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PARAÍSOS FISCAIS

Grazielle Pereira de Oliveira1


Renato Zanella Montefusco 2

RESUMO

A situação dos paraísos fiscais e os acordos de tributação (bi e pluritributação) diante


da atual crise financeira internacional, envolvendo operações com “paraísos fiscais” ,
com as seguintes hipóteses: se é uma prática BOA ou RUIM , sendo que deve haver
um levantamento jurisprudencial nacional e internacional para ambas hipóteses e
concluir qual das duas é aceita no Brasil apontando como é realizada essa atuação.
Explanar sobre a definição de paraíso fiscal (critérios de definição) internacional e no
Brasil e sua forma de atuação.

Palavras-chave: Paraísos Fiscais, Tributação, Crise Financeira

ABSTRACT

The situation of tax havens and tax agreements (bilateral and pluritributação) before
the current international financial crisis, involving operations with "tax havens", with the
following assumptions: it is a good or bad practice, and there must be a judicial survey
nationally and internationally for both hypotheses and conclude which of the two is
accepted in Brazil as pointing this action is performed. Explain about defining
international tax haven (definition criteria) and in Brazil and the way it operates

Keywords: Tax Havens, Taxation, Financial Crisis

1. INTRODUÇÃO
2

Com o ávido intercâmbio e crescente entre os vários países do mundo, o


fenômeno da bitributação e da pluritributação internacional é cada vez mais camum e
de forma alguma não pode ser ignorado, sob pena de abrirem-se portas para a evasão
internacional.

No presente trabalho, busco explorar, mas não esgotar o estudo desse tão
conhecido fenômeno e das formas de tratá-lo, sendo tão prejudicial aos negócios
internacionais e ao próprio processo de integração mundial.

2. REFERENCIAL TEÓRICO
3

O presente trabalho busca referenciar-se na situação dos paraísos fiscais e os


acordos de tributação (bi e pluritributação) diante da atual crise financeira
internacional, envolvendo operações com paraísos fiscais.

3. METODOLOGIA
4

O método a ser utilizado na presente pesquisa, será a bibliográfica, fundada


em doutrinadores e pesquisadores do tema Paraíso Fiscal.

4. PARAÍSOS FISCAIS: CONCEITO


5

A expressão “paraísos fiscais” traz em seu bojo concepção equivocada e


distante do conceito doutrinário e teórico acerca do tema, sofrendo, inclusive,
demasiada crítica.

Muitas vezes o que se percebe é que a expressão reflete a ideia de que os


paraísos fiscais estão associados a atividades ilícitas ou apenas seriam aqueles
lugares de beleza estonteante. Contudo tais concepções distanciam-se da realidade.

Além disso, os Estados assim denominados podem o ser não para qualquer
atividade, mas existem Estados que recebem essa qualidade no que tange a
atividades específicas. Isso pode ser observado nos Estados Unidos e no Uruguai no
que se refere as atividades off-shore e na Holanda para atividades ligadas a holdings
internacionais.

Assim, desassociando a definição de paraísos fiscais desses pré-conceitos,


pode-se definir, de acordo com a doutrina mais acertada sobre o tema, paraísos fiscais
como sendo:

“um país ou um território que atribua a pessoas físicas ou


colectivas vantagens fiscais susceptíveis de evitar a tributação
no seu país de origem ou de beneficiar de um regime fiscal mais
favorável que o desse país”.1

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico


(OCDE) podem ser utilizados quatro fatores para determinar que certa localidade é
um paraíso fiscal. São eles:

a) a não imposição de impostos ou a imposição apenas de impostos indiretos


com a conjugação dos outros fatores;

b) ausência de transparência em relação aos impostos tributados;

1
André BEAUCHAMP, Guide Mondiale des Paradis Fiscaux, 1981, p. 39.
6

c) a proibição de troca de informações fiscais entre países; e

d) a extensão de benefícios fiscais a não residentes.

Portanto, para se determinar que um certo Estado é um paraíso fiscal não basta
o benefício de que a tributação em relação a impostos seja reduzida. Necessário se
faz a conjugação de diversos outros fatores.
7

5. CONCEPÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A matéria foi trazida pioneiramente ao ordenamento jurídico brasileiro pela Lei


Federal nº 9.430 de 27 de dezembro de 1.996, que trata da legislação tributária
nacional e traz a definição legal de paraísos fiscais, denominando-o de países com
regime fiscal privilegiado.

Reúne essa lei os fatores para que diante da lei brasileira determinada
localidade seja considerada um paraíso fiscal.

Assim considera-se com regime fiscal privilegiado aquela localidade que não
tribute a renda ou a tribute com alíquota máxima inferior a 20%. Além disso deve
conceder vantagens fiscais a não residentes; não tributar os rendimentos alcançados
fora do território nacional, ou fazê-lo com alíquota inferior a 20%; e por último não
pode permitir acesso a informações.
8

6. DA ELISÃO FISCAL

A utilização de Estados com regime fiscal privilegiado para o depósito de


rendimentos auferidos pode trazer a baila o fenômeno da elisão fiscal, assim como a
evasão fiscal.

De acordo com Sasha Calmon a elisão fiscal corresponde à economia lícita de


tributos enquanto a evasão fiscal à sonegação ou à simulação.2 Na verdade o que
distingue esses fenômenos é o momento em que ocorrem.

Na elisão fiscal o contribuinte visando obter vantagem com tributações


reduzidas toma as medidas adequadas para que tal fato ocorra antes da subsunção
da norma tributária ao caso concreto. Enquanto que na evasão fiscal após a
ocorrência do fato gerador procura o contribuinte se esquivar do pagamento do tributo
devido.3

Segundo Huck (1997, p.62):

“Conhecida e estudada desde o início do século XX, a elisão converte-


se em fenômeno destacado no universo tributário a partir da década
de 70. Concomitantemente com o melhor e mais eficiente
aparelhamento das máquinas fiscais dos Estados, surge a tentação do
contribuinte em utilizar-se de instrumentos contratuais atípicos, seja
para aproveitar as lacunas do ordenamento tributário, seja para fugir
à aplicação da norma, com o objetivo de evitar uma carga tributária
mais onerosa. Com o passar dos anos, a distinção entre evasão e
elisão torna-se ainda mais sutil, em termos de configuração jurídica,
cada vez que a elisão fiscal é montada com a utilização de
instrumentos jurídicos particularmente anormais, com formulação
excessiva destacada de um arsenal mínimo que o ordenamento põe à
disposição do indivíduo.”

2
Apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da Evasão e da Elisão em Matéria Tributária
Planejamento Fiscal – Teoria e Prática São Paulo: Dialética, 1998,p. 174.
3
Apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da Evasão e da Elisão em Matéria Tributária
Planejamento Fiscal – Teoria e Prática São Paulo: Dialética, 1998,p. 174.
9

Percebe-se dessa forma que os meios utilizados pelo contribuinte na elisão


fiscal são lícitos, posto que não proibidos pelo ordenamento jurídico, enquanto que na
evasão fiscal os meios utilizados pelo contribuinte para o não pagamento de tributos
são baseados em fraude, sonegação e simulação.4

Por isso destacou-se linhas acima que os paraísos fiscais nem sempre estão
associados a atividades ilícitas, já que a elisão fiscal que ocorre com a utilização de
países com regime de tributação privilegiada por meio de empresas off-shore é
perfeitamente possível e não proibida pelo ordenamento.

A prática que deve ser combatida é quando da geração de riquezas incidência


do fato gerador da tributação ocorra a evasão fiscal, com a remessa dessa riqueza a
paraísos ficais para se evitar a incidência da tributação.

4
Apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da Evasão e da Elisão em Matéria Tributária
PlanejamentoFiscal – Teoria e PráticaSão Paulo: Dialética, 1998,p. 174.
10

7. DA BITRIBUTAÇÃO E DA PLURITRIBUTAÇÃO

A pluritributação pode ser definida como a previsão em duas ou mais normas


do mesmo fato gerador tributário.

Essas normas podem estar previstas dentro de um mesmo ordenamento


jurídico, quando ocasionará o fenômeno da bitributação, ou podem se dar entre
ordenamentos jurídicos diferentes acarretando na dupla tributação internacional.5

Essa dupla tributação internacional, assim com questões de


extraterritorialidade normativa em geral, acarretam conflitos de normas no espaço a
ser solucionado ao se determinar qual o ordenamento jurídico deve prevalecer diante
de certo caso concreto.

Na verdade esse fenômeno ultrapassa a questão meramente normativa, já que


deve ser tratado no âmbito da soberania de cada Estado, sendo que a regra para a
maioria dos ordenamentos jurídicos é que internamente devem prevalecer suas
próprias leis em detrimento da intervenção normativa externa.

Segundo Heleno Tôrres, o surgimento do fenômeno da pluritributação


internacional se deve as relações entre dois ou mais sistemas tributários de entes
soberanos, que possuem a mesma intenção tributária sobre o mesmo fato gerador.6

No entanto, não há qualquer irregularidade na pluritributação internacional, ao


contrário do que possa parecer. É muito comum os ordenamentos jurídicos preverem
exceções a territorialidade das normas e determinando que em certo caso concreto
incidirá previsão normativa alienígena em detrimento da normatividade interna.

Na verdade isso se deve a adoção de um dos dois regimes ou o da


universalidade ou da territorialidade. Países que adotam a universalidade tributam

5
TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as rendas das empresas. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 374-375
6
TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as rendas das empresas. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
11

independentemente da nacionalidade do indivíduo, do local de sua residência ou de


onde surgiu o fato gerador da obrigação tributária.7

Já a doção da territorialidade implica na tributação de fatos geradores ocorridos


em seu território e previstos em seu ordenamento jurídico interno. 8Nesse caso, o
Estado tributa todas as rendas cujas fontes se encontrem em seu território, sem
considerar a residência ou a nacionalidade das pessoas que as auferem9

Nota-se dessa forma, que a adoção da universalidade pode gerar diversos


casos de pluritributação internacional.

Além disso, para a configuração da pluritribução é necessário a identidade do


fato e a pluralidade de normas.

A identidade do fato é caracterizada pela identidade de todos os elementos que


compõem esse fato. Dessa forma, necessárias se fazem a identidade do objeto, do
período tributário, do próprio tributo e a identidade de sujeitos da relação tributária.10

A identidade do objeto significa a identidade de fatos geradores ou da hipótese


de incidência. Assim as duas normas precisam prever exatamente o mesmo fato
gerador que quando configurado no caso concreto acarretará a incidência tributária
proveniente de duas normas distintas.

Em relçao a identidade do período tributário, essa apenas se fará necessária


quando se tratar de tributos periódicos por natureza, como, por exemplo, o imposto
sobre a renda. Quando se tratar, por exemplo, de imposto sobre transmissão de bens,
não se aplica tal identidade, devendo ser analisada a existência de identidade da
própria trasmissão do bem 11

7 BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi,
Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001
8
TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as rendas das empresas. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 385-386.
9
BORGES, Antônio de Moura. Considerações Sobre a Dupla Tributação Internacional. Jus Navigandi,
Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001
10
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005,
p.33.
11
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005,
p. 34-35.
12

A identidade do tributo não é de facial aferição de plano, se fazendo necessária


uma adaptação e um trabalho de aproximação para se identificar se o tributo previsto
nas normas distintas para aquele fato gerador é o mesmo. Isso ocorre porque os
ordenamentos jurídicos são baseados em princípios diversos, o que faz com que a
comparação entre um tributo e outro não possa ser feita com critérios formais rígidos.12

Apesar de alguns doutrinadores entenderem que basta a identidade dos três


elementos acima, baseando-se em critério meramente13,há doutrinadores que ainda
entendem que para se caracterizar a pluritributação é necessária, além das
identidades de elementos já estudadas, a identidade do sujeito.14

Quanto a pluridade de normas necessário se faz que faça parte de


ordenamentos distintos. Em se tratando de pluritributação internacional, devem
pertencer a ordenamentos jurídicos de Estados soberanos diversos 15.

8. ACORDOS DE TRIBUTAÇÃO

8.1 DINÂMICA DOS ACORDOS INTERNACIONAIS RELACIONADOS A


BITRIBUTAÇÃO

12 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
13 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005
14
XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
15
TÔRRES, Heleno. Pluritributação Internacional sobre as rendas das empresas. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 400-401.
13

A bitributação, conforme genericamente exposto acima, caracteriza-se quando


dos entes pertencentes ao mesmo Estado, ou seja, o mesmo ordenamento jurídico
interno prevê a incidência de dois tributos distintos para o mesmo fato gerador.

É importante destacar que ao contrário do bis in idem a bitributação não é


expressamente proibida pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo que a
Constituição da República de 1988 prevê sua ocorrência em determinadas hipóteses.

Deve-se sempre lembrar que para a caracterização da bitributação necessárias


se fazem a identidade dos quatro elementos que compõem o fato gerador, inclusive o
elemento subjetivo, apesar da divergência doutrinária já apontada.

Conforme o professor Heleno Torres, a problemática apresentada na questão


da bitributação internacional está localizada na relação entre dois ou mais sistemas
tributantes de estados soberanos, instigada por inevitáveis concursos de pretensões
impositivas sobre um mesmo ato de produção de rendimentos, em base
transnacional.16

A bitributação internacional apesar de não proibida deve ao máximo ser evitada


tendo em vista o princípio da justiça fiscal, além de interefrir negativamente na
economia.

Alguns tratados e convenções internacionais tendo em vista os aspectos


negativos da bitributação buscam soluções para evitar ou diminuir seus efeitos.

Paralelamente a isso alguns Estados buscam soluções unilaterais para a


resolução dessas questões concedendo isenções ou reduzindo alíquotas de tributos,
contudo as soluções mais adequadas são obtidas através de acordos e tratados
internacionais.

Nesta perspectiva, por meio de tratados e convenções internacionais podem os


Estados contratantes delimitar sua soberania tributária, determinando serem a fonte
produtora de normas tributárias aplicáveis as sedes que constam em seu território.

16TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001. p. 372.
14

Ademais, os tratados e convenções internacionais, podem estabelecer como


objetivo a eliminação da bitributação internacional econômica, concedendo a dedução
dos valores pagos por outro sujeito passivo com tributos no estrangeiro.

Uma grande questão, contudo, é o posicionamento desses tratados firmados


no âmbito internacional face o ordenamento jurídico interno.

9.A CONFIANÇA MONETÁRIA

A confiança depositada pelo restante dos participantes do mercado que permite


às instituições financeiras, notadamente os bancos, operarem de maneira ilíquida.
Além disso, foi devidamente mencionado o impacto destrutivo que o abalo dessa
confiança pode trazer, levando à ocorrência das corridas bancárias, evento ocorrido
nas décadas anteriores e um dos principais temores das autoridades monetárias.

Confiança é um conceito sobre o qual adquirimos determinado grau de


compreensão através do senso comum (GAMBETTA, 1992, p. 401).
15

Uma das primeiras abordagens analíticas acerca desse importante conceito foi
realizada por Luhmann (1996, p. 5, 39-40), para quem a confiança teria o papel de
redutor de complexidade, que nos permitiria agir racionalmente diante de infindáveis
escolhas possíveis aliadas a necessidades imediatas de ação, as quais, sem a
presença desse sentimento, levariam à insuportabilidade do próprio convívio social.
Sob esse aspecto, a confiança genericamente cumpriria o papel de fornecer guias ou,
como prefere Barber (1983), mapas de expectativas, viabilizando os contatos sociais
contínuos, bem como a sua ordenação.

No caso do sistema financeiro, essa expectativa de confiança repousa sobre


aqueles que dirigem os recursos aportados às instituições financeiras. Os intrincados
regramentos financeiros, as complexas operações envolvidas, a contabilidade
monumental tornam impossível à maioria dos usuários dos serviços financeiros o seu
controle através de conhecimentos científicos, motivo pelo qual é confiado aos
gestores.

As fraudes são, historicamente, uma das maiores razões pelas quais bancos
se tornaram insolventes e uma das formas mais graves de rompimento da confiança,
liame do qual, segundo já observado, depende todo o sistema financeiro (KAUFMAN,
2000, p. 85). Também assim, a atuação conscientemente irresponsável do gestor,
desalinhada dos parâmetros que norteiam o gerenciamento dos riscos estabelecidos
pelas autoridades administrativas, ou pela regulamentação interna da própria
instituição financeira, pode levar a um rompimento da confiança, trazendo abalo ao
setor.

Nesse contexto, as elementares fraudulentamente e temerária devem ser, a


exemplo das demais elementares do tipo, caracterizadas como tais no horizonte
compreensivo dos delitos, agregando tipicidade ao art. 4º da Lei n. 7.492/86 na medida
em que forem aptas a violar a confiança dos depositantes, desencadeando a situação
de risco requerida como resultado típico.
16

10. GESTÃO FRAUDULENTA: A FRAUDE COMO ELEMENTO


NECESSÁRIO, PORÉM INSUFICIENTE À CONFIGURAÇÃO TÍPICA

A economicidade legislativa que paira sobre o art. 4º da Lei n. 7.492/86 poderia


ensejar, em leitura descomprometida, que o tipo objetiva a punibilidade da fraude pela
fraude, operada na gestão de uma instituição financeira, o que não se pode aceitar.

Embora a fraude seja elemento do delito, este não se esgota na fraude, senão
que requer um resultado por ela intermediado. Assim o é na tradição do Direito Penal
brasileiro, no qual a fraude está historicamente associada a um evento (real ou
potencial) a ela externo (v.g., arts. 155, § 4º, 171, 179, 203, 215, 227, 230, 299, 306,
307, 334, 337-A, todos do Código Penal).
17

A fraude não é per se relevante dentro do horizonte compreensivo do tipo (risco


sistêmico). Apenas o será quando, pela sua gravidade, for capaz de gerar uma
desconfiança em relação ao funcionamento da instituição, apta a trazer a reação dos
depositantes, que assim se veriam estimulados a romper os vínculos existentes com
essa instituição e abster-se de realizar novos negócios.

Assim, por exemplo, uma específica apropriação fraudulenta de valores de


determinado cliente, praticada pelo gerente “X” da instituição financeira “Y”, não leva,
por si só, ao resultado requerido pelo tipo do art. 4º da Lei n. 7.492/86. Outras figuras
típicas estão, na mesma lei, predispostas a fazer frente a ilicitudes em menor extensão
(v.g., arts. 5º, 6º, 7º, 9º, 10 e 11).

GESTÃO TEMERÁRIA: O NECESSÁRIO RECURSO AO MARCO


REGULATÓRIO

São conhecidos os problemas decorrentes do tipo penal de gestão temerária


de instituição financeira (art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 7.492/86), principalmente
diante das diversas construções de sentido em torno do elemento subjetivo do tipo
(dolo direto, eventual – ou culpa) e, também, diante de sua extrema abertura textual.

Deve-se, inicialmente, afastar seu entendimento enquanto um delito de dolo


eventual. Essa interpretação é diretamente extraída da doutrina que estudava a Lei n.
1.521/51, uma vez que, sob a égide da Lei de Economia Popular, o termo
“temerariamente” era mero indicador de dolo eventual (OLIVEIRA, 1952, p. 154),
dependente do resultado para complementar seu sentido (o resultado definia o risco
18

que o agente assumia). Todavia, a remoção do “resultado material” do crime, na


versão final do projeto que logrou aprovação, determinou a insustentabilidade dessa
posição, porquanto implicaria que o significado do tipo resumir-se-ia a gerir uma
instituição financeira com “dolo eventual genérico”, criação sem qualquer sentido. O
dolo é, pois, direto21.

Outrossim, ante a vagueza da redação do tipo, já houve robusto


pronunciamento judicial acerca de sua inconstitucionalidade22, por ofensa ao
mandado constitucional de determinação taxativa (art. 5º, XXIX, da CF/88). A nosso
ver, a única maneira de salvar o delito passaria por compreender que a ilicitude penal
está, no caso, estritamente vinculada às diretrizes fixadas pela autoridade
administrativa no gerenciamento do potencial de risco admitido na gestão de uma
instituição financeira.

Haveremos, assim, de vislumbrar a elementar temerária como um elemento


normativo, para cuja adjudicação de sentido se faz necessário o recurso ao marco
regulatório específico, sobretudo porque traduz uma valoração negativa de conduta
que, antes de pertencer ao mundo do Direito, assenta-se como tal no âmbito do
mercado financeiro. Não se trata, pois, de um juízo que se possa fazer sem a
mediação ou, pelo menos, sem o auxílio das diretrizes administrativas (econômico-
financeiras) que visam a limitar o risco das diversas operações realizadas no âmbito
das instituições financeiras.

Apenas para exemplo, é o Banco Central do Brasil que determina que as


instituições financeiras cumpram limites de riscos previstos nos Acordos de Basileia (I
e II), que uniformizaram, em linhas gerais, a administração de riscos do sistema
financeiro internacional dos países signatários (FERNANDES, 2006, p. 319).

Após Basileia I23, o Conselho Monetário Nacional regulamentou os limites


mínimos de capital realizado e patrimônio líquido para instituições financeiras, no
objetivo de adequar o mercado financeiro aos padrões de solvência e liquidez
internacionais (Resolução CMN 2.099/2004). Segundo Fortuna (2005, p. 699-700),
essa Resolução, em seus quatro anexos24, consolidou a mais importante mudança
realizada no mercado financeiro até então, dentro dos últimos 30 anos.
19

Paralelamente, a autarquia monetária atua como autoridade normativa,


estabelecendo padrões mínimos de capital e de limites operacionais, assim como os
procedimentos aplicáveis aos casos de descumprimento (Resolução CMN
3.398/2006). No mesmo tom, e também exemplificativamente, o Banco Central
estabelece diretrizes e vedações específicas acerca do gerenciamento do risco de
crédito, limitando a exposição da instituição por cliente (Resolução CMN 2.844/2001)
e vedando as instituições financeiras de realizar operações que não atendam aos
princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos, e conceder
crédito ou adiantamento sem a constituição de um título adequado, representativo da
dívida (Resolução CMN 1.559/1998 e Resolução CMN 3.258/2005).

Apenas no que concerne à Basileia II, a normatização decorrente abrange


critérios de regulamentação a priori inatingíveis para os operadores do Direito,
versando, exemplificativamente, sobre:

a) o Patrimônio de Referência Exigido (Resolução CMN 3.490/2007);

b) o descumprimento dos padrões mínimos de capital e limites (Resolução


CMN 3.398/2006);

c) a classificação contábil na transferência de ativos (Resolução CMN


3.533/2008);

d) a retenção dos riscos na transferência de ativos (Carta-Circular BACEN


3.361/2008);

e) o controle do risco de liquidez (Circular BACEN 3.393/2008);

f) a apuração de limites e padrões mínimos (Circular BACEN 3.398/2008);

g) o Demonstrativo de Risco de Mercado Mensal (Carta-Circular BACEN


3.376/2009);

h) o Demonstrativo do Risco de Liquidez (Carta--Circular BACEN 3.374/2009);

i) o Demonstrativo de Limites e Padrões Mínimos (Carta-Circular BACEN


3.415/2009);
20

j) o Demonstrativo do Risco de Mercado Diário (Carta-Circular BACEN


3.331/2008);

k) a Estrutura de Gerenciamento do Risco Operacional (Resolução CMN


3.380/2006);

l) a Estrutura de Gerenciamento do Risco de Crédito (Resolução CMN


3.721/2009);

m) a Estrutura de Gerenciamento do Risco de Mercado (Resolução CMN


3.464/2007);

n) critérios para Classificação na Carteira de Negociação (Circular BACEN


3.354/2007);

o) a mensuração do Risco de Taxas de Juros (Circular BACEN 3.365/2007);

p) limites de Exposição Cambial (Resolução CMN 3.488/2007) etc.

Tudo a indicar, enfim, que não será o juiz, salvo melhor juízo, a estabelecer
contracritérios – ou metacritérios – ditando padrões de atuação distintos daqueles
fixados pela autoridade competente e encarregada, em primeira mão, de resguardar
o regular funcionamento do sistema financeiro nacional.

Ainda assim, embora elemento necessário, a violação à regra administrativa


não seria requisito suficiente à afirmação de um juízo de tipicidade penal, sempre
carente da verificação de outros elementos à luz do caso concreto; sobretudo, a
análise quanto à significativa possibilidade de afetação do bem jurídico.
21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Certo é que ambos estão vinculados à política e nosso objeto de análise não
admite o desprezo a esse contexto. Um contexto em que a política criminal, se não
está a serviço das políticas econômicas (monetária, cambial, fiscal), tampouco guarda
absoluta independência em relação a elas.

Por essa razão, o Direito Penal, ao interpenetrar o ambiente econômico-


financeiro, parece não haver como prescindir dos motivos determinantes da regulação
do específico setor, considerada sua lógica de funcionamento, os riscos que lhe são
inerentes e as ameaças que o cercam, um passo absolutamente necessário ao
dimensionamento da zona de (i)licitude penal.

No âmbito do art. 4º da Lei n. 7.492/86, hão de se manter essas pontes de


conexão; a indeterminabilidade acerca da real amplitude do tipo penal, em face de
sua concisa redação, exige, pelo menos, que a compreensão de suas elementares
esteja integralmente orientada aos motivos que justificaram a criação dos delitos em
22

questão, os quais têm na significativa possibilidade de dano (geração de risco


sistêmico na perspectiva de uma perda de confiança apta a trazer a reação dos
depositantes) a precisa situação de ofensa ao bem jurídico, resultado este
inegociavelmente requerido pelo tipo.

Afigura-se-nos seja esse um caminho necessário a alcançar a almejada


pretensão de eficiência do sistema jurídico-penal. Um sistema que não pode
barganhar – ou, pelo menos, não pode barganhar legitimamente – um superávit de
eficiência à custa da relativização de garantias fundamentais.

REFERÊNCIAS

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Método, 2008.

AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Arts. 98 a 100. In: MARTINS, Ives Gandra da
Silva (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva,
1998. v. 2. p. 31-45.

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

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Acesso em: 15 jun. 2007.

BARROS, Sérgio Resende. Lei n° 8.666: Lei Federativa. Revista do Tribunal de


Contas do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 73, p. 55-58, out. 1993.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo:
Saravia, 2001.
23

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