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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2014.0000583696

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº


0009885-34.2012.8.26.0223, da Comarca de Guarujá, em que são
apelantes MARIA ANTONIETA DE BRITO e PREFEITURA MUNICIPAL DE
GUARUJÁ, é apelado PAULO CESAR CLEMENTE.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de


Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria, deram
provimento em parte ao apelo da ré Maria Antonieta de Brito. Vencido o
relator sorteado que continuará com a relatoria, consignando a
divergência, e, por unanimidade, deram provimento em parte ao recurso
do Município.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.


Desembargadores JOÃO CARLOS GARCIA (Presidente), CRISTINA
COTROFE E JARBAS GOMES.

São Paulo, 10 de setembro de 2014

João Carlos Garcia


PRESIDENTE E RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
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VOTO

EMENTA - AÇÃO POPULAR - LICITAÇÃO - EXIGIBILIDADE


- Contratação de artista por intermédio de empresa
com carta de exclusividade - Pretensão de
reconhecimento de “exclusividade fabricada” -
Ocorrência - Ausência de contratação diretamente
com o artista - Cartas de exclusividade irregulares que
se mostram insuficientes para a contratação -
Contrato nulo - Dolo e dano ao erário configurados -
Não reconhecimento da litigância de má-fé por parte
do autor da ação popular – Provimento, em parte, do
apelo da ré, para excluir do da restituição reparadora
o valor dos cachês efetivamente pagos aos artistas,
apurado em liquidação - Apelo do Município provido,
em parte, para dele afastar o pagamento de custas e
despesas de que está isento – Encargos de
sucumbência, incluindo verba honorária fixada na
sentença, repartidos na proporção de dois terços para
os réus e um terço para o autor. Apelos em parte
providos.

1. Trata-se de ação popular ajuizada por PAULO


CESAR CLEMENTE contra MARIA ANTONIETA DE BRITO, STYLLUS CARD
COMUNICAÇÕES LTDA ME. e MUNICÍPIO DO GUARUJÁ, objetivando a
declaração de nulidade, ilegalidade e invalidade da contratação
da empresa ré por não ter sido precedida de regular licitação.

Consta na inicial que a MUNICIPALIDADE DO


GUARUJÁ, através da sua Prefeita MARIA ANTONIETA DE BRITO, para
a realização do evento “Shows Musicais de Festejos Juninos 2012”,
contratou de maneira direta a empresa ré, detentora de cartas de
exclusividade dos artistas escolhidos para se apresentarem. Diz o

Apelação 0009885-34.2012.8.26.0223 - Guarujá - VOTO 27252 – RGV


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autor que tal exclusividade foi fabricada para afastar a necessidade


de realização de licitação prévia e beneficiar a empresa requerida,
causando dano ao erário público (fls. 02/08).

A tutela antecipada foi deferida (fls. 55/57), mas


posteriormente revogada por decisão que concedeu efeito
suspensivo ao Agravo de Instrumento nº 0130664-08.2012.8.26.0000
(fls. 71/73).

Às contestações (fls. 85/101, 302/312 e 319/339) e


réplica (fls. 353/356), sobreveio sentença de procedência do pedido
inicial, reconhecendo a nulidade do contrato e condenando as rés,
solidariamente, à devolução do valor de R$ 350.000,00 (fls. 368/375).

Inconformados com a decisão, MARIA ANTONIETA


DE BRITO e a MUNICIPALIDADE DO GUARUJÁ apelam insistindo na
legalidade da contratação e na ausência de dano ao erário
público. Pretende, ainda, a prefeita, a condenação do autor à
litigância de má-fé, enquanto que a MUNICIPALIDADE requer, no
caso de mantida a sentença, a redução dos honorários
advocatícios e sua exclusão do pagamento dos ônus sucumbenciais
(fls. 382/413 e 418/432).

Contrarrazões (fl. 438/442 e 445/448) e parecer, pelo


desprovimento, da Egrégia Procuradoria de Justiça (fls. 450/457 e
462/469).

É o relatório.

2. Inicialmente, analisam-se os pedidos formulados


por MARIA ANTONIETA DE BRITO, concernentes ao diferimento do

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preparo e à concessão da assistência judiciária, acolhendo-se o


primeiro e rejeitando o segundo.

Com efeito, a lei de regência da ação popular (LEI


4.717/65, art. 10), prevê a possibilidade das partes adiarem para o
final da ação o pagamento das custas e preparo, sem distinção
quanto á posição que figuram na relação processual, nos termos da
regência estadual da chamada taxa judiciária, (LEI ESTADUAL
11.608/03, art. 2º, §6º), que assim dispõe: “na ação popular, a taxa
será paga ao final”.

O mesmo não ocorre com a gratuidade postulada,


certo de que os serviços judiciários não são gratuitos, senão quando
os seus usuários comprovem insuficiência de recursos para provê-los,
sem comprometimento da subsistência própria ou da família
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, artigo 5º, LXXIV).

Essa é a interpretação que se perfilha da LEI


1.060/50, em conformidade com os postulados jurídicos da tutela
jurisdicional, conferidas pelo livre convencimento judicial. Por essa
razão, a alegação isolada de insuficiência de recursos configura
presunção simples, carente de comprovação, pena de indevida
oneração do Estado com a graciosidade indiscriminada em prejuízo
dos que efetivamente dela são os seus destinatários.

No mais, embora alegada, a sua comprovação


não veio para os autos conjuntamente com o recurso interposto, de
modo que o pleito assistencial não pode ser concedido.

3. No mérito, os recursos não convencem.

Deveras, a presente ação firma-se nas

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irregularidades praticadas pela Prefeita Municipal do Guarujá,


MARIA ANTONIETA DE BRITO, no contexto de festividade municipal,
conhecida por “Shows Musicais de Festejos Juninos 2012”,
consistente em indevida inexigibilidade de licitação na contratação
de STYLLUS CARD COMUNICAÇÕES LTDA ME., com dano ao erário.

A sentença afastou a dispensa de licitação ao bom


argumento da inconsistência da prova de exclusividade de
promoção dos artistas apresentada pela empresa corré e constante
de procedimento administrativo (fls. 120, 125, 135, 137, 139, 146, 148,
151, 155, 176, 180, 182, 190 e 193), entendendo ser, na realidade,
simples promotora do evento, com programação ostentada em
data anterior à das cartas de exclusividade, além de não ostentar a
natureza de empresário exclusivo, cuja contratação a Lei de
Licitações confere a possibilidade de dispensa do certame.

Com efeito, sobre a dispensa de licitação, dispõe o


ordenamento de regência (LEI 8.666/93, art. 25, inciso III):

Artigo 25: É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de


competição, em especial:

...

III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico,


diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que
consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

A controvérsia dos autos reside em saber se STYLLUS


CARD COMUNICAÇÕES LTDA ME. enquadra-se, ou não, no conceito
de empresário exclusivo de artista e se, as cartas por ela
apresentadas e juntadas, foram ou são suficientes para permitir sua
contratação direta.

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O Procedimento Administrativo 017225/2012 foi


instaurado com o encaminhamento da programação das
festividades elaborada pela empresa ré, datada de 21 de maio de
2012 (fls. 108/110). Ao que se verifica das cartas juntadas, na referida
data, a empresa não detinha ainda nenhuma exclusividade, o que
somente veio a obtê-la posteriormente, robustecendo a conclusão
da sentença de que a dicção “empresário exclusivo” não passou de
expediente para fraudar a lei de certames administrativos.

Além disso, os documentos por ela juntados, à guisa


de tal comprovação, são de extrema fragilidade probatória, na
exata medida em que sequer contêm declaração firmada pelos
artistas dos quais se autoproclama empresária exclusiva, senão de
um suposto representante a conceder tal exclusividade para a data
do evento.

Ao que se vê não é a STYLLUS CARD que gerencia


ou cuida dos contratos do profissional do setor artístico, senão que
age como intermediária, promovendo eventos, conclusão que se
reforça à vista de seus objetivos sociais, de realização de exposições,
feiras, convenções e shows, entre os quais não incluindo o de
representação de artistas (fls. 111/116).

É de boa exegese interpretar restritivamente norma


que introduz tratamento excepcional, de modo que o
abrandamento do rigor das licitações para contratação de
profissionais do setor artístico (LEI 8.666/93, art. 25, III) não se se
estende às empresas promotoras de eventos culturais ou de lazer.

Ademais, as “cartas de exclusividade”

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apresentadas não atendem, nem minimamente, ao exigido por lei,


pois estão desacompanhadas de prova de representação do artista
e até mesmo do valor do cachê artístico negociado (fls. 120/193);
aliás, em relação ao cantor Felipe Strepavava, não se tem prova da
existência da questionada exclusividade, a não ser mera
declaração sequer direcionada à corré STYLLUS CARD (fls. 153).

Em resumo, não atendidos os requisitos legais, tem-


se por indevida a dispensa de licitação, sendo a contratação ilegal
e o contrato administrativo nulo.

O dolo, entendido como vontade consciente de


praticar o ato imputado na inicial, transparece na conduta da
aludida empresa, através do expediente para simular exclusividade
empresarial de artistas com o escopo de justificar a dispensa de
licitação, e do agente público pela aceitação, sem qualquer
questionamento, dos documentos do questionado agenciamento
artístico, malgrado as aparentes irregularidades.

Como ao ordenador da despesa cabe zelar pela


regularidade da contratação e consecução do interesse público,
pelos atos ilegais e ofensivos aos princípios da Administração Pública
ele responde. No caso, a então prefeita MARIA ANTONIETA DE BRITO,
que não logrou comprovar a responsabilização de outra pessoa,
nem demonstrar por que ela poderia se isentar da responsabilidade
pela gestão da verba pública de maneira negligente e temerária,
configurada na ausência de interesse público na contratação,
dispensa indevida da licitação e contratação direta com empresa
que apresentou “cartas de exclusividade” fabricadas e irregulares,

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deve responder.

Ao contrário, contra ela pesa o fato de já ter sido


processada pelo Ministério Público, por conta de igual
procedimento, concernente à festividade do ano anterior, como faz
prova a cópia da inicial da referida ação (fls. 20/34).

Demais disso, o procedimento administrativo para


dispensa de licitação baseia-se em parecer de servidora municipal,
Diretora Jurídica de Licitações (fls. 198/207), sem nenhum dado
concreto para a sua análise e conclusão, sequer, do prestígio dos
artistas ou de enquete para apurar eventual escolha pleito dos
munícipes, a não ser informação prestada graciosamente por outro
servidor municipal, Averaldo Menezes de Almeida, qualificado como
Coordenador da UPP (fl. 210), com base, ao que tudo indica, em
oferta precedentemente feita pela empresa corré, dispondo, antes
de sua escolha, sobre a programação a se realizar (fls. 108/110).

Embora os apelantes aleguem não ter ocorrido


superfaturamento na contratação e que o serviço foi prestado, está
configurado o prejuízo ao erário.

Deveras, apesar de inexistir informação quanto ao


cachê cobrado por cada um dos artistas para a realização dos
shows contratados pelo MUNICÍPIO, considerando os valores
presentes nos documentos que acompanharam as cartas de
exclusividade (fls. 121/124, 126/133, 136, 138, 140/145, 147, 149/150,
152, 154, 156/161, 163/172, 174/175, 177/179, 181, 183/189 e 191/192)
e o preço pago à contratada STYLLUS CARD (fls. 108/110), tem-se
que ao menos para as apresentações na 1ª Semana na Praça

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Possidônio, dos artistas Felipe Strepavava, Cantos Ricardinho e Algo


Mais, foi cobrado o valor de R$ 30.000,00, quando a soma dos
cachês resultaria em R$ 15.000,00.

O que se percebe é que o MUNICÍPIO, mesmo sem


saber o valor pago a cada artista, visto que tal informação não está
presente no contrato firmado, dispensou a licitação e contratou
diretamente a empresa ré, sem ao menos saber se o valor pago era
de fato justo.

Deste modo, indiscutível que a contratação direta


dos artistas seria mais vantajosa e a um preço menor, pois não
haveria a necessidade de pagar pela intermediação “realizada”
pela empresa ré.

Demais disso, como anotado na lição doutrinária


transcrita na sentença, de Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz (fls.
373/374), o prejuízo ao erário decorre de pagamento feito a
contratante de contrato radicalmente nulo, não se incorrendo no
risco de locupletamento ilícito, porque aqueles que tiverem prestado
serviço de boa-fé serão indenizados, com a vantagem, de resto, do
restabelecimento do prestígio dos princípios moralizadores da
Administração Pública.

Como não há provas concretas do quanto foi pago


a maior, e sendo o contrato administrativo nulo, correta a
condenação ao ressarcimento integral do valor pago.

Necessária, porém, ressalva quanto à condenação


do MUNICÍPIO DE GUARUJÁ que deve ficar isento do reembolso do
valor do contrato, afinal, é o destinatário direto do mesmo,

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persistindo, no entanto, as demais condenações ao pagamento das


custas e despesas processuais, bem como dos honorários
advocatícios.

Também não comporta acolhimento o pleito do


MUNICÍPIO de redução equitativa da verba honorária.

O arbitramento deve considerar os trabalhos


desenvolvidos, o tempo despendido e a complexidade da causa.

A sentença, observando tais critérios, bem dosou os


honorários em 10% sobre o valor da condenação, montante que
deve prevalecer.

Por fim, não merece acolhimento a alegada


litigância de má-fé do apelado.

A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (art. 5º, LXXIII), permite o


ajuizamento da ação popular contra ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural.

A alegação de revanchismo político do autor não


interfere com o interesse processual, nem com a legitimidade para a
defesa da sociedade na condição de cidadão, pois a motivação
pessoal do autor popular não exclui o cabimento da ação pelos
seus pressupostos objetivos.

Pelos motivos acima expostos, a sentença não


comporta reforma.

4. Ante o exposto, nega-se provimento aos

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