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Capítulo I

A fenda e a câmara secreta

Em 1780, uma expedição comandada por Virgílio Cândido encontrou no


extremo ocidente da floresta amazônica um misterioso e solitário templo de
uma civilização primitiva. A arquitetura e os desenhos pintados em suas
paredes indicaram tratar-se de uma construção inca esquecida após o
desaparecimento sinistro de sua população.
Através de uma fenda retangular e pequena no átrio central do templo era
possível enxergar uma câmara secreta. Do outro lado da grossa parede de
pedra, a fenda mirava um enorme altar decorado com entalhes enigmáticos e
adornado com indistinto artesanato, aparentemente, feito de ouro. Durante o
dia, uma luz amarelada intensa brilhava dentro da câmara religiosa. Os
exploradores não tiveram dúvidas de que aquele lugar guardava um fabuloso
tesouro.
Virgílio Cândido rastejou com dificuldade pela passagem fria e úmida no
piso do átrio central que dava acesso à câmara secreta. E nunca mais foi visto.

Capítulo II
A maldição de Pachacamac

Em 1832, Nestor Bertholdi conseguiu traduzir as inscrições nas paredes


de pedra do templo esquecido no meio da floresta equatorial. Elas narravam o
sofrimento do povo nativo contra a maldade do “homem branco”, que o
dizimava. Também preveniam exploradores contra uma maldição de morte
lançada pelo deus Pachacamac.
Sob o débil crepúsculo de um longo dia de trabalho exploratório, Nestor
Bertholdi infiltrou-se, apertado, pela entrada baixa e angular da passagem entre
o átrio central e a câmara do altar de ouro. Golpeando-se contra as paredes do
entroncado e musgoso caminho, desapareceu para sempre sem deixar
vestígios.

Capítulo III
A expedição de Gaspar Coelho

Várias expedições atravessaram a gigantesca floresta, ao longo de muitos


anos, tentando recuperar o tesouro que presumiam encontrar-se encerrado no
misterioso templo. Todos que entravam na passagem rumo à sala secreta
desapareciam. O mito da maldição de Pachacamac apenas se tornava mais
sombrio e desolador à medida que os desaparecimentos ocorriam.
Estamos em 1989. Eu sou Gaspar Coelho e me atrevi a entrar no
minúsculo corredor rasteiro a fim de atravessar a grossa parede de pedra no
átrio do templo. Um dos membros de minha expedição observava pela fenda
retangular a câmara secreta, à espera de meu retorno. Já se passaram vinte e
quatro horas e, certamente, todos já devem ter deixado, aterrorizados, as
macabras ruínas. Assombrados pela maldição que me levou para sempre da
vida no mundo exterior.
Capítulo IV
O segredo do templo

Eu não tive dúvidas de que era uma simples, porém comprida, passagem
na forma da letra “L”. Ao avançar na curva do estreito e gelado caminho,
movendo-me como um verme, rastejando sobre meus próprios braços,
inesperadamente, senti o piso desaparecer abaixo de mim.
Seria impossível a qualquer humano se segurar nas bordas do buraco
aberto. Uma espécie de alçapão, engenhosamente construído para aprisionar
invasores e enviá-los para a morte certa.

Capítulo V
O ninho de cobras

Não obstante o silêncio fosse total, um mover furtivo e pavoroso dissipou


toda a dor do osso exposto em minha perna direita após queda. Eu estava num
fosso escuro e podia sentir a presença de cobras me espreitando. A dor, o
espanto e o medo eram insuportáveis. E eu sabia, pela escuridão acima de
minha cabeça, que ninguém me ouviria gritar por socorro. Eu estava preso
àquele mundo subterrâneo e oculto.
Água escorria de maneira frouxa por dentro de uma calha em uma das
paredes, mas não chegava a inundar o buraco onde me encontrava. A
companhia penumbrosa das serpentes me fez mover-me em direção a um
facho de luz no lado oposto ao da calha. Bati a cabeça. Abaixei-me mais,
quase que deitando meu rosto no chão ensopado. Uma nova passagem,
obtusa, não menos estreita que o local onde eu me encontrava, revelou-me
uma antecâmara mal-iluminada do outro lado da escuridão do fosso. Antes que
eu pudesse me arrastar em direção à luz, senti os dentes afiados de uma
serpente se encravarem em minha perna quebrada.

Capítulo VI
O encontro

Desesperado, empenhei toda a força que ainda me restara para arrastar


meu corpo castigado e sôfrego através do caminho subterrâneo de pedras.
Desolado e febril, alcancei a desgraçada sala parcamente iluminada. Ao
enxergar fracamente as ilustrações e entalhes funestos nos dísticos da parede
circular da recâmara, uma certeza apunhalou todas as minhas esperanças:
aquela seria minha tumba, o local de meu sepultamento. Vários corpos
humanos, carcomidos e deteriorados, estavam dispostos de maneira singular.
Amontoados, descreviam, pela posição em que se encontravam, suas
tentativas estarrecedoras e frustradas de alcançar a única saída daquela
prisão: uma ínfima abertura na elevada abóbada do recinto.
Embora eu tivesse conseguido sair vivo e alquebrado do ninho das
serpentes, ainda me encontrava condenado à morte nas profundezas do
templo selvagem. Tantos outros fracassaram. Era-me impossível crer na
sobrevivência contra toda a lógica imposta pela circunstância.
Capítulo VII
O cair da noite

A luz frouxa que entrava através da abertura do teto da recâmara


certamente chegava até aquele lugar maldito após várias reflexões. Jamais
saberei se os construtores daquela bizarra e ameaçadora armadilha fizeram
uso de espelhos ou de pinturas para direcioná-la.
Horas devem ter se passado, enquanto eu gritava e me contorcia no
chão, atormentado pela dor. Meu corpo atingiu um nível mórbido de exaustão,
quando consegui me deitar sobre um monumento de superfície plana no centro
da sala, lugar mais seguro contra o ataque de uma serpente.
O cair da noite foi horrendo. Levou-me à loucura com a escuridão que me
cercou e com o medo que se apoderou de todos os meus sentidos. Meu estado
febril me fez ver fantasmas dentro daquele túmulo de pedra em que eu me
encontrava encarcerado.

Capítulo VIII
Mensagem para a posteridade

Fiquei sobressaltado com a inteligência e engenhosidade da civilização


que construíra aquele templo labiríntico no meio da gigantesca floresta
amazônica. Durante todo o período noturno daquele que caminhava para ser
meu último dia de vida, recebi literalmente a mensagem deixada pelos
construtores da tumba.
Entalhes e pinturas nas paredes fluoresciam numa sequência perfeita e
cadenciada. Deduzi que aquele efeito dinâmico só poderia ser criado pelo
reflexo da luz da Lua em canais inalcançáveis e invisíveis criados,
intencionalmente, através da rocha que formava a abóbada da recâmara.
Consegui interpretar praticamente todas as inscrições e desenhos que surgiam
fantasmagoricamente. A mensagem do povo, que dali fora afugentado pelos
europeus, falava sobre a ganância que conduz o homem a um destino de
morte.

Capítulo IX
A verdade sobre o templo

Ao raiar do dia, senti meu corpo estremecer e convulsionar. Eu sabia que


estava morrendo. Lembranças de toda minha vida me assaltavam
assustadoramente, enquanto meus pensamentos buscavam a misericórdia de
Deus. Eu estava faminto e sedento, cheio de dores e enregelado. Consciente,
porém, de que minha ambição pelo tesouro do templo havia me levado àquele
momento terrível e final de agonia. Horas se passaram em completo e
assombroso silêncio. Minha única tarefa seria esperar pela morte. Não havia
como escapar daquela jaula de pedras.
Antes de meu último suspiro, ri de minha ignorância ao perceber que,
durante toda minha busca e estudo sobre aquela civilização perdida, não atinei
para o fato de que aquele lugar poderia não ser um santuário. Quem poderia
atinar para isso?
As ruínas sempre estiveram desertas, nunca um explorador encontrou um
cadáver ou sequer ossos de um nativo. Por fim, concluí que eu não estava
dentro de um santuário, mas de uma enorme sepultura, uma gigantesca cripta,
um mausoléu.
Os descendentes dos incas que ali se instalaram erigiram aquela
construção para mostrar ao homem o poder aprisionador e mortal de sua
própria ambição por tesouros que não lhe pertencem. Não haveria de encontrar
ouro nem riquezas na sala frontal e oculta ao átrio central. A fenda e o reflexo
dourado no altar, por certo, eram mais um efeito ilusório criado pelos
inteligentes construtores. A verdadeira maldição de Pachacamac.

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