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TRABALHO SOBRE O REQUIEM DE FERI MANUEL CARDOSO

Pequena introdução à biografia do compositor:


Frei Manuel Cardoso nasceu no dia 11 de dezembro de 1566 e
morreu no dia 24 de novembro de 1650 e é uma das quatro grandes
figuras da escola renascentista em Portugal juntamente com os
compositores Duarte Lobo, Estevão de Brito e Filipe de Magalhães, todos
contemporâneos tendo vivido na segunda metade do século XVI e na
primeira do séc. XVII. Pensa-se que Cardoso terá nascido perto da
fronteira com Castela na zona de Portalegre e que, antes de se ter
mudado para Lisboa e de se ter comprometido com a ordem carmelita no
Convento do Carmo em 1589, tenha cantado muitas missas com a
Catedral de Évora desenvolvendo assim um fascínio pela música coral.
Entre 1618 e 1625 o compositor trabalhou para o, então, Duque De
Bragança, (que viria mais tarde a tornar-se Rei D. João IV de Portugal) e
sendo o jovem Duque também interessado em música, a publicação de
duas das cinco coletâneas do trabalho conhecido de Cardoso foram pagas
pelo monarca português.
Obra:
Atualmente estas cinco coletâneas são os únicos vestígios do
trabalho de Cardoso que se conhecem. Os cinco livros foram publicados
em 1613, 1625, dois em 1636 e o último em 1648 contendo os três do
meio praticamente só missas e o primeiro o último sendo coleções de
Magnificats e Motetes. Sabemos que o primeiro livro de missas (1625) foi
inteiramente baseado em motetes compostos pelo artista Italiano
Giovanni da Palestrina o que explicaria o domínio completo de Cardoso
sobre a música renascentista do séc. XVI, o segundo livro (1636) terá sido
composto a partir de motetes compostos pelo próprio Duque de Bragança
e o terceiro livro é um conjunto de seis obras (duas a quatro, duas a cinco
e duas a seis vozes) baseadas num motete composto pelo Rei Filipe IV de
Espanha. Cardoso não foi muito conhecido nem publicado no estrangeiro
apesar de ter sido em Portugal o compositor mais publicado do seu tempo
em parte devido ao facto de a casa de Plantin em Antuérpia ter recusado,
em 1611, a sua proposta para publicação da sua primeira obra. Não se
tem a certeza de que tipo de composições poderão ter sido desenvolvidas
por Cardoso num estilo já barroco uma vez que se pensa essa parte da sua
obra terá sido perdida com o terramoto de 1755.
Requiem e 1º livro de missas:
Antes de mais, um Requiem é, na sua definição mais simples, uma
missa composta para proporcionar repouso a uma alma ou almas de fiéis
católicas. Do Latim, Missa Pro Defunctis ou Missa Defunctorum este
género musical tem uma forma fixa específica com algumas secções
opcionais. O Requiem de Frei Manuel Cardoso tem oito andamentos:
1º- Introtius: Requiem aeternam
2º- Kyrie
3º- Graduale ( Requiem Aeternam e In Memoria)
4º-Offeretorium: Domine Iesu Christe)
5º- Sanctus & Benedictus
6º- Agnus Dei I II e III
7º- Communio: Lux Aeterna
8º- Responsorium: Libera me
Apesar de ser categorizado como estilo renascentista tendo sido
publicado em conjunto com o primeiro livro de missas (1625) já se
enquadra num movimento renascentista um pouco tardio, possuindo uma
linguagem única e específica de mistura entre o estilo renascentista de
Palestrina, por exemplo e as novas ideias exploradas por Monteverdi e
pela nova escola barroca italiana. Este movimento maneirista amadureceu
tardiamente nos países de extremos da Europa como a Península Ibérica,
Inglaterra e Polónia onde se fez música coral “à capela” até metade do
séc. XVII enquanto no resto da Europa este tipo de música já era
considerado antiquado, substituído pelas ideias inovadoras italianas. É
muito interessante observar e analisar de compositores pertencentes a
este movimento renascentista tardio (ou maneirismo) pois
inevitavelmente terá vestígios e influências do novo movimento a ser
desenvolvido na Europa central formando um estilo intermédio que se
pode entender como o cruzamento dos dois movimentos.
Este estilo contem alguns elementos claramente renascentistas e
outros que seriam impensáveis apenas 100 anos antes em pleno
renascimento. Isto pode ser comprovado logo nos primeiros compassos
do Requiem. No entanto, depois disto temos uma obra claramente
polifónica e não homofónica composta utilizando a velha técnica da
imitação e com todas as características da Missa de Paráfrase sugerindo
uma forte influência da terceira geração da escola Franco-Flamenga e de
Josquim Desprez.
No início do primeiro andamento da obra podemos logo ver as
influências da polifonia barroca através de um choque de 4ª aumentada
entre o lá do tenor que abre a obra e o “mi b” do segundo soprano; sendo
também muito interessante observar que um dos últimos intervalos do
último andamento (Libera Me) é também uma 4ª aumentada. Estes
intervalos juntamente com algumas passagens cromáticas são muito
habituais no tipo de linguagem maneirista de Cardoso, uma vez que a 4ª
aumentada resolve habitualmente, cromaticamente para uma 5ª perfeita.
Analisando mais profundamente o aspeto formal da obra podemos
encontrar bastantes semelhanças com o Requiem para seis vozes de
Tomás Luis de Victoria composto apenas uns 30 ou 40 anos antes. Por
exemplo o facto de termos a linha melódica principal num dos sopranos
em vez no tenor como habitual e a polifonia com ritmos de valores longos
forma uma linha melódica longa e quase homofónica, raramente
interrompida por movimentos cadenciais o que sugere ao ouvinte uma
sensação de intemporalidade. Esta sensação é atingida através da
disposição do tactus da harmonia em mínimas e da linha melódica em
semibreves. No Offertorium pode notar-se uma quebra deste padrão
intemporal uma vez que o texto pede uma linha melódica mais rápida e
agitada com passagens como “Libera eas de ore leonis” (libertai-as da
boca do leão, sendo o leão o diabo).
Chegando por fim ao último andamento da obra podemos reparar
que para além de ser apenas a quatro vozes e não seis como o resto da
obra, a ousadia de Cardoso volta a ser evidente ao criar uma secção
polifónica sobre as palavras “Dum Veneris”, na frase “Dum veneris
judicare saeculum per ignem”; que quando analisamos Palestrina,
considerado o modelo a seguir por todos os compositores católicos a
partir do Concílio de Trento; é entoado monodicamente. Apesar de algum
trabalho investigativo feito nesse sentido, não se sabe para quem foi
composto este Requiem.

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