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Política Brasileira Contemporânea

Trabalho Final

Leon T. Goulart RA:381659


Luiz Eduardo A. Silva RA:357626

Prof.ª Dra. Vera Cepeda

Questão: Os anos 70 foram considerados cruciais para "surgimento" ou "ressurgimento"


(literatura não é consensual quanto a este aspecto) da sociedade civil. Os movimentos
sociais e a renovação da ação sindical foram essenciais no processo de enfrentamento e
desmanche do Regime Militar configurando, ao mesmo tempo, outra forma de
demandas políticas e ajustes sociais (em geral associa-se este momento à formação das
bases da Constituição de 1988). Discuta as principais características destes dois atores
no contexto dos anos 70 e explique porque os movimentos e os sindicatos assumiram
este papel de minar a ditadura e construir as bases de uma nova forma e arranjo social.

Os Movimentos Sociais

No período democrático que antecede o golpe militar, caracterizado como


arranjo populista, Sader destaca que a diversidade ou heterogeneidade social levava a
emergência de distintas formas de manifestações sociais, girando em torno de ideais
comuns: “eles ganhavam sentido através do discurso estatal, segundo a versão
dominante, getulista. Ou então, na contrapartida comunista, através da unificação
operada pelo partido.” (SADER, 1988, 198p).
A partir do ano de 1964, o golpe militar, reconfigurou o processo de participação
da sociedade civil nas arenas de decisão política. Dimensões partidárias ideológicas
como setores de direita e esquerda travam uma disputa de projetos políticos cada vez
mais acirrada, apesar do eixo em “comum” entre os divergentes projetos políticos. Era
comum entre estes diferentes estamentos da vida política, a necessidade de se implantar
um projeto a fim de planejar e tornar possível em planos, objetivos e projetos, o
desenvolvimento qualitativo da cadeia produtiva brasileira. A democracia, instrumento
de legitimidade política, e formador de elites estáveis, é suspensa pelos militares, pois o
contexto socioeconômico revela a impossibilidade de expansão das políticas
distributivas de bem-estar social, iniciadas no arranjo populista.
O regime autoritário passa a lidar com um fenômeno endógeno como o
comunismo de forma repressiva, e tem como objetivo liquidar qualquer projeto político
oposto ao seu garantindo assim estabilidade política apesar dos processos de decisão
democrática estar suspensos: partidos comunistas são tornados ilegais e extratos da
sociedade civil são perseguidos e torturados. O cerceamento da liberdade política
caracteriza-se principalmente pelos Atos Institucionais, decretos elaborados pelo regime
militar que dentre seus dezessete números, tem como proposições o poder de alteração
da constituição, a suspensão de direitos políticos de cidadãos que fosse tido como uma
ameaça a segurança do país, a cassação de mandatos legislativos e tem como expressão
máxima, o Ato Institucional 5, que concedia ao presidente do país, poderes como o
fechar do Congresso Nacional e o estabelecimento de Tribunais militares.
Tendo a democracia como ameaça a estabilidade política, tem-se um novo
arranjo de relação entre sociedade civil e Estado. Acordos burocráticos assumem o
papel intermediário da relação entre Estado e sociedade, no lugar de partidos políticos
(campo de representação das demandas). A legitimidade, antes advinda do voto popular,
agora se dá através da transferência de recursos públicos para setores capitalistas
privilegiados em troca de apoio ao Estado militar; setores das classes médias, garantiam
a legitimidade do arranjo burocrático autoritário, pelo beneficiamento, que tornaria
capaz o desenvolvimento de setores produtivos, e serviços ainda incipientes no país.
Setores como os sindicatos, ainda constituídos nos moldes do Estado Novo Varguista,
são subordinados e controlados pelo Estado por meio de medidas como os pisos
salariais. Em linhas gerais, a configuração política e social da década de 1960 no Brasil
e a esfera da sociedade civil, estão ligados por um arranjo burocrático autoritário, que se
utiliza de seu poder centralizado, a fim de orientar o projeto de desenvolvimento
político, social e econômico do país, a fim de evitar processos revolucionários a
esquerda, tida como principal inimigo interno.
Segundo Sader, a década de 1970 experimentou a emergência de movimentos
fragmentados e desconexos, dado o contexto político autoritário. A multiplicação das
classes sociais e a diferenciação de seus interesses, a expansão das lutas dos grupos
sociais por direitos como água, energia elétrica, educação pública, tornam possível o
surgimento de diversos focos de tensão social, e de expressão destas lutas políticas,
“formas autônomas de expressão de diferentes coletividades, não redutíveis a alguma
forma ‘superior’ e ‘sintetizadora’.” (SADER, 1988, 198p). Assim, a pluralidade dos
movimentos que emergem pode ser entendida como formas de expressão política
esparsas e diversificadas. A lógica de atuação destes movimentos difere radicalmente da
lógica política dos partidos de esquerda, assentando-se, sobretudo, nas experiências
cotidianas de seus participantes. Em alguns casos, militantes oriundos de grupos e
partidos clandestinos se aproximavam destes movimentos na tentativa de continuar
militando e, de alguma forma, resistindo ao regime.

“É da discussão de temas surgidos nesta parte das reuniões que se


organizariam ações “para fora”, de reivindicações ante os poderes
públicos (escola, creche, ponto de ônibus, posto de saúde etc.), além
de atividades comunitárias para resolver problemas coletivos.”
(SADER, 198, 207p)

Movimentos primeiramente tão esparsos, e expressões das necessidades de cada


classe, tomam ao final dos anos 1970 e início dos anos 1980 um caminho de
“momentânea ‘unidade’” da sociedade civil em torno da luta pelo fim do regime
autoritário e implantação do Estado democrático. Sendo assim, distintos movimentos
sociais emergiram e protagonizaram o processo de redemocratização do Estado e da
participação da sociedade civil nas arenas de decisão. Como resultado o
reestabelecimento da democracia formal, a reorganização partidária e de eleições
reorientou o discurso e práticas destes movimentos, no sentido de demandas,
contestações e direitos no âmbito do Estado. Inspirada pela luta por direitos humanos,
ou cidadania ampliada, os movimentos sociais brasileiros, indicam um novo período de
reivindicação política, onde novas necessidades são colocadas como direitos sociais as
classes populares (moradia, água, transporte público). Neste processo de intensificação
da participação da sociedade civil sob o Estado, observa-se que o antagonismo e
confronto entre Estado e sociedade civil, característicos do final da década de 60 e
início de 70, se enfraquece. A partir deste processo, o principio de participação da
sociedade civil se tornou central neste novo projeto de expansão dos espaços públicos e
de integração destes espaços com os processos e instituições do Estado. De acordo com
Dagnino (2004), “por um lado, a constituição dos espaços públicos representa o saldo
positivo das décadas de luta pela democratização, expresso especialmente —mas não
só— pela Constituição de 1988, que foi fundamental na implementação destes espaços
de participação da sociedade civil na gestão da sociedade.” (DAGNINO, 2004, 97p).
Compreendemos como Dagnino que a Constituição de 1988 é marco formal
desse processo de abertura democrática iniciado no fim dos anos 70, arranjo que se
inicia nas expressões das lutas populares por direitos civis, sociais e políticos cuja
constituição legitima e consolida, aliada ao princípio de participação da sociedade civil
nos espaços públicos de discussão e tomada de decisões. As forças sociais envolvidas
neste processo, em especial os movimentos sociais, compartilhavam a crença de
expansão da cidadania através de meios plurais e democráticos do poder político,
desempenhando, assim, um papel fundamental na redemocratização do Brasil.

Os Movimentos Sindicais

Além dos Movimentos Sociais, a Ação Sindical também desempenhou papel


importante de resistência que acarretou no enfrentamento à Ditadura Militar, mas
anteriormente é necessário rever o contexto político e social dessa época.

Como coloca José Murilo de Carvalho, o Regime Militar é dividido em três


períodos. O primeiro de 1964 a 1968 teve Castelo Branco no poder, com o objetivo de
suprimir os focos de oposição política e conter a inflação na economia. Posteriormente,
de 1968 a 1974 corresponde a época de maior repressão política e enfraquecimento dos
direitos civis, sob o Comando de Médici. Por último o período de 1974 a 1985, em que
se nota uma tentativa de liberalização do sistema (em oposição aos órgãos de repressão)
que começou com Geisel e foi retomada por Figueiredo, aos poucos as leis mais severas
foram revogadas.

O principal meio utilizado pelos militares para controle da população e caça dos
direitos civis e políticos foram os Atos Inconstitucionais, estes são instrumentos legais
da repressão. A justificativa inicial da promulgação de tais medidas era a do combate ao
perigo representado pelo comunismo. O AI-1 foi criado no período do comando de
Castelo Branco (nove de abril de 1964), o AI-2 foi criado em 1965 e aboliu a eleição
direta, além de dissolver os partidos políticos e estabelecer um sistema bipartidário,
representou aumento do poder do presidente com poder para dissolver o parlamento. O
mais radical dos atos promulgados foi o AI-5, foi fechado o congresso e dado poder
ditatorial ao presidente, corresponde a maior repressão dos direitos.

A década de 1970 é marcada pelo surgimento de novos atores que lutam por
espaço político mediante o contexto da Ditadura Militar no Brasil. Com a repressão e
fechamento dos partidos políticos, a Sociedade Civil se encontra isolada e seu acesso ao
Estado se torna restrito, passou-se a buscar então outras formas para tentar chegar a tal
instituição, a partir das corporações como os sindicatos, o intermédio entre tais setores
(Sociedade e Estado) se da mediante acordos burocráticos. As ações sindicais se
tornaram nesse período, importantes movimentos de confronto e enfrentamento ao
Regime Militar.

Nos anos de 1980, a postura de antagonismo em relação ao Estado autoritário


diminui devido ao início de um processo de redemocratização que tem seu auge com o
fim do regime ditatorial e, essencialmente, na formação da Constituição de 1988.

No contexto político e social do Regime Militar, os Sindicatos eram submetidos


à subordinação e a um controle por parte do Estado por meio de ações econômicas,
como a criação dos pisos salariais. Segundo a análise proposta por Eder Sader, há nesse
período uma série de problemas de classe acumulados pelos trabalhadores como arrocho
salarial, péssimas condições de trabalho e perseguições. Tal configuração contribuiu
para a formação de chapas de oposição para disputar as lideranças políticas sindicais
(sobretudo na grande São Paulo, como mostra na obra “Quando novos personagens
entram em cena”), as quais reivindicavam a ampliação de direitos no âmbito trabalhista
e uma reforma do plano salarial. Diante dos problemas e da reinvindicação parecer
atender aos interesses de uma grande parcela desses atores, a chapa da oposição atinge a
vitória em algumas localidades e o inicio de movimentos grevistas intensificam a ação
dos trabalhadores.

“De um modo ou de outro essa experiência de uma luta


operária que se politiza e que tem de enfrentar a repressão estatal fica
marcada como referência básica para aqueles operários que estavam
buscando formar uma oposição, não apenas a diretoria do sindicato
mas também à estrutura sindical” (SADER, p.231. 1988).

Em São Paulo, por exemplo, há a ilustração de ações de resistência na criação da


Oposição Sindical Metalúrgica (OSM-SP), movimento que nasceu do sindicalismo com
apoio da esquerda marxista e da parte militante da Igreja católica. A esquerda dava
apoio aos movimentos sindicais de oposição, e enfatizava a noção de independência das
classes trabalhadoras e a criação de uma sociedade em seus moldes. A mudança em
altos cargos da Igreja provocou uma alteração nos engajamentos dessa instituição, que
passou a se ligar a lutas em defesa das classes mais baixas, reinvindicação dos direitos
humanos e participação social das camadas trabalhadoras. Já a terceira parte do
movimento, os operários e sindicalistas, possuíam uma experiência sindical que
antecedia a Ditadura Militar, sobretudo no que tange a formação de grupos organizados
de trabalhadores e a participação na luta por direitos voltados ao trabalho.

O surgimento de movimentos grevistas no início dos anos de 1970 e a conquista


de aumentos salariais figuram o início de focos de resistência criados a partir da
Oposição formada no final da década anterior, que repudiava a direção sindical então
vigente. A identidade da Oposição Metalúrgica de São Paulo foi construída pela
autonomização de suas duas referências, os grupos que lhe deram origem e constituíram
um espaço de elaboração política e o Sindicato enquanto objetivo e espaço a ocupar.

A repressão colocada em vigor pelo Regime (sobretudo os Atos


Inconstitucionais), também atingiu os Movimentos Sindicais, dos quais alguns líderes
foram presos, mortos ou passaram a agir pela clandestinidade. Com a revogação do AI-
5 e o aumento da inibição aos movimentos operários, esses militantes passam a
encontrar cada vez mais uma politização das suas atividades, graças também ao papel
que a esquerda apoiadora do movimento desempenhava. A organização passa a tomar
ações que diminuem cada vez mais suas atividades restritas no plano da articulação
entre correntes sindicais para oposição à direção sindical, e seu caráter político se
intensifica.

A partir de meados do ano de 1975, a Oposição ganha mais consistência graças à


formação de uma nova coordenação, que favoreceu a criação de grupos de fábrica. Esse
movimento passou então a se consolidar gradativamente na integração e organização da
resistência operária. No final da década de 1970, há a emergência de uma grande onda
grevista e o movimento passa a se integrar com as massas, o apoio a Oposição ganhava
cada vez mais intensidade. Segundo Sader, o movimento se torna capaz de incidir nas
relações de poder tanto dentro dos Sindicatos como nas Empresas. As greves na grande
São Paulo também passaram a ganhar respaldo político, graças ao apoio de
trabalhadores de outra regiões e organizações, e contribuíram assim para o surgimento
de entidades que defendiam a democracia operária e a independência dos trabalhadores.

Éder Sader faz ainda referência à fábrica como um local de luta de classes nesse
contexto, foi atribuída à experiência das greves e dos movimentos dos trabalhadores um
sentido de transformação social, cultivou-se a ideia de que só com a luta é possível a
conquista de direitos. Apesar da diversidade ser uma característica dos movimentos
sindicais, o fator importante a se relevar é que há o surgimento de uma nova
configuração nas classes populares, “formas diferenciadas de expressão”.

O início de uma prática de reorganização dos trabalhadores e recusa da estrutura


da direção sindical até então vigente, apoiado por outros movimentos (esquerda e
militantes da Igreja) configurou a base da ação sindical em São Paulo na década de
1970. Esse fenômeno é indiscutível para ilustrar o importante papel que as mobilizações
sindicalistas desempenharam no enfrentamento ao Regime Militar, em um período em
que não haviam mais partidos para desempenhar a mediação com o Estado, e a
Sociedade Civil se encontrava retraída.
Referências Bibliográficas

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed.


Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania. Do que estamos


falando?. 2004

FRENCH, J. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores


brasileiros. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.

PAOLI, Maria Celia. Movimentos sociais, cidadania, espaço público:


perspectivas brasileiras nos anos 90. 1991

SADER, Éder. Quando novos personagens entram em cena: Experiência, falas e


lutas dos trabalhadores da grande São Paulo. 1988

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