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E. eternidade
não pode haver resistência sem memória 1
Numa obra que começa a preto e branco e acaba a ser filmada a cores, três casais, um
Uma exposição também pode ser um caso de amor. Como num filme.
É assim Parting With the Bonus of Youth - Maumaus as Object.2 Tal como o filme de
história. Se no filme há uma personagem que fala mas não se dá a ver, também na
galeria da Índia o que não se dá a ver é o que nos deixa pressentir a força da voz que
1
Jean-Luc Godard - L´Éloge de l´amour, filme, 2001.
2
“Fundada em Lisboa, em 1992, a Maumaus promove a produção de conhecimento em torno da arte
contemporânea, organizando programas de estudos e residências artísticas, produzindo filmes e
publicações, apresentando exposições no seu espaço público denominado Lumiar Cité.” (texto da folha
de sala desta exposição realizada na Galeria Avenida da Índia entre 23.06 e 08.09.19].
quisermos, a la Duras, um amor que recusa todos os compromissos, no sentido de
“todos os ‘arranjos’ habituais entre os géneros (...) um amor que [vem] de longe, (...)
Bausch, Alexander Kluge, Manthia Diawara, Rafael Bordalo Pinheiro, entre outros,
estantes com livros, tomadas de electricidade; exemplos que dão forma a um espaço
objectos de interesse, como lhes chamou Allan Sekula, arte e pedagogia, zonas de
troca que mutuamente se implicam nesta exposição que corporiza a ideia de uma
Entre a Maumaus e a Lumiar Cité, é a vida e a arte que se vão escrevendo. O direito a,
sentimento amoroso desse tipo, (...) é vivido ao mesmo tempo como direito a estar
A eternidade, feita de tempo, nem sempre povoa uma exposição. Para a encontrarmos,
será preciso, como lhe chamou Borges, um certo “estilo do desejo”. Será preciso
quelque chose. O amor a qualquer coisa. Qualquer coisa como o amor. A eternidade
X. desconhecido
Sir? Sir? You would understand everything.
We are destined to sail forever, to live forever.5
3
Marguerite Duras - Vida Material. Lisboa: Difel, 1994, p. 94.
4
Roland Barthes - “A crise do desejo”, in O Grão da Voz. Lisboa: Edições 70, 1982, p. 354.
5
Alexandr Sokurov - Russian Ark, filme, 2002.
Uma exposição, como o raio-X 6 é um objecto desconhecido. Está lá para que
avancemos. O que dela podemos saber é apenas o que somos capazes de supor. Atrai-
Lacan. Faz-se uma exposição como se faz amor. Disse Artaud que a inteligência é a
Amar é querer ser amado, diria Lacan a Sócrates. Só amamos aquilo de que nos
aquilo que está fora. “Ex”: o correspondente em língua portuguesa. O mesmo de ex-
P. produção
Wild House (Act I) Filigree Sidewalk (Act II) e Deconstruction of the Factory (Act
III) integram o projecto Traces of Disappearing (In Three Act), de Igor Grubić, com
na Croácia, o artista associa o filme How Steel was Tempered. Este projecto vem
6
Assim baptizado pelo físico Wilheelm Conrad Rontgen que desconhecia a natureza da luz que
acabara de descobrir.
7
Platão - O Banquete. Lisboa: Edições 70, p. 67.
8
Gilles Deleuze - Conversações. Lisboa: Edições Fim de Século, 2003, p. 33.
urbano, da gentrificação, da forma como vão desaparecendo profissões tradicionais,
periferia é centro ou que, afinal, tudo se equivale, tornou-se um dos modos de ser do
convocados para o filme que, através da relação pai-filho, ainda é capaz de nos fazer
Há exposições assim, que nos falam da renúncia política e do tempo despedaçado, das
O. ouvir
Há exposições feitas para serem vistas mas são pássaros que ouvimos. Exposições
timpanizadas, diria Nietzsche. Acontece o mesmo com o amor, quando tudo mostra e
“preenche por inteiro o espaço entre uns e outros, permitindo que o Todo se encontre
Há artistas que no lugar do coração têm uma grande orelha, são ornitólogos do
mundo. Flores, terra, café, papéis, tintas, velas, telas, madeiras, vidros, carvão,
garrafas, roupas, algodão, linho, sacos, comida. Sinos em cima de uma mesa.
9
Albert Camus - A Queda. Lisboa: Livros do Brasil, s/d, p. 92.
10
Platão - O Banquete. Lisboa: Edições 70, 2001, p. 70.
Palavras. Como uma pintura. O terceiro ouvido: a ética de uma certa ideia de pobreza.
I. i love you
A perseverança é necessária. (...) O amor detesta qualquer atraso: se não tem carro, faça o
caminho a pé. (...) O amor é uma espécie de serviço militar. Para trás, homens cobardes.12
através da qual o amor se faz. Por isso ela não é do território da simples comunicação
mas do abalo que nos arrasta para o sentido agostiniano da medida do amor como
amor sem medida. Não impõe a tirania do código, antes se alastra como uma
Ç. Ã. O. oração
Se pretendes saber como isto sucede, interroga a graça e não a ciência; o desejo e não a
inteligência; o clamor da oração e não o estudo dos livros (...) a treva e não a claridade.13
Uma oração é uma prece, um apelo. Uma exposição é um desejo e ninguém recebe
senão quem deseja.14 Poderíamos construir uma teoria do desejo a partir de uma ideia
11
Exposição retrospectiva de Jannis Kounellis na Fondazione Prada, 11.05-24.11.19. Curadoria de
Germano Celant.
12
Ovídio - A arte de amar. Porto Alegre: L&PM Editores, 2001, p. 56.
13
S. Boaventura- Itinerário da mente para Deus. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 1973, p.
193.
14
Ibid., p.189.
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Eduarda Neves
Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UID/EAT/04041/2019.