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"HORIZONTE"

FERNANDO PESSOA
Horizonte
Ó mar anterior a nós, teus medo
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração, 
As tormentas passadas e o mistério, O sonho é ver as formas invisíveis 

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério Da distância imprecisa, e, com sensíveis


Esplendia sobre as naus da iniciação.       Movimentos da esperança e da vontade,

Linha severa da longínqua costa  Buscar na linha fria do horizonte


Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta  A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Em árvores onde o Longe nada tinha; Os beijos merecidos da Verdade.
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores, 
Onde era só, de longe a abstracta linha.
◦ Inclusão do Poema na parte respetiva da obra Mensagem:

 O poema “Horizonte” encontra-se na segunda parte da Mensagem: o “Mar Português”, onde Pessoa fala


da História dos Descobrimentos.

◦ Relação do título com o poema:

O título do poema "Horizonte" transmite uma ideia de desconhecido a alcançar, que

apesar de longínquo, já se consegue ver ao longe e, com isso, fica mais fácil o seu

alcance, uma vez que é mais fácil acreditar naquilo que se vê, do que naquilo que não

se vê, mesmo que longe.

"Horizonte" representa o espaço/ desafio do avanço da navegação que fascina e

aterroriza ao mesmo tempo.


◦ Simbologia em Horizonte:

• "Horizonte" "Longe" "linha severa da longínqua costa" "abstrata linha" representa


o objetivo a cumprir e aquilo que não se conhece

• "a noite" (v.3) simboliza o medo do desconhecido e a escuridão

• "sonho" (v.13) simboliza a determinação dos navegadores, e serve-lhes de motivação

• "Verdade" (v.18) é a recompensa (no ponto de vista pessoano) dos portugueses por
vencerem

o seu medo e conseguirem tornar concreto aquilo que não passava de uma "abstrata linha"
• Análise do Conteúdo:
Na primeira estrofe, o poeta descreve o encantamento dos navegadores, quando conseguem ver o
concreto para lá do horizonte, que antes era abstrato. Passadas as incertezas, as inseguranças dos
navegadores e as dificuldades do caminho, abre-se o conhecimento para sul das naus dos
portugueses.

Ó mar anterior a nós, teus medos


Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
Esplendia sobre as naus da iniciação.
◦ Na segunda estrofe, o poeta reforça que o "Longe” era o maior obstáculo dos portugueses. No entanto,
a dura espera e o intenso cansaço de nada verem ao longe, vai tornar o abstrato em concreto, como uma
revelação do mistério para lá do horizonte.

Linha severa da longínqua costa —

Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;

Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:

E, no desembarcar, há aves, flores, 

Onde era só, de longe a abstracta linha.


◦ Na última estrofe  estão mencionados os conceitos de sonho e a sua realização. O poeta fala da recompensa
que os portugueses tiveram aquando da chegada ao seu destino, sendo esta considerada espiritual e não
concreta. A verdade aqui surge como a verdadeira recompensa, em detrimento do conhecimento oculto.

O sonho é ver as formas invisíveis

Da distância imprecisa, e, com sensíveis

Movimentos da esperança e da vontade,

Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte —

Os beijos merecidos da Verdade.


Estrutura Interna:

◦ Nesta primeira estrofe, Pessoa recorre a uma apóstrofe no primeiro verso, invocando o "mar anterior a
nós", isto é, o mar das trevas (mar da idade média), o mar que ainda não foi descoberto, reforçando a
grandiosidade da admiração que o povo português tem pelo mar, utilizando para isso o pronome
pessoal "nós".

◦ Esta 1ª estrofe transmite, que o "mar anterior", o qual o povo português temia por ser desconhecido, foi
desvendado, tirando-lhe a negridão, o mistério, que ele conectava.

◦ Esta descoberta, conhecimento do que está para lá do obscuro, dá-se quando se iniciam as viagens das naus
em direção ao sul.
◦ A segunda estrofe  é sobretudo descritiva, fazendo uma descrição da sucessiva aproximação do
longe para o mais perto: "A linha severa longínqua/Quando a nau se aproxima” "o Longe nada
tinha/ Mais perto abre-se a terra". Aqui, o abstrato transforma-se em concreto.

◦ A "linha severa na longínqua costa”  representa as terras desconhecidas, mas “Quando a nau se


aproxima ergue-se a encosta em árvores", sendo estas alcançadas pelos portugueses. Esta
encosta simboliza todos os lugares, pelos quais os portugueses marcaram presença.
◦ Na última estrofe , Pessoa aproveita o raciocínio anterior para chegar à conclusão, que os
sonhos podem ser vistos como as "formas invisíveis da distância imprecisa"; conseguir ver para
além do que os nossos olhos conseguem alcançar e "buscar na linha fria do horizonte a árvore, a
praia, os beijos merecidos da Verdade". O poema acaba como verso: "Os beijos merecidos da
Verdade", que simbolizam que os portugueses foram dignos de receber a verdade, o conhecimento
oculto, o designado horizonte.
◦ Estrutura Externa:

◦ O poema "Horizonte” é constituído por três estrofes. A divisão estrutural é feita em duas partes, sendo a
primeira constituída pelas duas primeiras estrofes e segunda pela última. 

◦ O poema é elaborado numa linha evolutiva, ou seja, apresenta uma graduação das ideias. Quanto ao tipo
de estrofes, estas são sextilhas e apresentam um esquema rimático aabccb.

Ó mar anterior a nós, teus medos -A

Tinham coral e praias e arvoredos. - A

Desvendadas a noite e a cerração, - B

As tormentas passadas e o mistério, - C

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério - C

Esplendia sobre as naus da iniciação. - B


• Identificação de recursos expressivos e
linguísticos e comentário da respetiva
expressividade

• Ó mar anterior a nós, teus medos - apóstrofe


• Desvendadas a noite e a cerração - metáfora
• Linha severa da longínqua costa - Personificação
• Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta - l.8,10,11 - gradação
• E, no desembarcar, há aves, flores, - sinestesia
  
• O sonho é ver as formas invisíveis - oxímoro
◦ Linguagem e estilo

◦ A linguagem é lapidar, carregada de simbolismo e, por vezes, arcaizante.

◦ Este aspeto corresponde à vontade que o autor tem de intemporalizar conceitos, que convergem
para o ideal absolutista. O lirismo revela emoção do poeta, perante a grandiosidade
da Pátria, representada na excelência dos seus heróis bélicos, na audácia dos seus nautas, no
idealismo dos seus profetas. Os elementos épicos presentificam um "épico sui-generis" de
sentido entusiasmo, sendo estes a voz de incitamento aos portugueses para devolverem à Pátria a
sua glória passada.
◦ Análise Comparativa com Camões:

◦  A Mensagem, de Fernando Pessoa, como “Os Lusíadas”, de Camões, são obras que têm como
objetivo enaltecerem o período dos descobrimentos e o valor do povo português. “Os
Lusíadas” referem-se a um herói coletivo, que conquistou o mar e têm uma intenção
patriótica: consciencializar os portugueses do seu valor, registar de uma forma única a aventura
marítima e a história do país, para que todo o mundo a ficasse a conhecer. A Mensagem, escrita
quatro séculos posteriormente, pretende fazer ressurgir o heroísmo e o desejo de superar os limites
do povo português, que atravessava uma fase de "apatia nacional". Camões pretende eternizar os
feitos passados dos portugueses e Fernando Pessoa, pretende incentivar os portugueses do
futuro, lembrando-lhes que podem voltar a ser gloriosos.
◦ Semelhanças entre as 2 obras:

◦ As semelhanças que podemos referir serão o passado glorioso e a história de Portugal.

◦ Os heróis portugueses são apresentados de forma fragmentária e verifica-se a exaltação épica da


ação humana no domínio dos mares.

◦ E no mar e na guerra, que os nossos heróis superam os limites humanos e provam a sua
superioridade relativamente aos povos antigos.

◦ A glória conseguida tem o preço do sofrimento e das lágrimas, mas o mais importante é a luta pela
afirmação do ideal patriótico. Tanto uma como outra têm uma estrutura rigorosamente pensada e
evocam o passado com intenção de construir o futuro.

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