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NATUREZA DA AÇÃO: NOÇÕES PRELIMINARES

1. Introdução
a. É mediante a ação que a parte provoca a atividade do Estado-juiz, assim obrigando-o a dar a
resposta que prometeu quando, assegurando-se do monopólio da dicção do direito, vedou ao
particular o exercício da justiça pelas próprias mãos.
b. Conceito de ação: direito subjetivo, de índole pública, dirigido contra o Estado.

2. A Actio romana
a. [...] a ação romana tinha o significado de pretensão, de modo que ter a actio equivalia a ter uma
pretensão a algum bem de vida.
b. “[...] quando os romanos dizem que alguém tem uma actio, que a alguma pessoa corresponde uma
actio, pretendem dizer com isso precisamente aquilo que intentamos dizer quando atribuímos a
alguém um direito, uma pretensão (Anspruch) jurídica’” (p. 404)

3. A teoria imanentista da ação


a. Contexto histórico: a partir da Idade Média até meados do século XIX;
b. “[...] a ação nada mais seria que o próprio direito material que, uma vez violado, assumiria uma
nova forma” (p. 404-405)
c. Direito assumia um “estado de defesa”
d. “[Segundo João Monteiro] ‘Ação (Actio juris) é a reação que a força do direito opõe à ação
contrária (violatio juris) de um terceiro; é o movimento de reequilíbrio; é um remédio’”
e. “[...] a ação é imanente do próprio direito substantivo, [...] faria parte do próprio direito
substancial, de que emanaria como forma de reação à violência sofrida ou ante a simples ameaça
de fazê-lo” (p. 405)
f. Negava-se à ação o caráter de direito autônomo, ela seria apenas o resultado de sua transformação
em seguida a uma violação sofrida ou em face de uma ameaça.
g. Críticas:
i. Não explica quando um juiz julga improcedente uma ação, isto é: apenas teria ação
aquele que, ao final do processo, vê sua demanda ser julgada como procedente.

4. A polêmica Windscheid-Muther
a. Windscheid demonstrou que a actio romana corresponderia ao conceito contemporâneo de
pretensão (Anspruch) e que não se confundia com a ideia moderna de ação; também mostrou que
a actio tinha precedência sobre o direito: este se decorreria do reconhecimento, pelo pretor, da
existência daquela.
b. Muther defendeu a tese de que para os romanos a actio fosse um prius e o direito um posterius,
dela nascido. Sustentava que em Roma a actio constituía um direito de agir, autônomo,
dirigido contra o Estado, para cobrar-lhe pretensão de tutela mediante coação.
c. Resultou dessa polêmica “a consciência da distinção entre os conceitos romano e moderno de
ação e o reconhecimento da independência desta ante o direito material, que ela pretende
assegurar e fazer valer”.

AÇÃO MATERIAL
1. Introdução
a. Conceito de ação material: “poder jurídico atribuído ao titular de um direito subjetivo, para
impor sua satisfação ainda que contra a vontade e sem a cooperação do sujeito passivo da
relação jurídica” (p. 409)
b. A ação material é o agir do titular do direito subjetivo;
c. Existem casos excepcionais em que a lei admite tutela privada dos direitos, como desforço
possessório, greve, estado de necessidade e de legítima defesa, entre outras possibilidades;
2. Conceito de ação em sentido material
a. “[...] é um pode jurídico de exercer alguma faculdade, decorrente da lei, isto é: da incidência de
uma regra jurídica sobre um fato determinado” (p. 410)
b. “Não há direitos subjetivos preexistentes, mas, sim, a criação de direitos subjetivos pela ordem
jurídica” (p. 410)
c. Princípio da correlatividade dos direitos e deveres sintetiza “a ideia de que a todo direito de
alguém corresponderá a obrigação de um, de várias, ou de todos os demais sujeitos” (p.
411)
i. Exemplo de momentos da relação jurídica: aquisição e invasão de uma casa, que passa
por cinco momentos, quais sejam o suporte fático (compra do imóvel), que resulta
em um direito (direito subjetivo à propriedade), que se vê em estado crítico pela
ameaça de invasão de um terceiro, resultando na manifestação externada da pretensão
no sentido de o possível invasor desrespeitar o direito (pretensão). Contudo, se a
invasão continuar, adquire-se o poder de exigir a reposição das coisas ao status quo
anterior (ação de direito material), realizado em caráter pré-processual. Não surtindo
efeito, pode-se invocar a tutela jurisdicional do Estado (ação processual)” (p. 411)
d. A ação material envolve, pois, o exercício do próprio direito, por seu titular.
e. Antecede a ação processual;
i. Pode se manifestar por meio de contato pessoal, notificação, defesa de titularidade,
etc.

3. As ações materiais típicas


a. Preocupação por enumerar e distinguir os diversos tipos de ações;
b. Corrêa Teles classifica as ações nas seguintes categorias:
i. Ações prejudicais: relativas à defesa dos estados de liberdade, de cidadania e de
família;
ii. Ações reais: pertinentes aos direitos sobre as coisas;
iii. Ações pessoais: obrigações de dar, fazer, ou não fazer;
iv. Ações mistas: quando oriundas dos direitos reais e pessoais simultaneamente.

AÇÃO PROCESSUAL

1. A ação de direito processual


a. A autonomia da ação em sentido processual significa que a ação é um direito distinto do direito
subjetivo material, que o autor alega haver sido lesado ou estar sob ameaça de lesão;
b. “[...] o direito subjetivo público de ação é autônomo em relação a ele: direito de índole
instrumental, dirigido contra o Estado (e não contra o adversário) ao objetivo de reclamar a
prestação da tutela jurisdicional, que não se pode obter pelas próprias mãos, porque é monopólio
do Estado.” (p. 414)
c. “A vertente instrumentalista, que caracteriza a atual quadra dos estudos processuais,
principalmente em sua feição de instrumentalismo ético, reclama uma reaproximação entre
processo e direito, sem prejuízo da autonomia do direito de ação em face do direito
substancial que se discute em juízo.” (p. 415)
d. “Pode-se dizer, pois, que o direito processual é ciência que tem por escopo a construção de
um método adequado à verificação sobre a existência de um direito firmado, para conferir
tutela jurisdicional àquelas situações da vida efetivamente amparadas pelo ordenamento
material.” (p. 415)
e. “A jurisdição atua sempre em função de um direito afirmado. A ação não pressupõe direito
existente, mas exige-se a afirmação de um direito material para seu exercício.” (p. 415)
2. A ação como direito abstrato
a. Expoentes: Alfredo Rocco, Dagenkolb, Plósz;
b. “[...] a ação reputa-se como um direito abstrato, porque seu exercício independe da existência
do direito material alegado em juízo, sendo concedido, a quem quer que se dirija aos órgãos
jurisdicionais, apenas pelo fato de ser um sujeito de direitos. É direito abstrato ainda, porque
acessível tanto àquele que o tenha, quanto a quem não tenha razão quanto ao mérito da
respectiva postulação. ” (p. 416)
c. Mesmo quando o juiz declara determinado pedido como improcedente, há ação, só não há, de
fato, direito material a ser tutelado.

3. Ação como direito concreto


a. “Adolph Wach [...] Identificou na ação um direito voltado contra o Estado e,
simultaneamente, contra o adversário: este seria obrigado a suportar os efeitos da ação e
aquele estaria compelido a conceder a tutela jurídica, que prometeu” (p. 417)
b. “[...] apenas tem o direito de ação quem tenha efetivo aparato jurídico par sua pretensão, vale
dizer, aquele que tem direito à sentença favorável” (p. 417)
c. “[...] distingue direito de ação, concreto e autônomo [... e] faculdade de demandar, que cada
um pode exercer livremente, porque todos têm pretensão a uma sentença” (p. 417)
d. “[...] se alguém propuser uma ação e, ao fim, a sentença lhe for adversa, não teve ação,
propriamente, mas meramente exerceu a faculdade de ajuizar uma demanda” (p. 417)

4. Ação como direito potestativo (Autônomo)


a. Concepção de Chiovenda: “[...] a ação seria um direito potestativo, dirigido contra o
adversário, a quem colocaria em estado de sujeição. ”
o “Um direito potestativo caracteriza-se, fundamentalmente, por ter como conteúdo
um poder jurídico, sem que se precise cogitar, propriamente, de um dever
alheio: quem o exerce, exerce-o independentemente de qualquer atividade de
outrem” (p. 418)
b. Segundo Chiovenda, existem dois grupos de direitos:
o Direitos prestacionais: tendem a alcançar um determinado bem de vida e
dependem, portanto, da prestação, positiva ou negativa, de outra pessoa;
o Direitos potetativos: tendem à modificação do estado jurídico existente, cujos
titulares não estão condicionados à atividade de quem quer que seja, agindo
unilateralmente, tanto para criar um novo estado jurídico, como para extinguir
um estado jurídico já existente. (ex: direito de impugnar contratos, testamentos,
deliberações de assembleias, o direito à divisão da coisa comum, o direito à
prelação para satisfação de créditos).
 “[...] em relação a uma pessoa [...] que não são vinculadas a qualquer
obrigação para com ele, mas se encontram apenas em estado de sujeição
ao efeito produzido, sem poderem evitá-lo” (p. 419)
c. Direito de ação = direito potestativo. Trata-se de “[...] um poder diante do adversário (não em
face do Estado), poder que determina um estado de sujeição da outra parte, sem que lhe
corresponda qualquer obrigação de prestar alguma coisa”.
d. Ainda difere direito de ação, de exercício de demanda, ou seja, só tem ação quem tem direito a
sentença favorável.

5. Ação como espécie do direito de petição (Autônomo e Abstrato)


a. Considera-se a ação um direito abstrato, ou seja, que pode ser exercido por qualquer pessoa,
independentemente de boa-fé e de sincero convencimento. Trechos da lição de Lodovico
Mortara:
i. “[...] qualquer sujeito tem direito a que o órgão jurisdicional competente considere
sua pretensão, exposta com observância das formas ditadas pela lei processual”
ii. “A ação, pois, vive e atua prescindindo do direito que o autor quer ver protegido”
iii. “[...] desvio [...] da exigência de reclamar no demandante um ‘convencimento
sincero’ de seu direito. A ação pertence ao litigante sincero e ao insincero”
b. “Este [direito de petição] seria o gênero, do qual aquela [ação] seria a espécie”

6. Ação como direito ao julgamento de mérito (Teoria Eclética)


a. Enrico Tullio Liebman [...] formulou a teoria da ação como direito a uma sentença de mérito.
b. Ação seria um direito subjetivo, assegurado tanto ao autor como ao réu, autônomo em relação
ao direito substantivo, dirigido contra o Estado, para a obtenção de uma sentença de mérito;
c. Condições para o exercício da ação:
i. Interesse de agir;
ii. Legitimidade das partes;
iii. Possibilidade jurídica do pedido (posteriormente abandonada).
d. Teoria adotada pelo CPC/1973
i. Art. 3º “Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”
ii. Art. 6º “Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando
autorizado pela lei”;
iii. Art. 301 “Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
[...] X – Carência de ação”
iv. Art. 295 “A petição inicial será indeferida:
[...] III – Quando o autor carecer de interesse processual”
v. Art. 267 “Extingue-se o processo, sem resolução do mérito:
[...] VI – Quando não ocorrer qualquer das condições da ação, como a
possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”

7. Conclusão: conceito de ação processual


a. Em seu sentido puramente processual, a ação pode ser conceituada nos termos seguintes:
i. Trata-se de um direito subjetivo público;
ii. Autônomo, em relação ao direito material, cuja tutela se propõe;
iii. Possui caráter abstrato;
iv. É dirigido contra o Estado

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