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PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES E SUPRIMENTOS

Cidália Gomes Marcos


Técnica Auxiliar de ROC

1. INTRODUÇÃO

A gestão das sociedades obriga à existência de recursos financeiros para que se


possa dar continuidade à prossecução do objecto social para o qual foram constituídas.
Os valores mínimos actuais do capital social, de 5.000 euros para as sociedades por
quotas e 50.000 euros para as sociedades anónimas, não representam, na maioria das
vezes, as importâncias suficientes para o normal desenvolvimento das suas actividades.
Com o intuito de fazer face às suas necessidades de liquidez, as empresas podem
recorrer a diversas fontes de financiamento que podem ser classificadas de internas ou
externas.
Nas fontes de financiamento internas incluem-se o aumento de capital, as pres-
tações acessórias, as prestações suplementares e os suprimentos. Por sua vez, nas
fontes de financiamento externas, as empresas têm à sua disposição, por exemplo, o
crédito bancário, o leasing, e o crédito junto de fornecedores.
Propomo-nos analisar, ao longo deste artigo, sem contudo ter a pretensão de a
esgotar, a problemática dos dois meios jurídicos disponíveis às sociedades por quotas
para fazer face a subcapitalização das mesmas: as prestações suplementares e os su-
primentos.
Tentaremos reconhecer as razões que poderão levar um sócio a efectuar supri-
mentos em detrimento de prestações suplementares, apurando os prós e contras de cada
opção.
Esta prática dos sócios disponibilizarem meios financeiros à sociedade para além
das entradas para o capital social, deve ser tão antiga quanto as próprias sociedades
comerciais. Faremos um breve enquadramento histórico das prestações suplementares
e dos suprimentos, referindo também a consideração que foi sendo dada pelo legisla-
dor a esta temática ao longo dos tempos.
Por fim, faremos uma análise das influências que a fiscalidade tem na escolha do
meio de financiamento adoptados pelas empresas.
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2. ABORDAGEM HISTÓRICA

2.1. Suprimentos e prestações suplementares: breves notas de direito antigo

É usual os sócios efectuarem empréstimos de dinheiro à sociedade com o intuito


de suprir dificuldades de tesouraria das empresas.
Desde sempre, as empresas podem, em algum momento, passar por períodos
menos positivos, em que se registem necessidades inadiáveis de tesouraria, de capita-
lização, ou simplesmente dificuldades na liquidação das suas dívidas. Esta prática por
parte dos sócios de colocar à disposição da sociedade dinheiro, para além das entradas
para o capital social, deve ser tão antiga quanto as próprias sociedades comerciais. Tal
pode constatar-se pela própria lei, nomeadamente o nosso Código de Ferreira Borges
(1833), no qual se encontram os seguintes artigos (ortografia da época):

“554. Intende-se, que nesta sociedade não será permitido a sócio algum ter conta
currente com ella, em quanto não tiver integralmente verificada a sua entrada respectiva
na caixa social, salva convenção especial em contrario.
656. Todo o sócio tem direito a pedir os juros de desembolso, que faça de dinheiro
seu para a vantagem commum social. Os gastos de viagens, sustento, e outros
consequência de operação commercial devem egualmente ser-lhe pagos.
661. Quando um dos sócios deixar na massa social com consentimento expresso ou
tácito dos demais sócios a sua quota dos lucros sociaes, perceberá della juros, como da
sua entrada primitiva a contar da data da expiração do anno social, salvas as
convençoens, que a este respeito possão ter logar.”

Da leitura destes artigos, conclui-se da existência de procedimentos ainda hoje


habituais nas nossas empresas, são eles:
• a existência de contas correntes entre sócios e a sociedade;
• o pagamento pelos sócios de despesas da sociedade;
• o não levantamento dos lucros/dividendos.

Também o Código de Veiga Beirão (1888) determinava, no seu art.º 160.º: “todo
o sócio de uma sociedade em nome colectivo tem direito a ser indemnizado (…) pela
sociedade (…) por quaisquer quantias desembolsadas em proveito dela, além do ca-
pital a que se obrigou respectivos juros, pelas obrigações contraídas em boa fé para
a vantagem comum social (…) e pelos gastos de viagem, sustento e outros resultantes
de operação social”.
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2.2. O regime especial do contrato de suprimento

Esta prática do sócio emprestar dinheiro à sociedade equivale, no fundo, a um


financiamento e representa, em termos económicos, o papel de capital próprio. Situa-
ção esta que desperta, desde há muito, dúvidas quanto ao regime aplicável aos refe-
ridos créditos.
Foi durante muito tempo imperante o pensamento de que deveriam ser aplicadas
as regras comuns a esses créditos, embora houvesse quem contestasse essa ideia. A
nível nacional, Cunha Gonçalves 1 foi umas das vozes a questionar esta temática, es-
crevendo (ortografia da época):

“O capital, porém, que o sócio contribúe como valor da sua quota não deve ser
confundido com o que êle empresta ou desembolsa por conta da sociedade, e que se
costuma designar por suprimentos à caixa. Estes suprimentos não constituem aumento do
capital social; mas sim um débito da sociedade. Eles são capital sómente como soma de
dinheiro; e pertencem a quem o faz, não a titulo de sócio, mas sim como crèdor. Por isso,
ao passo que, na qualidade de sócio, ele póde perder o respectivo capital, na proporção
da sua quota; como credor, êle terá o direito de ser pago integralmente (salvo no caso
de falência), fóra da sua contribuição social. Em caso de liquidação da sociedade, estes
suprimentos terão de ser pagos antes da partilha do activo social entre todos os sócios,
como o seria qualquer outra dívida social. Não é, por isso, admissível a doutrina de que,
em caso de dúvida, o excesso do que o sócio despendeu ou contribuiu deve reputar-se
como acrescentamento da respectiva quota, e não como empréstimo ou suprimento á
caixa”.

De acordo com Pinto Duarte 2 o direito alemão desenvolveu regras sobre esta
matéria, segundo as quais os empréstimos dos sócios à sociedade, substitutos de ca-
pital próprio, devem, em caso de falência, ser tratados como se de capital próprio se
tratasse. Assim o legislador alemão, quando reformou a GmbH-Gesetz (Lei das Socie-
dades por Quotas alemã) em 1980, introduziu dois novos parágrafos, onde determina
que o sócio que tenha feito um empréstimo à sociedade, apenas pode exigir o seu
crédito em caso de falência da sociedade, como credor subordinado.
Ainda de acordo com Pinto Duarte, esta doutrina alemã teve, há mais de trinta
anos, eco em Portugal, uma vez que Raul Ventura, no seu estudo legislativo de 1969,

1
CUNHA GONÇALVES,Comentário ao Código Comercial Português, vol. I, Lisboa, 1914, pp. 272. Or-
tografia transcrita conforme o texto original.
2
PINTO DUARTE, Rui e outros, Problemas do Direito das Sociedades, artigo sob o título “Suprimentos,
Prestações Acessórias e prestações Suplementares”, Ed. Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho (IDET),
Almedina, Coimbra, Abril de 2003, pp. 263.
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avaliou atentamente esta questão. De referir que a regulação do contrato de suprimen-


to, feita pelo Código das Sociedades Comerciais (CSC), assenta nas propostas que
Raul Ventura fez nesse mesmo estudo.
Num período anterior a 1986, a jurisprudência portuguesa debateu determinadas
questões, que o CSC resolveu ao consagrar o regime do contrato de suprimento.

3. AS PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES

A problemática das prestações suplementares é muito anterior ao Decreto-Lei


n.º 262/86, de 2 de Setembro, que aprovou o actual Código das Sociedades Comerciais.
A Lei de 11 de Abril de 1901, conhecida como a lei das sociedades por quotas,
já se referia às prestações suplementares, pois nos seus artigos 17.º e 19.º estava
prevista a possibilidade “…de se exigirem dos sócios prestações suplementares desde
que tal faculdade se encontrasse prevista no contrato social…”. Estavam ainda previs-
tas prestações suplementares denominadas de ilimitadas e limitadas a uma certa quan-
tia, bem como sanções para os sócios que não cumprissem a obrigação de efectuar
prestações suplementares.
A questão das prestações suplementares passou, pois, a integrar o pensamento de
vários teóricos que se foram dedicando a esta temática, passando a estar presente nos
projectos que culminaram no Código das Sociedades Comerciais.
As obrigações de prestações suplementares, tal como o contrato de suprimento,
têm o seu regime jurídico somente definido na parte do CSC respeitante às sociedades
por quotas (do art.º 210.º ao art.º 213.º do CSC).
O objecto das prestações suplementares consiste sempre em dinheiro, sendo
exigíveis a título gratuito, face à proibição de vencimento de juros, nos termos do art.º
210.º, n.º 5 do CSC.
A sua necessidade justifica-se nos casos em que no momento da constituição da
sociedade se admite a provável insuficiência do capital social subscrito, não sendo
contudo viável antecipar essa insuficiência através da subscrição imediata do montante
de capital social julgado necessário.
Para que sejam efectuadas prestações suplementares é necessária a verificação
prévia de dois requisitos cumulativos (art.º 210.º, n.º 1):
a) que o contrato da sociedade o permita;
b) a deliberação dos sócios para que essa obrigação se torne exigível.
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Assim, para fazer face ao primeiro requisito, o contrato de sociedade deverá


conter os seguintes elementos (art.º 210.º, n.º 3):
a) o montante global máximo das prestações suplementares. Esta indicação é
essencial, sem a qual resulta na nulidade da obrigação, pois, se assim não
fosse a empresa corria o risco de criar uma responsabilidade ilimitada dos
sócios perante a sociedade;
b) a identificação dos sócios obrigados a efectuá-las. A sua omissão resulta na
extensão a todos os sócios da obrigação de efectuar prestações suplementares;
c) o critério de repartição das mesmas entre os sócios a elas obrigados. A falta
deste critério leva à proporcionalidade da obrigação de cada sócio à sua quota
de capital.

No que respeita à exigibilidade das prestações suplementares, esta depende de


deliberação dos sócios que determine o montante exigível e o prazo para que essa
prestação seja efectuada. Contudo, esse prazo não pode ser inferior a 30 dias a contar
da comunicação aos sócios, conforme o art.º 211.º, n.º 1. Esta deliberação só pode ser
tomada após todos os sócios terem sido chamados para cumprirem integralmente as
suas obrigações de entrada não sendo, contudo, imprescindível que a tenham efectiva-
mente cumprido (art.º 211.º, n.º 2).
De notar que, após a dissolução da sociedade, não podem ser exigidas prestações
suplementares (art.º 211.º, n.º 3).
Verificando-se o incumprimento da obrigação de prestações suplementares, o
sócio em falta perante o que havia sido deliberado pelos sócios, fica sujeito à exclusão
e à perda da sua quota (art.º 204.º).
Nos casos de transmissão e de cessão de quota, a obrigação de efectuar presta-
ções suplementares muda também de titular, dado que faz parte integrante da quota
(art.º 228.º).
Caso se verifique a amortização da quota, extingue-se a obrigação de efectuar
prestações suplementares, sem prejuízo dos direitos já adquiridos e das obrigações já
vencidas (art.º 232.º, n.º 2).
A restituição das prestações suplementares só é possível se estiverem reunidos os
seguintes requisitos (art.º 213.º):
• a situação líquida não fique inferior à soma do capital e da reserva legal;
• o sócio já tenha liberado a sua quota;
• os sócios tenham deliberado essa restituição;
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• não ter sido declarada a falência da sociedade;


• a restituição deve respeitar a igualdade entre os sócios que as tenham efectua-
do, sem prejuízo dos casos em que os sócios ainda não tenham liberado a sua
quota.

Em síntese, podemos concluir que as prestações suplementares são obrigatórias


para os sócios que ficam vinculados a efectuá-las, sendo uma forma de financiar a
sociedade, tendo sempre subjacente dinheiro, não vence juros e existem condicio-
nalismos à sua restituição.

4. SUPRIMENTOS

Fernandes Ferreira 3 analisando a palavra suprimentos numa perspectiva de se-


mântica, referiu que suprimento é o “acto ou efeito de suprir, de juntar o que falta
para completar”.
Também os suprimentos, tal como aconteceu com as prestações suplementares,
foram tidos em consideração pela Lei de 11 de Abril de 1901 e de seguida pelos
projectos que conduziram ao Código das Sociedades Comerciais.
Fazer face à subcapitalização da sociedade é o ponto comum entre os suprimen-
tos e as prestações suplementares, embora estas duas modalidades de financiamento da
empresa tenham características bem distintas.
Sobre suprimentos, o art.º 243.º n.º 1, do CSC, refere: “Considera-se contrato de
suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa
fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualida-
de, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento
de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo
características de permanência.”.
Pela definição apresentada pelo CSC, estamos perante duas modalidades de su-
primentos:
1º) O empréstimo de dinheiro ou outra coisa fungível, sendo esta última deter-
minada pelo seu género, qualidade e quantidade, podendo ser substituída por
outro elemento de idêntica equivalência económico-social;

3
FERNANDES FERREIRA, Rogério, Suprimentos, Amortizações, Provisões e Mais-Valias, Cadernos de
Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, nº 33,
Ministério das Finanças, 1964, p. 13.
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2º) O acordo entre o sócio e a sociedade relativamente ao diferimento do ven-


cimento de crédito sobre esta.

Desta segunda modalidade pode ainda extrair-se uma terceira, quando o sócio
adquire um crédito de terceiro sobre a sociedade, com vencimento diferido, por negó-
cio entre vivos.
O carácter de permanência é um requisito obrigatório subjacente a ambas as
modalidades assumidas pelo contrato de suprimento.
O art.º 243.º, n.º 2 e n.º 3 do CSC aponta as seguintes características quanto à
permanência:
• Prazo de reembolso superior a um ano, independentemente do momento em
que seja definido esse prazo, ou seja anterior ou posterior à constituição do
crédito;
• Nos casos de diferimento do vencimento do crédito, calcula-se nesse prazo, o
tempo decorrido desde a constituição do crédito até ao acordo do diferimento;
• A não utilização da faculdade de reclamar o crédito devido pela sociedade
durante um ano, contado a partir da constituição do crédito, quer não tenha
sido determinado um prazo, quer tenha sido estipulado um prazo inferior.

As funções dos suprimentos, de salvaguarda do interesse social e de instrumento


resolutivo da subcapitalização da sociedade, foram bem evidenciadas pelo legislador
quando deu particular atenção ao carácter de permanência dos suprimentos.
Esta preocupação do legislador está igualmente presente quando o art.º 245.º n.º
1 do CSC, remete para o art.º 777.º, n.º 2 do Código Civil, nos casos em que o sócio
e a sociedade não tenham definido o momento do reembolso dos suprimentos.
E a esse respeito o art.º 777.º, n.º 2 do Código Civil define: “Se, porém, se tornar
necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação,
quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e
as partes não acordarem a sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.” .
Ou seja, caso não se estipule qualquer prazo de reembolso entre as partes, ele será
estabelecido pelo tribunal.
Por forma a que o tribunal não tenha poder ilimitado na fixação deste prazo de
reembolso, o art.º 245.º do CSC preceitua que na fixação judicial do prazo deverão ser
devidamente ponderadas as consequências que o reembolso terá para a sociedade,
podendo assim, ser determinado, por exemplo, o pagamento faseado do crédito.
É evidente que se a sociedade tiver fixado um prazo mínimo, nada obsta que esse
reembolso se efectue dentro desse prazo, se tal não colocar em causa a sua situação
económico-financeira.
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Vencendo-se o prazo estipulado para o reembolso os sócios têm o direito a ser


restituídos do capital emprestado à sociedade.
No momento da elaboração do contrato de suprimento, sociedade e sócio podem
definir juros, que não serão mais que uma remuneração para o sócio credor de supri-
mentos pelo capital investido. Dito de outra forma, os juros recebidos pelo sócio
credor são uma recompensa pela privação do capital emprestado à sociedade, a par do
risco associado à possibilidade de não ser reembolsado pelo capital investido se surgir
uma situação de falência.
O acto de efectuar suprimentos é facultativo, sendo acordado livremente entre o
sócio e a sociedade, e não depende de prévia deliberação dos sócios (art.º 244.º n.º 3
do CSC), excepto disposição contratual em contrário. No entanto, quando imposto aos
sócios, estamos perante uma obrigação acessória, ficando sujeita ao art.º 209.º do CSC,
tal como refere o art.º 244.º n.º 1 do mesmo Código.
A respeito da forma como deve ser realizado o contrato de suprimento, o art.º
243.º n.º 6, dispõe: “Não depende de forma especial a validade do contrato de supri-
mento ou de negócio sobre adiantamento de fundos pelo sócio à sociedade ou de
convenção de diferimentos de créditos de sócios.” .
Uma das características do contrato de suprimento é a qualidade dos sujeitos
passivos, ou seja a relação subjacente ao contrato só poderá realizar-se entre uma
sociedade e os seus sócios.
Define o art.º 245.º, n.º 2 que os sócios credores por suprimentos não podem
requerer, por esses créditos, a falência da sociedade. Neste contexto e na continuidade
da protecção do interesse dos credores, estabelece o n.º 3 do mesmo artigo, que no
caso de falência ou dissolução da sociedade:
• Os suprimentos só poderão ser reembolsados depois das dívidas da sociedade
para com os restantes credores estarem totalmente saldadas;
• Não podem ser compensados créditos da sociedade com créditos por supri-
mentos.

Outra disposição que demonstra a protecção de terceiros é a nulidade das garan-


tias reais prestadas pela sociedade relativas às obrigações de reembolso de suprimentos
(art.º 245.º, n.º 6).
Os suprimentos são, assim, uma forma de fazer face à debilidade financeira da
sociedade, procurando evitar, desta forma um aumento de capital ou o recurso ao
crédito, que por norma ocorre, junto de instituições bancárias.
Apesar do regime jurídico dos suprimentos estar incluído no Código das Socie-
dades Comerciais, na divisão reservada às sociedades por quotas, não nos parece que
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nada impeça a sua aplicação subsidiária a outros tipos de sociedades comerciais, em


particular às sociedades anónimas; este nosso entendimento tem por base a orientação
dada pelo art.º 2º do CSC a respeito do direito subsidiário.

5. PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES E SUPRIMENTOS:


ELEMENTOS DISTINTIVOS

Quer as prestações suplementares, quer os suprimentos têm em comum a satis-


fação de interesses da sociedade.
Contudo, as diferenças que separam estas duas figuras não visam o interesse da
sociedade, mas sim o interesse dos sócios, como por exemplo no que respeita ao
carácter gratuito das prestações suplementares, ao contrário do que se verifica com os
suprimentos.
Assim, após análise destes dois regimes, concluímos que as condições previstas
pelo CSC, para os suprimentos, são mais favoráveis aos sócios, por analogia com as
prestações suplementares. Por sua vez, o regime previsto para as prestações suplemen-
tares oferece mais segurança à sociedade comparativamente com o regime previsto
para os suprimentos.
Não existe uma forma única de financiamento que reúna todas as vantagens.
Torna-se, assim, útil fazer uma breve análise do que distingue estas duas fontes de
financiamento. Podemos apontar de forma sintetizada as analogias e diferenças de
ambos os regimes de financiamento, como se segue:
a) A função comum destas duas formas de financiamento da sociedade é fazer
face à subcapitalização da mesma;
b) O objecto em causa para as prestações suplementares é sempre dinheiro, ao
passo que no caso de suprimentos pode ser dinheiro ou outra coisa fungível;
c) As prestações suplementares estão obrigatoriamente previstas no contrato de
sociedade, por oposição aos suprimentos cuja previsão no contrato de socie-
dade é facultativa; Consequentemente, as prestações suplementares podem ser
exigidas em qualquer altura de acordo com o que figurar no pacto social. No
caso dos suprimentos, estes apenas serão exigidos se os sócios assim o deli-
berarem;
d) As prestações suplementares não vencem juros. Por sua vez, os suprimentos
vencem juros conforme tenha sido ou não deliberado pelos sócios;
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e) As prestações suplementares só poderão ser restituídas por deliberação dos


sócios e desde que a situação líquida da sociedade não se torne inferior à
soma do capital social e da reserva legal, e ainda após deliberação da quota
do respectivo sócio;
f) O regime jurídico dos suprimentos não apresenta limitação quanto à restitui-
ção dos mesmos. No entanto, a lei regulariza a sua restituição, nomeadamente
quando na ausência de prazo de reembolso, cabe ao tribunal a fixação deste,
e também no caso de falência da sociedade, caso em que os suprimentos só
podem ser reembolsados depois de pagos os restantes credores;
g) O incumprimento da obrigação de efectuar prestações suplementares é sancio-
nado com a perda, total ou parcial da quota e eventualmente com a exclusão
do sócio da sociedade. A obrigação de efectuar suprimentos não tem sanção
similar, embora tal não obste, pelo menos nos casos das sociedades por quo-
tas, que os estatutos prevejam que tal incumprimento seja motivo de exclusão
ou de amortização da quota;
h) Em termos contabilísticos, face ao POC, as prestações suplementares são uma
componente do capital, sendo contabilizadas na conta “53 – Prestações suple-
mentares”, compreendida na Classe 5 – capital, reservas e resultados transi-
tados. Por sua vez, os suprimentos são um elemento do passivo, e como tal
são de reflectir na conta “25 – Accionistas (sócios)”.

No quadro seguinte reunimos estes parâmetros de comparação:

Parâmetro de Prestações Suplementares Suprimentos


Comparação
Código das Sociedades Do art.º 210.º ao art.º 213.º do CSC. Do art.º 243.º ao art.º 245.º do CSC.
Comerciais
Contabilização (POC) São um elemento integrante do capital São um elemento integrante do
próprio (conta 53). passivo (conta 25).
Função principal Fazer face à subcapitalização da sociedade.
Objecto da obrigação Têm sempre dinheiro por objecto Têm sempre por objecto dinheiro ou
(art.º 210.º n.º 2). outra coisa fungível (art.º 243.º n.º 1).
Situação no pacto social São obrigatoriamente previstas no A previsão no contrato da sociedade
contrato da sociedade (art.º 210.º n.º 1). é facultativa (art.º 244.º).
Vencimento de juros Não vencem juros (art.º 210.º n.º 5). Vencem juros conforme tenha sido ou
não deliberado pelos sócios (art.º 243.º).
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Restituição Só podem ser restituídas desde que a Não há restrições à restituição.


situação líquida (capital próprio) não se Cabe ao tribunal a fixação do prazo de
torne inferior à soma do capital social reembolso e em caso de falência, só
e da reserva legal e o respectivo sócio podem ser reembolsados depois de
tenha liberado a sua quota (art.º 213.º n.º 1).pagos os outros credores (art.º 245.º).
Consequências de O incumprimento da obrigação de A obrigação de efectuar suprimentos
incumprimento efectuar prestações suplementares é não tem na lei sanção, embora nos
sancionado com a perda total ou parcial casos das sociedades por quotas
da quota e eventualmente com exclusão se preveja que tal incumprimento
do sócio da sociedade (art. os 212.º n.º 1, seja motivo de exclusão ou de
204.º e 205.º). amortização da quota (art. os 209.º n.º 4,
287.º n.º 4, 241.º n.º 1, 232.º n.º 1 e
233.º n.º 1).
Fonte: Elaboração própria.

6. A INFLUÊNCIA DA FISCALIDADE SOBRE A ESTRUTURA


FINANCEIRA DAS EMPRESAS

É correntemente reconhecido que o financiamento através de capitais alheios,


nomeadamente de empréstimos dos sócios, ao permitir a dedução dos correspondentes
encargos financeiros (juros) para determinação do resultado tributável da empresa, se
apresenta fiscalmente mais favorável em relação ao financiamento por capitais próprios.
Por outro lado, se ao nível do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares
(IRS), a taxa efectiva de tributação dos juros for a mesma que a taxa efectiva de
tributação dos dividendos, essa vantagem resultará da diferença da taxa do imposto
sobre os rendimentos da sociedade (IRC). No entanto, esta situação pode não se ve-
rificar, nomeadamente, devido aos mecanismos para evitar a dupla tributação econó-
mica. Neste caso, tudo dependerá do efeito conjugado das diferentes taxas. Além disso,
a vantagem fiscal resultante do endividamento pode não se verificar na sua plenitude
se através de outros mecanismos fiscais (v.g. amortizações, benefícios fiscais) o resul-
tado tributável for reduzido a um nível que não permita absorver esses encargos.
Deste modo, a tomada de decisão sobre a estrutura de capitais das empresas tem
de passar pela ponderação de vários aspectos relevantes e ter também em consideração
os impostos que incidem sobre os financiadores, nomeadamente os mecanismos que
possam existir para atenuar ou até eliminar a dupla tributação económica, de modo a
se aferir a carga fiscal na sua globalidade, face às diferentes alternativas.
É do conhecimento geral, que as empresas portuguesas apresentam altos níveis
de endividamento, sendo uma parte significativa sob a forma de suprimentos dos
respectivos sócios. São diversos os sinais de que esta prática está, em muitos casos,
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associada a situações de evasão e fraude fiscais, que é urgente combater. A conside-


ração dos suprimentos como manifestação de fortuna para efeitos do controlo de ren-
dimentos declarados em sede de IRS e avaliação indirecta da matéria colectável (art.º
89.º-A da Lei Geral Tributária) têm essa motivação e objectivo.
Para efeitos de determinação do lucro tributável das sociedades, a aceitação
como custo dos juros de suprimentos está limitada a uma taxa máxima – taxa Euribor
acrescida de um spread de 1,5% (art.º 42.º, n.º1, al. j) do CIRC e Portaria n.º 184/2002,
de 4 de Março).
Podemos afirmar que em sede de IRC, persiste em Portugal um incentivo ao
endividamento que pode até agravar-se, se a actual subcapitalização das empresas for
efectivamente eliminada.
Seria assim legítimo, que o tratamento fiscal das entradas de capital versus rea-
lização de suprimentos fosse reponderado no sentido de uma maior neutralidade, con-
tribuindo desta forma para o reforço de capitais próprios que as empresas portuguesas
tanto necessitam.

7. CONCLUSÕES

O estudo da problemática das prestações suplementares e dos suprimentos é tão


antigo quanto a existência das sociedades comerciais.
A constituição de uma sociedade implica obrigatoriamente a existência de recur-
sos financeiros indispensáveis a prossecução do seu objecto social. Porém, nem sem-
pre o património líquido da sociedade se demonstra suficiente, conduzindo as empresas
ao recurso a fontes de financiamento internas (aumento de capital, prestações acessó-
rias, prestações suplementares e suprimentos) ou externas (v.g. crédito bancário).
A procura de financiamento junto de instituições bancárias poderá não ser a
melhor solução devido ao elevado valor de remuneração exigido pelo capital empres-
tado e pelas eventuais garantias de solvabilidade exigidas à empresa.
Demonstra-se assim, menos oneroso procurar sarar a subcapitalização da socie-
dade junto dos sócios.
Estes têm nas prestações suplementares e nos suprimentos dois meios jurídicos
à sua disposição para efectuar prestações à sociedade e fazer face à subcapitalização
da mesma.
É evidente a preferência dos sócios pelos suprimentos, em detrimento das pres-
tações suplementares, dado que os primeiros vencem juros, a sua exigibilidade depen-
de ou não da deliberação dos sócios e o seu reembolso não é tão condicionado como
no caso das prestações suplementares.
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BIBLIOGRAFIA

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