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Na sala de Redação

"Escrevi os melhores textos e ocultei para o mundo, escrevi os mais alegres textos e
confinei-os na gaveta que havia na sala de Redação. Naquela gaveta tinham arquivos de
informações falsas e sobre fontes que não foram confiáveis, como um bom poeta pensei:
Será que aquelas alegrias são verdadeiras e será que suas fontes são confiáveis? Parece
mais fácil crer na tristeza e a espalhar, parece igualmente artístico cultivar a entrega pela
melancolia. (...)

A sala de Redação fica perto do mar, não literalmente, mas o ar de praia de minguene
chega facilmente naquela sala, roçando as curtinas e fazendo minha mente bailar ao som
de melodias dos meus amores passados, lembranças que também guardo para mim,
nesse bailar das curtinas, era fácil ver a nudez das ruas efeitade de postes assimétricos,
ruas pálidas por conta da luz lunar. Muitas vezes ficava até a madrugada digitando e
pensando, e muitas das vezes não era sobre as informações que colhi durante o dia e nem
sobre as entrevistas que gravava. Era sobre aquele amor platônico que mal sabia da
minha existência, aliás, não sabia da existência do amor que em mim ardia sem se ver
(como diria o autor de lusíadas), por dentro estava feliz com migo mesmo em plena
solitude, aquela era a sala que desejava e tinha, era a rua que me inspirava, era a brisa
que de facto me fazia viajar, mas por fora continuava exibindo áurea de um homem em
frente a campa, continuava escutando aquelas canções de alma morna e compondo
poemas de desilusão, sem sono, ficava entre sonetos me embreagando mais daqueles
"Nobres sentimentos".

Toda manhã tinha mais um para que meus colegas pudessem ler e talvez se compadecer
desse ser, mas nem por isso, a maioria dos jornalistas achava aquilo sátira de uma alma
mal amada (pensando nisso, parece título de um livro). Cogitava comigo mesmo a
possibilidade de estar sendo falso: Como é possível ser tão controverso, julguei desde
sempre estar bem comigo mesmo e uma paixão tão moça me move para uma direção tão
oposta, contraditória e única.

Devia simplesmente me confessar mas a indecisão, falta de coragem e paranóias não me


deixavam dar este grande passo. Então, continuei escrevendo para minha gaveta os mais
velhos textos e para o restante, exibi minha áurea de moderno e encalhado poeta. Só
esqueci que ela era minha chefe e tinha as chaves de todas as gavetas(...)."

João Molina, maputo 2023.

TPC editora.

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