Você está na página 1de 3

“Esse inevitável movimento pendular entre o

que se tem por sabido e as evidências


empíricas da sua incompletude nada tem de
novo. Pelo contrário, é na esfera do confronto
do saber acumulado com novas indagações
postas pelo presente que tem sido definida,
como ainda hoje continua sendo, a escala de
relevância do saber (re)constituído.”1

O processo de independência é um dos temas mais clássicos da historiografia brasileira. A


sua complexidade, os agentes e fatores envolvidos, as diferentes paixões políticas 2, as
particularidades do processo das independências, entre inúmeros fatores contribuíram para que se
aglutinassem muitos trabalhos sobre esse assunto, nas mais diferentes temáticas.
Nesse trabalho pretendo levantar os principais pontos que hoje alçam esse objeto de estudo
a um dos mais debatidos e revisitados da atualidade, levando em conta diferentes perspectivas e
bibliografias, bem como analisando e articulando-as criticamente. As análises aqui competem
Desde a eclosão do antigo sistema colonial, representada pela vinda da Corte em 1808 até a
constituição de 1824 ocorreram profundas e rápidas mudanças as quais, ao mesmo tempo que
mostravam a ruína da relação anterior de Portugal com sua principal colônia, elucidavam uma
conjuntura complexa, plural, inovadora e, indissociavelmente, conflituosa.
Uma dinâmica importante, introduzida na historiografia mais recente, é a de se trabalhar
regionalmente com o processo de independência, permitindo novos enfoques historiográficos a
partir da particularidade de cada local do vasto território luso-brasileiro. Outrossim, dissecar os
conflitos, as relações econômicas, as disputas dos poderios locais e a formação das identidades
étnicas e sociais em partes3 do vasto território brasileiro, constrói uma perspectiva mais completa
desse período.
A política na América portuguesa e o desencadeamento de fatores que levaram à
emancipação desde 18084 são temas extremamente relevantes. Se faz necessário reconhecer todas as
partes do Brasil como um mosaico5; o qual engloba, em cada uma de suas partes, peculiaridades
que definem a maneira que os impactos das decisões da Corte no Rio de Janeiro chegam; de que
maneira a pretendida centralização do poder é de fato efetiva, e como cada local reage a isso.

1
2
3
4 Tal emancipação é desencadeada em 1808, e consumada oficialmente em 1824.
5
Entender os agentes sociais como manifestações políticas, do enfoque privado ao público,
significa reconhecer as mais diversas formas de consciência coletiva da época, e confere agência às
organizações sociais que influenciaram de maneira categórica nos processos relativos ao final do
século XVIII e início do século XIX. Importante também historicizar o Estado, que, através de suas
estratégias de ação, naquele momento, cria dissidências e enfrentamentos, acentua polarizações, e
procura novos instrumentos de consolidação e espalhamento de seu poder centralizante.
João Paulo G. Pimenta (2009) propõe a seguinte reflexão:
“Embora a transferência da Corte para o Brasil tenha renovado, dentre os súditos
portugueses, as condições para a afirmação de suas tradicionais lealdades postas em xeque
pela crise política européia, o acontecimento em si representava uma novidade suficiente
para começar a inovar a visão de história – portanto de mundo – prevalecente.”6

A Crise do Antigo Sistema Colonial

“A crise não aparece à consciência dos homens como modelo em vias de


esgotamento, mas como percepção da perda de operacionalidade de formas
consagradas de reiteração da vida social. Em outras palavras, é na busca de
alternativas que a crise se manifesta, é nela que adquire efetiva vigência” (1996a,
p.203).

Impossível falar na crise daquele momento sem elucidar os conceitos de crise para estes
dois autores. Fernando A. Novais, em sua obra “Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema
Colonial, 1777-1808”, considera crise como um momento redefinidor. Dessa forma, a crise se dá,
para Novais, no momento em que a colônia começa a surpassar a metrópole em exportações,
anunciando uma crise entre os laços entre Portugal e a América Portuguesa. Já Istvan Jancsó propõe
uma complexificação do termo, admitindo-a não somente como uma crise no sentido de uma
progressiva queda, mas sim como um momento com plurais possibilidades de renovação,
Na colônia, quem em momentos anteriores havia vindo para conquistar, nessa situação já
era propriamente um colono. Os radicados nas colônias7 , imersos nas contradições e abismos que o
sistema colonial possuía, constituíam as mais diferentes formações sociais; essas, que tinham uma
relação assimétrica com a esfera peninsular.
Sendo assim:
“A contrapelo do que se dava no reino, cuja sociedade ajustava-se aos padrões da
civilização das Luzes e às exigências de um capitalismo em acelerada expansão,
as da América portuguesa reforçavam seu caráter escravista, no que, de resto, não

6
7
diferiam do que era comum aos domínios ultramarinos das potências européias da
época moderna.”8 (JANCSÓ, p. 261)

Frente às inúmeras contradições e assimetrias do sistema então vigente, as elites de


diferentes regiões dos brasis se politizavam, defendendo cada qual seu benefício correspondente. As
demandas seguiam uma lógica de instrumentalização do sistema para adequação dos suas
necessidades produtivas regionais.
Situando economicamente à época, um senhor de escravos que obtia largas riquezas
utilizando-se do tráfico, no modo de pensar colono não estava sujeito aos imperativos que
predominam até hoje, e que começaram a predominar a partir do século XIX. Imperativos esses que
iam lentamente se estabelecendo, mas que ainda não eram determinantes do modo de empreender.
Esse senhor preferiria investir boa parte desse valor em títulos com a Coroa, fato esse de suma
importância para delinear as relações econômicas da elite senhorial com as forças metropolitanas, e,
principalmente, com a própria Coroa lusitana. O prestígio social, os títulos, as terras e a ampliação
de seus poderes - que se espalhava diante do vasto território – tinha relação direta com a
proximidade da nobreza, mais que a riqueza per se.
As elites coloniais de maneira alguma sincronizavam suas ações, e seus modos
operacionais eram determinados por quais dificuldades localmente eram encontradas. A moldura,
segundo Jancsó, do domínio político na Monarquia era um “círculo de giz”, dada a fragilidade do
agrupamento ali presente, que fora sendo rompido e subvertido por essas elites diversas. Por
suposto, isso é deduzido das relações profundamente conflitante entre essa “classe” que, tanto
internamente, quanto externamente ao seu territórios, encontrava impasses e barreiras de atuação;
nessas, utilizando-se como solução a razão política.

8JANCSO, István. Brasil e brasileiros: notas sobre modelagem de significados políticos na crise do Antigo Regime
português na América. Estud. av.,  São Paulo ,  v. 22, n. 62, p. 257-274,  Apr.  2008 .   Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142008000100017&lng=en&nrm=iso>. access on  21 
Nov.  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40142008000100017.

Você também pode gostar