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O Réquiem de Mozart

“Prezado Senhor!
Seguiria de bom grado o seu conselho, mas como o faria? A minha cabeça
está confusa de tanto esforço, e não sou capaz de afugentar a imagem da
presença daquele estranho. Vejo-o sempre diante de mim, me pede, apressa
e exige impacientemente o trabalho. Eu o continuo, pois compor me cansa
menos do que o descanso. De resto, não tenho mais o que temer! Aquilo que
observo em mim me faz sentir que chegou a minha hora, estou às portas da
morte. Terminei antes de poder gozar o meu talento. Porém a vida não
deixou de ser bonita, minha carreira iniciou-se de modo auspicioso, porém
não é possível mudarmos o nosso próprio destino. Ninguém determina o
número de seus dias, temos que nos conformar, que aconteça o que agrada
ao destino. Termino, não devo deixar minha canção fúnebre inacabada.
Viena, setembro 1971”
Essa carta de Mozart, já acometido pela doença que em três meses o levaria,
- provavelmente endereçada ao libretista Lorenzo da Ponte segundo os
biógrafos, que na ocasião o convidara ao acompanhá-lo em sua mudança para
Londres – mostra um pouco das circunstâncias no período da encomenda e
composição do famoso Réquiem, comissionado por emissário que, na ocasião,
era um total misterioso e desconhecido. Sabe-se pela posteridade que esse
estranho contratante fora enviado pelo conde Franz von Walsegg, que
solicitou sigilo absoluto sobre o autor da obra, para que pudesse apresenta-la
como uma composição sua em homenagem ao então recente falecimento de
sua esposa.
Apesar da abnegação em relação ao seu fatal destino, é interessante observar
a relação de intimidade e conformação que Mozart tem com a morte. Há um
outro registro em uma carta endereçada ao seu pai, datada de 4 de abril de
1787 (mais de quatro anos antes de seu falecimento), que nos diz um pouco
mais sobre seu pensamento sobre o assunto:
“...Como a morte (a rigor) é o real destino final de nossas vidas, de alguns anos
pra cá fiz tão boa amizade com este verdadeiro e melhor amigo dos homens,
que sua imagem não apenas não me assusta, mas deveras me tranquiliza e
consola. Agradeço a Deus por me ter considerado digno de tal felicidade e (pois
o senhor me compreende) de me ter proporcionado conhecer a chave da nossa
verdadeira felicidade. Nunca me deito sem antes pensar de que (apesar de ser
jovem) talvez amanhã eu não exista mais, e mesmo assim, nunca, nenhum dos
meus conhecidos pode dizer a meu respeito de que eu seja carrancudo ou triste
em público – por esta felicidade dou graças diariamente ao Criador e desejo
isso a todos os meus semelhantes...”
Mesmo com um panorama de tensão provindo de sua doença, dívidas,
rivalidade de outros compositores, oposição da corte vienense sobre alguns
textos de suas óperas que expunham a nobreza, Mozart compôs
compulsivamente até o fim. Sabe-se por registros de seu círculo íntimo de
amigos que, na tarde do dia anterior a sua morte, Mozart, acamado, estava
em sua casa com eles executando as partes do Réquiem, cantando a linha de
contraltos como sempre fazia. Quando chegaram ao Lacrymosa, Mozart
colocou-se aos prantos e disse: Chega, eu não posso mais! Faleceria à 1h da
manhã do dia 5 de dezembro de 1791.
A causa mortis mais aceita, levando em consideração os sintomas que foram
registrados à época é insuficiência renal, iniciada por uma infecção na
garganta, talvez pela baixa imunidade adquirida pelo excesso de trabalho e
aflições.
Apesar de tudo, a história é muito mais bonita! Mozart sempre procurou a
alegria e beleza das coisas, mesmo em momentos de aflição e dificuldades
pelos quais passou. Mozart sempre sorria, brincava como uma criança boba
em suas rimas escatológicas nos diversos idiomas que falava e ao mesmo
tempo nos trazia em lindos presentes todas as joias musicais que pode
entregar. Mozart viveu intensamente e bem. Mozart é um cometa que passa
constantemente pela Terra nos iluminando com a beleza de sua luz.
Roberto Ondei, julho de 2023.

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