferenciados quanto ao nível da crítica que cada um desenvolve. A
filosofia se desenvolve enquanto crítica do senso comum que passa
pela elaboração “individual” e também se constitui na luta para
transformar a mentalidade popular buscando “verdades” que se
firmaram historicamente.
Pode-se afirmar que nos projetos aqui analisados não há
propósitos programáticos e deliberados que busquem o exercício
crítico permanente das situações vivenciadas, mesmo que, de certa
forma, essas atividades se constituam em ações organizativas. Pen-
sar a escola dentro do canteiro de obra, pensar a organização da
terra coletivamente ou trabalhar em mutirão para o plantio em ter-
ras adquiridas na luta são atividades que expressam e possibilitam,
mesmo que parcialmente, exercícios críticos sobre a realidade. Os
projetos (com menor intensidade, nessa direção, o Projeto Qualida-
de de Vida) têm possibilitado, mesmo assim, alguns exercícios de
reflexão. Contudo, a construção da hegemonia dos setores subalter-
nos da sociedade está associada ao desenvolvimento de novo proje-
to cultural, mesmo que se coloque no terreno econômico, propici-
ando a elaboração de outra visão de mundo e em combate a toda a
lógica do capital.
O processo de construção de hegemonia dos setores subal-
ternos da sociedade passa pelas dimensões da consciência de classe
e da organização. Essa consciência vincula-se necessariamente à
atividade material e coletiva dos homens/mulheres. Não dá para
compreendê-la de forma isolada ou fora do conjunto das relações
sociais. Enquanto isso, do ponto de vista intelectual, o que funda-
menta a ação organizativa revolucionária é também a realidade his-
tórica. Nesses projetos há relações que se movem na busca da am-
pliação da hegemonia desses setores subalternizados, destacando os
aspectos intelectual e moral . Mesmo assim, pode-se afirmar que
não respondem aos dois níveis distintos e que se interpenetram na
direção da hegemonia, apontados por Lowy (l962: 139) :
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 241

“a) Uma análise e previsão de processos histórico-sociais em


curso, sobretudo o da emergência da consciência de classe do
proletariado (sua estrutura interna, determinantes, etc., ; b) um
plano de organização do instrumento de ação revolucionário (o
partido) e de coordenação de suas relações com o conjunto da
classe operária, tendo em vista a concretização do programa
comunista de mudança social”.

Parece que a ausência de um propósito organizativo nas


formulações dos projetos de extensão, a reflexão crítica sobre a
política partidária nas equipes e nos comunitários e mesmo na e-
quipe total de cada projeto e, sobretudo, o caráter do aparelho(a
universidade) da hegemonia dominante em uma sociedade de classe
dificultam e distanciam as possibilidades de ampliação de hegemo-
nia dos setores subalternos da sociedade. Nesses projetos existem
ações que estão voltadas ao processo organizativo das classes traba-
lhadoras, mas não existe busca pela hegemonia daqueles setores,
onde todos tenham clareza política de que hegemonia se constitui
em um processo e que, portanto, as atividades imediatas são apenas
possíveis como início de um projeto político mais amplo. Além
disso, é preciso clareza no sentido de compreender que esta é uma
disputa política no interior da universidade, no terreno da sociedade
civil, que atinge os aspectos da vida e do pensamento de uma co-
munidade, conseqüentemente de uma sociedade. Além do mais,
não se pode esperar que caiba à universidade a construção da he-
gemonia dos setores subalternos dessa sociedade de classe.
Além disso, a hegemonia como processo se efetiva no inte-
rior das classes e entre classes diferenciadas; especifica relações de
direção e de domínio de setores de classes sobre grupos afins e en-
tre classes. Hegemonia em processo instaura uma coesão de classe,
bem como uma adesão entre classes, manifestando-se pela direção,
242 José Francisco de Melo Neto

através da persuasão e da ideologia, bem como pelo domínio, atra-


vés da dimensão coercitiva.
Considerando-se a ampliação da hegemonia entre os setores
subalternos como uma possibilidade e um objetivo, constata-se que
esses projetos de extensão universitária estão muito distantes, pelo
menos ainda, nas suas formulações de um processo hegemônico
desse tipo, apesar de que em suas práticas muitas ações imprescin-
díveis são encaminhadas no sentido da ampliação de um processo
de hegemonia entre os setores subalternos da sociedade.
Um exemplo dessas atividades é a promoção de vários se-
minários por parte de entidades não-governamentais e da universi-
dade, em que se discute a extensão universitária e a organização
dos trabalhadores. Uma dessas entidades, por exemplo, é a organi-
zação não-governamental Equipe Quilombo dos Palmares
(EQUIPE), responsável pela formação política e pela pesquisa para
a Central Única dos Trabalhadores no Nordeste. A universidade e a
EQUIPE realizarão juntas, neste ano de l997, o IV Seminário Fazer
Acadêmico e Movimentos Sociais no Nordeste, expressando a busca
de conhecimento da realidade nordestina, ao desenvolverem pes-
quisa para subsidiar as lutas dos trabalhadores da região.
Ora, comparando-se a situação existente no início desses
projetos com o nível de atividades que vêm sendo desenvolvidas,
nos dias de hoje, pode-se comprovar que essas experiências de ex-
tensão vêm promovendo um movimento de ampliação dos sujeitos
históricos com suas práticas que também incentivam outras catego-
rias a se organizarem. Com certeza não estão apresentando a inten-
sidade que se espera. É de se destacar que também buscam novos
aliados, particularmente dentro da mesma classe. Há finalmente a
ampliação do “tempo social”, isto é, a teoria da hegemonia susten-
tada num arcabouço teórico perfeitamente útil para a análise dessas
situações vivenciadas mesmo para os dias de hoje. As crises que
envolvem a contemporaneidade, por certo, abrangem as formula-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 243

ções mais diferenciadas nos campos teóricos. Contudo, essas expe-


riências têm possibilitado sua utilização para análise.
As categorias gramscianas têm mantido o seu valor enquan-
to contribuem para a compreensão do passado. Hoje, a exemplo do
que ocorre nessas experiências, projetam indicações para a formu-
lação de estratégias em busca de uma democracia que possa atender
aos anseios das maiorias subalternas da sociedade.

2 - Para uma reconceituação da extensão universitária


enquanto trabalho social

Uma leitura mais atenta nos dados dos projetos apresenta-


dos e a participação em várias de suas atividades - a atuação em
comissões de seleção de projetos de extensão, em seleção de alunos
bolsistas para fazerem parte das equipes de projetos de extensão
desenvolvidos pela Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PRAC)
- possibilitam uma reflexão crítica sobre os conceitos de extensão,
que vêm sendo assumidos pela universidade. A preocupação maior
que lastreia tal reflexão é a possibilidade de elaboração de outro
conceito que contemple a perspectiva da construção de hegemonia
das classes subalternas.
O envolvimento com as atividades de seleção de projetos de
extensão e de seleção de alunos para atuarem nesses projetos facili-
ta a apreensão de vários conceitos externados e que estão fazendo
parte das compreensões dominantes sobre extensão universitária.
Uma dessas concepções afirma ser a extensão algo “enriquecedor”
para os objetivos da universidade. Observa-se nessa compreensão
que, primeiro, não são colocados os objetivos da universidade e
muito menos se esclarece de que forma acontece esse enriqueci-
mento, se é monetário, teórico, prático ou outra alternativa. Esta é
244 José Francisco de Melo Neto

uma formulação que permanece vaga, vazia de conteúdo e de senti-


do, no que tange ao conceito de extensão.
Existem concepções do tipo: “a extensão promove o conhe-
cimento”. Nessa mesma linha se questiona que tipo de conhecimen-
to está sendo promovido, bem como quem está sendo beneficiado
com ele.
A extensão também é vista como expressão do “retorno à
sociedade daquilo que esta investe na universidade”. Embute-se
uma compreensão de troca entre a universidade e a sociedade, em
que aquele precisa devolver a esta tudo que está sendo investido. A
possibilidade de execução dá-se através da extensão. Essa visão
coloca a universidade numa situação de devedora da sociedade,
com isso fragilizando-a nessa relação. Nesse sentido é que não se
determina o lugar específico pelo qual se prevê a “devolução” da-
quilo que seria devido. Um outro aspecto é o fato de que se estabe-
lece esse lugar como se fosse a extensão. Por que não se propõe que
seja pelo ensino ou pela pesquisa? Ou talvez, não seria a política do
toma-lá-dá-cá, instalando-se na universidade?
Define-se extensão “como um meio que liga ensino e pes-
quisa”. Imagina-se que um ente concreto liga os dois outros consti-
tuintes: ensino e pesquisa. Contudo, o ensino e a pesquisa também
podem constituir esse ente. Mas será necessário que se saiba o sig-
nificado de meio que é colocado nessa conceituação. Será o meio
um instrumento com o qual se pode chegar a outras conjecturas
sobre extensão? Será um instrumento com o qual se domina a pró-
pria extensão, o ensino ou a pesquisa? E mais: quais as outras pos-
síveis conjecturas? Será o meio o intermediário para se chegar ao
ensino e à pesquisa? Precisa-se desse meio?
Extensão é apresentada ainda como “uma forma de corrigir
a ausência da universidade na problemática da sociedade”. A exten-
são, aqui, se externa como forma. Terá essa forma um conteúdo?
Se houver, a questão a ser posta será : E qual é o conteúdo dessa
forma? Mas a formulação vai mais além. Nessa compreensão con-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 245

sidera-se a universidade como ausente dos problemas da sociedade.


É verdade que ela está ausente de vários problemas, mas é também
verdade que se faz presente em outros tantos problemas. No campo
das Ciências Sociais, por exemplo, por que nos cursos de graduação
não se estuda “Brasil” ou “América Latina”? Em tantos cursos de
Medicina não se estudam as doenças tropicais. Essas mesmas inda-
gações podem ser feitas em relação à pesquisa. A universidade esta-
rá presente, todavia, naquelas temáticas que os setores dominantes
definirem para que sejam submetidas ao ensino e à pesquisa. Os
órgãos financiadores de pesquisa são os definidores do lugar onde
deve estar a pesquisa da universidade.
Durante a realização do XIII Fórum de Pró-Reitores de Ex-
tensão das Universidades Públicas do Nordeste, a extensão foi con-
siderada “um nascedouro e desaguadouro da atividade acadêmica,
da qual a pesquisa seria o desenvolvimento das respostas, e o ensi-
no o envolvimento dos estudantes em todas as etapas desse proces-
so ...”88.
Ao considerar a extensão como nascedouro e desaguadouro
de atividades, esta visão simplesmente a elege como a origem e o
fim das atividades acadêmicas. Parece muito mais um procedimen-
to idealizado quando destina esse papel para a extensão. Há de se
perguntar: A origem da problemática da pesquisa não passa pela
realidade circundante do pesquisador? Será obra de mera idéia ge-
rada de sua própria “genialidade” ou de circunstancial “inspira-
ção”? O ensino envolvido pela perspectiva apresentada não poderá
ter origem a partir de elementos da realidade? De que forma a ex-
tensão se propõe a ser nascedouro e desaguadouro de toda e qual-
quer atividade acadêmica? Essa formulação inspira Pró-Reitores
para veicularem a compreensão de extensão como “a porta na qual
os clientes e usuários têm de bater, quando necessitados”. Materia-

88
Conceito apresentado no XIII Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Nordeste. Natal,
l995.
246 José Francisco de Melo Neto

liza-se a extensão, extraindo-se o véu metafísico que a envolvia


anteriormente para uma base real ao tornar-se um ente concreto.
Todavia, a presença de uma porta pressupõe a existência de uma
divisão, sendo esta o divisor entre o “dentro” e o “fora”. Pressupõe-
se, em decorrência das formulações até então apresentadas, que a
universidade deva estar do lado de dentro e o algo de fora deve ser
a sociedade. Mais uma vez, se isto é verdade, mantém-se o mesmo
viés da visão na qual a universidade se constitui numa instituição
descolada da sociedade e esta, por sua vez, desvinculada da univer-
sidade.
Em grande medida a extensão vai sendo veiculada como
prestação de serviços. Ora se torna estágio, quando atrelada a pro-
gramas de governo; ora, se torna uma forma de captar recursos; ora,
por meio dela, se busca estudar problemas da realidade. O mais
curioso é que extensão muitas vezes é considerada como uma espé-
cie de sobra na universidade, podendo ser tudo aquilo que não se
identifique como atividade de ensino ou de pesquisa. Para Rocha
(l980), todas essas expressões são “equivocadas”, na compreensão
do que seja extensão. Segundo ele, é melhor pensar a extensão por
meio da comunicação, considerando esta comunicação numa pers-
pectiva freireana, em que a sua sustentação decorre do processo
dialógico. Colocada a existência do diálogo, é preciso, porém, per-
guntar com quem o diálogo se faz. Será que não permanece, nessa
formulação, a divisão entre a sociedade e a universidade, mesmo
que ambas possam existir se distanciando e se aproximando como
resultado desse diálogo? Como se dá esse diálogo comunicativo?
Existe uma ação comunicativa habermasiana nessa compreensão,
onde a busca principal se constitui no consenso como mecanismo
último da organização da sociedade? Esse diálogo proposto como
estratégia para a convivência social suportará a coexistência con-
sensual em uma sociedade de classes?
Pode-se ainda recuperar nessa revisão a formulação de ex-
tensão universitária produzida pelo I Fórum Nacional de Pró-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 247

Reitores de Extensão de Universidades Públicas. Nele foram apre-


sentados vários aspectos úteis para uma compreensão da extensão
universitária e que merecem destaque, como por exemplo: a exten-
são se constitui como processo educativo, cultural e científico. Pa-
rece interessante ter como ponto de partida para uma análise sobre
o conceito de extensão a idéia de que o que existe na extensão é um
processo. O Fórum caracteriza esse processo como via de mão du-
pla. Aí pode-se questionar o uso da idéia de via, considerando que
essa simbologia cai também na dificuldade de compreensão da e-
xistência da instituição universitária como integrada à sociedade.
Essa via de mão dupla da extensão teria o papel de manter a interli-
gação entre ambas. Esse movimento de vai e vem, na formulação
do Fórum, viabiliza a democratização do conhecimento acadêmico
e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade,
ou seja, no buscar e levar conhecimento. Ora, será que a democrati-
zação do conhecimento, mesmo aquele acadêmico, resolve-se sim-
plesmente pela extensão nessa perspectiva de mão dupla? Parece
que não. A questão da democratização do conhecimento envolverá
a produção e a posse dos resultados, constituindo-se, dessa forma,
numa questão muito mais abrangente e complexa do que aquela
colocada na formulação do Fórum.
O conceito de extensão não pode fixar-se como uma via de
mão única, considerando que nessa compreensão está implícita a
concepção autoritária do fazer acadêmico, onde a universidade “sa-
be” e vai levar algum conhecimento àqueles que “nada sabem”, a
classe trabalhadora. A concepção de extensão como via de mão
dupla separa o processo educativo da própria educação, o processo
cultural da produção da cultura, bem como o processo científico da
própria ciência. Pode-se questionar a constituição dessa articulação
ou perguntar quais os interesses que se manifestam na sua realiza-
ção. Será a extensão algo ideal, capaz de viabilizar uma relação
transformadora, como propõe aquele conceito? Em uma via de mão
248 José Francisco de Melo Neto

dupla, há um momento de tensão nesse passar de algo que vem em


uma mão, por algo que vem em “sentido” contrário. Será esse o
momento da extensão? Mas de que se constitui esse momento? Em
geral as ultrapassagens no mundo físico, seguindo a simbologia das
vias apresentadas, são muito rápidas. Extensão é apenas um rápido
momento ou busca-se a sua permanência, considerando-se a idéia
de processo? Talvez, visualize-se uma mão que segura outra. Essa
simbologia já foi bastante utilizada, na década de 60, sobretudo nos
tempos da Aliança para o Progresso, prestando-se para a ideologia
do desenvolvimento. Mesmo a concepção da mão que segura a ou-
tra não garante permanência. Essa simbologia parece conduzir, por
conseguinte, à monotonia e à estabilidade. Assim, essas situações
não combinam com o conceito de processo, que é dinâmico. Exten-
são será expressão de monotonia? A compreensão de extensão,
como via de mão dupla, destaca um retorno dos conhecimentos
para a universidade, como se aí estivesse o único espaço para a re-
flexão teórica. Será que apenas na universidade é que está sendo
gerada a reflexão teórica? Os participantes das ações de extensão
promovem sua reflexão crítica e desta têm necessidade. Não estará
sendo gerada uma dicotomia, inclusive espacial, da condição de
reflexão teórica, ao transladá-la para o espaço da universidade?
Pode-se até perguntar: Será a universidade o lugar, por excelência,
para a reflexão teórica? Não seria esse espaço o próprio “locus” de
realização das atividades de extensão? Ainda na compreensão da
extensão, como via de mão dupla, afirma-se que a produção de co-
nhecimento é resultante do confronto com a realidade, seja brasilei-
ra, regional, .... enfim, confronto com a realidade. Será que, somen-
te dessa forma, ocorre a geração do conhecimento? A quem interes-
sa esse conhecimento produzido numa ação de extensão?
Contudo, na perspectiva conceitual do Fórum, convém re-
tomar a idéia de que “... extensão é um trabalho interdisciplinar
que favorece a visão integradora social” (BRASIL/MEC, l987: 1).
Esta é uma formulação interessante que traz o trabalho como uma
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 249

preocupação conceitual. Um trabalho que pode, perfeitamente, ser-


vir à concepção integradora de sociedade. Portanto, a extensão terá
o papel integrador e, além disso, poderá ser um instrumento inte-
grador da sociedade. Esse tipo de trabalho não condiz com o tipo de
sociedade que interessa aos setores subalternos da sociedade. Mas,
o conceito de trabalho poderá ser útil para se discutir uma perspec-
tiva diferenciada da extensão voltada ao trabalho.
O conceito de extensão carece da presença da crítica como
ferramenta nas atividades que o constituem. Esse conceito traz, em
si, a dimensão de superação do “senso comum”, ao expor, explicar
ou mesmo tomar contato com os elementos da realidade. Elementos
que são gerados de formulações abstratas, sim, mas tendo na reali-
dade, no mundo concreto, a anterioridade de suas bases analíticas; a
compreensão de que nesse movimento de análise da realidade, um
segundo movimento tem continuidade no campo das abstrações, em
busca de elementos mais abstratos, permeados, entretanto, pelo
concreto inicial e, finalmente, através dos recursos expostos por
essas abstrações, seja possível criar um novo concreto, permeado
das abstrações anteriores, um concreto pensado.
Nesse percurso, a crítica tem papel determinante, pois, além
da superação do “senso comum”, também é propositiva. Busca a
superação das dimensões do estabelecido, considerando, por exem-
plo, que “as relações de classe não são espontaneamente transpa-
rentes ao nível da experiência ‘imediata’, da experiência ‘vivida’ -
aquela experiência que é simplesmente um reflexo sobre a vida
cotidiana” (Przeworski, 1989: 122). Para se conhecer essas rela-
ções, torna-se necessário o exame da crítica. Este possibilita ir além
da experiência vivida pelas equipes e comunitários, superando esse
“reflexo” primeiro da experiência. A crítica é necessária, pois pers-
cruta essas relações e, além do mais, assume seu papel transforma-
dor. A extensão pode ir além de um trabalho como o proposto pelo
250 José Francisco de Melo Neto

conceito do I Fórum de Pró-Reitores. Esse trabalho tem uma di-


mensão educativa e precisa, conseqüentemente, ser “qualificado”.
Esse direcionamento conceitual é manifestado ao nível dos
projetos analisados. Observe-se que os indicadores em torno dessa
perspectiva apresentaram percentuais elevados nos projetos
CERESAT e Zé Peão, particularmente entre os executores, com
percentuais de 63% e 61%, respectivamente. Entre os coordenado-
res do Projeto Praia de Campina, atinge-se o índice percentual de
47% e entre os executores, 13%. No Projeto Qualidade de Vida,
essa concepção se expressa entre os coordenadores com 13%, um
índice também importante, considerando ser este um projeto da
área tecnológica. Retomando-os, pode-se destacar a universidade
sendo vista em outra perspectiva, por outros entrevistados. É enten-
dida, por outro lado, como responsável por um “trabalho para fazer
com que os alunos assimilem um conhecimento pela inserção na
realidade em que estão vivendo e que esses conhecimentos digam
alguma coisa para o nosso momento atual”89.
Essa mesma visão concebe a universidade como responsá-
vel por um trabalho que possibilite o exercício da função de “ligar
o ensino e a pesquisa com a realidade”.
A extensão é vista como responsável pela saída dos muros
da universidade. Constrói problemas a partir da discussão da reali-
dade em que está se inserindo e vivenciando. Extensão como uma
busca não só de explicações teóricas mas também de respostas à-
quelas necessidades imediatas de setores da sociedade. Nesse senti-
do, a extensão se torna:

“Um trabalho. Um trabalho que não tem um tempo definido mas


está dentro de uma perspectiva de trabalho permanente, traba-
lho continuado” 90.

89
Membro da equipe da PRAC. Texto da entrevista para esta pesquisa.
90
Membro da equipe de projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 251

Tem-se dessa maneira não apenas uma perspectiva diferen-


ciada daquelas até então apresentadas, como também se vai qualifi-
cando o tipo de trabalho que está sendo desenvolvido pelas ativida-
des nos projetos em andamento.
Para alguns entrevistados, a preocupação conceitual é des-
necessária, porém mesmo estes identificam a extensão com as pró-
prias atividades que desenvolvem nos projetos e as consideram
como trabalho.

“Penso extensão como o trabalho a partir daquilo que a gente


faz. Acho que é a partir daquilo que cada grupo faz que, na ver-
dade, vai se constituindo o que a gente chama de extensão-
universidade ...” 91.

Veicula-se, em alguns projetos de extensão, uma perspecti-


va de extensão necessariamente gerada a partir das atividades em
desenvolvimento e sem estar prisioneira de qualquer formulação
idealista. O ponto de partida dessa perspectiva é a realidade concre-
ta ou o concreto real que, submetido à análise da teoria, da abstra-
ção, vai possibilitando que se vislumbrem outras possibilidades
ideológicas da extensão.
Expressa-se ainda da seguinte forma:

“ Extensão como trabalho que envolva pesquisa e um trabalho


que tenha uma finalidade social bastante definida” 92.

Assim, enfatizando-se outras possibilidades de realização


para a extensão universitária, esta pesquisa aponta um conjunto de
elementos teóricos que podem constituir uma dimensão de trabalho
que seja adequada à questão, do ponto de vista das classes subalter-
nizadas. Esse trabalho, por exemplo, se realiza junto com a comu-
91
Membro da equipe do projeto CERESAT. Texto da entrevista para esta pesquisa.
92
Membro da Direção da Universidade. Texto de entrevista para esta pesquisa.
252 José Francisco de Melo Neto

nidade ou com os grupos da comunidade que vivenciam o projeto.


Aqui se pretende destacar a não existência da dicotomia entre uni-
versidade e sociedade ou comunidade. A universidade existe como
instituição da sociedade. A universidade é parte da sociedade. Am-
bas se diferenciam, mantendo cada uma as suas peculiaridades.
Entretanto, não existe a visão dualista de que, de um lado, está a
universidade e, de outro, está a sociedade, confrontando-se ou não.
Sendo trabalho, a sua efetivação gera um produto que trans-
forma a natureza, na medida em que cria cultura. É um trabalho
imbuído da sua dimensão educativa. O produto desse trabalho, to-
davia, passa a pertencer tanto às equipes de projetos de extensão
como também à própria comunidade ou aos grupos comunitários
para aplicação na organização dos movimentos. Tanto a comunida-
de como a universidade ou os movimentos sociais são os proprietá-
rios do produto desse trabalho. A extensão, marcada por essa di-
mensão do trabalho será produtora de cultura, estabelecendo pelo
trabalho a possibilidade de conhecimento do mundo onde o indiví-
duo atua.
Essa dimensão da extensão, em que o produto seja pertecen-
te aos movimentos sociais e à universidade, possibilita a superação
da alienação gerada pela não posse do produto do trabalho por seus
produtores, no modo de produção capitalista. Todos os produtores
se apropriam desse produto do trabalho, que é o saber.
Esse trabalho deve apresentar ainda a dimensão do desen-
volvimento da comunidade. Não é a produção de algo para manter-
se guardado e reservado a uns poucos privilegiados. A apropriação
do saber gerado deve ser possível a todos os produtores.
Esse trabalho se caracteriza como um espaço de atuação de
todos os que buscam a organização de seus grupos, de sua comuni-
dade ou de sua classe. Um espaço onde existem processos de reali-
mentação dos conhecimentos que estão sendo produzidos e outros
que são gerados a partir desses últimos. Esse trabalho deve expres-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 253

sar, necessariamente, uma relação íntima entre a teoria e a prática


social em desenvolvimento.
O trabalho que se presta para esse conceito se constitui em
um processo educativo das comunidades e das classes subalternas.
É também um processo cultural, produtor de conhecimento científi-
co e, ao mesmo tempo, produtor de consciência política para a am-
pliação da hegemonia dos setores subalternos da sociedade.
Uma questão necessariamente se põe: Que qualificativos
deve ter o substantivo trabalho para poder atender a essas exigên-
cias e tornar-se o fundamento do conceito de extensão?
É importante ver que o trabalho, como dimensão educativa
pertence a instâncias fundamentais na vida da sociedade. É pelo
trabalho que o ser humano assegura as condições materiais de sua
subsistência. Já pela educação, em seu sentido mais amplo, se ga-
rante a preservação dos conhecimentos do passado, que são trans-
mitidos às novas gerações, num processo de acumulação de conhe-
cimentos, essencial à qualidade de vida material e espiritual da hu-
manidade, que mantém a sobrevivência da espécie.
O estudo conceitual do trabalho na sociedade capitalista foi
apresentado, inicialmente, por Adam Smith. Mas é em Marx, em
seu livro O Capital, particularmente no Volume I, que se apresenta
o trabalho, inicialmente, na perspectiva natural, considerando-o
como uma relação do homem com a natureza. Contudo, desde esse
início, ele apresenta o trabalho como um processo.

“Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Na-


tureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, me-
dia, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele
mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natu-
ral. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua
corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropri-
ar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida.
Ao atuar, por meio desse movimento sobre a Natureza externa a
254 José Francisco de Melo Neto

ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria


natureza” (Marx, 1983: 149).

Mas o homem, diferentemente dos outros animais que se


guiam pelo instinto, atua sobre a natureza de forma diferenciada,
modificando-a e modificando também a si mesmo. É esta situação
que o distingue dos demais animais, ao superar a condição de ani-
malidade de sua espécie.
Também, a partir das análises realizadas nos projetos de ex-
tensão da UFPB, parece que o trabalho deve ser considerado como
categoria fundamental para a rediscussão e reconceituação da ex-
tensão universitária. Ao defrontar-se com a natureza, o homem rea-
liza, a partir dela própria, uma síntese do particular com o univer-
sal. É o trabalho que possibilita o significado da ação social, suas
limitações, suas possibilidades e conseqüências sem nenhum recur-
so metafísico. Mesmo sendo um ponto de partida, é sobre essa base
natural do trabalho que se elevam as relações sociais da espécie
humana. O trabalho se torna uma relação social já a partir da rela-
ção estabelecida com a natureza. Em Marx, vai se observar que
esse estabelecimento das relações sociais na produção indica o ca-
ráter social, indissociável, que acompanha o processo de trabalho.
À medida que a extensão universitária pode ser apresentada
como um trabalho, exige-se desse trabalho a superação da simples
relação primeira do homem com a natureza. O trabalho realiza-se
como processo constituído através das relações sociais - trabalho
social.
A atividade orientada nos projetos de extensão analisados
passa pela produção do conhecimento como uma necessidade hu-
mana, indispensável a esse “metabolismo” entre o homem e a natu-
reza, como dimensão do social.
No modo de produção capitalista, os conhecimentos do pro-
cesso de trabalho, que antes estavam sob controle de indivíduos
como os artesãos, se tornaram capital. Fleury (l990: 129) afirma:
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 255

“A totalidade do processo, as condições que lhes dão sentido,


somente são apreendidas a partir do ponto de vista dos capitalis-
tas, e o conhecimento passa a ser uma propriedade exclusiva
deste grupo social, e como tal, uma das suas grandes fontes de
poder na sociedade”.

A possibilidade de se entender extensão como trabalho so-


cial opõe-se à visão fragmentada do trabalhador em relação ao pro-
cesso produtivo, no modo de produção capitalista, determinada pela
divisão social do trabalho. O conhecimento da totalidade do pro-
cesso é transferido para o capital, representado sobretudo, pela clas-
se social dominante: a burguesia. A posse desse conhecimento re-
força as estruturas de dominação que estão inseridas nas relações
sociais de produção e também vai garantir, pelo lado do capitalista,
a reprodução das relações de produção, considerando que o modo
de produção capitalista se funda na separação entre a propriedade
do trabalho e a dos meios de produção. Essa separação também
impõe ao trabalhador a manutenção de sua posição na estrutura das
relações de produção, considerando que a sua sobrevivência estará
garantida enquanto ele estiver fornecendo ao mercado a sua força
de trabalho, já que esta é seu único bem disponível.
A extensão expressa pela realização do trabalho social pode
efetivar e desenvolver entre os participantes a necessidade da con-
quista de cidadania. Uma cidadania cujo significado deve estar bem
“cristalino” na perspectiva de que seja um processo de formação de
cidadão crítico, enquanto consciente como sujeito de transforma-
ção, e também ativo, superando o idealismo contemplativo e inter-
pretativo da natureza.
Um trabalho social não se exerce apenas a partir dos mem-
bros da comunidade universitária, servidores e alunos. Ele tem uma
dimensão externa à universidade que é a participação dos membros
da comunidade com os movimentos sociais, dirigentes sindicais,
256 José Francisco de Melo Neto

associações, numa relação “biunívoca” para a qual confluem mem-


bros da universidade e participantes desses movimentos.
Extensão, como trabalho social, passa a ser agora exercida
pela universidade e pela comunidade sobre a realidade objetiva.
Um trabalho coparticipado que traz consigo as tensões de seus pró-
prios componentes em ação e da própria realidade objetiva. Um
trabalho onde se buscam objetos de pesquisa para a realização da
construção do conhecimento novo ou novas reformulações das ver-
dades existentes. Esses objetos pesquisados são também os consti-
tuintes de outra dimensão da universidade: o ensino. Portanto, a
extensão é um trabalho que se realiza na realidade objetiva, sendo
exercido por membros da comunidade e membros da universidade.
É um trabalho de busca de objeto para a pesquisa e também para o
ensino.
Como trabalho social, a extensão se expressa sobre a reali-
dade objetiva. Essa relação é responsável pela geração de um pro-
duto resultante da parceria com a comunidade cujo resultado a ela
deverá retornar. Esta é outra dimensão fundamental caracterizada
como devolução de suas análises da realidade objetiva à própria
comunidade ou a seus movimentos organizados.
A devolução dos resultados do trabalho social à comunidade
caracteriza a universidade como possuidora de novos saberes ou
saberes rediscutidos, os quais serão utilizados pelas lideranças em
seus movimentos emancipatórios e reivindicatórios. Isso faz acredi-
tar na extensão exercendo e assumindo uma dimensão filosófica,
também fundamental, que é a busca de superação da dicotomia
entre teoria e prática. Há, então, possibilidade de direcionarem-se
projetos para a ampliação da hegemonia voltada aos setores subal-
ternos da sociedade, contribuindo para o desvelamento das ideolo-
gias dominantes e construindo uma nova estratégia da função soci-
al, ou mesmo uma condição de serviços de extensão a favor da cul-
tura das classes subalternas. Aparelhos de hegemonia permeados de
suas contradições e seus conflitos possibilitam expectativas para
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 257

esses setores de classes. Este é mais um papel do aparelho de he-


gemonia - a universidade - que, através da extensão, pode também
direcionar a pesquisa e o ensino para um outro projeto social.
258 José Francisco de Melo Neto

CONCLUSÕES

O estudo que vem sendo apresentado sobre a extensão uni-


versitária teve início com a apresentação dos principais projetos de
universidade em discussão no Brasil, o projeto defendido pelo go-
verno e aquele outro projeto que busca reconstruir esse aparelho de
hegemonia, de modo a que este não seja reduto exclusivo da ótica
do capital, como propõe o governo, mas que abrigue também a óti-
ca dos setores subalternizados da sociedade.
O percurso analítico desenvolvido neste trabalho, através da
teoria da hegemonia e da ferramenta metodológica da dialética ma-
terialista, necessariamente retoma a discussão sobre a temática ge-
radora do problema, objeto deste estudo: a questão da universidade.
Com base nesse crivo teórico-metodológico, questões maiores po-
dem ser vistas sobre a universidade no Brasil e nos demais países
do mundo “subdesenvolvido”. Isso possibilita o conhecimento da
profundidade e do volume das tarefas que estão depositadas naque-
les que assumem a perspectiva de dominados e que procuram con-
tribuir para a organização dos setores subalternos da sociedade,
inclusive através do trabalho profissional exercido na universidade.
A análise dos projetos de extensão sob a perspectiva crítica
e a possibilidade de se pensar extensão como um trabalho social
abre entendimentos de como as atuais políticas, hegemônicas na
sociedade, se fazem presentes e mesmo dominam esse aparelho de
hegemonia, o que se reflete na prática usual da extensão universitá-
ria. Há de se perguntar que elementos teóricos da política surgem
em trabalhos dessa natureza. E, também, que elementos filosóficos
estão substanciando as atuais políticas, replicando no trabalho de
extensão.
A resposta a essas questões exige o conhecimento das polí-
ticas, reconhecidamente neoliberais, que estão sendo implementa-
das no país, de diferenciadas formas, e que de certa maneira já vi-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 259

nham sendo propostas em décadas anteriores. Hoje estão mais visí-


veis, com “ímpeto avassalador”, em decorrência das condições ob-
jetivas que estão postas e que são profundamente desfavoráveis
para os setores críticos dessas políticas. Esses setores assumem
posturas de resistência diante do que vem sendo implementado pelo
governo.
O liberalismo configura-se como uma tradição que vem se
definindo desde a segunda metade do século XVII e durante o sécu-
lo XVIII. Como uma visão capitalista do mundo, vem tendo dife-
renciações no decorrer do percurso histórico. Decerto, como toda
formulação teórica que se pretende hegemônica, o liberalismo tem
apresentado, também, “plasticidade” conceitual, tendo atualmente
assumido uma nova forma, que vem sendo denominada “neolibera-
lismo”. O liberalismo é uma filosofia, no sentido gramsciano do
termo, isto é, um pensamento que engloba um arco de uma época e
que, por si mesmo, se torna capaz de organizar toda uma civiliza-
ção. Mesmo na efetivação de projetos como os que foram apresen-
tados nesta pesquisa, é possível ver a força desse ideário através das
decisões tomadas, das posturas políticas dos agentes desses projetos
e das próprias políticas da universidade, em andamento. O libera-
lismo expressa, de forma articulada, uma concepção de economia,
política, história e ética. É uma síntese do racionalismo enquanto
elege a razão e não a fé como meio de conhecimento e guia de con-
duta; do naturalismo tendo o homem inscrito no “estado de nature-
za” e não na ordem divina; e do individualismo ao fazer críticas ao
ideário do homem da Idade Média e sua organização social. Essa
síntese cultural apresenta-se com um “núcleo rígido” constituído da
defesa intransigente da propriedade privada, do mercado e da a-
cumulação capitalista. Particularmente o mercado que, se já era
anunciado como o centro na formulação liberal, agora se transfor-
ma na sua nova deusa. Exacerba esse conceito gerando uma leitura
economicista do mundo que se pretende única e verdadeira.
260 José Francisco de Melo Neto

Atualmente, cada vez mais se observa, do ponto de vista po-


lítico, um deslocamento para a direita em nível internacional, refor-
çado pelos resultados políticos do Leste Europeu e dos Estados de
Bem-Estar Social na Europa. As políticas do “neoliberalismo” vêm
se fortalecendo e atacando a política keynesiana, o distributivismo
do Estado de Bem Estar Social (com a denúncia da crise fiscal), o
gigantismo estatal, acusando-o de burocrático, ineficiente e, sobre-
tudo, os “excessos” de democracia que abrem um exagero de de-
mandas (reivindicações ou mesmo apropriação por setores) sobre o
Estado. Em um segundo momento se torna propositivo em torno de
alguns temas como privatização, desregulamentação, diminuição
dos impostos e encargos sociais, internacionalização da economia,
bem como autonomização dos governos frente ao controle demo-
crático. E ainda: o neoliberalismo pretende tornar-se a última e
mais avançada organização da história da sociedade - o fim da his-
tória - e dessa maneira aniquilar todo e qualquer pensamento críti-
co.
O trabalho desenvolvido em projetos de extensão sofre o
impacto dessas políticas em andamento no país, em particular, na
universidade. Nesses projetos e nos contatos com as comunidades,
elas se externam de diferenciadas formas, desde dificuldades de
instrumentos para efetivarem os projetos até, e sobretudo, a questão
do individualismo que vem impregnando cada vez mais pessoas
alcançadas por esse ideário. Cada dia se torna mais difícil a defesa
de “bandeiras” éticas, como as da solidariedade, preocupações com
a coletividade, tolerância e respeito às pessoas.
Os participantes desses processos não podem deixar de co-
nhecer as formulações políticas dominantes atualmente na socieda-
de e precisam fortalecer-se teórica e politicamente, para tentar di-
minuir o risco de, com a sua ação ou a sua omissão, deixar ainda
mais “o campo aberto para os burgueses”.
A realidade dos projetos analisados exibe, na verdade, um
mundo injusto, violento e profundamente instável. O que está ocor-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 261

rendo assemelha-se mais a um exercício de dominação, expressan-


do uma contra-reforma, tanto econômica e política quanto cultural,
contra as conquistas democráticas e sociais em lugares em que já se
havia chegado a essas conquistas e dificultando ainda mais que
estar sejam alcançadas naquelas regiões onde o desenvolvimento
social é mais rudimentar. O que se vê é desemprego de longa dura-
ção, precariedade quanto aos instrumentos elementares de vida,
pobreza antiga e surto de pobreza nova, pauperização de popula-
ções, problemas de agressão ecológica, impacto e maior distancia-
mento dessas populações em relação à implantação das novas tec-
nologias, exacerbação da exploração do trabalho, aceitação explíci-
ta das desigualdades, além da crise moral (crise esta tanto em âmbi-
to internacional, como nacional). Os agentes de extensão precisam
estar atentos, inclusive, quanto às ações em desenvolvimento nos
projetos, pois é possível a reprodução dessa crise moral, também
dentro desses projetos, considerando a sua presença no interior da
universidade.
As práticas de extensão na perspectiva de trabalho social,
voltadas aos setores subalternizados, abrangem todas essas condi-
ções e problemas, e submetem-nos à análise nos grupos de agentes
de extensão e em reuniões abertas à comunidade. São temáticas que
devem ser apresentadas e que exigem metodologias adequadas para
sua veiculação e seu encaminhamento.
As questões que estão sendo colocadas como pertencentes à
comunidade e da sociedade também dizem respeito à universidade.
A universidade é igualmente submetida à ordem para a realização
das políticas públicas. Contudo, no seu interior é possível constatar-
se, à medida que se efetivam projetos envolvendo particularmente a
pesquisa, questões de ética na produção do conhecimento93. É

93 .
Ver análise sobre a questão em : LIMOEIRO CARDOSO, Miriam. Reflexões sobre ética e produção do conhecimen-
to. ( anotações para pesquisa - versão preliminar). Caxambu, MG, 1994. Texto apresentado na Conferência de Abertura da
17 a. Reunião anual da ANPED (Associação Nacional de Pós - Graduação em Educação). 41p.
262 José Francisco de Melo Neto

quando se destaca a presença daqueles que vêem a universidade


basicamente como espaço de poder, bem como dos que buscam,
sobretudo, vantagens pessoais e corporativas por meio da própria
rotina do trabalho universitário. A universidade abriga dessa manei-
ra muitas contradições as quais, pelo exercício desses projetos vol-
tados à construção da hegemonia dos trabalhadores, vislumbrando
também a pesquisa, passam a ser mais visíveis. Mas a universidade
pode contribuir para o debate e a construção de projetos voltados
para o conjunto da sociedade, projetos pautados em questões éticas
que permitam superar uma ética concebida pela valorização máxi-
ma do sucesso econômico e que afirmem, sim, uma ética pautada “
... pela valorização da responsabilidade social do governante e do
intelectual ...” (Limoeiro Cardoso, 1994: 16).
No confronto entre projetos de universidade, as questões
fulcrais desse aparelho de hegemonia precisam ser mais discutidas
e socializadas, demonstrando-se a importância de sua existência e
as suas potencialidades, mesmo que reduzidas, para os setores su-
balternos da sociedade. O Projeto da ANDES para a universidade
no Brasil defende os seguintes pontos: o padrão unitário de quali-
dade; as diretrizes para definição de políticas acadêmicas de ciên-
cia e tecnologia; o financiamento da universidade; a gestão demo-
crática; a organização da carreira profissional e o incentivo à ca-
pacitação docente além da avaliação institucional tanto externa
quanto interna. Todas essas questões são permeadas pela inegociá-
vel autonomia universitária.
O projeto da Universidade Cidadã para os Trabalhadores,
apresentado e defendido pelo Movimento dos Servidores das Uni-
versidades, através da FASUBRA-Sindical, Federação dos Sindica-
tos que representam os trabalhadores técnico-administrativos em
educação das Instituições de Ensino Superior Públicas do país, de-
fende a necessidade de uma universidade pública e gratuita; a de-
finição do padrão unitário de qualidade; o compromisso social da
instituição; a defesa da democratização da instituição, sendo todas
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 263

essas questões também fundamentadas na necessidade de autono-


mia universitária.
As propostas de ambos os projetos traduzem a resistência ao
modelo de universidade que paulatinamente vem sendo implantado
no país. Essas propostas procuram ir além dos limites já conquista-
dos quanto ao processo de democratização da universidade, ampli-
ando o seu atendimento ao público estudantil, na perspectiva de
uma universidade pública, gratuita, autônoma, de qualidade, laica,
democrática e necessariamente crítica.
Estes são elementos mais diretamente voltados à universi-
dade que podem compor a elaboração de uma pauta de debates a
ser desenvolvida na efetivação de projetos de extensão universitá-
ria. Além da temática universitária, há as questões estratégicas ge-
rais que precisam estar nos embates do cotidiano. As informações
sobre o que ocorre na sociedade brasileira precisam chegar aos se-
tores sociais que dispõem de pouca informação. Assim, os projetos
de extensão revelam-se úteis para essa tarefa, socializando as temá-
ticas que vêm sendo discutidas nos mais diversos espaços como,
por exemplo, as que têm sido discutidas em conferências como as
realizadas em Brasília, promovidas por universidades, organizações
não-governamentais, instituições civis, empresariais e de trabalha-
dores de diferentes Estados brasileiros94. Tanto esse tipo de debate
nacional quanto as práticas sociais trazem temáticas que estão no
dia-a-dia das pessoas, independentemente da localidade em que
estejam vivendo. Por que não promover discussões dos paradigmas
e “modelos” de desenvolvimento, com atenção ao próprio desen-
volvimento da sociedade com um sentido ético, capaz de encami-
nhar o rompimento com a “exclusão” social, cada dia mais expres-
siva? Nessa agenda não podem faltar as discussões sobre o papel do
Estado, especialmente enquanto definidor de políticas econômicas e

94
Ver Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil, primeira e segunda Conferências, realizadas em Brasília, em 1993 e
1995.
264 José Francisco de Melo Neto

sociais, tão ausentes nos projetos aqui analisados. O estudo de toda


essa lógica de exclusão social é fundamental para que os comunitá-
rios e agentes de extensão compreendam melhor os processos soci-
ais dentro dos quais atuam, dando então mais sentido político às
atividades de extensão voltadas aos interesses dos trabalhadores. A
alternativa de desenvolvimento(sustentável), com suas particulari-
dades, também é temática necessária na educação dos setores soci-
ais subalternos da sociedade e na formação de uma ética para as
gerações futuras. A distribuição espacial do desenvolvimento torna-
se central, não como uma variável exógena para depois ser incorpo-
rada, mas como elemento constitutivo do projeto estratégico diante
das discussões e impactos decorrentes da “globalização”. Esse con-
ceito precisa estar voltado à construção do espaço, também enquan-
to globalização da cidadania, a partir de forças sócio-espaciais lo-
cais e regionalizadas.
Em todo esse debate se insere o papel da universidade, so-
bretudo, naquilo que diz respeito às questões da ciência e da tecno-
logia, perpassadas pelo debate sobre a cultura, com destaque para a
veiculação de valores coletivos frente à avalanche do individualis-
mo patrocinada pelas políticas neoliberais. Um debate que é neces-
sário tornar-se mais público, mais regionalizado e mais localizado,
para maior interação com propostas e com diversos atores sociais
dispostos a somarem na direção das mudanças na sociedade brasi-
leira. Os projetos de extensão como um trabalho social voltados aos
subalternizados podem contribuir para “o quadro de uma nova ética
para o desenvolvimento nacional, cuja definição deve ser aprofun-
dada, em termos teóricos, a partir de experimentos concretos, em
curso no País, que podem ser generalizados” 95.
As reflexões sobre as temáticas aqui expostas podem ser a-
presentadas em seminários ou encontros de extensão, ensino e pes-
quisa, na universidade e nas comunidades. Através dessas ativida-

95
Carta de Brasília. Projetos Estratégicos Alternativos para o Brasil. 1a. Conferência Nacional. Brasília, nov/ 1993.
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 265

des instala-se uma forma de socialização e de integração no fazer


acadêmico, seja ele realizado pelo ensino, pela pesquisa ou pela
extensão. Encontros ou seminários dessa natureza alertam para a
necessidade de se estudar e pesquisar temáticas localizadas (sem
que isso signifique defesa de uma “ciência” regional) que parecem
não ter “valor acadêmico” exatamente por serem localizadas, se-
gundo cânones que estão se implantando para a avaliação da produ-
ção de conhecimento. É necessário fazer-se este estudo para maior
conhecimento dessas realidades diferenciadas. Que multinacional
patrocinará pesquisa96 sobre a situação de crianças na Amazônia ou
na região do Semiárido nordestino; sobre o impacto de tecnologias
no ambiente da Zona da Mata no Nordeste; sobre o mundo da eco-
nomia informal fora dos grandes centros populacionais; sobre as
potencialidades da caatinga nordestina ou do cerrado do Centro-
Oeste; sobre a avaliação de carcaças, gordura de cobertura e peso
de bovinos abatidos no matadouro municipal de uma cidade de
interior do país; sobre a regionalização pluvial das águas de um rio
num determinado Estado com pouca expressão econômica no cená-
rio nacional; sobre o emprego do maturi (caju verde) na introdução
do conceito de acidez, ou sobre a análise dos conflitos de terra e
áreas de assentamento? São todos projetos que privilegiam as ques-
tões regionais e até localizadas, objetos de trabalho de extensão e
de pesquisa, embora seja razoável desconfiar que não sejam de in-
teresse do capital nacional ou internacional. E mais: tais pesquisas
só se tornam possíveis caso seja garantida a autonomia da universi-
dade, possibilitando a produção do conhecimento também voltado
às problemáticas regionais ou localizadas.
À medida que projetos de extensão se efetivam como traba-
lho social, do ponto de vista teórico, vão mostrando que a miséria,

96
Estes temas formam uma amostra de projetos apresentados no I Encontro Unificado de Ensino, Pesquisa e Extensão,
composto pelo III Seminário de Avaliação da Monitoria, II Encontro de Extensão e III Encontro de Iniciação Científica,
num total de novecentos e quatorze projetos em andamento na Paraíba, sob a coordenação da UFPB.
266 José Francisco de Melo Neto

por si só, não gera mudanças. O pensamento crítico, por si só, tam-
bém não. Mas ele tem um papel a desempenhar no processo de
transformação da realidade. Nesse sentido, é importante e necessá-
rio o debate de temáticas atualizadas, como as da cidadania e da
democracia política e social; a globalização dos direitos humanos
proclamados; os direitos civis e a igualdade desses direitos para
crianças, jovens e mulheres; o discurso de combate à ditadura do
mercado que instaura a lei do mais forte; a solidariedade entre gera-
ções (ecologia) e a internacionalização de direitos sociais; a dívida
externa e a reforma agrária. Realidades e pensamento crítico preci-
sam estar num permanente confronto, gerando práticas sociais que
contribuam para o delineamento de reivindicações e processos pe-
dagógicos de uma nova formação intelectual e moral em que os
trabalhadores se apercebam de sua própria realidade e se conven-
çam da justeza de suas próprias reivindicações.
Parece necessário vislumbrar-se um horizonte, pois não é
possível movimento social conseqüente sem um projeto no hori-
zonte. Há dilemas que vão se configurando com a realização de
projetos de extensão quanto às práticas dos agentes do trabalho
social, como o incentivo de se ter as mais diferenciadas práticas
possíveis contribuindo para esse projeto de horizonte, que, por ou-
tro lado, corre o risco, com esta fragmentação, de perder esse hori-
zonte. Outro problema que convém não esquecer são as tentativas
de cooptação de membros de equipes, seja da universidade ou da
comunidade, pelos setores dominantes, caracterizando o processo
político que Gramsci chama de ‘transformismo’ e que gera situa-
ções cuja superação ou “controle” é quase impossível. Também
começa a crescer, ainda mais, a influência dos setores conservado-
res de igrejas, particularmente a Igreja Católica, em decorrência das
posições políticas que passam a adotar com o remanejamento de
dirigentes religiosos que, na região, estavam mais comprometidos
com os setores subalternos da sociedade. Muitas organizações go-
vernamentais, às vezes, estão se transformando no próprio movi-
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: uma análise crítica 267

mento social e seus dirigentes passam, dessa maneira, a substituir


as próprias lideranças dos trabalhadores, tornando-se o próprio mo-
vimento. Há uma espécie de translado das direções dos movimen-
tos, que passam a ser ocupadas por essas assessorias. Os movimen-
tos, assim, se tornam apenas temas de estudos para intelectuais,
desaparecendo seus conflitos, suas confrontações, quando são anu-
lados os “verdadeiros” atores sociais.
Mas a universidade se insere como elemento propulsor para
o projeto de modernização conservadora em curso no país e no
mundo. A ela está reservado um papel, que é o de divulgar e garan-
tir a efetivação desse projeto como um aparelho de hegemonia do
Estado.
Cabe às forças internas comprometidas com um movimento
democrático resgatar as contradições daquele projeto, à medida que
se formula e se implanta. Para isso parece necessário restabelecer
possíveis laços da universidade com as lutas sociais, a luta demo-
crática, promover a produção de um conhecimento da realidade que
seja relevante socialmente na ciência, na arte, na filosofia, produ-
zindo e fortalecendo uma cultura inovadora, aberta e crítica. Esses
laços, essas lutas e esses saberes podem trazer contribuições valio-
sas para montar e implantar uma nova agenda voltada para uma
sociedade livre, igualitária, justa - socialista. Isto, no entanto, está
por ser construído. A universidade pode ter aí um papel de desta-
que.
268 José Francisco de Melo Neto

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